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sexta-feira, 5 de agosto de 2022

A Luta Contra o Fascismo: Revolução e Contrarrevolução (Parte III), de Leon Trotsky

Editora: Sundermann

ISBN: 978-85-4556-006-7

Tradução: Mario Pedrosa (1933) e Rafael Padial (2019)

Opinião: ★★☆☆☆

Páginas: 440

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Sinopse: Ver Parte I



“Para falar de uma maneira formal e descritiva, o centrismo é composto de todas essas correntes (no proletariado e na sua periferia) que se colocam entre o reformismo e o marxismo, representando na maioria das vezes etapas diferentes da evolução do reformismo ao marxismo e vice-versa. O marxismo também, assim como o reformismo, tem sob si uma sólida base social. O marxismo exprime os interesses históricos do proletariado. O reformismo corresponde à posição privilegiada da burocracia e da aristocracia proletárias no Estado capitalista. O centrismo, tal como o conhecemos no passado, não tinha e não podia ter bases sociais independentes. As diferentes camadas do proletariado se desenvolvem na direção revolucionária por vias diferentes e em ritmos diferentes. Nos períodos de crescimento industrial prolongado ou nos períodos de refluxo político, depois da derrota, as diferentes camadas do proletariado se deslocam politicamente da esquerda para a direita, encontrando-se com outras camadas que começam apenas a caminhar para a esquerda. Os grupos diferentes param em certas etapas de sua evolução, encontram os seus chefes temporários, criam os seus programas e as suas organizações. Não é difícil compreender a variedade de correntes que a noção de “centrismo” abarca. Segundo a sua origem, a sua composição social e a tendência de sua evolução, os diversos agrupamentos podem encontrar-se em estado de luta encarniçada, sem deixar por isso de ser espécies diferentes do centrismo.

Se o centrismo em geral exerce habitualmente a função de uma capa de esquerda para o reformismo, a questão de se saber a qual dos campos fundamentais (do reformismo ou do marxismo) pertence uma tendência centrista dada não encontra solução determinada de uma vez por todas. Aqui, mais do que nunca, é preciso sempre analisar o conteúdo concreto do processo e as tendências interiores de seu desenvolvimento. Assim, certos erros políticos de Rosa Luxemburgo podem com justiça, do ponto de vista teórico, ser caracterizados como erros centristas de esquerda. Pode-se ir mais longe e dizer que a maior parte das divergências entre Rosa Luxemburgo e Lenin representava uma inclinação maior ou menor para o lado do centrismo. Mas só os sem-vergonha, ignorantes e charlatães da burocracia da IC podem classificar o luxemburguismo, enquanto corrente histórica, como centrismo. Não é preciso dizer que os “dirigentes” atuais da IC, a começar por Stalin, não chegam nem política nem moralmente aos pés da grande revolucionária.

Mais de uma vez nestes últimos tempos, os críticos que não estudam a fundo o problema acusaram o autor destas linhas de ter abusado da palavra “centrismo”, agrupando sob este nome correntes e grupos muito diferentes no seio do movimento operário. Na realidade, a diversidade dos tipos do centrismo decorre, como já se disse, da essência do fenômeno, e não do abuso das terminologias. Lembremo-nos quantas vezes os marxistas foram acusados de atribuir os mesmos fenômenos multiformes e contraditórios à pequena burguesia. E efetivamente, sob a categoria “pequena burguesia”, é preciso que se inscrevam fatos, ideias e tendências que, à primeira vista, são incompatíveis. Possuem um caráter pequeno-burguês o movimento camponês e o movimento radical na reforma comunal; os jacobinos pequeno-burgueses franceses e os populistas (norodniki) russos; os proudhonianos pequeno-burgueses, mas também os blanquistas; a atual socialdemocracia, mas também o fascismo são pequeno-burgueses; os anarcossindicalistas franceses, o “Exército de Salvação”, o movimento de Gandhi nas índias etc. Um quadro ainda mais variado se apresenta se passamos para o domínio da filosofia e da arte. Isto quer dizer que o marxismo brinque com a terminologia? Não, isto quer dizer apenas que a pequena burguesia é caracterizada por uma extraordinária heterogeneidade em sua natureza social. Embaixo ela se confunde com o proletariado e passa para o lumpemproletariado; no alto, ela se estende à burguesia capitalista. Pode apoiar-se nas antigas formas produtivas, mas pode depressa desenvolver-se também na base da indústria mais moderna (novas classes médias). Não é de admirar que se enfeite ideologicamente com todas as cores do arco-íris.

O centrismo no seio do movimento operário representa, num certo sentido, o mesmo papel que a ideologia pequeno-burguesa de qualquer espécie representa em relação à sociedade burguesa em geral. O centrismo reflete os processos da evolução do proletariado, o seu desenvolvimento político, assim como a sua decadência revolucionária, ligada à pressão exercida sobre o proletariado por todas as outras classes da sociedade. Não é de se admirar que a aquarela do centrismo se distinga por tal variedade de cores! Todavia, daí não decorre que seja preciso renunciar à noção do centrismo, mas apenas que, em cada caso determinado, é indispensável descobrir, por meio de uma análise social histórica concreta, a natureza real do centrismo da espécie em questão.

A fração dominante da Internacional Comunista não representa um centrismo “em geral”, mas uma formação histórica perfeitamente determinada, com poderosas raízes sociais, embora ainda muito recentes. Trata-se, antes de tudo, da burocracia soviética. Nos escritos teóricos de Stalin esta camada social absolutamente não existe. Fala-se aí unicamente de “leninismo”, de direção imaterial, de tradição ideológica, de espírito do bolchevismo, de “linha geral” imponderável. Mas sobre o fato de que o burocrata de carne e osso maneja esta linha geral como um bombeiro a sua mangueira, não se ouve dizer uma única palavra.

Entretanto, esse burocrata não se parece absolutamente com um espírito imaterial. Come, bebe, reproduz-se e cria barriga. Comanda com voz autoritária, escolhe embaixo os seus fiéis, conserva fidelidade aos superiores, não admite que o critiquem e vê nisto a própria essência da linha geral. Há muitos milhões desses burocratas — muitos milhões! — mais do que houve operários industriais no período da Revolução de Outubro. A maior parte desses burocratas nunca participou da luta de classes, que exige sacrifícios e comporta perigos. Na sua massa predominante, essa gente nasceu, politicamente, já na qualidade de camada dirigente. Atrás dela se encontra o poder de Estado. Este assegura a sua existência, eleva-a consideravelmente acima do resto da massa. Ela não conhece o perigo do desemprego, contanto que se conserve perfilada, as mãos na costura das calças. Os erros mais grosseiros lhe são perdoados, desde que concorde em desempenhar, no momento necessário, o papel de bode expiatório e salvar a responsabilidade de seus superiores imediatos. E então, uma tal camada dirigente, de muitos milhões, tem um peso social real e uma influência política na vida do país? Sim ou não?

Que a burocracia operária e a aristocracia operária constituem a base social do oportunismo, isto é conhecido dos velhos livros. Na Rússia, o fenômeno tomou novas formas. Sobre a base da ditadura do proletariado (num país atrasado — com uma circunvizinhança capitalista) surgiu, pela primeira vez, das camadas superiores dos trabalhadores, um poderoso aparelho burocrático elevado acima da massa, dando-lhe ordens, gozando de enormes privilégios, ligado por uma solidariedade coletiva interna e imprimindo à política do Estado operário os seus interesses particulares, os seus métodos e os seus modos.

Nós não somos anarquistas. Compreendemos a necessidade do Estado operário e, por conseguinte, a inevitabilidade histórica da burocracia no período transitório. Mas compreendemos também os perigos que comporta esse fato, sobretudo para um país atrasado e isolado. A idealização da burocracia soviética é o erro mais vergonhoso que pode cometer um marxista. Lenin procurou com todas as suas forças fazer com que o partido, como vanguarda autônoma da classe operária, se elevasse acima do aparelho estatal, o controlasse, o fiscalizasse, o dirigisse e o depurasse, colocando os interesses históricos do proletariado — internacional, não apenas nacional — acima dos interesses da burocracia dirigente. Como primeira condição para o controle do partido sobre o Estado, Lenin indicou o controle da massa do partido sobre o aparelho do partido. Releiam com atenção os seus artigos, os seus discursos e as suas cartas do período soviético, especialmente as dos dois últimos anos de sua vida, e verão com que angústia o seu pensamento sempre voltava a esta questão candente.

Mas o que aconteceu depois de Lenin? Toda a camada dirigente do partido e do Estado, que fizera a revolução e a guerra civil, foi destituída, afastada, destruída. Foi o burocrata sem personalidade que tomou o seu lugar. Ao mesmo tempo, a luta contra o burocratismo, que teve um caráter tão agudo em vida de Lenin, quando a burocracia mal havia saído das suas fraldas, cessou completamente, agora que o aparelho cresceu em proporções monstruosas.

E quem poderia conduzir esta luta? Hoje, o partido, como vanguarda autônoma do proletariado, não existe mais. O aparelho do partido se confunde com o do Estado. A GPU se apresenta, no interior do partido, como o instrumento mais importante da linha geral. A burocracia não só não permite a crítica de baixo para cima, mas impede aos seus teóricos até mesmo de falar dela, de notar a sua presença. O ódio encarniçado contra a Oposição de Esquerda é provocado, antes de tudo, porque a Oposição fala abertamente da burocracia, de seu papel particular, de seus interesses, desvendando o segredo de que a linha geral é inseparável da carne e do sangue da nova camada dirigente nacional, que não se identifica absolutamente com o proletariado. A burocracia estatal faz deduzir a sua pureza angelical do caráter operário do Estado: como ela pode se degenerar se ela é a burocracia de um Estado operário? O Estado e a burocracia são tomados, assim, não como processos históricos, mas como categorias eternas: como a Santa Igreja e os seus padres inspirados por Deus podem pecar? Mas se a burocracia operária, ao elevar-se acima do proletariado em luta na sociedade capitalista, pôde degenerar no partido de Noske, Scheidemann, Ebert e Wels, por que não pode ela degenerar ao elevar-se acima do proletariado vitorioso?

A situação dominante e sem controle da burocracia soviética cultiva uma psicologia que contradiz muito a psicologia do proletário revolucionário. A burocracia faz os seus cálculos e as suas combinações de política interior e exterior independentemente das tarefas de educação revolucionária das massas e fora de toda ligação com as tarefas da revolução internacional. Ao longo de vários anos, a fração stalinista demonstrou que os interesses e a psicologia do “camponês forte”, do engenheiro, do administrador, do intelectual burguês chinês, do funcionário das trade-unions inglesas lhe eram mais próximos e mais compreensíveis do que a psicologia e as necessidades da base, do camponês pobre, das massas populares chinesas insurrectas, dos grevistas ingleses etc.

Mas por que então a fração stalinista não levou até o fim a sua linha de oportunismo nacional? Porque é a burocracia do Estado operário. Se a socialdemocracia internacional defende os fundamentos da dominação burguesa, a burocracia soviética, sem proceder ao derrubamento do Estado, é obrigada a adaptar-se às bases sociais lançadas pela Revolução de Outubro. Daí o duplo caráter da psicologia e da política da burocracia stalinista. O centrismo, mas o centrismo que se apoia nos fundamentos do Estado operário, é a única expressão possível desta duplicidade.

Se os agrupamentos centristas nos países capitalistas têm mais frequentemente um caráter temporário, transitório, refletindo a evolução de certas camadas operárias, à direita ou à esquerda, o centrismo que existe nas condições da República Soviética recebeu uma base bem mais sólida e bem mais organizada na figura da numerosa burocracia. Representando o meio natural das tendências oportunistas e nacionalistas, ela é forçada, entretanto, a defender as bases de sua dominação na luta contra o kulak e a se preocupar, ao mesmo tempo, com o seu prestígio “bolchevique” no movimento operário internacional. Depois de ter procurado a amizade do Kuomintang e da burocracia de Amsterdã, cujo espírito lhe é muito próximo, a burocracia soviética entrou em conflito constante e agudo com a socialdemocracia, que, por sua vez, reflete a hostilidade da burguesia mundial com o Estado soviético. Tais são as fontes do atual ziguezague de esquerda.

A particularidade da situação consiste não em que a burocracia soviética possua uma imunidade particular contra o oportunismo e o nacionalismo, mas no fato de que, não tendo a possibilidade de tomar uma posição nacional-reformista acabada, é forçada a descrever ziguezagues entre o marxismo e o nacional-reformismo. As oscilações do centrismo burocrático, segundo a sua força, os seus recursos e as contradições de sua situação, tiveram uma extensão inteiramente inaudita: da aventura ultraesquerdista na Bulgária e na Estônia... à aliança com Chiang-Kai-Chek, Raditch e Purcell; da vergonhosa confraternização com os fura-greves britânicos, até a recusa completa da política de frente única com os sindicatos de massa.

A burocracia stalinista transporta os seus métodos e ziguezagues para os outros países na medida em que, a partir do aparelho do partido, não somente dirige a Internacional Comunista, como lhe dita ordens. Thälmann foi a favor do Kuomintang quando Stalin era a favor do Kuomintang. No VII Pleno do Comitê Executivo da IC, no outono de 1926, o delegado do Kuomintang, embaixador de Chiang-Kai-Shek, que se chamava Shao-Ly-Dsy, manifestou-se de pleno acordo com Thälmann, Semard e outros Remmele, contra o “trotskismo”.

O “camarada” Shao-Ly-Dsy dizia: “Estamos todos convencidos de que, sob a direção da IC, o Kuomintang realizará a sua tarefa histórica.” (Atas russas, 1.º volume, p. 459) Tal é o fato histórico!

Tomemos a Rote Fahne do ano de 1926 e encontraremos nela uma quantidade de artigos sobre o tema de que Trotsky, exigindo a ruptura com o Conselho Geral dos fura-greves, demonstrava, com isto mesmo, o seu... menchevismo! Já hoje o “menchevismo” consiste na reivindicação da frente única com as organizações de massas, isto é, em seguir a política que formularam, sob a direção de Lenin, os III e IV Congressos da IC contra todos os Thälmann, Thalheimer, Bela Kun, Frossard etc.

Todos esses ziguezagues dolorosos não teriam sido possíveis se, em todas as seções comunistas, não tivesse se formado uma camada de burocratas autônomos, isto é, independentes do partido. Eis a raiz do mal!

A força de um partido revolucionário consiste na independência da vanguarda, que verifica e seleciona os seus quadros e, tendo educado os seus dirigentes, os eleva gradualmente pela sua confiança. Isto cria um laço indissolúvel dos quadros com as massas, dos chefes com os quadros e transmite a toda a direção a confiança em si mesma. Nada disso existe nos partidos comunistas atuais! Os dirigentes são nomeados. Eles mesmos escolhem os seus auxiliares. A base é obrigada a aceitar os dirigentes nomeados, em torno dos quais se cria uma atmosfera artificial de publicidade. Os quadros dependem da cúpula, não da base. Procuram as fontes de sua influência, assim como as de sua existência, em grande medida fora das massas. Não tiram as suas palavras de ordem políticas da experiência da luta, mas as recebem pelo telégrafo. Durante esse tempo, no arquivo de Stalin se acumulam, para os casos de necessidade, documentos acusadores. Cada dirigente sabe que se pode fazê-lo voar como uma penugem a qualquer momento.

Assim se forma na Internacional Comunista uma camada burocrática fechada que é um campo de cultura, no qual se nutre o bacilo do centrismo. Muito estável e resistente organizativamente, porque se apoia na burocracia do Estado soviético, o centrismo de Thälmann, Remmele & Cia. se distingue pela extraordinária instabilidade no domínio político. Privado da segurança que só se adquire pela ligação orgânica com as massas, o CC infalível é capaz dos mais monstruosos ziguezagues. Quanto menos preparado para a luta ideológica séria, tanto mais generoso em injúrias, insinuações, calúnias. A imagem de Stalin “brutal e desleal”, segundo a definição de Lenin, é a própria personificação desta camada.

A característica dada aqui ao centrismo burocrático determina as relações da Oposição de Esquerda com a burocracia stalinista: apoio total e ilimitado, na medida em que a burocracia defende as fronteiras da República Soviética e as bases da Revolução de Outubro; crítica aberta, na medida em que a burocracia torna difícil, pelos seus ziguezagues administrativos, a defesa da revolução e a construção socialista; oposição irreconciliável, na medida em que, pelo seu despotismo burocrático, ela desorganiza a luta do proletariado mundial.”

17 — Ver a análise detalhada desse capítulo oportunista da IC, que durou alguns anos, em nossos trabalhos: A Internacional Comunista depois de Lenin, A revolução permanente etc. (N. do A.)

 

 

“A ditadura do proletariado é a resposta à resistência das classes privilegiadas. A limitação da liberdade deriva do regime de guerra da revolução, isto é, das condições da guerra de classe. Deste ponto de vista, é perfeitamente evidente que a consolidação interior da República dos Sovietes, o seu desenvolvimento econômico, o enfraquecimento da resistência da burguesia, sobretudo os sucessos da “liquidação” da última classe capitalista, dos kulaks, deveriam trazer o florescimento da democracia no partido, nos sindicatos e nos sovietes.

Os stalinistas não se cansam de repetir que “já entramos no socialismo”, que a atual coletivização significa, por si mesma, a liquidação dos kulaks como classe e que o próximo plano quinquenal já deve encerrar este processo. Se é assim, por que esse mesmo processo acarreta a completa asfixia do partido, das organizações sindicais e dos sovietes pelo aparelho burocrático, o qual, por sua vez, adquiriu um caráter de bonapartismo plebiscitário? Por que, durante o período da fome e da guerra civil, o partido transbordava de vida e a ninguém ocorria a ideia de perguntar se se podia ou não criticar Lenin ou o CC todo, enquanto que agora a menor divergência com Stalin acarreta a exclusão do partido e represálias administrativas?

A ameaça de guerra por parte dos Estados capitalistas não pode, de modo algum, explicar e, menos ainda, justificar o crescimento da autocracia dos burocratas. Se na sociedade socialista nacional as classes são mais ou menos liquidadas, isto significaria o começo do definhamento do Estado. A sociedade socialista pode opor uma resistência vitoriosa ao inimigo exterior precisamente na qualidade de sociedade socialista, e não como Estado da ditadura proletária, ainda menos como Estado burocratizado.

Não falamos do definhamento da ditadura: é cedo demais, ainda não “entramos no socialismo”. Falamos de outra coisa. Perguntamos: Como se explica a degeneração burocrática da ditadura? Qual é a fonte da gritante, monstruosa, aterradora contradição entre os sucessos da construção socialista e o regime da ditadura pessoal, que se apoia num aparelho impessoal, que segura pela garganta a classe dominante do país? Como explicar o fato de que a economia e a política se desenvolvem em direções diretamente opostas?

Os sucessos econômicos são muito grandes. Do ponto de vista econômico, a Revolução de Outubro justifica-se completamente desde já. Os coeficientes elevados do crescimento econômico exprimem irrefutavelmente que os métodos socialistas possuem vantagens enormes, mesmo para a solução dos problemas da produção que, no Ocidente, foram resolvidos com métodos capitalistas. Que grandiosas serão as vantagens da economia socialista nos países adiantados!

Entretanto, o problema posto pela insurreição de Outubro ainda não está resolvido, nem mesmo como rascunho. A burocracia stalinista qualifica a economia de “socialista”, segundo suas premissas e suas tendências. Isto é insuficiente. Os sucessos econômicos da União Soviética se desenvolvem sempre na base de um nível econômico pouco elevado. A indústria nacionalizada passa pelos estágios pelos quais as nações capitalistas adiantadas já passaram há muito tempo. A operária que fica na fila possui o seu próprio critério de socialismo, e este critério “consumidor”, segundo a expressão de desprezo do burocrata, é decisivo nesta questão. No conflito entre os pontos de vista da operária e os do burocrata, nós, Oposição de Esquerda, estamos do lado da operária contra o burocrata, que exagera os sucessos, mascara as contradições acumuladas e agarra a operária pela garganta para que ela não possa criticar.

No último ano, foi feito um brusco giro do salário igual para o salário diferencial (trabalho por tarefa). É absolutamente incontestável que, em presença de um baixo nível das forças produtivas, e, por conseguinte, de cultura geral, a igualdade dos salários é irrealizável. Mas isto significa também que o problema do socialismo não se resolve somente por meio das formas sociais da propriedade, mas pressupõe uma certa potência técnica da sociedade. Entretanto, o crescimento da potência técnica faz transbordar automaticamente as forças produtivas para além das fronteiras nacionais.

Restabelecendo o salário diferencial, que fora prematuramente abolido, a burocracia qualificou o salário igual de princípio “kulakista”. É uma insensatez evidente, que demonstra a que grau de hipocrisia e falsidade chegaram os stalinistas. Com efeito, teria sido preciso dizer: “Tínhamos ido muito longe com os métodos igualitários de salário. Estamos ainda longe do socialismo. Como somos ainda muito pobres, precisamos voltar atrás, para métodos de salários semicapitalistas ou kulakistas.” Nós o repetimos: Não há aqui contradição com os fins socialistas. Há somente uma contradição irreconciliável com as falsificações burocráticas da realidade.

O recuo ao salário por tarefas foi o resultado da resistência de uma economia atrasada. Haverá ainda muitos passos atrás como esse, sobretudo no domínio da economia agrária, onde foi efetuado um salto administrativo grande demais.

A industrialização e a coletivização se efetuam com os métodos de comando burocrático unilateral e sem controle das massas trabalhadoras. Os sindicatos estão completamente privados da possibilidade de agir sobre as relações entre o consumo e a acumulação. A diferenciação do campesinato é, no momento, liquidada, não tanto economicamente, como administrativamente. As medidas sociais da burocracia para a liquidação das classes adiantam-se extraordinariamente em relação ao processo fundamental, ao desenvolvimento das forças produtivas. Isto acarreta a alta do preço de custo na indústria, a baixa da qualidade da produção, a alta dos preços, a falta de bens de consumo e oferece como perspectiva a ameaça do ressurgimento do desemprego.

A tensão extrema da atmosfera política do país é o resultado das contradições entre o crescimento da economia soviética e a política econômica da burocracia, que, ou se retarda monstruosamente quanto às necessidades da economia (1923-1928), ou, aterrorizada por seu próprio atraso, se lança para frente, a fim de recuperar o tempo perdido com medidas puramente administrativas (1928-1932). Também aí o ziguezague de direita é seguido do ziguezague de esquerda. Nos dois ziguezagues, a burocracia entra em contradição com as realidades da economia e, por conseguinte, com o estado de espírito dos trabalhadores. Ela não pode permitir-lhes que a critiquem — nem quando retarda, nem quando se lança demais para frente.

A burocracia só pode exercer sua pressão sobre os operários e os camponeses privando os trabalhadores da participação na solução dos problemas de seu próprio trabalho e de seu próprio futuro. É aí que reside o maior perigo! Em política, o medo contínuo da resistência das massas pode produzir um “curto-circuito” da ditadura burocrática e pessoal.

Isto significa que é preciso reduzir os ritmos da industrialização e da coletivização? Por certo período — sem nenhuma dúvida. Mas pode ser que este período seja de duração muito curta. A participação dos próprios trabalhadores na direção do país, de sua política e de sua economia, o controle efetivo sobre a burocracia, o crescimento do sentimento da responsabilidade dos dirigentes para com os dirigidos — tudo isto produzirá um efeito incontestavelmente favorável à própria produção, diminuirá os atritos interiores, reduzirá ao mínimo os ziguezagues econômicos tão onerosos, assegurará uma distribuição mais sã das forças e dos meios e, em última análise, aumentará o coeficiente geral do desenvolvimento. A democracia soviética é, antes de tudo, uma necessidade vital da própria economia. Ao contrário, o burocratismo encerra em si surpresas econômicas trágicas. Observando no seu conjunto a história do período dos epígonos no desenvolvimento da URSS, não é difícil chegar à conclusão de que a premissa política fundamental da burocratização do regime foi o cansaço das massas, depois dos abalos da revolução e da guerra civil. Reinavam no país a fome e as epidemias, as questões da política foram relegadas ao último plano. Todos os pensamentos se dirigiam para o pedaço de pão. Na época do comunismo de guerra, todo mundo tinha a mesma ração de fome. A passagem à NEP trouxe as primeiras vantagens econômicas. A ração tornou-se mais abundante, mas nem todos se beneficiavam dela. A instauração da economia mercantil trouxe o cálculo do preço de custo, a racionalização elementar, a demissão dos operários que sobravam nas fábricas. Os sucessos econômicos marcharam muito tempo no mesmo passo que o crescimento do desemprego.

É preciso não esquecer um só instante: o fortalecimento do aparelho se apoiou no desemprego. Depois dos anos de fome, o exército de reserva amedrontava cada proletariado em frente à sua máquina. O afastamento dos operários independentes e de espírito crítico das fábricas, as listas negras dos oposicionistas tornaram-se um dos instrumentos mais importantes e mais eficazes nas mãos da burocracia stalinista. Sem esta condição, ela jamais teria conseguido asfixiar o partido de Lenin.

Os sucessos econômicos posteriores trouxeram gradualmente a liquidação do exército industrial de reserva (a superpopulação agrária, mascarada pela coletivização, conserva ainda todo o seu significado). Hoje o operário industrial já não tem mais medo de ser posto na rua. Segundo a sua experiência cotidiana, sabe que a falta de visão e as arbitrariedades da burocracia lhe tornaram difícil a solução dos problemas. A imprensa soviética denuncia as diferentes empresas que não oferecem espaço suficiente para a iniciativa operária, para o espírito inventivo etc., como se pudesse trancar a iniciativa do proletariado nas fábricas, como se as fábricas pudessem ser oásis de democracia da produção num ambiente de asfixia completa do proletariado no partido, nos sovietes e nos sindicatos!

A consciência geral do proletariado não é absolutamente a mesma de 1922-1923. O proletariado cresceu numericamente e culturalmente. Tendo realizado o trabalho gigantesco do renascimento e da reconstrução da economia, os operários sentem o renascimento e a reconstrução da confiança em si mesmos. Esta confiança interior crescente começa a se transformar em descontentamento contra o regime burocrático.

A asfixia do partido, o triunfo do regime e das arbitrariedades pessoais podem à primeira vista dar a impressão de enfraquecimento do sistema soviético. Mas não é assim. O sistema soviético está extremamente consolidado. Mas ao mesmo tempo a contradição entre este sistema e seus invólucros burocráticos aguçou-se extremamente. O aparelho stalinista vê com surpresa que os sucessos econômicos não reforçam as suas posições, e sim as corroem. Na luta por suas posições, ele é forçado a apertar ainda mais o cinto, proibindo qualquer outra forma de “autocrítica” que não sejam os elogios bizantinos aos chefes.

Não é a primeira vez na história que o desenvolvimento entra em contradição com as condições econômicas em cujo quadro se realiza. Mas é preciso compreender com clareza quais são exatamente as condições que provocam o descontentamento. A crescente onda oposicionista não é absolutamente dirigida contra as tarefas socialistas, as formas soviéticas ou o Partido Comunista. O descontentamento é dirigido contra o aparelho e a sua personificação: Stalin. Daí a nova etapa da luta encarniçada contra o chamado “contrabando trotskista”.

O adversário ameaça tornar-se demasiado escorregadio; está por toda parte e em parte alguma. Surge nas oficinas, nas escolas, penetra nos jornais históricos, em todos os manuais. Isso quer dizer: os fatos e os documentos acusam a burocracia, descobrem as suas hesitações e os seus erros. Não se pode mais recordar o passado tranquila e objetivamente. É preciso refazer o passado, é preciso tapar todas as fendas pelas quais pode penetrar a dúvida na infalibilidade do aparelho e de seu chefe. Estamos em presença de todos os traços de uma camada dirigente que perdeu a cabeça. Yaroslavsky, o próprio Yaroslavsky, tornou-se suspeito!26 Não são episódios ocasionais, detalhes, choques pessoais. O fundo do problema reside no fato de que os sucessos econômicos, que no começo fortaleceram a burocracia, se revelaram hoje, pela dialética de seu desenvolvimento, opostos à burocracia. Eis porque, por ocasião da última conferência do partido, isto é, do congresso do aparelho stalinista, o “trotskismo”, liquidado e sepultado três e quatro vezes, foi declarado “a vanguarda da contrarrevolução burguesa”. Esta decisão tola e politicamente inofensiva lança luz sobre alguns planos bastante “práticos” de Stalin no campo das vinganças pessoais. Não por acaso Lenin advertiu contra a escolha de Stalin para o cargo de secretário-geral: “Este cozinheiro só fará pratos apimentados”... O cozinheiro ainda não esgotou até o fim a sua arte culinária.

Apesar de todos os apertos de cinto teóricos e administrativos, a ditadura pessoal de Stalin manifestamente se aproxima do fim. O aparelho está cheio de fendas. A fenda chamada Yaroslavsky não é mais do que uma das centenas de fendas que hoje ainda não têm nome. O fato de a nova crise política preparar-se na base de sucessos evidentes e incontestáveis da economia soviética, do crescimento numérico do proletariado e do desenvolvimento dos primeiros sucessos da coletivização agrária serve de garantia suficiente para que a liquidação da autocracia burocrática coincida, não com o desmoronamento do sistema soviético (como se poderia ter temido há três ou quatro anos), mas, ao contrário, com a sua libertação, o seu crescimento e o seu pleno desenvolvimento.

Mas é precisamente neste último período de sua vida que a burocracia stalinista é capaz de causar muito mal. A questão do prestígio tornou-se agora para ela o problema central da política. Se se excluem do partido os historiadores apolíticos pela única razão de que não souberam celebrar as façanhas de Stalin em 1917, o regime plebiscitário poderá admitir o reconhecimento de seus erros cometidos em 1921-1932? Pode-se renunciar à teoria do social-fascismo? Pode-se repudiar Stalin, que formulou o problema alemão da seguinte maneira: Que os fascistas cheguem primeiro; em seguida virá a nossa vez?

As condições objetivas na Alemanha são em si tão imperiosas que se a direção do Partido Comunista alemão dispusesse da liberdade de ação necessária, teria certamente se orientado desde já para o nosso lado. Mas não é livre. Ao passo que a Oposição de Esquerda apresenta as ideias e as palavras de ordem do bolchevismo, experimentadas pela vitória de 1917, a camarilha stalinista, visando distrair a atenção, ordena por telégrafo o início de uma campanha internacional contra o “trotskismo”. A campanha é conduzida, não sobre a base dos problemas da revolução alemã, isto é, da vida ou da morte do proletariado mundial, mas sobre a base do artigo miserável e mentiroso de Stalin sobre as questões da história do bolchevismo. É difícil imaginar uma desproporção maior entre as tarefas da época de um lado, e os miseráveis recursos ideológicos da direção oficial de outro. Tal é a situação humilhante, indigna e ao mesmo tempo profundamente trágica da IC.

O problema do regime stalinista e o problema da revolução alemã estão ligados por um nó indissolúvel. Os próximos acontecimentos desatarão ou cortarão esse nó, tanto no interesse da revolução russa, quanto da revolução alemã.”

26 — Sabe-se que Yaroslavsky foi asperamente advertido por Stalin por ter se referido ao “trotskis­mo” como uma das tendências do comunismo. (N. do T.)

 

 

“É claro que é mais digno ser amigo do plano quinquenal soviético do que da Bolsa de Nova York. Mas a simpatia passiva pequeno-burguesa de esquerda está longe de ser bolchevismo. Bastará o primeiro insucesso importante de Moscou para dispersar a maioria dessa gente como poeira ao vento.”

 

 

“Em 1917, apesar da política correta do Partido Bolchevique e do desenvolvimento rápido da revolução, as camadas do proletariado menos favorecidas e mais impacientes, mesmo em Petrogrado, começaram, já em setembro-outubro, a afastar-se dos bolcheviques para aproximar-se dos sindicalistas e dos anarquistas. Se a insurreição de outubro não tivesse estalado em tempo, a desmoralização do proletariado teria tomado um caráter agudo e teria acarretado o apodrecimento da revolução. Na Alemanha não há necessidade dos anarquistas: eles podem ser substituídos pelos nacional-socialistas, que aliam a demagogia anarquista aos objetivos conscientemente reacionários.

Os operários não estão de modo algum garantidos de uma vez por todas contra a influência dos fascistas. O proletariado e a pequena burguesia representam vasos comunicantes, sobretudo nas condições atuais, em que o exército industrial de reserva não pode deixar de fornecer pequenos comerciantes, ambulantes etc., e a pequena burguesia falida de fornecer proletários e lumpen-proletários.

Os empregados, o pessoal técnico e administrativo, certas camadas de funcionários, constituíam no passado um dos apoios importantes da socialdemocracia. Hoje, estes elementos passam aos nacional-socialistas. Podem arrastar atrás de si, se já não o fizeram, a camada da aristocracia operária. Neste terreno, o nacional-socialismo invade o proletariado por cima.

Muito mais perigosa é a sua invasão possível por baixo, através dos desempregados. Nenhuma classe pode viver muito tempo sem perspectivas e sem esperanças. Os desempregados não são uma classe, mas formam uma camada social demasiado compacta e sólida, que tenta em vão sair de sua situação insuportável. De um modo geral, é verdade que só a revolução proletária pode salvar a Alemanha da decomposição e da ruína, e isto é, antes de tudo, verdadeiro em relação aos milhões de desempregados.

Com a fraqueza do Partido Comunista nas fábricas e nos sindicatos, o seu crescimento numérico nada resolve. Em uma nação devorada pela crise e pelas contradições, o partido da extrema esquerda pode encontrar dezenas de milhares de novos partidários, especialmente quando o seu aparelho é orientado para o recrutamento individual dos membros, pela via da “competição”. Todo o problema está na relação entre o partido e a classe. Um só operário comunista eleito para o comitê de fábrica ou para a direção de um sindicato tem uma importância muito maior do que mil novos membros conseguidos aqui e acolá, ingressos hoje no partido, para abandoná-lo amanhã.

Mas o afluxo individual de novos membros ao partido não durará também indefinidamente. Se o Partido Comunista continuar a retardar a luta até o momento em que tiver eliminado definitivamente os reformistas, perceberá que, a partir de um certo momento, a socialdemocracia deixará de perder sua influência em proveito dos comunistas e que os fascistas começarão a dividir os desempregados, que são a base principal do Partido Comunista. O fato de não utilizar suas forças para as tarefas que decorrem de toda a situação nunca passa impunemente para um partido político.

Para abrir caminho à luta de massas, o Partido Comunista tenta a realização de greves parciais. Os sucessos neste domínio não são grandes. Como sempre, os stalinistas fazem autocrítica: “Ainda não sabemos organizar...” “Ainda não sabemos mobilizar...” E quando se diz “nós”, isto sempre significa “vocês”. Ressuscita-se a famosa teoria da jornada de março de 1921: “eletrizar” o proletariado com ações ofensivas da minoria. Mas os operários não precisam ser “eletrizados” Querem uma perspectiva clara e auxílio na criação das bases de um movimento de massas.”

 

 

“Quando se trata dos próprios fundamentos da sociedade, não é a aritmética parlamentar que decide, mas a luta.”

 

 

“Admitamos que a socialdemocracia, sem intimidar-se perante os seus próprios operários, quisesse vender a Hitler a sua tolerância. Mas o fascismo não faz essa transação: não precisa da tolerância, mas da demolição da socialdemocracia. O governo de Hitler só pode realizar a sua tarefa se quebrar a resistência dos trabalhadores, desfazendo-se de todos os órgãos capazes de tal resistência. Eis em que consiste o papel histórico do fascismo.

Os stalinistas se limitam a um julgamento puramente psicológico, ou, mais exatamente, moral, dos covardes e egoístas pequeno-burgueses que dirigem a socialdemocracia. É lícito supor que esses traidores completos se separem da burguesia e se contraponham a ela? Um método tão idealista pouco tem em comum com o marxismo, que não parte daquilo que os homens pensam de si mesmos e do que desejam, mas, antes de tudo, das condições em que estão colocados e do modo como essas condições se transformam.”

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