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quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Entre a fé e a razão: Deus, o mundo e o homem na filosofia medieval (Parte II), de Everson Araujo Nauroski

Editora: InterSaberes

ISBN: 978-85-5972-066-2

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 214

Sinopse: Ver Parte I

 


“Santo Tomás de Aquino se destacou como intelectual e veio a receber o convite para se tornar mestre na Universidade de Paris, atuando como professor por mais de dez anos. Em um dos episódios mais marcantes de sua vida, ficou abalado pela visão mística que tivera de Deus. Ainda sob o efeito do êxtase, teria dito: “Tudo o que escrevi é palha”: Entre suas obras mais conhecidas, encontram-se Questões disputadas da verdade escrita, de 1256; Suma teológica, datada de 1265-1274; e Sobre a eternidade do mundo, de 1271.

Conta-se que, quando Santo Tomás de Aquino ainda era noviço, seu jeito silencioso e taciturno lhe valeu o apelido de boi mudo. Em um dos momentos em que seus colegas o caçoavam por seu apelido, seu professor Alberto Magno teria advertido que o jovem a quem chamavam de boi mudo ainda faria o mundo todo ouvi-lo quando decidisse falar.

De todo modo, o fato é que Santo Tomás de Aquino tornou-se um dos mais célebres teólogos e santos da Igreja, a ponto de receber o título de Doutor Angelicus. Quando houve o processo para a sua canonização, questionou-se o fato de não haver milagres que atestassem sua santidade. Foi então que o Papa Pio V, que o havia proclamado doutor da Igreja, teria dito que cada página de sua Suma teológica era um milagre e um presente na formação de toda a cristandade. Em sua vasta obra, ele não só formulou uma teologia natural, como tratou ainda de ética, direito, metafísica e teoria política.

Como aristotélico, Santo Tomás de Aquino estava propenso à valorização da ética, do raciocínio indutivo e da experiência como critério auxiliar na busca pelo conhecimento e pelo entendimento das verdades reveladas. Desse modo, ele rejeitou o inatismo platônico-agostiniano e postulou que o conhecimento decorria da conjugação da sensibilidade e do intelecto. Isso quer dizer que pelos sentidos captamos a realidade que está fora de nós, enquanto pelo intelecto organizamos as sensações em conceitos e categorias. O conhecimento intelectual, como uma manifestação da faculdade da alma, é superior à sensibilidade, mas depende desta para elaborar conceitos.

Os pensamentos de Santo Tomás de Aquino nos levam a entender que os objetos exteriores, para serem conhecidos em suas propriedades gerais e fundamentais, passam por um processo de elaboração e síntese. Tudo começa com o olhar que capta o sinal da materialidade. O prosseguimento e a continuidade dessa experiência permitem ao intelecto humano abstrair as características comuns aos objetos e, dessa maneira, formular os conceitos sobre eles.

Assim, o que é essencial, ou inteligível, como atributo presente nos objetos, só pode ser percebido de modo limitado em sua materialidade pelos sentidos. Sem o concurso da razão, seria muito difícil captar o que constitui a essência de cada objeto (Durozoi; Roussel, Dicionário de filosofia, 1999).

Esse processo de conhecimento é algo natural no homem, pois acontece como uma dinâmica própria da razão, que organiza os conteúdos da experiência. Trata-se de uma qualidade interna do sujeito que conhece. Dessa forma, Santo Tomás de Aquino negou a teoria da iluminação de Santo Agostinho. Para ele, a compreensão é um movimento a posteriori, um exercício intelectual, racional e lógico. Referimo-nos a um realismo moderado, ou seja, os conceitos não são as próprias coisas, mas as descrevem por similitudes, sendo imagens mentais do mundo exterior. Quanto mais próximo do objeto estiver a descrição, mais verdadeiro será o conceito.

Nesse panorama, a noção de verdade no tomismo estabelece uma relação de adequação entre o sujeito e o objeto, a coisa e o intelecto. Seria, portanto, necessária a demonstração lógica e argumentativa para testar o quanto essa correspondência pode ser coerente e adequada ou confusa e contraditória.

 

4.3.1 .A metafísica tomista

A novidade trazida por Santo Tomás de Aquino em relação à tradição grega refere-se a sua reinterpretação do pensamento aristotélico no que concerne ao ser e não tanto aos entes e a suas essências. Por entes podemos entender todas as coisas percebidas ou que podem ser nomeadas. Existem os entes lógicos, cuja existência serve para análise e predicação dos objetos, e os entes físicos ou materiais.

O ser é estudado em sua unidade e na diferenciação que assume no conjunto dos entes. Para Santo Tomás de Aquino, interessava captar e entender o grau de unidade presente nos entes, pois tudo o que existe é um ente, inclusive o próprio Deus. Todavia, em Deus, o ser é pleno e totalizante, absoluto e imutável. Já o mundo, o homem e todos os seres criados são entes, mas de um modo diverso. É como se disséssemos que Deus é puro ser e contém em si o ser. Os demais entes participam do ser. Em poucas palavras, Deus é o ser. O homem e o mundo contêm o ser (Gilson, 2002).

Reproduzindo a lógica do hilemorfismo aristotélico, Santo Tomás de Aquino o aplicou para explicar a relação entre Deus e o mundo, mostrando que os entes participam do ser de Deus, mas em graus diferenciados. Nesse sentido, cada ente apresenta um nível de perfeição. Um mineral é menos complexo e desenvolvido do que uma planta, por exemplo. Assim, a planta apresenta um grau elevado de perfeição em relação a uma pedra. Contudo, se comparada a um animal – um cão, por exemplo –, a planta é inferior. Um cão é bem mais complexo que a planta, apresentando um grau de perfeição maior. Assim, seguindo um movimento de atualização, cada ente realiza seu potencial atingindo diferentes graus de perfeição. Nesse contexto, o homem, como ente racional, está acima dos demais seres naturais, já que apresenta um grau de perfeição maior, sendo mais elaborado e complexo de todos, ou seja, entre os seres da natureza, o homem, por ser racional, é o mais perfeito.

Santo Tomás de Aquino argumentou, no entanto, que somente Deus tem a plena perfeição, pois é ato puro, coincidindo, em seu ser, a potência e a existência. Deus é, portanto, um ser necessário, pois não se altera. Nele não existe mudança nem contingência. Ao aplicar essa perspectiva na doutrina da Igreja, Santo Tomás de Aquino inaugurou uma teologia natural que tem como pressuposto básico o fato de que a criação é sustentada pelo ser de Deus.

A investigação de Santo Tomás de Aquino o levou a contemplar o mistério da criação. Afinal, a existência do ser coloca a possibilidade de que o nada poderia existir. A vida em sua infinita complexidade e mistério, é o supremo argumento de que Deus existe.

A ideia é que, com essas argumentações, mesmo um não crente, alguém que nunca tivesse ouvido falar de Deus ou nunca tivesse sido iniciado em alguma religião, poderia chegar à compreensão de Deus e de sua existência. Isso aconteceria somente pelo exame racional da realidade, percebendo-se suas leis, seu funcionamento, sua beleza e sua bondade intrínseca, notando-se a assinatura da inteligência suprema que a criou.

Santo Tomás de Aquino, ainda no viés aristotélico, defendeu que o princípio hilemórfico se aplica tanto aos seres quanto ao conjunto dos entes físicos e materiais. Na natureza, tudo o que existe precisa assumir uma forma, adquirir substância para poder ser conhecido. A forma representa um modelo universal que se objetiva e se materializa individualmente em cada ser enquanto ato.

Em resumo, na metafísica aristotélico-tomista, a matéria, considerada em sua composição, possui substância complementar. Por um lado, apresenta-se como realidade indeterminada; por outro, em sua configuração atualizada como matéria, precisa se diferenciar como ente, assumir uma forma, o que denota ação, atividade, algo próprio do mundo dos entes. Essa explicação se complementa com a teoria das quatro causas, incorporadas à teologia tomista. Se a matéria precisa de alguma forma para se atualizar, esse movimento de potenciação e atualização é um movimento causal.

A causa material, nesse caso, é aquilo que denota a estruturação do ente, do que ele é feito. A causa eficiente é a atuação intencional de um agente que dá forma à matéria. Já a causa formal denota a forma própria do ente, sua identidade, sua diferenciação no mundo, e a causa final é o escopo telúrico da metafísica tomista, o sentido último, a finalidade do ente.

Podemos exemplificar a teoria das quatro causas analisando um objeto qualquer, como uma espada. O metal utilizado na sua confecção é causa material, enquanto a ação do ferreiro é a causa eficiente que forja a espada. A causa formal, por sua vez, é a forma própria da espada, o que a diferencia de uma lança e lhe confere identidade e individualidade como ente, como objeto. A causa final é a utilidade da espada, que pode ser a luta, a defesa ou o ornamento.”

 

 

4.3.3 As cinco vias para Deus

Há algumas considerações iniciais sobre o modo como Santo Tomás de Aquino descreve Deus. A primeira e importante distinção se coloca entre ser e existência, que em Deus são diferentes, pois

a existência é um complemento de toda substância, um atributo pertencente a sua essência, algo que lhe sobrevém como inerente. Contudo, somente Deus não recebe a existência como complemento de sua própria essência. Numa palavra, Deus não tem sua própria existência, ele é sua própria existência. (Gilson, 2002, p. 23)

Deus, portanto, não se encontra limitado por sua natureza. Sua realidade é pura, simples, em perpétua atualidade. Não existe potencialidade em Deus, sua essência é absoluta, puro ser. A principal diferença entre Deus e as realidades criadas é que estas são substâncias compostas, cuja essência existe por participação no ser de Deus. Elas não são, pois, as causas de si próprias e, como tal, são contingentes, sua existência não afeta a ordem do ser.

Passemos agora à apresentação das cinco vias para provar a existência de Deus. Vale lembrar que todo esse exercício é lógico e argumentativo, demonstrando a força e a capacidade intelectual de Santo Tomás de Aquino.

 

4.3.3.1 A primeira via – Do movimento

Todo movente é movido por algo. Em uma sucessão lógica, no plano das coisas criadas, não existe o automovente. Assim expressa Santo Tomás de Aquino esse argumento:

A primeira [via], que é a mais evidente, é a que parte do movimento. Com efeito, é certo e sabido pelos sentidos que algumas coisas se movem neste mundo. Ora, tudo aquilo que se move é movido por outro, já que uma coisa não se desloca se não for em potência em relação ao termo do movimento; ao passo que quem move, move enquanto está em ato. Com efeito, mover quer dizer levar da potência ao ato. Ora, uma coisa não pode ser levada de potência a ato senão em virtude de um ente que já está em ato. Por exemplo, aquilo que é quente em ato, como o fogo, torna quente a madeira, que estava quente em potência, e assim a muda e a altera. Mas não é possível que a mesma coisa esteja ao mesmo tempo em ato e potência sob o mesmo aspecto. Só pode sê-lo sob aspectos diversos: aquilo que é quente em ato não pode sê-lo também em potência, mas é, ao mesmo tempo frio em potência. Assim, é impossível que, sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo, uma coisa seja movente e movida (movens et motum), ou seja, que mova a si mesma. Portanto, tudo aquilo que se move deve ser movido por outro. (Aquino, citado por Reale; Antiseri, História da filosofia, 2003, p. 221)

Pensar o movimento sequencialmente nos leva a uma cadeia infinita de uma ação que move e de uma reação movente. A análise lógica desse processo supõe, então, um 1novimento originário, que coloca em curso um progresso infinito de ato e potência. Logo, para fazer sentido, é necessário supor a existência de um primeiro motor imóvel que, estando parado, em repouso, em ato puro, coloca tudo em movimento.

O sentido metafísico desse argumento remete a uma consideração de ordem cosmológica e outra de ordem antropológica. A natureza não pode ser tomada como a causa de si mesma, e o homem, mesmo no exercício de sua racionalidade e vontade, não deixa de permanecer como ser movido.

 

4.3.3.2 A segunda via – Da causa eficiente

As realidades criadas não são em si mesmas as causas de suas existências, logo, foram causadas pela ação de outro ou de outros seres. Na relação infinita que se pode estabelecer entre causa e efeito, um retorno final é impossível, pois contraria o sentido lógico do argumento e da própria lei da causalidade. Vejamos:

A segunda via parte da noção de causa eficiente. No mundo das coisas sensíveis nos defrontamos com a existência de uma ordem de causas eficientes. Não há caso conhecido e, na verdade, é impossível que uma coisa seja a causa eficiente de si mesma, porque para tanto deveria ser anterior a si mesma, coisa inconcebível. Ora, não é possível ir ao infinito na série das causas eficientes, porque em todas as causas eficientes ordenadas a primeira é a causa da intermediária que é causa da última, podendo as causas intermediárias ser várias ou uma só. Ora, anular a causa significa anular o efeito. Por isso, se não houver uma causa primeira entre as causas eficientes, não haverá nem causa intermediária nem causa última. Mas, proceder ao infinito nas causas eficientes significa eliminar a causa eficiente primeira assim não teríamos nem efeito último, nem causas eficientes intermediárias, o que, evidentemente, é falso. Por isso, é necessário admitir uma primeira causa eficiente, à qual todos dão o nome de Deus. (Aquino, citado por Reale; Antiseri, 2003, p. 223)

A argumentação lógica impecável de Santo Tomás de Aquino evidencia uma assinatura inteligente no Universo. A lei da causalidade denota inteligência, ordem e organização. Ora, se existe uma ordem, é necessário que exista um ordenador. A lei da causalidade, assim como as demais leis que regem a natureza e o Universo, seja a lei da gravidade, seja a lei do eletromagnetismo, aponta para um sentido intrínseco na ordem das coisas. A prova da causa eficiente nos indica essa conformação telúrica a encadear os entes e suas causas, sendo Deus a causa última, a causa primeira e, ainda, a causa incausada.

 

4.3.3.3 A terceira via – Do contingente e do necessário

Esse argumento surge como consequência do argumento anterior. Para a realidade das coisas criadas, a existência é somente uma possibilidade, não uma necessidade absoluta, de modo que, não existindo a causa, não haverá o efeito que lhe é correspondente. Ou seja:

A terceira via deriva do possível [ou contingente] e do necessário, e é esta. Encontramos coisas que têm possibilidade de ser e não ser, pois constatamos que se geram e se corrompem e, consequentemente, lhes é possível tanto ser como não ser. Mas é impossível que todas as coisas dessa natureza tenham existido sempre, país o que pode não ser, em algum tempo não existia. Por isso, se todas as coisas [existentes na natureza são tais que] podem não existir, em algum tempo não haveria nada de existente. Ora, se isso é verdade, também agora não haveria nada de existente, país o que não existe só começa a existir por meio de alguma coisa que já existe. Por isso, se em algum tempo não havia nenhum ser, teria sido impossível alguma coisa começar a existir e, assim, também agora nada existiria, o que, evidentemente, é falso. Por isso, nem todos os entes são contingentes, mas é preciso que na realidade haja alguma coisa necessária. Om, toda coisa necessária tem a sua necessidade causada por outra, ou não. Ora, é impossível ir ao infinito nas coisas necessárias, que têm a causa de sua necessidade em alguma outra coisa, como já foi demonstrado a respeito das causas eficientes. Por isso, não podemos deixar de admitir a existência de um ser que seja em si mesmo necessário, e não receba de outros a própria necessidade, mas seja causa de necessidade para os outros. E a este todos chamam Deus. (Aquino, citado por Reale; Antiseri, 2003, p. 224)

As realidades criadas, isto é, todos os entes que somente participam do ser por sua essência, mas que, como seres finitos, vão desaparecer, são consideradas por Santo Tomás de Aquino como contingentes. Elas não se bastam a si mesmas, e sua existência é temporária e contingente, não afetando a ordem das coisas.

Logo, se todos os entes são contingentes, significa que em um tempo não existiram, então passaram a existir e estão a caminho de desaparecer. Isso acontece pois tudo o que é contingente morre, desaparece, se transforma, deixa de ser. Então, um dia nada existiu, assim como um dia nada mais existirá.

De todo modo, existindo o contingente, deve, portanto, existir um ser necessário, um ser cuja existência não dependa de nenhmn outro além dele próprio. Esse ser necessário é Deus. A conclusão desse argumento é a necessidade lógica da admissão de um ser que sempre existiu, um ser absoluto e, por isso, necessário, que não tenha fora de si a causa de sua existência. Deus, como causa primeira, é, portanto, um ser necessário. A realidade, tanto natural quanto humana, é contingência que dele deriva.

 

4.3.3.4 A quarta via – Dos graus de perfeição

Cada coisa que existe apresenta características próprias e definidoras de si. Seus atributos, sua constituição e sua identidade a colocam em graus diferenciados de complexidade, desenvolvimento e perfeição. Assim, a quarta via diz respeito à

gradação que se pode encontrar nas coisas. É um fato que nas coisas se encontra o bem, o verdadeiro, o nobre e outras perfeições em grau maior ou menor. Mas o grau maior ou menor se atribuí às diversas coisas conforme elas se aproximam mais ou menos a algo de sumo e absoluto; assim, mais quente é aquilo que mais se aproxima do sumamente quente. Dessa forma, existe algo que é verdadeiro, nobre e bom em grau máximo e, consequentemente, algo que, em grau máximo, é ser, já que o que é máximo, na verdade, é máximo também no ser, conforme diz Aristóteles. Ora, o que é máximo em cada gênero é a causa de todos os que pertencem àquele gênero: por exemplo, o fogo, que é máximo no calor, é causa de todas as coisas quentes, conforme diz também Aristóteles. Por isso, deve haver algo que para todos os entes é a causa de seu ser, de sua bondade e de toda outra perfeição. E a isso chamamos Deus. (Aquino, citado por Reale; Antiseri, 2003, p. 225)

Por isso, é possível ao homem examinar todas as coisas e avaliar seus valores, suas funções, sua utilidade, compará-la, evidenciar sua beleza, sua serventia e utilidade, suas formas de ser e existir. É o que vimos quando estudamos a metafísica tomística, utilizando como exemplo a diferença entre uma pedra e uma planta. A planta é mais complexa e desenvolvida que a pedra, portanto apresenta um grau mais elevado de perfeição. Entre o homem e um animal qualquer também existe uma grande diferença, com graus de perfeição diferenciados, sendo o homem, por sua capacidade e inteligência, um ser que, presume-se, seja mais desenvolvido, em termos de complexidade e perfeição. Contudo, o homem não possui o grau máximo de perfeição.

Como já vimos neste capítulo, nessa lógica, Santo Tomás de Aquino entende que deve existir um ser que possui em si o grau máximo da qualidade da perfeição, um ser que reúne em si o máximo de bondade, beleza e unidade. Esse ser é Deus.

 

4.3.3.5 A quinta via – Da finalidade do ser

Em um certo sentido, a ideia de uma teleologia intrínseca à realidade, portanto um finalismo do mundo, estabelece relação funcional entre todas as coisas. Santo Tomás de Aquino retoma exatamente o argumento aristotélico. Tudo o que existe possui um fim. Então, qual seria a finalidade do mundo e do homem? Na sua quinta prova, Santo Tomás de Aquino responde que existe uma inteligência que dirige e orienta o Universo. Seria a percepção de que algumas coisas que

carecem de conhecimento, como os corpos naturais, agem em função de um fim. E isso é evidente pelo fato de que sempre ou quase sempre agem do mesmo modo, para obter a perfeição. Portanto, está claro que não alcançam seu fim por acaso, mas por uma predisposição. Ora, tudo o que não tem inteligência não tende ao fim, a menos que seja dirigido por algum ente dotado de conhecimento e inteligência, como a flecha lançada pelo arqueiro. Por isso, existe algum ser inteligente que dirige todas as coisas naturais para seu fim. E esse ser nós chamamos Deus. (Aquino, citado por Reale; Antiseri, 2003, p. 226)

No argumento da finalidade, retomamos a ideia, aceita contemporaneamente, de que o Universo apresenta uma ordem, algo que denota inteligência. Fala-se em design inteligente. Essa teoria é atribuída a Phillip E. Johnson, professor aposentado da Universidade da Califórnia em Berkeley, que se popularizou como autor ao tentar conciliar a teoria da evolução e o criacionismo. Trata-se de algo que não é aceito, sendo pouco aprovado na comunidade científica, sempre muito cética e reticente em relação a se admitir a existência de Deus e da associação do Universo como sua criação.

Seja como for, os argumentos de Santo Tomás de Aquino fazem parte do grande empreendimento da escolástica, da qual ele é um dos maiores representantes, em justificar a fé cristã e convencer os céticos de que aceitar as verdades reveladas faz sentido.

A seguir, na Figura 4.7, organizamos um esquema na tentativa de tornar ainda mais prático o entendimento das cinco provas da existência de Deus, segundo Santo Tomás de Aquino.

 

Figura 4.7 - As cinco vias para Deus, de Santo Tomás de Aquino



Em todo o seu esplendor, majestade e beleza que conhece de si mesmo, o primeiro existente experimenta, por essa razão, o maior e o mais profundo prazer. Conhecemos essas qualidades somente por analogia e por uma apreensão ínfima quando experimentamos, por exemplo, a apreensão da beleza e do prazer. Mas nossa experiência é muito pequena perto do esplendor do primeiro existente. Aliás, como poderia haver uma relação de igualdade entre o que é uma parte ínfima e o que é sem limite no tempo ou fora do tempo? Entre o que é tão imperfeito e o que é a extrema per feição? Ora, aquele que tem prazer por si mesmo se alegra, se ama e se torna apaixonado de si mesmo. Assim, o primeiro existente se ama, se quer e se maravilha de si de uma maneira correspondente à sua grandeza, do modo mais excelente. No existente primeiro, o ato e o objeto de seu amor são o mesmo, o ato de seu maravilhamento é o próprio objeto de sua admiração e o ato e o objeto de seu prazer convergem. Nele coincidem o amor, o amante e o amado.” (Attie Filho)

 

 

“A teologia negativa desenvolvida por Maimônides está associada à tradição judaica que concebe Deus como único, absoluto, eterno e inominável. Trata-se de produzir uma teologia racional contra a antropomorfização de Deus, algo muito comum nas tradições místicas de cunho politeísta. Sua análise racional da Torá tem semelhança com a análise de Fílon, no sentido de compreender que o texto sagrado não pode ser tonado em sua literalidade. “Quando os intelectos contemplam a essência de Deus, sua apreensão torna-se incapacidade” (Maimônides, citado por Kim, O livro da filosofia, 2011, p. 85).”

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