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domingo, 19 de setembro de 2021

História da vida privada (I): do Império Romano ao ano mil (Parte II) — Philippe Ariès e Georges Duby (Org.)

Editora: Companhia das Letras

ISBN: 978-85-359-1378-1

Tradução: Hildegard Fiest

Organização: Paul Veiny

Opinião: ★★★★☆

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Páginas: 648

Sinopse: Ver Parte I


 

1. O Império RomanoPaul Veyne

 

“E no entanto Roma, a mãe do direito pelo que se diz, deveria ser um Estado em conformidade com o direito, no qual ninguém seria obrigado a fazer o que a lei não prescreve e no qual a justiça pública substituiria o arbitrário. Ademais, o direito romano pode ser qualificado de individualista: a liberdade de divórcio é igual para os dois sexos, a propriedade pode ser livremente alienada, a liberdade do testador é muito ampla; não se impõe nenhuma crença religiosa, a cidade e cada indivíduo têm seus deuses favoritos, o braço secular deixa aos Deuses — se o podem — o cuidado de vingar as injúrias que lhes são feitas, e o respeito devido aos deuses que a cidade escolheu venerar limita-se à observância dos feriados; o direito de mudar de domicílio e de atividade econômica é incontestado. Acrescentemos que uma divertida indulgência em relação aos pecados sexuais, mesmo femininos, fora erigida em doutrina pelo próprio Senado. No entanto, também é verdadeiro, como observa Bleicken, que tacitamente esse liberalismo não faz senão “decorrer de um sentimento aristocrático da vida privada” e que Roma, não mais do que a Grécia, jamais garantiu de modo formal a liberdade em seu direito; este se considerava antes como o estabelecimento dos deveres piedosos para com as relações da casa, obrigações de fidelidade, responsabilidades patrimoniais e diferenças de legislação pessoal.

“Privado” em oposição a “público” é um dos adjetivos mais empregados da língua latina, porém não delimita positivamente a vida privada; seu sentido é negativo: qualifica o que um indivíduo pode fazer sem atentar contra seus deveres e suas atitudes de homem revestido de uma função pública; não erige um santuário no interior do direito privado, que não se sentia obrigados a respeitar o que respeitava de fato. Mera nuança formal, explicável pelos acasos históricos (nossas liberdades e direitos de homem nasceram de uma revolta contra o soberano)? Sem dúvida, porém essa ausência de garantia deixava a porta liberta a todos os perigos; semelhantes a tempestades, estes fizeram intrusões momentâneas, das quais a mais sangrenta foi a perseguição dos cristãos ou dos maniqueus.

A que se acrescentam, sob certos imperadores e por obra sua, pressões de ordem moral. Em princípio os soberanos romanos, diferentemente de seus homólogos chineses e japoneses, não tinham o que Maurice Pinguet chama de “o velho hábito confuciano de medir o poder proporcionalmente à ordem moral”. Alguns, porém — Augusto, Domiciano, os Severo ou Constantino —, quiseram corrigir os costumes por meio de decreto; Augusto tomou medidas severas, ao menos na aparência, contra o adultério da mulher; Domiciano obrigou os amantes a regularizarem sua união, mandou enterrar viva uma vestal que falhara em seu voto de castidade e proibiu aos poetas satíricos o uso de termos obscenos; os Severo fizeram do adultério do marido um delito e do aborto um crime contra o esposo e a pátria; a legislação de Constantino substitui por um rigorismo mais popular que verdadeiramente cristão o velho laxismo aristocrático… Esse moralismo era uma coisa muito particular: no mundo greco-romano, um legislador podia tentar revolucionar a sociedade por decreto; as leis nem sempre tinham a prudência de não se atrasar muito nem avançar demais com relação aos costumes. Pois a cidade era considerada não como um efeito de forças naturais de sociabilidade, mas, antes, como uma instituição nascida da lei e que se degradaria se o legislador não lhe desse sustentação contra forças naturais inimigas; o cidadão era um aluno preguiçoso que só respeita a disciplina sob a palmatória do mestre. Assim também as crises de ordem moral tinham como objetivo principal provar a todos que o imperador reinante era um senhor, pois, não contente de fazer reinar a ordem pública, que os vícios privados não ameaçavam absolutamente, pretendia governar a consciência moral de cada um; depois que cada cidadão se compenetrava de tal ideia, a lei revolucionária deixava de ser aplicada e era esquecida no reinado seguinte. Somente a de Constantino se manteria e marcaria a Idade Média.”

 

 

PUBLICIDADE DA TUMBA

Pois existe um direito de todos sobre a conduta de cada um. Notável, plebeu e até senador, um romano não pode ter intimidade pessoal; todos podem se dirigir a todos e julgar a todos; todo mundo se conhece, ou tal presume. O menor particular pode, portanto, dirigir-se ao “público”, que, afinal, não passa de determinado número de particulares como ele. Pode, por exemplo, fazer graça para divertir a plateia: todos são cúmplices. Hoje em dia conhecemos o humor dos célebres grafites de Nova York, através dos quais qualquer indivíduo revela aos transeuntes e aos passageiros do metrô suas ideias, seus amores ou simplesmente seu nome e sua existência, escrevendo nas paredes tudo que lhe passa pela cabeça. Fazia-se a mesma coisa em Pompeia: as paredes dessa cidadezinha entre outras estão cobertas de grafites traçados pelos transeuntes que queriam divertir outros transeuntes dando-lhes algo para ler.

Curiosamente, idêntica publicidade triunfava também no que é o equivalente antigo de nossos cemitérios: a beira de estrada, que não pertencia a ninguém, e era ali, na saída das cidades, que se erguiam os túmulos. Tão logo cruzava a porta da cidade, o viajante passava entre duas fileiras de sepulturas que procuravam chamar-lhe a atenção. A tumba não se dirige à família, ou aos próximos, mas a todos. Pois a cova, embaixo da terra, era uma coisa, objeto de homenagens fúnebres que a família anualmente prestava ao defunto; a tumba com epitáfio era outra coisa: destinava-se aos passantes. Não vamos raciocinar sobre a enganosa analogia dos epitáfios modernos, essas celebrações sem destinatário que falam diante do céu. Os epitáfios romanos diziam: “Lê, transeunte, qual foi meu papel neste mundo. […] E agora que me leste, boa viagem. — Salve, tu também.” (pois a resposta do transeunte está gravada na pedra). Testemunhos comprovam que quando um antigo queria ler um pouco, bastava-lhe caminhar até uma das saídas da cidade; era menos difícil ler um epitáfio que a escrita cursiva de um livro. Deixo de lado um fato mais tardio, as necrópoles e também as catacumbas pagãs.

As vias de saída das cidades, com sua dupla fileira de cartazes funerários, se assim ousamos dizer, fazem vagamente pensar numa exposição de publicidade funerária de alguma Broadway do além; certos epitáfios procuram atrair a atenção do transeunte entre seus vizinhos; oferecem-lhe um campo de esporte e repouso, a sua disposição no recinto fúnebre. E todos falam não da dor dos íntimos, mas do papel social do defunto e de sua fidelidade aos deveres para com os seus, que os epitáfios atestam para o passante, a quem compete julgar. Conversar com alguém durante um jantar sobre seu futuro sepulcro não significava, pois, passar-lhe ideias fúnebres; tratava-se, antes, de garantir que sua dignidade e suas virtudes ficariam publicamente asseguradas; depois de beber, o interessado nem sempre hesitava em ler seu epitáfio, elaborado por ele mesmo e com tanto cuidado como se fosse seu testamento. Uma cidade não podia agradecer melhor a um benfeitor público do que especificando as honras oficiais que enalteceriam seus funerais; uma dama teve assim a alegria de saber que seus concidadãos dariam açafrão (então um perfume muito apreciado) para perfumar a pira funerária por ocasião da cremação.

Os arqueólogos encontraram uma centena de milhares de epitáfios, e MacMullen notou que sua multiplicação fora moda, alcançando o auge a partir do século I para extinguir-se pouco a pouco a partir do século III. Como se surpreender? Eles não derivam de uma ideia elementar da morte, mas de um reinado da palavra pública e do controle público e não se restringem aos grandes: os simples particulares, se não eram personagens públicos, pelo menos viveram em público, aos olhos de seus semelhantes. Por isso mesmo ocorre-lhes deixar ao público alguma mensagem tanto no epitáfio como no testamento: “Vivi avaramente o tanto que me foi dado viver, por isso vos aconselho a gozar os prazeres mais do que eu. Assim é a vida: chegamos aqui, e não mais longe. Amar, beber, ir aos banhos, essa é a verdadeira vida: depois não há mais nada. Nunca segui os conselhos de um filósofo. Desconfiai dos médicos, foram eles que me mataram”. O morto tira a lição de sua vida para os vivos e as raras menções a um além — que receberam muita atenção dos historiadores influenciados pelo cristianismo — desconhecem a função pública da tumba antiga. Pois o epitáfio exerce, quando é o caso, um papel de censura; o defunto expõe à execração pública aqueles que lhe deram motivos de queixa. Um patrono amaldiçoa, como se fazia nos testamentos, um liberto ingrato, trata-o de salteador de estrada; um pai informa a todos que deserdou uma filha indigna; uma mãe atribui a morte de seu bebê aos malefícios de uma envenenadora. Para nós, gravar esse tipo de coisa num túmulo equivaleria a macular a majestade da morte. Mas os romanos não lavavam roupa suja em casa: faziam limpeza pública. Em Pompeia, na estrada de Nocera, um epitáfio entrega um amigo ingrato à ira dos deuses do céu e dos infernos.”

 

 

“Não importa o que possamos dizer, Roma não foi um Estado segundo o direito civil ou público, mas um Estado que obedecia em tudo a uma realidade desconcertante para o sociologismo moderno: uma classe governante; o direito público de Roma se esclarece quando paramos de procurar normas e sabemos que tudo se decidia golpe a golpe, segundo as relações de força em cada momento. Coisa mais curiosa ainda, Roma nada tinha de um Estado tradicionalista, regido pelo respeito ao costume, à maneira inglesa; a confusão das instituições romanas sempre foi meio fluida. Um autoritarismo sem regra do jogo; a célebre “boa-fé” romana é fidelidade a um homem, não a um pacto. A não menos célebre invocação perpétua da “tradição ancestral”, dos “hábitos dos antigos” (more majorum) é não menos especiosa e não implica autoridade de costume. Essa tradição só era invocada com relação às instituições públicas; por isso se encontrava apenas na boca dos grandes, únicos autorizados a falar de política; e era invocada como objeção; quer dizer, só a mencionavam quando estava para ser violada.”

 

 

“O bom senso, as filosofias orais, são filhos dos acasos da história das ideias, e não o imutável reflexo funcional da realidade: são livres criações, e sua relação com a realidade varia de uma para outra; algumas são conformistas e outras, desmistificadoras.”

 

 

IDEOLOGIA BÁQUICA

Lembramos que nas cidades o evergetismo dava a população oportunidades de comer e beber à larga. Era importante que se encontrassem todos juntos; importante reunir-se para se banquetear, o que atualizava a sociabilidade e o prazer de beber; importante reunir-se em data estabelecida ou em ocasiões raras, o que criava uma espera e solenizava o prazer. Não menos importante era pensar na tumba. Ora, havia uma crença, a de Baco, que simbolizava e glorificava tudo isso. Crença é um termo excessivo: ainda que acreditasse ingenuamente em sua existência, o povo não o venerava, e esse deus era célebre principalmente por suas lendas; era um deus da mitologia; algumas seitas místicas tinham-no por um grande deus verdadeiro, como veremos, porém os romanos em geral se dirigiam a divindades mais autênticas a seus olhos quando precisavam da proteção divina e ninguém lhe dedicava um ex-voto. E no entanto a lenda báquica era mais que uma lenda; era um conjunto de imagens presente por toda parte cujo sentido não escapava a ninguém e que se exibia nos mosaicos, nas pinturas das casas ou das tabernas, nas baixelas, nos objetos domésticos de todo tipo. E até nos sarcófagos. Nenhuma imagem se difundiu tanto, nem mesmo a de Vênus. Suas imagens adequavam-se a todo lugar, pois evocavam apenas ideias agradáveis. Deus do prazer e da sociabilidade, Baco está sempre acompanhado do cortejo de seus familiares bêbados e suas adoradoras extasiadas: os amáveis excessos de todo tipo lhes são prometidos; deus benfazejo, civilizador, que acalma os espíritos, levou às extremidades da Terra um triunfo pacífico e sabe domar a fúria dos tigres, que, mansos como carneiros, são atrelados a seu carro; suas adoradoras são tão belas e pouco vestidas como sua linda amante Ariadne. As imagens báquicas certamente não tinham sentido religioso e místico, mas também não eram decorativas: afirmavam a importância da sociabilidade e do prazer e conferiam-lhe uma garantia sobrenatural; era uma ideologia, uma afirmação de princípio. Tinham como contrapartida a imagem de Hércules, símbolo da “virtude” cívica e filosófica.

Para o povo, Baco era um deus do qual não se duvidava: pretexto suficiente para que se formassem confrarias populares de adoradores de Baco, em que a principal preocupação (atestam-no seus regulamentos) consistia em beber a essa amável divindade; na Idade Média veneravam-se não menos alegremente determinados santos. A classe culta considerava suas imagens como lenda, amável fantasia, porém achava que Baco talvez existisse, ou fosse um dos numerosos nomes da divindade, ou ainda um personagem sobre-humano que vivera em tempos remotos e cujos feitos autênticos a lenda teria encoberto. Mas era o bastante para que alguns espíritos especulassem sobre esse deus e para que se formassem certas seitas, pequenos grupos isolados nos quais se encontravam lado a lado devoção refinada, gosto de mundanalidade e, em alguns membros, autêntico fervor religioso. Para compreender essa mistura de esnobismo e misticismo, basta pensar no prestígio social e no brilho espiritual da primeira maçonaria, na época de A flauta mágica; como entre os maçons, havia nas seitas báquicas ritos secretos, uma iniciação (ou “mistérios”) e uma hierarquia da qual as mulheres não estavam excluídas. É excepcionalmente raro a picareta dos arqueólogos cavar no local autêntico de uma dessas seitas de mistérios (isso aconteceu uma ou duas vezes); e no entanto devia-se dizer algo a respeito, pois o fenômeno das seitas, populares ou não, constitui outro traço dessa época, e o fervor nelas bebia nada menos que a sociabilidade; em suas especulações reside uma das origens da revolução espiritual no fim da Antiguidade.”

 

 

FESTA E RELIGIÃO

A festa e a devoção podiam coexistir nas seitas ou confrarias porque o paganismo era uma religião de festas: o culto não passava de uma festa, com a qual os deuses se divertiam pois nela encontravam o mesmo prazer que os homens. As religiões têm a vocação de confundir a emoção do divino e a solenização: cada fiel tira um ou outro desses bens e aproveita-se da confusão, da qual não se conscientiza. Como decidir, na Antiguidade, se o uso de uma coroa indica festa ou participação numa cerimônia religiosa? A devoção consiste em prestar aos deuses as devidas homenagens; a festa religiosa oferece o duplo prazer de ser também um dever. A confusão só se desfaz quando se resolve ordenar ao fiel que confesse seus sentimentos, o que o paganismo não exigia. Para ele a homenagem prestada aos deuses solenizava o prazer; porém, felizes aqueles que, além disso, sentiam mais que os outros a presença da divindade e se emocionavam!

O ato principal do culto, ninguém o ignora, era o sacrifício, ao qual se assistia com grande recolhimento. Não devemos esquecer, porém, que num texto grego ou latino o termo sacrifício sempre implica festim: todo sacrifício era seguido de uma refeição em que se comia a vítima imolada depois de cozê-la no altar (os grandes templos tinham cozinhas e forneciam os serviços dos cozinheiros aos fiéis que iam imolar um animal); aos assistentes, a carne da vítima; aos deuses, a fumaça. Os restos do festim ficavam sobre o altar, e os mendigos (bômolochoi) iam recolhê-los. Quando se sacrificava assim, não no altar da casa, mas num templo, queria a norma que se pagasse pelos serviços dos sacerdotes com uma determinada porção da vítima; os templos obtinham proventos vendendo essa carne aos açougueiros (quando quer dizer ao imperador que chegou a extirpar o cristianismo da província da qual é governador, Plínio, o Jovem, escreve-lhe: “Encontra-se novamente à venda a carne de vítimas”, o que prova que os sacrifícios foram retomados). Na verdade, come-se a vítima imolada ou imola-se aos deuses um animal que se deseja comer? Depende. O termo que designa um homem que frequentemente oferece sacrifícios (philothytès) acabou por designar não um devoto, mas um anfitrião em cuja casa se come bem.

O calendário religioso, diferente de uma cidade para outra, periodicamente restaurava festas religiosas; essas festas eram feriados. A religião determinava assim a distribuição irregular dos dias de descanso ao longo do ano (a semana, de origem mais astrológica que judaico-cristã, só entrou em uso no final da Antiguidade). Nesses dias um romano convidava os amigos a assistirem ao sacrifício que oferecia em sua casa, o que os honrava ainda mais que simplesmente convidá-los para jantar. Conta Tertuliano que a casa desprende vapores de incenso nessas grandes ocasiões: as festas nacionais dos imperadores e de alguns deuses, o primeiro do ano e o primeiro dia de cada mês; pois um costume caro aos romanos que tinham meios para tanto era sacrificar no começo do mês um leitão aos gênios protetores da casa (Lares, Penates). Uma grande festa anual, celebrada com real fervor, era o aniversário do pai de família, que, nesse dia, se banqueteava em homenagem a seu gênio protetor (uma espécie de dublê divino de cada indivíduo; na verdade, sua existência resumia-se a permitir a cada um dizer: “Que meu gênio me proteja!”, ou “Juro por teu gênio que obedeci a tuas ordens”). Os pobres ofereciam vítimas menos caras; curados de uma doença pelo deus, iam sacrificar uma ave doméstica a Esculápio diante de seu templo e comê-la em casa; ou então depositavam no altar doméstico um simples bolo de trigo (farpium).

Um meio mais simples de santificar as refeições era, creio, o que Artemidoro chama de “theoxenies”: para convidar deuses a jantar (invitare deos), instalavam-se na sala de refeições suas Estatuetas, retiradas do nicho sagrado da casa, e diante delas colocavam-se pratos de comida; depois do jantar esse alimento abandonado fazia as delícias dos escravos, que assim participavam do regozijo. Esse deve ser o sentido dos seguintes versos de Horácio: “Ó noites, ó jantares de deuses em que meus amigos e eu comemos diante do gênio da casa e alimento com pratos consagrados meus escravos incitados à alegria”. Pois a festa os incita à alegria, e está de acordo com a norma. Os camponeses, que têm suas festas sazonais segundo um calendário rústico, celebram-nas não menos alegremente; com os presentes que os meeiros lhe entregam, o grande proprietário sacrifica aos deuses dos campos o dízimo dos produtos da terra e depois todos comem, bebem e dançam; por fim (Horácio o diz e Tibulo deixa entender), chegada a noite, é um direito ou até um dever fazer amor para encerrar dignamente esse dia em que todos exultaram para melhor honrar os deuses. Alguém repreendeu Aristipo, filósofo e teórico do prazer, por viver indolentemente. “Se fosse errado”, replicou ele, “por que seria assim nas festas dos deuses?””

 

 

O QUE ERA UM DEUS?

O paganismo greco-romano é uma religião sem além nem salvação, mas não necessariamente fria nem indiferente à conduta moral dos homens: a tal respeito pode enganar o fato de que essa religião sem teologia nem Igreja é, se assim ousamos dizer, uma religião à la carte: cada um venera particularmente os deuses que quiser e imagina-os como pode. Em lugar do “partido único” que é uma Igreja, trata-se de “livre empresa” religiosa: cada um fundava o templo que desejasse e pregava o deus que bem entendesse, como abriria um hotel ou lançaria um produto novo, e cada um se tornava o cliente de seu deus favorito, não necessariamente o mesmo que a cidade elegera como tal: a escolha era livre.

Assim era porque só existe o nome em comum entre o que o paganismo entendia por “deus” e o que entendem os judeus, os cristãos e os muçulmanos. O deus dessas três religiões do Livro é um ser gigantesco infinitamente superior ao mundo — o qual, aliás, ele criou —; não existe senão como ator de um drama cósmico em que a humanidade põe em jogo sua salvação. Os deuses do paganismo vivem sua vida, e sua existência não se reduz a um papel metafísico, pois fazem parte do mundo; são uma das três raças que povoam o mundo. Há os animais, nem racionais nem imortais; os homens, mortais e racionais; e os deuses, racionais e imortais. A raça divina tanto constitui uma fauna que cada deus é macho ou fêmea. Segue-se que os deuses de todos os povos são verdadeiros. Duas possibilidades: ou os povos estrangeiros têm conhecimento de deuses cuja existência os greco-romanos ainda ignoravam, ou adoram deuses já conhecidos, mas traduzem-lhes os nomes para sua língua: Júpiter é Júpiter em toda parte, assim como um leão é leão onde quer que seja, porém chama-se Zeus em grego, Taranis em gaulês, Yaô em hebraico; os nomes dos deuses se traduzem de uma língua a outra, como os nomes comuns e os nomes dos planetas. Só se deixava de acreditar nos deuses estrangeiros se eram produto de uma superstição ridícula, a mesma que leva a crer nos bestiários fantásticos; ria-se dos deuses com corpo de animal que o Egito adorava. Os crentes da Antiguidade viveram na mesma tolerância que as seitas hinduístas entre elas: interessar-se particularmente por um deus não significa negar os outros deuses.

Isso acarretava consequências para a ideia que um homem podia ter sobre sua qualidade de homem. Para nossa demonstração imaginemos um círculo que representará o mundo segundo as religiões do Livro; por sua importância no drama cósmico, o homem ocupará pelo menos a metade desse círculo. E Deus? É tão elevado e gigantesco que ficará bem acima do círculo; assim nos limitaremos a fazer partir do círculo uma seta apontando para o alto e ao lado colocaremos o signo do infinito. Passemos agora ao mundo segundo o paganismo: desenhemos um espaço dividido em três degraus horizontais, uma espécie de escada. A faixa inferior será a dos animais; a segunda, a dos homens; e o degrau mais alto, o dos deuses. Para se tornar deus não seria necessário ir muito alto: os deuses estão logo acima dos homens, tanto que em latim e em grego muitas vezes nos interessa traduzir por “sobre-humano” o termo que significava “divino”. Epicuro, diz um de seus sectários, “foi um deus, sim, um deus”: compreendamos que foi um gênio sobre-humano. Eis por que o cosmos era qualificado de divino: nele se produzem efeitos sobre-humanos dos quais o homem seria incapaz. Eis por que foi possível divinizar os reis e os imperadores; era uma hipérbole ideológica, mas não um absurdo: saltava-se um degrau, não se fugia para o infinito. E eis por que as seitas estoica e epicurista puderam propor aos indivíduos que se tornassem, sob o nome de sábios, os iguais mortais dos deuses; que se tornassem “super-homens”…

Como com os animais, a raça humana está em relação com a fauna divina e, sendo esta superior, deve-lhe homenagens; prestam-se aos deuses as mesmas honras (colere, timân) que aos homens superiores, aos soberanos. Os deuses têm seus costumes e seus defeitos, dos quais não é proibido sorrir respeitosamente, como nos divertimos com os caprichos de poderosos estrangeiros, ricos o bastante para se permitirem tudo; o povo se divertia com os incontáveis amores do grande Júpiter, assim como os súditos do bom Henrique IV falavam alegremente dos amores de seu rei, que respeitavam e temiam: o humor sobre o sagrado supõe uma fé ingênua e firme. As relações dos homens e dos deuses são recíprocas: o fiel que promete a Esculápio um galo para sarar de uma doença espera que a raça divina ponha em seus contratos com os humanos a mesma boa-fé que um homem de bem deve ter em suas transações. Ainda que muitas vezes se decepcione: “Essa é toda a tua boa-fé, Júpiter?”. A conduta dos deuses é por vezes decepcionante e criticada como hoje criticam os governos: “Júpiter, tem piedade dessa filha enferma; se a deixares morrer, hão de te criticar”. Ao morrer um príncipe amado, Germânico, a multidão romana foi apedrejar os templos, como os manifestantes que lançam pedras contra uma embaixada estrangeira. Podia-se romper com os Deuses: “Já que os deuses não me pouparam, tampouco os pouparei”, escreve um infeliz furioso.”

 

 

RELAÇÕES COM OS DEUSES

Pois as relações dos homens com as divindades eram análogas às existentes com os poderosos, reis ou patronos. O primeiro dever era saudar os deuses com a mão ao passar diante de sua imagem. A oração mais frequente atiçava o amor-próprio dos deuses quanto a seu poder: “Júpiter, acode-me, pois tu o podes”; se o deus não atendia, arriscava-se a levantar suspeitas de que não era tão poderoso como se acreditava. Tentava-se vencer os deuses pela fadiga, cansar com muita prece sua altiva indiferença de patronos (fatigare deos). “Frequentava-se seu templo” para saudá-los todas as manhãs, como os clientes que iam cumprimentar o patrono; homenageava-se particularmente o deus cujo templo era vizinho à casa em que se morava, pois um vizinho poderoso é o protetor mais indicado. A desenvoltura liberal, a serenidade ingênua do paganismo resultavam, assim, do fato de ter concebido as relações com os deuses segundo o modelo das relações políticas e sociais; caberia ao cristianismo concebê-las segundo o modelo das relações familiares e paternalistas, e por isso o cristianismo, diferentemente do paganismo, seria uma religião de obediência e amor: a genialidade de santo Agostinho, a sublimidade de santa Teresa constituem desenvolvimentos gigantescos da relação familiar. E também a angústia de Lutero diante do arbítrio todo-poderoso do Pai. Havia outra metáfora que os pagãos sensatos reprovavam: a relação servil. O homem que a todo instante treme à ideia dos deuses como diante dos senhores caprichosos e cruéis faz destes uma imagem indigna deles e de um homem livre. O medo dos deuses (deisidaimonia) é o que os romanos entendiam por “superstição”; deixavam a gente do povo, nesse Oriente habituado a obedecer a potentados, imaginar que devoção significava proclamar-se escravo, servidor de um deus. No fundo a relação clássica com os deuses é nobre e livre: é de admiração.

A verdadeira devoção consiste em imaginar os deuses benfazejos e justos, benévolos, providenciais: super-homens de bem. Nem todos os homens se elevam a esse nível, pois cada qual se comporta com os deuses segundo seu próprio caráter. Alguns se limitam a achar que bons negócios fazem bons amigos: propõem um contrato a um deus (“cura-me e receberás uma oferenda”), pagam se ficam satisfeitos e oferecem um ex-voto como quitação da dívida. Alguns julgam os deuses indelicados como eles mesmos: “Tornai-me mais rico que meu vizinho”; não ousam pronunciar o pedido em voz alta, diante de outros fiéis, e escrevem-no num papel que depositam lacrado sobre o altar. No entanto os verdadeiros devotos são mais delicados e sabem que a divindade prefere às oferendas caras o bolo humilde que lhe oferece um coração puro. Se multiplicam os votos solenes e procuram os deuses quando se encontram em dificuldade, é mais por amor a eles que por um cálculo interesseiro; pois um devoto gosta de estar em relação direta com a divindade o mais frequentemente possível: promessas, peregrinações, aparições de deuses nos sonhos. A devoção não estava numa fé, em obras ou na contemplação, e sim na multiplicação de práticas que só parecem interesseiras porque o deus patrono que se ama é um protetor. Doença, viagem, parto, todas as ocasiões são boas para lhe demonstrar fiel confiança.

Algumas dessas práticas são consagradas pelo hábito. Como se reconhecia um ímpio? Uma passagem pouco conhecida de Apuleio diz:

Nunca dirigiu pedido solene a nenhum deus, nunca frequentou o templo; quando passa diante de alguma capela, julgaria pecar se levantasse a mão aos lábios em sinal de adoração; nunca ofereceu aos deuses de seus domínios, que o alimentam e vestem, as primícias de suas colheitas e as crias de seus rebanhos; nas terras onde tem sua casa de campo não há nenhuma capela, nenhum canto dedicado aos deuses, nenhum bosque sagrado.

A conduta de um homem pio é muito diferente: em viagem, ele “para ao passar diante de uma capela ou um bosque sagrado e formula um voto, deposita um fruto no altar e fica sentado um momento junto aos deuses”. A doação e o voto, essa troca de proteção divina por doação humana, eram tão importantes quanto a prece. Se Deus é Pai, só se pode pedir; mas com deuses-patronos havia antes essas relações de troca de doações e contradoações que alimentam e simbolizam uma amizade entre parceiros desiguais que, cada um com sua vida, só estabelecem relações confiantes por seus respectivos interesses. Se o parceiro humano levasse mais longe a familiaridade, seria ingenuidade pouco liberal: os antigos sorriam ao ver mulheres se sentarem no templo de Ísis para relatar à deusa seus penares; intimidade popular: um homem livre sabe guardar distância dos outros homens e dos representantes da raça divina. Não se rebaixa tampouco à domesticidade; deixa a gente do povo passar o dia inteiro num templo servindo o deus como escravos, imitando durante horas, diante da estátua, os gestos do cabeleireiro ou da camareira.

Todas essas práticas de religião privada, que lembram o culto popular dos santos na Idade Média, eram duplamente tranquilizadoras. Os temperamentos pouco religiosos, que teriam sido descrentes em outra sociedade, procuravam nas relações com os deuses uma semitranquilização mágica contra os perigos e as dores da vida real; as práticas piedosas equivaliam para eles a um talismã. Os espíritos religiosos nelas encontravam essa presença de uma realidade “outra”. Fazendo com que o real não seja tudo, o divino o desvaloriza; esse vasto recurso em que o devoto se apoia reduz o tamanho proporcional do real e faz com que ele não seja mais o único a nos ocupar. Nas cartas privadas, das quais se encontrou um bom número no Egito, frequentemente se questionam os deuses (mas nunca, para ser exato, a divindade do imperador).

As duas tranquilizações, a mágica e a divina, não se distinguiam, pois gestos ou símbolos indistintamente as lembravam por toda parte (a “religião” é uma dessas coisas paradoxais que têm como essência o próprio confusionismo); uma capela na paisagem evocava a possibilidade de um recurso; a mais simples conduta piedosa — derramar no altar doméstico as primeiras gotas da taça que se vai beber (libatio) — atestava que nem tudo se limita ao útil. O próprio imperador recebia as homenagens da devoção privada e tinha seu lugar no nicho de imagens sagradas de cada casa. Isso ocorria porque o tomavam por um deus? Não: ninguém lhe dirigia um voto nem imaginava que esse mortal tivesse o poder de curar as doenças ou de fazer encontrar os objetos perdidos. Capa religiosa do patriotismo e da submissão? Não. Culto da personalidade de um ditador carismático? Também não: ao erguer um brinde à imagem sagrada, o romano elevava-se a essa outra esfera, sem maiores definições, que lhe engrandecia o espaço e da qual dava provas venerando-a.”

 

 

A FÉ DOS DOUTOS

Não houve nenhuma irreligião popular em Roma: o povo nunca deixou de crer e rezar. Mas em que um romano culto — um Cícero, um Horácio, um imperador, um senador, um notável — podia crer dentro dessa fantasmagoria dos deuses ancestrais? A resposta é categórica: não podia crer em nada; leu Platão e Aristóteles, que, quatro séculos antes, tampouco acreditavam. Virgílio, alma religiosa, acredita na Providência, mas não nos deuses de seus próprios poemas — Vênus, Juno ou Apoio. Cícero e o solene enciclopedista Plínio não têm suficientes sarcasmos: esses seres etéreos, escrevem, têm figura humana, a acreditar nos escultores e nos fiéis ingênuos; portanto há estômago, intestinos, partes sexuais no interior dessa figura? Mas o que esses eternos bem-aventurados fazem com seus órgãos? Nas histórias da religião romana, a crença da classe governante mereceria um capítulo inteiro que, em lugar de falar de Mercúrio ou de Juno, se intitularia: “Providência, Acaso ou Fatalidade”. Pois todo o problema religioso consistia nisso. Era preciso crer numa Providência, como as almas devotas e cultas e os seguidores do estoicismo? Numa Fatalidade, como os que estudaram a física e a astronomia (que era também uma astrologia)? Ou ver apenas o Acaso na confusão deste mundo, pomo os numerosos ímpios que negam toda Providência? No entanto todos se punham de acordo para rir das mulheres do novo que adoravam a deusa Latona em seu templo, atribuíam-lhe os traços que lhe emprestou o escultor, achavam-na feliz por ser a mãe de uma deusa tão bela como Diana e desejavam ter uma filha igualmente linda. Na ordem senatorial, guardiã da religião pública e viveiro de sacerdotes públicos, a doutrina consagrada era um ceticismo sorridente que aflorava nas cerimônias oficiais e na ingênua piedade popular.

E no entanto… Se era impossível acreditar ao pé da letra na velha religião, também não se podia livrar-se dela; não por ser oficial e reinar sobre o povo, mas por possuir um núcleo de verdade: esse politeísmo girava se não ao redor do monoteísmo que os acasos do futuro deviam fazer triunfar, pelo menos ao redor da simplicidade de uma abstração (ora, as palavras abstratas são essencialmente usadas no singular…): a Providência, o Bem, entidades das quais os filósofos trataram extensivamente. Um homem culto se dizia mais ou menos isto: “Existe uma Providência, faço questão de acreditar; o núcleo de verdade das fábulas sobre os deuses deve ser esse. Mas há ainda outra realidade em Apolo, em Vênus? São nomes da Divindade única? Emanações desta? O nome de suas virtudes? Um princípio abstrato, porém ao mesmo tempo vivo? Ou nada além de fábula vã?”. Tinha certeza do essencial, da Providência divina, mas não conseguia esclarecer o resto. O que autorizava a participar da religião popular, em parte por condescendência, pois as fábulas dizem a verdade numa linguagem ingenuamente falsa, e em parte por prudência intelectual, pois quem sabe se Apolo, mais que um nome vazio, não é uma Emanação, apesar das fábulas que o rodeiam? Isso autorizava também a empregar a linguagem da velha religião sem cair no ridículo. Tendo escapado de um acidente (uma árvore quase o esmagou), o cético Horácio agradeceu aos deuses do panteão segundo as formas tradicionais: estava certo de que devia sua salvação à Divindade e não sabia como agradecer, senão pela via das velhas cerimônias. E, ao ver sua serva oferecer um bolo aos gênios protetores do lar, compreendia que representava o que ele mesmo acabara por pensar: apesar dos ateus, os Acasos do mundo são também uma Providência que deseja que nos conformemos ao Bem.”

 

 

SEITAS FILOSÓFICAS

Num livro célebre, porém mais erudito que perspicaz, Max Pohlenz surpreende-se com o fato de a filosofia dos antigos, diferentemente daquela dos modernos, ter feito a obrigação moral repousar sobre um fim interessado, a felicidade. Estranha falta de senso histórico; não se percebe muito bem como os antigos poderiam ter feito de outro modo, pois o que entendiam por filosofia não se propunha, como em Kant, investigar o fundamento da moral: uma filosofia propunha-se dar aos indivíduos um método de felicidade. Uma seita não era uma escola aonde se ia aprender ideias gerais; aderia-se a ela porque se buscava um método racional de tranquilização. A moralidade fazia parte dos remédios prescritos por algumas seitas, que explicavam a receita racionalmente; donde a confusão dos modernos.

A seita epicurista e a dos estoicos propunham a mesma coisa a seus adeptos: uma receita baseada na natureza das coisas (quer dizer, filosoficamente baseada) para viver sem temer os homens, os deuses, o acaso e a morte, e para tornar a felicidade individual independente dos caprichos da sorte: para resumir seu objetivo idêntico, as duas seitas proclamavam que queriam fazer dos homens os iguais mortais dos deuses, tão tranquilos como estes. As diferenças estavam nas nuanças e nas metafísicas que justificavam esses remédios. O estoicismo — que só tem o nome em comum com o que Vigny entenderá por isso — prescrevia que, à força de exercícios de pensamento, o adepto se instalasse num estado de espírito heroico e inatingível; o epicurismo considerava que o indivíduo precisa basicamente se libertar de angústias ilusórias. Ao desdém da morte as duas medicinas acrescentam os dos desejos vãos; o dinheiro e as honras, bens perecíveis, não podem proporcionar uma segurança inquebrantável. O epicurismo ensinava a se liberar de falsas necessidades; recomendava viver de amizade e água fresca. Os estoicos justificavam seu método pela existência de uma razão e de uma providência que constituem suas bases, enquanto o atomismo epicurista libertava o homem dos medos vãos que nascem de suas superstições. Outra diferença era a seguinte: para os estoicos nossa natureza nos dita uma afeição inata pela família e pela cidade, tanto que, se não cumpríssemos nossos deveres para com elas, seríamos mutilados e infelizes; para os epicuristas, ao contrário, nossa felicidade só nos prescreve respeitar os pactos de amizade que firmamos por um cálculo de interesse bem compreendido. Uma e outra seita preveem que, se um homem enfermo ou perseguido não pode mais levar uma existência humana em seu grupo ou em sua cidade, o suicídio é o remédio autorizado ou até mesmo recomendado.

As seitas não impunham a seus membros imperativos morais: elas lhes prometiam a felicidade; um letrado teria aderido livremente a uma seita se nela não encontrasse uma vantagem pessoal? Pela mesma razão, estoicismo e epicurismo eram intelectualismos: como tornar o homem heroico, como livrá-lo de suas angústias e de seus desejos vãos? Convencendo-lhe o intelecto. Sua vontade seguirá se lhe derem boas razões. Com efeito, não percebemos bem que autoridade um diretor de consciência antigo poderia exercer sobre seus livres discípulos senão aquela da verdadeira persuasão: eles não eram submetidos a sua disciplina.”

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