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sexta-feira, 5 de agosto de 2022

A Luta Contra o Fascismo: Revolução e Contrarrevolução (Parte II), de Leon Trotsky

Editora: Sundermann

ISBN: 978-85-4556-006-7

Tradução: Mario Pedrosa (1933) e Rafael Padial (2019)

Opinião: ★★☆☆☆

Páginas: 440

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Sinopse: Ver Parte I



Mais uma vez a experiência russa

Para exprimir o mais clara e concretamente possível o meu pensamento, volto mais uma vez à experiência feita com o levante de Kornilov. No dia 26 de agosto (antigo calendário) do ano de 1917, o general Kornilov conduziu um corpo de cossacos e a chamada “divisão selvagem” contra Petrogrado. No poder achava-se Kerensky, agente da burguesia, e, em três quartas partes, aliado de Kornilov. Lenin se encontrava na ilegalidade, sob a acusação de estar ao serviço dos Hohenzollern. Sob a mesma acusação, eu me achava, nesses mesmos dias, incomunicável num cárcere da prisão de Kresty. Como agiram os bolcheviques nessa situação? Eles tinham também o direito de dizer: “Para vencer Kornilov é preciso vencer Kerensky.” Tinham dito isso mais de uma vez, pois era certo e necessário para toda a propaganda ulterior. Mas era absolutamente insuficiente para opor, no dia 26 de agosto e nos dias seguintes, resistência a Kornilov e impedir que este degolasse o proletariado de Petrogrado. Eis porque os bolcheviques não se contentaram com um apelo geral aos trabalhadores e aos soldados: romper com os conciliadores e apoiar a frente única vermelha dos bolcheviques. Não, os bolcheviques propuseram aos socialistas-revolucionários e aos mencheviques a frente única de combate e criaram com eles organizações de combate comuns. Isso era errado ou certo? Que Thälmann responda. Para mostrar mais claramente ainda em que pé as coisas se achavam com a frente única, narrarei o seguinte episódio: pessoalmente, depois de posto em liberdade, sob fiança paga pelos sindicatos, dirigi-me diretamente de meu cárcere ao Comitê de Defesa do Povo, onde, juntamente com o menchevique Dan e o socialista-revolucionário Gotz, aliados de Kerensky e que me haviam prendido, discuti e decidi sobre as questões da luta contra Kornilov. Isso estava certo ou errado? Que Remmele responda.

 

Brüning é o “mal menor”?

A social-democracia apoia Brüning, vota nele, toma por ele a responsabilidade junto às massas, sob o fundamento de que o governo de Brüning é o “mal menor”. É esse mesmo ponto de vista que a Rote Fahne procura atribuir-me, sob o fundamento de que me pronunciei contra a estúpida e infame participação dos comunistas no plebiscito de Hitler. Mas a Oposição de Esquerda alemã, e eu em particular, pedimos por acaso que os comunistas votem em Brüning e o apoiem? Nós, marxistas, consideramos Brüning, Hitler e Braun como os diversos elementos do mesmo sistema. A pergunta “Qual deles é o mal menor?” não tem qualquer sentido, porque o sistema que combatemos tem necessidade de todos esses elementos. Mas esses elementos acham-se agora em conflito, e o partido do proletariado deve utilizar esse conflito no interesse da revolução.

Uma escala compreende sete notas. A pergunta “Qual dessas notas é a ‘melhor: dó, ré ou sol?” é uma pergunta desprovida de sentido. O músico, porém, deve saber quando e em que tecla bater. Compreenderam? Para um entendimento limitado daremos mais um exemplo: Se um inimigo me faz engolir diariamente pequenas porções de veneno, e se outro quiser, num beco, atirar contra mim, derrubarei primeiro o revólver das mãos deste segundo inimigo, porque isso me dará possibilidade de acabar com o primeiro. Isto, entretanto, não quer dizer que o veneno seja um “mal menor” em comparação com o revólver.

A desgraça consiste justamente em que os dirigentes do Partido Comunista alemão se colocaram no mesmo terreno da social-democracia, apenas com o sinal contrário: a social-democracia vota em Brüning por considerá-lo o “mal menor”. Já os comunistas, que recusam toda confiança a Brüning e a Braun (e o fazem com justiça), saíram às ruas para apoiar o plebiscito de Hitler, isto é, a tentativa dos fascistas de derrubar Brüning. Mas dessa forma reconheceram que Hitler é o mal menor, pois a vitória do plebiscito teria levado ao poder não o proletariado, mas Hitler. É claro que é doloroso ter que explicar este abecê. Mas é triste, muito triste, quando músicos como Remmele, em lugar de distinguir as notas, batem no teclado com as patas.

 

Não se trata dos operários que abandonaram a social-democracia, mas dos que continuam nela

Em última análise, os milhares e milhares de Noske, Wels e Hilferding preferem o fascismo ao comunismo. Mas para isso, devem desfazer-se dos operários. Hoje, a social-democracia como um todo, com todos os seus antagonismos internos, acha-se em conflito agudo com os fascistas. Nossa tarefa consiste em utilizar esse conflito, e não em unir, no momento mais agudo, os adversários contra nós.

É preciso agora voltar a frente contra o fascismo. E essa frente de luta direta contra o fascismo, comum a todo o proletariado, deve ser utilizada para um combate colateral, mas não menos eficaz, contra a social-democracia.

Deve-se mostrar pelos fatos que estamos inteiramente prontos para fazer um bloco com os social-democratas contra os fascistas em todos os casos em que aqueles aceitem o bloco. Dizer aos operários social-democratas: “Abandonai vossos chefes e aderi à nossa frente única sem-partido” é o mesmo que juntar mais uma frase vazia a milhares de outras. É preciso primeiro, no trabalho, saber arrancar os operários de seus chefes. E o trabalho é agora a luta contra o fascismo.

Certamente há e haverá operários social-democratas prontos a lutar ombro a ombro com os operários comunistas contra os fascistas, independentemente da vontade, e mesmo contra a vontade, das organizações social-democratas. Com tais elementos avançados, deve-se estabelecer a ligação mais estreita possível. Mas até agora eles são pouco numerosos. O operário alemão é educado num espírito de organização e disciplina. Isto tem o seu lado forte como também o seu lado fraco. A maioria esmagadora dos operários social-democratas quer combater contra o fascismo, mas até agora não sem a sua organização. Não se pode saltar esta etapa. Devemos auxiliar os operários social-democratas a verificar pelos fatos — na situação nova e única — o quanto valem as suas organizações e os seus chefes quando se trata da vida ou morte da classe operária.”

 

 

“Nenhuma plataforma comum com a social-democracia ou com os chefes dos sindicatos alemães, nenhuma edição, nenhuma bandeira, nenhum cartaz comum: marchar separadamente, lutar juntos. Acordo apenas nisto: como combater, quem combater e quando combater? Nisto pode-se entrar em acordo com o próprio diabo, com a sua avó e mesmo com Noske e Grzesinsky. Com uma condição: conservar as mãos livres. (...)

Na luta contra o fascismo, um lugar importante está reservado aos comitês de fábrica. Aqui é preciso um programa de ação estudado muito particularmente. Cada fábrica deve se transformar em uma fortaleza antifascista, com o seu comandante e seus quadros de combate. É preciso que se tenha o plano dos quartéis fascistas e de outros focos fascistas em cada cidade, em cada distrito. Os fascistas tentam cercar os núcleos revolucionários. É preciso cercar os que os cercaram. Neste terreno, o acordo com as organizações social-democratas e os sindicatos não é somente admissível, mas obrigatório. Renunciar a ele por considerações de “princípios” (na verdade por tolice burocrática ou, pior ainda, por covardia) é o mesmo que auxiliar direta e imediatamente o fascismo.”

 

 

“A degeneração do capitalismo significa uma putrefação social e cultural. Está trancado o caminho para uma diferenciação metódica da nação, para o crescimento do proletariado à custa do enfraquecimento das classes médias. A manutenção ulterior da crise não pode significar senão pauperização da pequena burguesia e degeneração de camadas cada vez maiores da classe operária para o lumpemproletariado. Mais afiado do que qualquer outro, este perigo aperta a garganta da Alemanha adiantada.

A parte mais podre da Europa capitalista decadente é a burocracia social-democrata. Ela entrou no caminho da história sob a bandeira de Marx e de Engels. Tinha como fim a destruição da dominação burguesa. O poderoso crescimento do capitalismo apoderou-se dela e acorrentou-a à sua cauda. Primeiramente nos fatos e em seguida também nas palavras, renunciou à revolução em nome das reformas. Na verdade, Kautsky continuou ainda muito tempo com a fraseologia da revolução, adaptando-a às necessidades do reformismo. Em compensação, Bernstein exigiu a renúncia à revolução: o capitalismo representava a época do florescimento pacífico, sem crises e sem guerra. Que profecia exemplar! Poderia parecer que entre Kautsky e Bernstein existia uma contradição irreconciliável. Na realidade, completavam-se simetricamente um ao outro, como a bota esquerda e a bota direita do reformismo.

Veio a guerra. A social-democracia apoiou a guerra em nome da prosperidade futura. Em lugar da prosperidade, veio o declínio. Agora, a tarefa não consiste mais em deduzir da insuficiência do capitalismo a necessidade da revolução, tampouco em conciliar os trabalhadores com o capitalismo por meio de reformas. A nova política da social-democracia passou a consistir em salvar a sociedade burguesa à custa da renúncia às reformas. (...)

O sistema dos decretos burocráticos é incerto, instável, pouco viável. O capital tem necessidade de outra política mais decisiva, e o apoio da social-democracia, que tem de olhar para os seus próprios operários, é não apenas insuficiente para os seus fins, como já começa a incomodá-lo. O período das meias medidas passou. Para tentar uma nova saída, a burguesia precisa desembaraçar-se completamente da pressão das organizações operárias, afastá-las, destruí-las e dispersá-las.

Aqui começa a função histórica do fascismo. Ele põe de pé as classes que se levantam imediatamente acima do proletariado e temem ser precipitadas nas suas fileiras, organiza-as, militarizando-as com os meios do capital financeiro, sob a capa do Estado oficial, e as orienta para a destruição das organizações proletárias, desde as mais revolucionárias até as mais moderadas.

O fascismo não é simplesmente um sistema de repressão, de atos de força e de terror policial. O fascismo é um sistema de Estado particular, baseado no extermínio de todos os elementos da democracia proletária na sociedade burguesa. A tarefa do fascismo não consiste somente em destruir a vanguarda proletária, mas também em manter toda a classe num estado de fragmentação forçada. Para isto, a exterminação física da camada operária mais revolucionária é insuficiente. É preciso destruir todos os pontos de apoio do proletariado e exterminar os resultados do trabalho de três quartos de século da social-democracia e dos sindicatos. Porque neste trabalho também se apoia, em última instância, o Partido Comunista.

A social-democracia preparou todas as condições para a vitória do fascismo. Mas preparou também as condições de sua própria liquidação política. Lançar sobre a social-democracia a responsabilidade do sistema de decretos-leis de Brüning e da barbárie fascista ameaçadora é inteiramente justo. Identificar a social-democracia com o fascismo é inteiramente insensato.

Pela sua política durante a Revolução de 1848, a burguesia liberal preparou a vitória da contrarrevolução, que, então, condenou o liberalismo à impotência. Marx e Engels bateram na burguesia liberal alemã com não menos força do que Lassale e mais profundamente do que ele. Mas enquanto os lassalianos lançavam a contrarrevolução e a burguesia liberal numa “massa reacionária”, Marx e Engels se levantavam do modo mais justificado contra esse falso ultrarradicalismo. A posição falsa dos lassalianos fez deles acidentalmente cúmplices involuntários da monarquia, apesar do caráter geral progressivo de seu trabalho, extremamente mais sério e mais importante do que o do liberalismo.

A teoria do “social-fascismo” reproduz o erro essencial do lassalianismo em novas bases históricas. Ao mesmo tempo em que lança nacional-socialistas e social-democratas numa massa fascista, a burocracia stalinista pratica ações como o apoio ao plebiscito hitleriano: isto não é de modo algum melhor do que as manobras lassalianas com Bismarck.

Na sua luta contra a social-democracia, o comunismo alemão deve apoiar-se, na etapa atual, em duas bases inseparáveis: a) a responsabilidade política da social-democracia pela força do fascismo; b) a irreconciliabilidade absoluta entre o fascismo e as organizações operárias, nas quais a social-democracia se apoia.

As contradições do capitalismo alemão chegaram atualmente a esta tensão, à qual se seguirá a explosão, inevitavelmente. A capacidade de adaptação da social-democracia atingiu o limite em que já se produz a autodestruição. Os erros da burocracia stalinista atingiram o ponto após o qual vem a catástrofe. É esta a tripla fórmula que caracteriza a situação na Alemanha. Tudo está se apoiando sobre o fio da navalha.”

 

 

“Os políticos do reformismo, negocistas hábeis, esses intrigantes e arrivistas empedernidos, esses experientes manobristas parlamentares e ministeriais, assim que a marcha das coisas os expulsa de sua esfera habitual e os coloca diante de grandes acontecimentos, tornam-se — é difícil encontrar um qualificativo mais brando — completos idiotas.”

 

 

“A putrefação do capitalismo significa que a questão do poder tem de resolver-se na base das forças produtivas atuais. Prolongando a agonia do regime capitalista, a social-democracia só tem como resultado a decadência contínua da cultura econômica, o fracionamento do proletariado, a gangrena social. Não tem qualquer outra perspectiva diante de si: amanhã será pior do que hoje; depois de amanhã, pior do que amanhã. Mas os chefes da social-democracia não ousam mais prever o futuro. Já possuem todos os vícios da classe dirigente condenada à ruína: uma leviandade, uma paralisia da vontade, uma inclinação a fechar os olhos aos acontecimentos e esperar milagres.”

 

 

“Entre a democracia e o fascismo há uma contradição. Esta contradição não é de forma alguma “absoluta” ou, para falar-se como marxista, não significa de forma alguma a dominação de duas classes antagônicas. Mas significa sistemas diferentes de dominação de uma única e mesma classe. Esses dois sistemas, o sistema parlamentar-democrático e o sistema fascista, apoiam-se em diferentes combinações das classes oprimidas e exploradas e se chocam, inevitavelmente e de forma aguda, um contra o outro.

A social-democracia, que hoje é o representante principal do regime parlamentar burguês, apoia-se nos operários. O fascismo, porém, apoia-se na pequena burguesia. A social-democracia não pode ter influência sem as organizações operárias de massa. O fascismo, porém, não pode consolidar o seu poder de outra forma, senão destruindo as organizações operárias. A arena principal da social-democracia é o parlamento. O sistema do fascismo é baseado na destruição do parlamentarismo. Para a burguesia monopolista, o regime parlamentar e o regime fascista não representam senão diferentes instrumentos de sua dominação: recorre a um ou a outro, segundo as condições históricas. Mas para a social-democracia, como para o fascismo, a escolha de um ou do outro instrumento tem uma importância própria; mais ainda, é para eles uma questão de vida ou de morte política.

A hora do regime fascista chega no momento em que os meios militares-policiais “normais” da ditadura burguesa, com a sua capa parlamentar, se tornam insuficientes para manter a sociedade em equilíbrio. Por meio da agência fascista, a burguesia põe em movimento as massas da pequena burguesia enfurecida, os bandos de “desclassados”, os “lumpen-proletários” desmoralizados, todas essas inumeráveis existências humanas que o próprio capital financeiro levou ao desespero e à fúria.

A burguesia exige ao fascismo um trabalho “limpo”: desde que admite os métodos de guerra civil, ela quer ter paz durante uma série de anos. E os agentes fascistas, servindo-se da pequena burguesia como de uma arma, e aniquilando tudo à sua passagem, prosseguem no seu trabalho até o fim. A vitória do fascismo coroa-se quando o capital financeiro subordina, direta e imediatamente, todos os órgãos e instituições de domínio, de direção e de educação: o aparelho do Estado e o exército, as prefeituras, as universidades, as escolas, a imprensa, os sindicatos, as cooperativas. A fascistização do Estado significa não apenas “mussolinizar” as formas e os processos de direção — neste domínio as mudanças desempenham, no final das contas, um papel secundário — mas, antes de tudo e sobretudo, destruir as organizações operárias, reduzir o proletariado a um estado amorfo, criar um sistema de organismos que penetre profundamente nas massas e esteja destinado a impedir a cristalização independente do proletariado. É precisamente nisto que consiste a essência do regime fascista.

O que acaba de ser dito não contradiz o fato de que, entre o sistema democrático e o sistema fascista, se estabeleça, num período dado, um regime transitório, contendo traços de um e de outro sistema; tal é, em geral, a lei da mudança de dois regimes sociais, mesmo de regimes irredutivelmente hostis. Há momentos em que a burguesia se apoia tanto na social-democracia como no fascismo, isto é, quando ela se serve simultaneamente de seus agentes conciliadores e de seus agentes terroristas.”

 

 

“Como epígrafe às suas pesquisas sobre o social-fascismo, a Rote Fahne escolheu as palavras de Stalin: “O fascismo é a organização de combate da burguesia que se apoia no auxílio ativo da social-democracia. A social-democracia é objetivamente a ala moderada do fascismo.” Como acontece com Stalin quando ele procura generalizar, a primeira frase está em contradição com a segunda. Que a burguesia se apoie na social-democracia e que o fascismo seja uma organização de combate da burguesia, isto é de todo incontestável e conhecido há muito tempo. Mas daí decorre, unicamente, que a social-democracia, assim como o fascismo, são instrumentos da grande burguesia. De que modo a social-democracia se torna, ainda por cima, e ao mesmo tempo, uma “ala” do fascismo, isto já é mais difícil de compreender. Não menos profunda é outra definição do mesmo autor: “O fascismo e a social-democracia são não inimigos, mas gêmeos.” Os gêmeos podem ser os piores inimigos; por outro lado, os aliados não nascem, necessariamente, no mesmo dia e da mesma mãe. Na construção de Stalin falta não apenas a dialética, mas mesmo a lógica formal. A força desta construção consiste em que ninguém ousa contradizê-la.

Entre a democracia e o fascismo não há diferença “quanto ao conteúdo de classe”, nos ensina, depois de Stalin, Werner Hirsch (Die Internationale16, janeiro de 1932). A passagem da democracia ao fascismo pode ter um caráter de “processo orgânico”, isto é, pode produzir-se “gradualmente e por via fria”. Este raciocínio seria espantoso se os epígonos não nos tivessem tirado o hábito de nos espantarmos.

Entre a democracia e o fascismo não há “diferença de classe”. Isto deve significar, evidentemente, que a democracia tem um caráter burguês, assim como o fascismo. Não o púnhamos em dúvida, mesmo antes de janeiro de 1932. Mas a classe dominante não vive no vácuo. Ela estabelece certas relações com as outras classes. No regime “democrático” da sociedade capitalista desenvolvida, a burguesia apoia-se, antes de tudo, na classe operária domesticada pelos reformistas. Esse sistema é expresso de forma mais acabada na Inglaterra, tanto sob o governo trabalhista, como sob o governo conservador. No regime fascista, ao menos no seu primeiro estágio, o capital apoia-se na pequena burguesia, que destrói as organizações do proletariado. Tal é o exemplo da Itália! Há diferença no “conteúdo de classe” desses dois regimes? Se só se coloca a questão da classe dominante, não há qualquer diferença. Mas, consideradas a situação e as relações entre todas as classes, do ponto de vista do proletariado, a diferença se revela bastante grande.

Durante muitas décadas, no interior da democracia burguesa, servindo-se dela e lutando contra ela, os operários edificaram as suas fortificações, as suas bases, os seus núcleos de democracia proletária: sindicatos, partidos, clubes de educação, organizações esportivas, cooperativas etc. O proletariado pode chegar ao poder não nos quadros formais da democracia burguesa, mas somente por via revolucionária. Isto é demonstrado ao mesmo tempo pela teoria e pela experiência. Mas é justamente para a via revolucionária que o proletariado tem necessidade das bases de apoio da democracia operária no interior do Estado burguês. Foi na criação de tais bases que se manifestou o trabalho da II Internacional, na época em que ela realizava ainda um trabalho historicamente progressivo.

O fascismo tem como função essencial e única a destruição, até os alicerces, de todas as instituições da democracia proletária. Esse fato tem ou não para o proletariado “uma importância de classe”? Que os nossos grandes teóricos reflitam sobre isto um pouco. Dando ao regime o nome de burguês — o que é incontestável —, Hirsch e os seus senhores esqueceram um detalhe: o lugar do proletariado nesse regime. Substituem o processo histórico por uma abstração sociológica vazia. Mas a luta de classes se desenrola no terreno da história, e não na estratosfera da sociologia. O ponto de partida da luta contra o fascismo não é a abstração do Estado democrático, mas as organizações vivas do próprio proletariado, nas quais está concentrada toda a sua experiência e que preparam o seu futuro.

A tese de que a passagem da democracia ao fascismo pode ter um caráter “orgânico” e “gradual” não significa, então, com toda a evidência, outra coisa senão isto: podem tirar do proletariado não só todas as suas conquistas materiais — um certo nível de vida, a legislação social, os direitos civis e políticos — mas também o instrumento essencial de suas conquistas, isto é, as suas organizações, e isso sem abalos e sem combates. A passagem ao fascismo “por via fria” supõe, assim, a mais terrível das capitulações políticas do proletariado que se possa imaginar.”

16 — A Internacional, órgão da Internacional Comunista. (N. do T)

 

 

“Quando a reação exige que os interesses da “nação” sejam colocados acima dos interesses de classe, nós, os marxistas, dizemos que, sob a forma do interesse “geral”, a reação defende os interesses de classe dos exploradores. Não se pode formular os interesses da nação a não ser sob o ângulo da classe dominante ou da classe que busca a dominação; não se pode formular os interesses de classe a não ser sob a forma de um programa; não se pode defender o programa a não ser por meio da criação de um partido.

A classe tomada em si não é mais do que matéria para a exploração. O papel próprio do proletariado começa no momento em que, de uma classe social em si, se torna uma classe política para si. Isto só pode acontecer por intermédio do partido. O partido é o órgão histórico com o auxílio do qual a classe operária adquire a sua consciência. Dizer que “a classe está acima do partido” é o mesmo que dizer: “A classe em estado bruto está acima da classe em vias de adquirir a sua consciência.” Isto não só é falso, como é reacionário. Para justificar a necessidade da frente única, não há qualquer necessidade de recorrer a esta teoria vulgar.

O desenvolvimento da classe rumo à sua consciência, isto é, a edificação de um partido revolucionário que arraste atrás de si o proletariado, é um processo complicado e contraditório. A classe não é homogênea. Suas diferentes partes adquirem consciência por caminhos diferentes e em épocas diferentes. A burguesia participa ativamente deste processo. Cria os seus órgãos na classe operária ou utiliza os já existentes, opondo certas camadas de operários a outras. No seio do proletariado agem simultaneamente diferentes partidos. Eis porque o proletariado vive politicamente dividido durante a maior parte de seu caminho histórico. Daí provém — com uma agudez excepcional em certos períodos — o problema da frente única.

O partido comunista — com uma política justa — expressa os interesses históricos do proletariado. Sua tarefa consiste em conquistar a maioria do proletariado: só assim a revolução socialista é possível. O partido comunista só pode desempenhar a sua missão preservando sua plena independência política e organizativa, sem reservas, em relação a todos os partidos e organizações dentro da classe operária e fora dela. A transgressão desta regra fundamental da política marxista é o mais grave crime contra os interesses do proletariado como classe.”

 

 

“O caráter da ação é determinado não pelo jogo de categorias abstratas, mas pela correlação real das forças históricas vivas.”

 

 

“No plano político, uma situação revolucionária consiste precisamente em que todos os agrupamentos e todas as camadas do proletariado, ou pelo menos a sua maioria esmagadora, estejam tomados do desejo de unificar os seus esforços para mudar o regime existente. Contudo, isto não quer dizer que todos compreendam como fazê-lo e, menos ainda, que estejam todos prontos, já hoje, para romper com os seus partidos e passar para as fileiras do comunismo. Não, a consciência política da classe não chega à sua maturação de acordo com um plano tão rigoroso e de uma maneira tão metódica. Continuam a existir profundas divergências internas, mesmo durante a época revolucionária, quando todos os processos se desenvolvem por saltos. Mas ao mesmo tempo, a necessidade de uma organização acima dos partidos, abarcando toda a classe, adquire uma agudez especial. Dar uma forma a esta necessidade — é este o destino histórico dos sovietes. É esta a sua grande função. Nas condições da situação revolucionária, exprimem a suprema organização da unidade proletária. Quem não tiver compreendido isso não compreendeu nada sobre o problema dos sovietes. (...)

Independentemente do meio pelo qual devam surgir, os sovietes não podem vir a ser outra coisa senão a expressão organizativa dos lados fortes e dos lados fracos do proletariado, de suas divergências internas e de sua ânsia geral para superá-las; em suma: órgãos de frente única da classe.”

 

 

“Realmente, o regime stalinista praticou horríveis devastações nos cérebros! Depois de ter burocratizado os sovietes na URSS, os epígonos os tratam agora como instrumentos técnicos nas mãos do aparelho do partido. Esqueceram-se que os sovietes se formaram como parlamentos operários e que atraíam as massas porque criavam a possibilidade de colocar ombro a ombro todas as partes da classe operária, independentemente das divergências de partido; esqueceram-se que foi precisamente nisto que consistiu a força educadora e revolucionária dos sovietes. Tudo está esquecido, tudo está embaralhado, tudo está deformado. Oh, epígonos, mil vezes malditos!”

 

 

“O centrismo se contenta com pouca coisa. Mas a revolução exige muito. A revolução exige tudo, integralmente.”

 

 

“Um social-democrata assustado ainda não é um revolucionário.”

 

 

“Mesmo as pessoas inteligentes podem fazer tolices, sobretudo na sua juventude. Mas desse direito, como já aconselhava Heine, não se deve abusar. Se as tolices políticas de um tipo determinado se repetem sistematicamente no curso de um período prolongado, e isto no domínio dos problemas mais importantes, então deixam de ser simplesmente tolices e se tornam uma tendência.”

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