Editora: Paz e Terra
ISBN: 978-85-2190-442-7
Tradução: Célia Neves e Alderico Toríbio
Opinião: ★★★★★
Páginas: 230
“A práxis
na sua essência e universalidade é a revelação do segredo do homem como ser
ontocriativo, como ser que cria a realidade (humano-social) e que, portanto,
compreende a realidade (humana e não-humana, a realidade na sua totalidade). A práxis do homem não é atividade prática
contraposta à teoria; é determinação da existência humana como elaboração da realidade.
A práxis
é ativa, é atividade que se produz historicamente – quer dizer, que se renova
continuamente e se constitui praticamente –, unidade do homem e do mundo, da
matéria e do espírito, de sujeito e objeto, do produto e da produtividade. Como
a realidade humano-social é criada
pela práxis, a história se apresenta
como um processo prático no curso do qual o humano se distingue do não-humano:
o que é humano e o que não é humano não são já predeterminados; são
determinados na história mediante uma diferenciação prática. (...)
Sendo o modo específico de ser do homem, a
práxis com ele se articula de modo essencial, em todas as suas manifestações; e
não determina apenas alguns dos seus aspectos ou características. A práxis se articula com todo o homem e o determina na sua
totalidade. A práxis não é uma
determinação exterior do homem: uma máquina ou um cão não têm nem conhecem a práxis. Uma máquina ou um animal não têm
medo da morte, não sentem angústia diante do nada, nem alegria diante da
beleza. O homem não constrói a cultura e a civilização, a sua realidade humano-social,
como uma defesa contra o seu ser mortal e finito; ele manifesta a própria
mortalidade e finitude apenas na base da civilização, isto é, da sua
objetivação. Como se processa a mutação pelo qual o animal-homem – que não
conhecia nem a morte nem a mortalidade e, portanto, não tinha medo diante da morte – se transformou no
animal-homem que conheceu a morte como desfecho do próprio futuro e vive,
portanto, sob o signo da morte? Segundo Hegel esta mutação se processou no
curso da luta pelo reconhecimento, em um combate de vida e de morte. Esta luta,
porém, só pode travar-se se o homem já tiver descoberto o futuro como dimensão
da sua existência, o que só é possível na base do trabalho, isto é, da
objetivação do homem. (...)
Mas de onde tira o homem a consciência do
próprio futuro imediato, para que possa aceitar a luta pelo reconhecimento? A
tridimensionalidade do tempo como forma da sua própria existência se manifesta
ao homem e se realiza no processo da objetivação, quer dizer, no trabalho.
Assim, a práxis compreende – além do momento laborativo – também o momento existencial: ela se manifesta tanto na
atividade objetiva do homem, que transforma a natureza e marca com sentido
humano os materiais naturais, como na formação da subjetividade humana, na qual
os momentos existenciais como a angústia, a náusea, o medo, a alegria, o riso,
a esperança etc., não se apresentam como “experiência” passiva, mas como parte
da luta pelo reconhecimento, isto é, do processo da realização da liberdade
humana. Sem o momento existencial o trabalho deixaria de ser parte da práxis. (...)
A práxis
é tanto objetivação do homem e domínio da natureza quanto realização da
liberdade humana.7
A práxis
tem ainda uma outra dimensão: no seu processo, no qual se cria a específica realidade humana, ao mesmo tempo se cria de certo modo uma realidade que existe
independentemente do homem. Na práxis
se realiza a abertura do homem para a
realidade em geral. No processo ontocriativo da práxis humana se baseiam as
possibilidades de uma ontologia, isto é, de uma compreensão do ser. A criação
da realidade (humano-social) constitui o pressuposto da abertura e da
compreensão da realidade em geral. A práxis como criação da realidade humana é
ao mesmo tempo o processo no qual se revelaram, em sua essência, o universo e a
realidade.8 A práxis não é o encerramento do homem no ídolo da
socialidade e da subjetividade social: é a abertura do homem diante da
realidade e do ser.
Enquanto as mais variadas teorias do
subjetivismo social (sociologia do saber, antropologismo, filosofia da “preocupação”)
encerraram o homem em uma socialidade
ou em uma praticidade concebida subjetivamente – já que, segundo essas ideias,
o homem em todas as suas criações e manifestações exprime sempre e somente a si
mesmo e à sua condição social, e projeta nas formas da objetividade (a ciência)
a própria situação subjetivamente objetiva – a filosofa materialista, ao
contrário, sustenta que o homem, sobre o fundamento da práxis e na práxis como
processo ontocriativo, cria também a capacidade de penetrar historicamente por
trás de si e em torno de si, e, por conseguinte, de estar aberto para o ser em
geral. O homem não está encerrado na sua animalidade ou na sua socialidade
porque não é apenas um ser antropológico; ele está aberto à compreensão do ser
sobre o fundamento da práxis, e é por
isso um ser antropocósmico. Na práxis
se descobriu o fundamento do real centro de atividade,9 da real
mediação histórica de espírito e matéria, de cultura e natureza, de homem e
cosmos, de teoria e ação, de ente e existente, de epistemologia e ontologia.
Conhecemos o mundo, as coisas, os processos
somente na medida em que os “criamos”, isto é, na medida em que os reproduzimos
espiritualmente e intelectualmente. Essa reprodução espiritual da realidade só
pode ser concebida como um dos muitos
modos de relação prático-humana com a realidade, cuja dimensão mais essencial é
a criação da realidade humano-social.
Sem a criação da realidade humano-social não é possível sequer a reprodução espiritual e intelectual da
realidade.
Como é possível compreender a realidade e
saber em que relação se acha o supremo ser cognoscente com o resto do mundo? A
compreensão das coisas e do seu ser, do mundo nos fenômenos particulares e na
totalidade, é possível para o homem na base da abertura que eclode na práxis. Na práxis e baseado na práxis,
o homem ultrapassa a clausura da animalidade e da natureza inorgânica e
estabelece a sua relação com o mundo como totalidade. Na abertura o homem –
como ser supremo – ultrapassa a sua própria finitude e se põe em contato com a
totalidade do mundo. O homem não é
apenas uma parte da totalidade do mundo: sem o homem como parte da realidade e
sem o seu conhecimento como parte da realidade, a realidade e o seu
conhecimento não passam de mero fragmento. Já a totalidade do mundo compreende
ao mesmo tempo, como momento da própria totalidade, também o modo pelo qual a
realidade se abre ao homem e o modo pelo qual o homem descobre esta totalidade.10
À totalidade do mundo pertence também o homem
com a sua relação de ser finito com o infinito e com a sua abertura diante do
ser, sobre as quais se baseia a possibilidade da linguagem e da poesia, da
pesquisa e do saber.”
7. A dialética de senhor e escravo é o modelo
fundamental da práxis. Esta realidade
fundamental escapa a grande número de intérpretes de Hegel.
8. A identificação da práxis, no verdadeiro sentido da palavra, com a manipulação ou com
o “ocupar-se” conduz periodicamente à afirmação de que a teoria pura é o único
caminho aberto ao homem para o conhecimento do mundo na totalidade. Após
Feuerbach, afirma-o também Karl Löwith: “A prática cotidiana visual, a sua
conquista e o seu alcance, movimenta-se à vontade sobre uma coisa ou outra, a
fim de se servir dela e modificá-la, mas não tem a intuição da totalidade do
mundo.” K. Löwith, Gesammelte
Abhandlungen, Stutgart, 1960, pág. 243. De modo análogo a Feuerbach, também
Löwith se esquiva da “suja práxis
mercantil” que ele não consegue distinguir da práxis no sentido próprio da palavra, para se refugiar na teoria
pura e desinteressada.
9. A mediação histórica real, cujo elemento é
o tempo, se distingue da mediação ideal no conceito (Hegel), e da fictícia e
ilusória mediação dos românticos.
10. A filosofia materialista não pode, por
isso, aceitar a ontologia dualista que distingue de modo radical entre a
natureza como identidade e a história como dialética. Tal ontologia dualista só
seria legítima se a filosofia da realidade humana fosse concebida como
antropologia.
“Tampouco na concepção hegeliana a razão
histórica está coerentemente dialetizada. A coerente dialetização da razão
histórica exige a eliminação do fundamento metafísico e providencial da própria
razão. A razão não é antecipadamente prefigurada na história porque se
manifeste como razão no processo histórico, mas a razão se cria como tal na história. A concepção providencial acredita que
a história seja ordenada pela razão e
que a razão precedentemente predisposta se manifeste na história através de uma
gradual realização. Na concepção materialista, ao contrário, a razão se cria na
história apenas porque a história não é racionalmente
predeterminada, ela se torna
racional. A razão na história não é a razão providencial da harmonia
preestabelecida e do triunfo do bem metafisicamente preestabelecido; é a batalhadora razão da dialética
histórica, segundo a qual na história se combate pela racionalidade, e cada
fase histórica da razão se realiza no conflito com a não-razão histórica. A
razão na história torna-se razão no momento mesmo em que se realiza. Na
história não existe uma razão já pronta, meta-histórica, que se manifeste nos
acontecimentos históricos. A razão histórica atinge a própria racionalidade na
sua realização.
O que o homem realiza na história? O
progresso da liberdade? O plano providencial? A marcha da necessidade? Na
história o homem realiza a si mesmo. Não apenas o homem não sabe quem é, antes da história e independentemente da história;
mas só na história o homem existe. O homem se realiza, isto é, se humaniza na
história. A escala em que se opera tal realização é tão ampla que o homem pode
caracterizar o seu próprio agir como inumano,
embora saiba que só um homem pode agir de modo inumano. Assim que o
renascimento descobriu que o homem é criador de si mesmo e que pode ser aquilo
que ele mesmo se faz, anjo ou besta, leão humano e urso humano, ou qualquer outra coisa,19
tomou-se logo evidente que a história humana constitui o desdobramento destas “possibilidades”
no tempo. O sentido da história está na própria história: na história o homem
se explicita a si mesmo, e este explicitamento histórico – que equivale à
criação do homem e da humanidade – é o único sentido da história.20
Na história se realiza o homem e somente o
homem. Portanto, não é a história que é trágica, mas o trágico está na
história; não é absurda, mas é o absurdo que nasce da história; não é cruel,
mas as crueldades são cometidas na história; não é ridícula, mas as comédias se
encenam na história. Na história, a cada etapa se sucede uma outra numa certa
ordem, mas não chegam nunca a uma culminância definitiva e a uma conclusão
apocalíptica. Nenhuma época histórica é, em absoluto, apenas uma passagem para um outro estágio, assim como nenhuma época
se eleva acima da história. A tridimensionalidade do tempo se desenvolve em todas as épocas: se agarra ao passado
com os seus pressupostos, tende para o futuro com as suas consequências e está
radicada no presente pela sua estrutura.
Se a primeira premissa fundamental da
história é que ela é criada pelo homem,
a segunda premissa igualmente fundamental é a necessidade de que nesta criação
exista uma continuidade. A história
só é possível quando o homem não começa sempre de novo e do princípio, mas se
liga ao trabalho e aos resultados obtidos pelas gerações precedentes. Se a
humanidade começasse sempre do princípio e se toda ação fosse destituída de
pressupostos, a humanidade não avançaria um passo e a sua existência se
escoaria no círculo da periódica repetição de um início absoluto e de um fim
absoluto.
A interna conexão da práxis objetivante e objetivada da humanidade, denominada
substância, espírito objetivo, cultura ou civilização, e interpretada na teoria
materialista como histórica unidade das forças produtivas e das condições de
produção, cria a “razão” da sociedade, que se pode realizar historicamente, é
independente de cada indivíduo em particular e, por conseguinte, é superindividual,
mas existe realmente apenas através
da atividade e da razão dos indivíduos.
A substância social objetiva sob o aspecto das forças produtivas
materializadas, da linguagem e das formas de pensamento, é independente da vontade e da consciência dos indivíduos, mas existe
somente por meio da sua atividade, do seu pensamento e linguagem. As máquinas
que não sejam postas em movimento pela atividade humana, uma linguagem que não
seja falada pelos homens, formas lógicas por meio das quais os homens não
exprimam as suas ideias, são ou
instrumentos mortos ou absurdos. A práxis humana objetivante e objetivada
sob o aspecto das forças produtivas, da linguagem, de formas de pensamento
etc., existe como continuidade da história apenas em relação com a atividade
dos homens. A práxis objetivante e
objetivada da humanidade é o elemento duradouro e fixo da realidade humana e
sob este aspecto dá a impressão de ser uma realidade mais real do que a própria
práxis ou qualquer outro agir humano.
Sobre isto se baseia a possibilidade da inversão do sujeito em objeto, isto é,
da forma fundamental da mistificação
histórica.21 Como a práxis objetivante e objetivada do homem sobrevive a cada indivíduo e dele é
independente, o homem interpreta a si mesmo, a sua história e o seu futuro
antes de tudo e na maioria das vezes na base da própria criação. Comparada com
a finitude da vida humana, a práxis
objetivante e objetivada da humanidade personifica a eternidade do homem. Comparada com a casualidade e fragilidade da
existência individual ela representa “a substância social” daquilo que perdura,
e o absoluto. Comparada com a razão limitada e com a irracionalidade do
indivíduo empírico, esta substância é a autêntica razão. Se o homem se
considera como instrumento ou porta-voz da Providência, do Espírito Absoluto,
da História etc., isto é, como instrumento de uma força absoluta que supera
incomensuravelmente as possibilidades e a razão do indivíduo, então ele cai na
mistificação. Esta mistificação, porém, não é expressão racional de um absurdo,
é expressão mistificada de uma realidade racional: a objetivante e objetivada práxis da humanidade penetra na mente do
homem sob o aspecto de um ser metafísico, independente da humanidade. O homem
só cria a própria eternidade na práxis
objetivante, e portanto histórica, e nos seus produtos. Na inversão alienante a
práxis objetivante e objetivada da
humanidade se torna um sujeito
místico, no qual o homem busca uma garantia contra a casualidade, a
irracionalidade e a fragilidade da própria existência individual.
Os homens ingressam na situação dada
independentemente da sua consciência e vontade, mas, tão logo “se acham” dentro
da situação, a transformam. A situação
dada não existe sem os homens, nem os homens sem a situação. Só nesta base se
pode desenvolver a dialética entre a situação – que é dada para cada
indivíduo, cada geração, cada época e classe – e a ação que se desenvolve com base em pressupostos que são dados, já
prontos e acabados.22 No tocante a este agir a situação dada se apresenta
como condições e pressupostos; por sua vez o agir confere a esta situação um sentido determinado. O homem supera
(transcende) originariamente a
situação não com a sua consciência, as intenções e os projetos ideais, mas com
a práxis. A realidade não é um
sistema dos meus significados, nem se transforma em função dos significados que
atribuo aos meus planos. Mas com o seu agir
o homem inscreve significados no mundo e cria a estrutura significativa do
próprio mundo. Com os meus projetos, a minha imaginação e fantasia, nos meus
sonhos e visões, posso transformar no
reino da liberdade as quatro paredes dentro das quais me encontro acorrentado:
mas estes projetos ideais não mudam absolutamente a realidade: aquelas quatro
paredes são uma prisão e dentro delas não sou livre. Para um servo da gleba a “situação
dada” é imediatamente condição natural de vida: mediatamente, através da sua
atividade, na revolta ou na insurreição camponesa ele lhe atribui o significado
de prisão: a situação dada é mais do que uma situação dada e um servo da gleba
é mais que mera parte da situação. A
situação dada e o homem são os elementos constitutivos da práxis, que é a condição fundamental de qualquer transcendência da
situação. As condições da vida humana tornam-se situação insuportável e inumana
em relação à práxis que deve transformá-las. Os homens agem dentro da situação
dada e na ação prática conferem um significado à situação. As formas do movimento social transformam-se em
patíbulo. As regras, os modos e as formas de convivência são o espaço em que
atua o movimento social. Em determinadas situações este espaço toma-se limitado e é considerado como prisão e
falta de liberdade. Na tradição materialista, a começar por Hobbes, a liberdade
é determinada pelo espaço em que se move o corpo. Partindo da concepção mecânica
do espaço, que é indiferente ao movimento e ao caráter do corpo e que determina
apenas a forma exterior do seu movimento, e passando pela teoria do ambiente
social do iluminismo francês, a concepção materialista culmina na intuição de
que a liberdade é espaço histórico que se desdobra e se realiza graças à
atividade do corpo histórico, isto é, a classe. A liberdade não é um estado; é
uma atividade histórica que cria formas correspondentes de convivência humana,
isto é, de espaço social.”
19. Potest igitur homo humanus deus atque
deus humanites, potest esse humanus angelus, humana bestia, humanus leo aut
ursus, aut aliud quod-cumque.
20. O autor desta concepção revolucionária
antiteológica é o Cardeal Nicolau Cusano: Non
ergo activae criationis humanitatis alius extat finis quam humanitas. Ver
E. Cassirer, lndividuum und Kosmos in der
Philosophie der Renaissance, Leipzig, 1927, pág. 92, [trad. ital., lndividuo e cosmo nella filosofia del
rinascimento, Florença, 1935].
21. A natureza e a extensão deste trabalho
não nos permitem desenvolver uma análise histórica minuciosa do desenvolvimento
espiritual de Marx, na qual se demonstraria que a problemática sujeito-objeto
constitui o ponto central do encontro da filosofia materialista com Hegel;
poderíamos acompanhar passo a passo e documentar abundantemente como Marx
tratou desta problemática tanto nos primeiros tempos, quanto na época de “O
Capital”. Do ponto de vista da história desta polêmica, especialmente a
primeira edição de “O Capital” do ano de 1867 é extremamente instrutiva. Nas
edições posteriores foi suprimida grande parte das polêmicas explícitas com
Hegel.
22. Na história atuam três momentos
fundamentais: a dialética da situação dada e da ação; a dialética das intenções
e dos resultados do agir humano; a dialética do ser e da consciência dos
homens, isto é, a oscilação entre o que os homens são e como eles se consideram
ou são considerados, entre o autêntico e o suposto significado e caráter do seu
agir. Na osmose e na unidade destes elementos se baseia a pluridimensionalidade
da história.
“Toda
problemática filosófica é, na sua essência, problemática antropológica, porque
o homem antropomorfiza tudo aquilo
com que está prática ou teoricamente em contato. Todas as perguntas e todas as
respostas, todas as dúvidas e todas as cognições nos falam o mais das vezes e
principalmente do homem. Em todas as suas ações, desde o esforço prático à
observação do curso dos corpos celestes, o homem define antes de tudo a si
mesmo.”
“A realidade não é (autêntica) realidade sem
o homem, assim como não é (somente) realidade do homem. É realidade da natureza
como totalidade absoluta, que é independente não só da consciência do homem mas
também da sua existência, e é realidade do homem que na natureza e como parte
da natureza cria a realidade humano-social, que ultrapassa a natureza e na
história define o próprio lugar no universo. O homem não vive em duas esferas
diferentes, não habita, por uma parte do seu ser, na história, e pela outra, na
natureza. Como homem ele está junta e
concomitantemente na natureza e na história. Como ser histórico e,
portanto, social, ele humaniza a natureza, mas também a conhece e reconhece
como totalidade absoluta, como causa sui
suficiente a si mesma, como condição e pressuposto da humanização. Na concepção
cosmológica de Heráclito
e de Spinoza
o homem conhecia a natureza como totalidade absoluta e inexaurível, em face da
qual ele continuamente redefine na história a sua própria relação com o domínio
das forças naturais, com o conhecimento das leis do processo natural e assim
por diante. Mas em todas as variantes da posição humana diante da natureza, em
todos os progressos do domínio e do conhecimento humano dos processos naturais,
a natureza continua a existir como totalidade absoluta. (...)
O homem não está emparedado na subjetividade
da raça, da socialidade e dos projetos subjetivos nos quais, de diversas
maneiras, sempre definiu a si mesmo; mas, com a sua existência – que é a práxis
–, tem a capacidade de superar a própria subjetividade e de conhecer as coisas
como realmente são. Na existência do homem não se reproduz somente a realidade
humano-social; reproduz-se espiritualmente também a realidade na sua
totalidade. O homem existe na totalidade do mundo, mas a esta totalidade pertence
também o homem com a sua faculdade de reproduzir espiritualmente a totalidade
do mundo.
Quando o homem estiver compreendido na
estrutura da realidade e a realidade for entendida como totalidade de natureza
e história, serão criados os pressupostos para a solução da problemática
filosófica do homem. Se a realidade é incompleta sem o homem, também o homem é
igualmente fragmentário sem a realidade. Não se pode conhecer a natureza do
homem na antropologia filosófica, a qual encerra o homem na subjetividade da
consciência, da raça, da socialidade, e o separa radicalmente do universo. O
conhecimento do universo e das leis do processo natural é sempre, direta ou
indiretamente, também conhecimento do homem e conhecimento da sua natureza
específica. (...)
A dialética trata da “coisa em si”. Mas a “coisa
em si” não é uma coisa qualquer, e, na verdade, não é nem mesmo uma coisa: a “coisa
em si”, de que trata a filosofia, é o homem e o seu lugar no universo, ou (o
que em outras palavras exprime a mesma coisa): a totalidade do mundo revelada
pelo homem na história e o homem que existe na totalidade do mundo.”
Valeu pela compartilhagem: Nunca é bastante de ouvir visões diferentes sobre um mesmo assunto. Sobre a problemática filosófica do homo sapiens, foi Krishnamurti que me ajudou muito> um colèga de Escola, Pascal Faivre, emprestou-me o LivrO intitulado:"Se Libertar do Conhecido". Para mim, foi uma revelação: muitas evidências, talvez subjetivas, mas ainda hoje considero ele um dos filósofos dos mais lúcidos do século passado. Foi o LivrO que mais ofereci para os meus amigos...
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