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segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Filosofia Política – Antonio Charles Santiago Almeida

Editora: InterSaberes
ISBN: 978-85-443-0283-5
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 332
Sinopse: Com o intuito de proporcionar ao leitor uma ampla compreensão acerca da filosofia política, esta obra apresenta as contribuições de vários autores do pensamento político. Ao longo de seis capítulos, o autor localiza historicamente a filosofia, tratando do ensino da virtude e da função do Estado, e faz considerações sobre o nascimento do cristianismo e sobre a teoria política, entre outros assuntos.


“Diógenes Laércio, na obra Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres, conta as seguintes narrativas: perguntaram a Aristóteles “se havia muita diferença entre uma pessoa educada e outra sem educação; a resposta foi: ‘tanto quanto os vivos diferem dos mortos’. Ele costumava afirmar que a educação é um ornamento na prosperidade e um refúgio na adversidade”. Também perguntaram a Aristóteles que vantagem ele tirava da filosofia; a resposta foi “a de fazer sem que me ordenem o que alguns fazem por medo das leis”.”


“Para Aristóteles (A política, 2002), a definição de homem corresponde à de animal político. Essa definição foi, até o período medieval, a tônica da política, ou seja, quase sempre os teóricos da política partiram desse itinerário para pensar a política e sua relação no cotidiano dos indivíduos. Mas o que significa dizer animal político? Essa é uma boa questão para que você possa compreender o debate circunscrito em torno da filosofia política: existe uma natureza humana política? Segundo Aristóteles, homem nenhum pode viver isolado, pois é de sua natureza relacionar-se com o outro, viver com o outro; do contrário, esse sujeito é qualquer outra coisa, exceto homem.”


Patrística: pais da fé (séc. I ao séc. VII)
É sabido que a patrística, no seu primeiro momento, fez uso da filosofia como instrumento de clarificação da fé. Mas veja que esse não é o objetivo dessa escola, pois a fé não carece de filosofia — pelo contrário, ela deve bastar a si mesma. Reale e Antiseri (História da filosofia, 1990a, p. 427) fazem uma referência direta a Tertuliano, que, segundo esses historiadores, havia feito uma fratura entre filosofia e teologia. Mais precisamente, na obra Testemunho da alma, o pensador cartaginês faz a seguinte observação: “para se chegar a Deus, basta uma alma simples. Mas não me refiro aquela alma que se formou na Academia e no Pórtico da Grécia e agora dá os seus arrotos culturais”.
Observe que, de acordo com essa assertiva, existe um movimento dentro da patrística que não aceita o uso da filosofia como justificação da fé, pois, segundo essa corrente filosófica, Deus se fez homem e, de forma simples, habitou entre os pobres, anunciou a boa nova para os cativos e se revelou entre os mais humildes. Nesse sentido, não é preciso filosofia para se chegar a Deus, pelo contrário, nas palavras de Tertuliano, segundo os historiadores Reale e Antiseri, é preciso “uma alma simples que não tem outra coisa, se não, Deus”.
Entretanto, em razão da conversão de filósofos, bem como de não filósofos, a Igreja, por meio dos primeiros padres, precisava acomodar os espíritos inquietos, isto é, fornecer respostas que pudessem, em algum momento, satisfazer a inquietação que resulta de um procedimento filosófico. Por isso, segundo Gilson (A filosofia na Idade Média, 2007), com João Evangelista e Paulo apóstolo, a filosofia se esmerou no corpo teológico e funcionou como instrumento de justificação da fé.
No entanto, antes de adentrarmos nessa discussão, vale discutirmos o caráter político do cristianismo em nascença. Com a morte de Cristo, formaram-se comunidades cristãs que, entre outras ações, realizavam batismos, ordenavam sacerdotes e pregavam a palavra de Cristo. Repare que, no Novo Testamento, no Livro de Atos dos Apóstolos (2:46), é pronunciado que todos os dias os homens se reuniam, partiam o pão e celebravam ao Senhor. Essa ação, ou seja, a formação da primeira comunidade, é justamente a ação política, pois podemos dizer que assim começou a construção do cristianismo e, mais ainda, que nas primeiras comunidades havia a comunhão, a aceitação de não cristãos (de diferentes), a partilha dos bens e a distribuição das atividades. Desse modo, o cristianismo teve, no seu começo, uma compreensão política da vida pública, e mais ainda, de uma vida pública que se pautava na distribuição dos bens, na formação da igualdade entre os homens e na divisão social do trabalho.”


“O povo é o conjunto de seres racionais associados pela concorde comunidade de objetos amados.” (Santo Agostinho)


“A história não pode se configurar como uma sucessão ordenada de fatos. Tendo isso em mente e considerando as palavras de Max Weber, a história é fruto da observação e da ordenação com base nas lentes do observador. Em outras palavras, é uma sucessão descontínua de fatos, cabendo ao pesquisador lhes dar sentido.”


“Voltando à questão da leitura e do apontamento de Marx ao texto de Hegel, C. Frederico (na obra O jovem Marx: 1843-1844) escreve: “os manuscritos de Kreuznach formam um momento único na história da filosofia, momento em que um pensador ainda imaturo enfrentou, num combate decisivo, a obra de um filósofo consagrado, no seu momento de mais extremado conservadorismo”. É importante destacarmos a ousadia de Marx, apresentado na citação, que se coloca numa posição de crítico da filosofia hegeliana e o faz de forma singular, isto é, estabelece um diálogo com o texto hegeliano e apresenta o que ele, Karl Marx, aponta como fragilidade teórica no que corresponde à compreensão de uma filosofia do direito.
Com base na leitura do texto hegeliano, Marx passa a denominar o Estado de instrumento da burguesia, isto é, o instrumento que assegura os privilégios de uma classe social, a burguesia, ou seja, o Estado, como afirma Bobbio em O filósofo e a política, deixa de ser o reino da razão, como queria Hegel, e torna-se, na perspectiva de Marx, o reino da força.
Perceba que, nesse momento, Marx afirma que o Estado, mediante seu aparato jurídico, protege a propriedade privada e assegura direitos para a classe burguesa por meio da força. Por isso, contrariamente ao que pensou Hegel, o Estado é o organizador da barbárie, do privatismo e dos interesses particulares da sociedade civil. Sendo assim, Marx chega à conclusão de que não é o Estado que organiza a sociedade civil, mas é esta que organiza o Estado, com base em seus próprios interesses.
Entenda que é justamente nesse momento que Marx passa a compreender e reconhecer o Estado como o instrumento jurídico da burguesia e, mais precisamente, a organização da sociedade civil em razão da defesa e do asseguramento dos seus privilégios burgueses.”


“Na obra Filosofia da práxis, Adolfo Sánchez Vázquez (2011, p. 117) dedica um capítulo à compreensão do que é denominado práxis na filosofia marxiana e chega à seguinte conclusão: “a filosofia, por si mesma como crítica do real, não muda a realidade. Para mudá-la, a filosofia tem de realizar-se”. Assim, esse autor nos chama atenção para os seguintes aspectos: primeiro, não basta que a filosofia seja crítica, pois isso os jovens hegelianos também tinham como prática; segundo, a filosofia carece realizar-se, isto é, efetivar um projeto de transformação, levar teoria e prática a se imbricarem num projeto de compreensão e também de transformação.”


“Em Direita e Esquerda: razões e significados de uma distinção política (1994), Norberto Bobbio faz um amplo debate bibliográfico no sentido de não só distinguir a dicotomia, mas com o intuito de deixar claro, politicamente, como se constituiu e ainda se constitui a diferença entre direita e esquerda no que concerne aos seus conceitos. Dentre as inúmeras diferenças apresentadas por esse autor, podemos destacar: “o homem de direita é aquele que se preocupa, acima de tudo, em salvaguardar a tradição, o homem de esquerda, ao contrário, é aquele que pretende, acima de qualquer outra coisa, libertar seus semelhantes das cadeias a eles impostas pelos privilégios de raça, casta, classe etc.” (p. 97).”


“Para Ortega y Gasset (A rebelião das massas, 1987), a razão, tomada em sentido instrumental, não emancipa o homem. Afinal, somente uma combinação entre vida e razão, isto é, raciovitalismo*, pode promover a emancipação do homem no viés de retirá-lo da condição de massa e torná-lo homem-especial. O raciovitalismo pode ser pensado, no entendimento orteguiano, na vida como aventura, singularidade; e a razão, como escolha, discernimento e auxílio para que o homem viva autenticamente. Essa razão vital é o elemento de uma nova filosofia política, capaz de superar, conforme dito por Marías (História da filosofia, 2004), a dicotomia entre realismo e idealismo. Por essa perspectiva, mesmo partindo de um expediente kantiano, o filósofo espanhol potencializa a vida como razão, instrumento para o drama da vida – vida como realidade radical.
Tal diferenciação, com relação ao pensamento kantiano, exige da razão um projeto vital. O homem é um ser condicionado à liberdade e, por meio de suas escolhas, assume resultados e consequências. Diante disso, a razão como fundamento de um projeto vital é a definição da vida como um ato biográfico, ou seja, segundo Marías (2004, p. 509):
como a vida não está feita, mas tem de ser feita, o homem tem de determinar previamente o que vai ser. A vida — diz Ortega — é faina poética, porque o homem tem de inventar o que vai ser. Eu sou um programa vital, um projeto ou esquema que pretendo realizar e que tive de imaginar em vista das circunstâncias.
Considerando o ponto de vista da citação, há uma relação de aproximação com o filósofo Kant; ocorre essa dimensão da vida como construção, isto é, o homem vai se fazendo na vida, construindo-se com base nas possibilidades e nas próprias escolhas. Esse projeto vital é um projeto moral, ou seja, uma lida cotidiana na acepção de fazer do mundo um lugar melhor; mas esse lugar começa com o homem — homem no mundo construindo e reconstruindo prévia e posteriormente o que deseja mediante o que pode ser. Esse ato de construção é a vida biográfica que precede a vida biológica. E vida biográfica é vida que se faz vivendo, sofrendo, aprendendo e reaprendendo.”
* A vida como razão última. Viver significa desafiar os problemas cotidianos e construir possibilidades de melhoramento da vida humana. Não se trata de um receituário para viver bem, mas de uma compreensão dinâmica em que a vida é a representação do trágico e do cómico, ou seja, a vida é um drama, e viver é correr riscos a cada instante. José Maurício de Carvalho (2002, p. 50-51) adverte que: “Três são as formas pelas quais se manifestam o vitalismo no universo filosófico: subordinando a teoria do conhecimento a leis que regem o mundo orgânico, como ocorre no empirismo crítico de Richard Avenarius (1843-1896); diminuindo o papel da razão na interpretação da realidade em favor de uma intuição fundamental, conforme proclamou Henri Bérgson (1859-1941); e situando a vida no centro da investigação. Apenas nesse terceiro sentido, pode-se dizer que a metafísica orteguiana possuiu uma dimensão vitalista”. Entretanto, para Ortega y Gasset (1987), o vitalismo é expressão última da vida como razão fundamental para o desenvolvimento da pessoa.


“É certo que a discussão de circunstância é problemática e deixa margem para diversas interpretações. Assim, eis uma assertiva de Ortega y Gasset (1987, p. 93): “em princípio somos aquilo que nosso mundo nos convida a ser, e as partes fundamentais de nossa alma são imprimidas nela de acordo com o perfil de seu contorno, como se fosse um molde. Naturalmente: viver não é mais do que lidar com o mundo”.
Essa passagem abre espaço para uma série de interpretações; primeiramente, para uma espécie de destino, ou seja, o homem é condicionado pelo mundo e não consegue dele se desprender. Dessa forma, numa leitura rápida, é possível configurarmos Ortega y Gasset como um autor fatalista; em outras palavras, defensor de uma ordem que se reproduz de forma espontânea e que se determina de fora para dentro. Por essa razão, apresentamos a seguinte asseveração orteguiana: “somos aquilo que o nosso mundo nos convida a ser” (Ortega y Gasset, 1987, p. 93). Sendo assim, faz-se premente levar em consideração a defesa feita por Amoedo (José Ortega Y Gasset: a aventura filosófica da educação, 2002) de que o conceito de circunstância tem um lugar de relevo na filosofia orteguiana.
De volta à afirmação de Ortega y Gasset, uma leitura mais precisa e abastecida com o espírito do existencialismo filosófico, podemos chegar, com relação à citação orteguiana supramencionada, a outras conclusões: “Viver não é mais do que lidar com o mundo” (Ortega y Gasset, 1987, p. 93). Esse é o mundo circunstancial que compreende desde a existência singular até o seu entorno, que engloba as possibilidades e as perspectivas disponíveis para essa existência singular na qual cada sujeito se encontra.
Assim, lidar com o mundo é uma tarefa pessoal e dramática. Para Ortega y Gasset (Adão no paraíso e outros ensaios de estética, 2002, p. 34), a vida é esse drama humano: “Adão no paraíso é a vida simples e pura, é o débil suporte do problema infinito da vida”. Não podemos atribuir fatalismo e destino ao pensamento orteguiano, pois essa é uma questão filosófica e, por isso, reclama do leitor uma compreensão dinâmica e acurada dos conceitos que se relacionam entre si na formulação de um expediente sociofilosófico, ou seja, na formulação de um novo existencialismo.
Consoante à discussão, Adão, que representa cada homem em sua singularidade, vive com o mundo, o seu mundo. Por conseguinte, o indivíduo precisa lidar com isso, fazer escolhas e seguir a brevidade da vida, no sentido de acolher os resultados de suas decisões. Numa perspectiva orteguiana, esse Adão é o novo homem existencialista, o ser no mundo com um mundo pessoal, intransferível, e a função dessa existência é viver nesse mundo, lidar com ele — uma espécie de relação cotidiana entre existência e circunstância. Para Ortega y Gasset (1987, p. 78, grifo do original), pioneiro de um novo existencialismo circunstancial, “viver é sentir-se fatalmente forçado a exercer a liberdade, a decidir o que vamos ser neste mundo. Não há um momento de descanso para nossa atividade de decisão. Inclusive quando, desesperados, nos abandonamos à sorte, decidimos não decidir”.
De acordo com esse existencialismo circunstancial de Ortega y Gasset, o homem é um sujeito de ação, de decisão, e não deixa de ser responsável direto pela sua condição existencial. Entretanto, a circunstância, lugar de possibilidades e perspectivas, pressiona o indivíduo cotidianamente a fazer dessa existência uma biografia; em outras palavras, homem e circunstância vivem e se desenvolvem simultaneamente. Por isso, a condição de ser homem é atrelada diretamente à condição circunstancial. Dessa maneira, mesmo havendo a liberdade do ser existente, o homem limita-se às perspectivas e possibilidades de seu entorno. Nesse sentido, Ortega y Gasset (1987, p. 150) assegura: “a rigor, a rebelião do arcanjo lúcifer não teria sido menos grave se em vez de procurar ser Deus — o que não era seu destino — tivesse procurado ser o mais insignificante dos anjos, que tampouco era”.
Conforme a citação apresentada, é possível compreendermos a palavra destino* como vocação, isto é, como escolha mediante possibilidades e perspectivas. Assim sendo, o homem é um ser nobre, um novo Adão, mas que, diante da circunstância, escolhe ou não essa dimensão de nobreza, pois é de sua natureza a liberdade, ou, como queira, o direito de fazer escolhas e tomar decisões. Entretanto, segundo Ortega y Gasset (1987, p. 150): “Lúcifer não conhecia as suas possibilidades e perspectivas, pois aventurou-se em algo que fugia de seu entorno, de sua condição real e existente. Ele, o anjo de luz, arriscou-se numa luta inglória e por isso fracassou”. Disso podemos depreender que, no pensamento orteguiano, compete ao homem conhecer sua circunstância, reconhecer sua vocação e vivê-la radicalmente, ou seja, arriscar-se no que existe como possibilidade e perspectiva para realizar-se como ser existencial.
Nesse sentido, para Ortega y Gasset, essa relação entre existência e seu entorno passa a vigorar como noção de perspectiva política, isto é, do eu que é independente da realidade, mas que não vive sem uma relação direta com a circunstância-mundo. E circunstância é pensada e comparada com habitação, isto é, morada, realidade em que se encontra o sujeito. Por consequência, a circunstância não é sujeito em si, mas algo fora dele, ligado a ele, que pode, dependendo das escolhas, determinar ou ser determinada. Nas palavras de Ortega y Gasset (1987, p. 77):
a vida, que é antes de tudo o que podemos ser, vida possível, também é, por esse mesmo fato, decidir entre as possibilidades o que de fato vamos ser. Circunstância e decisão são dois elementos essenciais de que se compõe a vida. A circunstância — as possibilidades é o que nos é dado e imposto em nossa vida.”
* A palavra destino é bastante recorrente no texto orteguiano e usada no viés de que existem condições nas quais a natureza humana encontra-se condenada, ou seja, ninguém muda a família, o país em que nasceu, pois esse é o seu destino, ou seja, sua condição definida enquanto destino. Destino também é um termo usado como “vocação”, isto é, o que se deseja, o que se busca e o que se define como aquilo que deve ser. Por isso, essa palavra é tomada aqui em sentido filosófico.


“Sobre isso, Adorno e Horkheimer, na obra Dialética do esclarecimento (1996, p. 16), afirmam: “completamente iluminada, a terra resplandece sob o signo do infortúnio triunfal”. Ambos os autores fazem uma crítica ao modelo de racionalidade proposto pelo esclarecimento, com ênfase ao modelo kantiano de esclarecimento. Ainda segundo os autores de Dialética do esclarecimento, o programa do Iluminismo era livrar o mundo dos “mitos”, ou seja, da ignorância. O esclarecimento, proposta iluminista, não condicionava, principalmente no campo educacional, alternativa política contra a barbárie e, tampouco, como uma via sólida nos termos de uma racionalidade emancipatória. Nas palavras de Thomson (Compreender Adorno, 2010, p. 135-136):
como já vimos Adorno argumentar, o homem acredita que a razão o separa dos animais. Como isto serve para justificar sua exploração pelo homem, e, portanto, a contínua participação do homem na violência e anarquia da natureza, a razão revela ser não o motor da libertação do homem, mas apenas um meio adicional de sua escravização.
Para Thomson, Adorno e Horkheimer fazem críticas incisivas contra o programa kantiano de Iluminismo em razão da instrumentalidade, especialmente para com a natureza. Nesse contexto, a racionalidade, que deveria ser emancipatória, torna-se escravizadora. É certo que, ainda segundo a assertiva, há doses de pessimismo na obra de Adorno, principalmente com relação ao programa iluminista de racionalidade. Por isso, as críticas adornianas são parte constitutiva de uma filosofia política em movimento.
A severidade da crítica de Adorno e Horkheimer na obra Dialética do esclarecimento recoloca o problema que assola a sociedade contemporânea – com a racionalidade instrumental adveio a barbárie1. Essa foi a tônica do momento histórico em que se encontrava a Escola de Frankfurt, ou seja, colocar o Instituto de Pesquisa Social a serviço da compreensão histórica e crítica da realidade política alemã e, consequentemente, da Europa. Esse instituto deu origem à Escola de Frankfurt, pois com ele começou-se a desenvolver estudos em torno dessa teoria crítica no interior da sociedade alemã.
Adorno (Educação e emancipação, 2011) contribui para a formalização conceitual de emancipação política. No entendimento desse autor, é fundamental compreender a educação como elemento de formação política, ou seja, formação para o cidadão crítico, político e participativo da vida pública. Conforme aludido anteriormente, o autor é um filósofo pessimista, no entanto, as observações e ponderações políticas podem apontar para uma realidade diferente, desbarbarizada, pois, nas palavras de Adorno (p. 155): “a tese que gostaria de discutir é a de que desbarbarizar tornou-se a questão mais urgente da educação hoje em dia”.
Na citação apresentada, percebemos um autor preocupado com os destinos da humanidade e, de forma especial, da Alemanha. Tal preocupação se faz em razão da cultura política que solapou a sociedade daquele tempo e que poderia, segundo ele, repetir-se em sociedades futuras, considerando que o elemento da barbárie nesse contexto não é pensado e atacado em sua raiz; pelo contrário, é desconsiderado como elemento capital e, por conseguinte, se traduz de forma normal, admissível e tolerável nas mais significativas instituições, sejam elas políticas, sociais ou educacionais.
Ainda que não exista um projeto político-pedagógico formal definido em termos de universalização, Adorno requer da educação um caráter político, ou melhor, uma formação política. Exige-se da educação a antecipação contra o barbarismo contemporâneo: “a exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação” (p. 119). Assim, cabe levantarmos uma questão: como é possível evitar a barbárie? Ou, dito de outro modo, em que consiste emancipar?
Essa é a primeira de outras tantas questões que carecem de respostas. Para Adorno, o primeiro passo é a conscientização2. Todavia, o filósofo admite que é desesperador o fato de uma conscientização para uma ação que em si é danosa, ou seja, perigosa, violenta e desumana, isto é, não cabe falar de conscientização para não praticar a barbárie, pois, no seu entendimento, essa é a regressão ao primitivismo e anula qualquer sinal de humanidade. Por isso, conforme Adorno (2011, p. 155):
entendo por barbárie algo muito simples, ou seja, que, estando na civilização do mais alto desenvolvimento tecnológico, as pessoas se encontrem atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relação a sua própria civilização — e não apenas por não terem em sua arrasadora maioria experimentado a formação nos termos correspondentes ao conceito de civilização, mas também por se encontrarem tomadas por uma agressividade primitiva, um ódio primitivo ou, na terminologia culta, um impulso de destruição, que contribui para aumentar ainda mais o perigo de que toda esta civilização venha explodir, aliás uma tendência imanente que a caracteriza.
A citação adorniana alerta para o que deve ser a educação: evitar a barbárie. No entanto, ainda de acordo com esse autor, essa função não parece ser cumprida pela educação, uma vez que, segundo o filósofo, esta não consegue acompanhar a civilização no sentido de avanço, como aconteceu com a tecnologia, e, por isso, ainda em consonância com o excerto, há uma força primitiva que impulsiona esse homem civilizado à barbárie. Isto é, há uma deformidade com relação à formação desse homem que consegue ser um civilizado do ponto de vista do avanço tecnológico, mas um bárbaro do ponto de vista da ação para com o outro, o diferente.
Desse modo é que, para Adorno (2011), a educação precisa ressignificar sua prática pedagógica na acepção de assegurar ao educando a conscientização. Essa educação deve assumir como tarefa principal, por meio de seus agentes, a formação crítica e de rompimento com a cultura do barbarismo cotidiano3. A construção dessa alternativa política nasce do próprio cotidiano, ou seja, a escola precisa enfrentar o que parece banal, mas que, no fundo, conforme o pensador alemão, é a semente do barbarismo a vida como ela é. Essa conscientização se traduz como compreensão da vida e seu dilema no entorno do que se denomina civilização.
A referida conscientização advinda dos textos adornianos deve provocar um olhar acurado para a vida que se traduz nos escombros de uma sociedade desumanizada; em outros termos, de uma sociedade capitalista que propicia, na ordem do dia, o individualismo no sentido de ser o que não se pode ser. O ser aqui deve ser pensado como algo externo e que se faz no mundo, ou melhor, que se constrói com a mercadoria4 e se torna por meio dela e com ela. Essa formação do homem de consciência deve provocar, nos escritos adornianos, as fissuras na sociedade capitalista e promover uma nova forma de viver no mundo, ou seja, de ser nele. (...)
O conceito de virtude, no entendimento adorniano, ganha força e sentido, considerando que passa a ser denominado emancipação. De acordo com Adorno (2011), emancipar corresponde a conscientizar, ou seja, fazer o sujeito observar o mundo por meio do próprio mundo, mas sem a maquiagem da cultura de massa e da semicultura5, desenvolvidas na sociedade contemporânea.
Por conta disso, segundo Adorno, a escola deve promover essa formação crítica criar condições para a emancipação com base na conscientização dos agentes que povoam a escola. Conscientização é um recurso quase retórico, pois é bastante recorrente o uso desse termo para designar ação política, compreensão e, em determinados momentos, lucidez, sensatez.”
1: Há um quadro de Paul Klee chamado Angelus novus que representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca, dilatada, suas asas, abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado, no qual vemos uma cadeia de acontecimentos. Ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que Benjamin (2005) chama de progresso, a figura que corresponde à dialética entre o progresso e a barbárie.
2: De acordo com Adorno (2011, p. 120): “a reflexão a respeito de como evitar a repetição de Auschwitz é obscurecida pelo fato de precisarmos nos conscientizar desse elemento desesperador, se não quisermos cair presas da retórica idealista”.
3: Para Adorno, esse barbarismo sempre é cometido contra os mais fracos e, em alguma medida, os mais felizes. Segundo o filósofo (2011, p. 122): “um esquema sempre confirmado na história das perseguições é o de que a violência contra os fracos se dirige principalmente contra os que são considerados socialmente fracos e ao mesmo tempo — seja isto verdade ou não — felizes”. Não só com relação às grandes perseguições, mas é muito comum nos dias atuais que, no cotidiano do homem simples, a violência opere de forma diretiva e concentrada, seja pela força de uma polícia impregnada pelo preconceito social, seja pela falta de ação do poder público, seja pela limitação das oportunidades e pela falta de asseguramento de direitos. Por tudo isso, é comum que a barbárie seja mais do que um fantasma que atormentava o filósofo Adorno; barbárie é a realidade que acomete a vida do homem simples. De acordo com José de Souza Martins (A sociabilidade do homem simples, 2011, p. 10), “nessa adversidade, a questão é saber como a história irrompe na vida de todo dia. Como, no tempo miúdo da vida cotidiana, travamos o embate, sem certeza nem clareza, pelas conquistas fundamentais do gênero humano; por aquilo que liberta o homem das múltiplas misérias que o fazem pobre de tudo: de condições adequadas de vida, de tempo para si e para os seus, de liberdade, de imaginação, de prazer no trabalho, de criatividade, de alegria e de festa, de compreensão ativa de seu lugar na construção social da realidade”.
4: Mercadoria, segundo Karl Marx (2011, O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, p. 57): “é, antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia”. Essa mercadoria, exterior ao homem, provoca nele o sentimento de ser mediante a mercadoria, isto é, o ser se completa e se faz em nome desse objeto externo.
5: A noção de semicultura advém da compreensão de que o homem da sociedade contemporânea recebe uma formação distorcida da realidade, isto é, não consegue, com base na racionalidade instrumental, compreender o mundo e participar deste de forma consciente e emancipada. Por isso, por meio dessa semicultura, ou visão parcial da realidade, que é a forma distorcida, é que o homem tem de pensar a circunstância em que se encontra.


“Adorno (2011) reconhece as limitações do conceito de adaptação e, por isso, adverte para uma compreensão mais ampla do termo, posto que ele se refere a muito mais do que meramente aceitar uma realidade e acatá-la como única e intransferível. Adaptar-se é sentir-se forçado a viver num mundo1 que, dentre outras coisas, é palco de contradições, conflitos e tragédias. Por essa via, adaptar-se nele é viver com ele, suportá-lo sob o viés de viver para transformá-lo quando assim for possível.”
1: A noção de mundo aqui é tomada no sentido trabalhado pelo filósofo Maquiavel: o mundo como um lugar de perigo, de contradições, de lutas e disputas cotidianamente.


“Esse sentimento de pessimismo e desencantamento é compartilhado com ênfase por Adorno na obra Educação e emancipação (2011), pois, segundo o autor; a sociedade contemporânea, especialmente em lugares de tradição educacional, permite que barbáries como as de Auschwitz aconteçam e se desenvolvam. Nesse tocante, o autor aludido faz referência, na obra indicada, a países como a Alemanha, que não só por meio de seus intelectuais tutelou a barbárie, mas a justificou. Para Adorno, parece existir um problema na lógica dessa humanidade que não só tutela tamanha barbárie, como também a justifica em nome de um pretenso progresso. Por esse motivo, adverte o pensador alemão (p. 15):
Como pode um mundo tão desenvolvido cientificamente apresentar tanta miséria? Este é o problema central: o confronto com as formas sociais que se sobrepõem às soluções racionais [...] Assim como o desenvolvimento à científico não conduz necessariamente à emancipação, por encontrar-se vinculado a uma determinada formação social, também acontece com o desenvolvimento no plano educacional. Como pôde um país tão culto e educado como a Alemanha de Goethe desembocar na barbárie nazista de Hitler?
O desencantamento para com a educação se faz, no pensamento adorniano, em razão do distanciamento existente entre educação e sociedade, sendo esta no sentido de civilização1, tendo em vista que um país que dispõe de avanço nas áreas cientifica, tecnológica, e mesmo educacional, permite que, paralelo a tudo isso, sobrevenha o barbarismo contra os diferentes. Assim, questiona Adorno, como pôde se desenvolver e tomar corpo, na Alemanha de Goethe, o nazismo de Hitler? A pergunta não carece de resposta, pois se trata de uma provação crítica com relação à dicotomia que existe entre escola e sociedade — ou ainda, educação e progresso.”
1: De acordo com Freud, na obra O mal-estar na civilização e outros trabalhos (2006. p 27), “ficou sendo então tarefa dos deuses nivelar os defeitos e os males da civilização, assistir os sofrimentos que os homens infligem uns aos outros em sua vida em conjunto e vigiar o cumprimento dos preceitos da civilização, a que OS homens Obedecem de modo tão imperfeito”. A assertiva remete a uma quase impossibilidade de rompimento com a barbárie, pois, conforme Freud, fica assegurada aos deuses tamanha função.


“A discussão é apresentada com vistas ao homem-massa, senhor da sociedade contemporânea, que recebe o mundo pronto, mas não sabe lidar com ele e, por isso, passa a vê-lo por meio de sua imagem e semelhança. Dessa maneira, o que não estiver de acordo com sua imagem e semelhança deve ser destruído, desprezado e violentado. Por essa razão, de acordo com Ortega y Gasset (A rebelião das massas, 1987), a responsabilidade dos problemas que advêm desse tipo genérico de homem é mais do que da escola, mas de toda sociedade; dito de outra maneira, do conjunto de instituições que compõem o Estado contemporâneo. Certamente, a escola tem papel preponderante na formação desse sujeito ou dessa realidade, mas não pode ser a única responsável por esse império brutal da barbárie. Ortega y Gasset (p. 133) declara: “insisto, portanto, com sincero pesar, em fazer ver que esse homem cheio de tendências incivis, que esse novo bárbaro é um produto automático da civilização moderna, especialmente da forma que esta civilização adotou no século XIX”,
Conforme explanado, a responsabilidade faz parte do conjunto das instituições que compõem a sociedade moderna, sobretudo no século XIX; isso porque, de acordo com o autor espanhol, esse momento da história é de grandes transformações, descobertas e, também, criações. A tudo isso se chama progresso mas um progresso externo, ou seja, que acontece na sociedade, porém, que não afeta diretamente a vida cotidiana. Para Ortega y Gasset, a vida no século XIX criou falsas perspectivas para o homem cotidiano, na medida em que ele fez uso extremado do progresso, agarrou-se em demasia ao excesso e cercou-se de instrumentos prodigiosos. Todavia, em nenhum momento essa sociedade foi suficientemente capaz de promover uma consciência de que essa perspectiva de vida, reduzida ao consumo, é impraticável. Nas palavras de Ortega y Gasset (p. 133-134), o homem compreendido nessa sociedade:
encontra-se cercado de instrumentos prodigiosos, de remédios benéficos, de Estados previdentes, de direitos cômodos. Em troca, ignora a dificuldade para se inventarem esses remédios e instrumentos e assegurar produção para o futuro; não percebe que organização do Estado é instável, e quase não sente obrigações dentro de si.
A sociedade contemporânea, especialmente durante o século XIX, não notou um problema que parecia urgente, mas que passou despercebido, a angústia. Esse termo deve ser tomado em sentido filosófico, pois requer uma compreensão dinâmica, isto é, inquietação para com a substância, a vida; e vida, nesse contexto, como drama, complexidade e finitude. Por isso, despossuído desse elemento filosófico, o homem contemporâneo converteu-se no homem-massa, ou seja, no menino mimado1.”
1: Esta é uma expressão bastante recorrente nos textos orteguianos. O menino mimado é a representação perfeita do homem-massa, segundo Ortega y Gasset (1987). Também pode ser conhecido como o senhorzinho satisfeito. Essa caricatura é para demonstrar a falta de angústia, compromisso e responsabilidade, pois, semelhante ao menino mimado, o homem-massa deseja, mas não se preocupa com as consequências, e por isso simplesmente deseja; “o senhorzinho pensa que pode se comportar em qualquer lugar como em sua casa, pensa que nada é fatal, irremediável e irrevogável” (p. 134).


“Desse modo, com base em Adorno, bem como em Ortega y Gasset, a emancipação política dos indivíduos é condição capital para a realização da existência humana no viés filosófico. Em outros termos, por meio da emancipação é possível promover uma sociedade desbarbarizada — no sentido aristotélico, é vida que se realiza na política.
Todavia, os autores Ortega y Gasset e Adorno não são entusiastas da realização existencial no sentido aristotélico, isto é, não acreditam que, naturalmente, os homens tendem para um fim político; pelo contrário, estes estão, na sociedade contemporânea, inclinados à barbárie. Para os autores, desenvolveu-se, na sociedade contemporânea, um tipo específico de homem que é promotor da barbárie, o homem-massa de consciência coisificada. No entanto, é possível, ainda conforme os autores apresentados, a remota formação do homem-especial, ou seja, do homem-singular, que, por meio da emancipação política, realiza-se como sujeito especial, o nobre da vida pública.
Dessa remota possibilidade nasce, ainda que de forma tímida, a esperança de uma sociedade desbarbarizada e desmassificada. Esperança que salta às circunstâncias adorniana e orteguiana, mas que penetra nos corações mais animados de um segmento político: o dos professores. Ao denominarmos segmento político, a definição é no sentido adorniano, isto é, o professor é um agente político e pode, com base em uma lógica humanística, atinar contra a barbárie, pois, conforme assevera Adorno (2011, p. 210); “a educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma autorreflexão crítica”.
Essa autorreflexão é uma ação política que deve nascer de uma intervenção pedagógica, a qual acontece, conforme salientados nos corações de homens e mulheres que depositam seus esforços e crenças em crianças, adolescentes, jovens e idosos, com base em uma prática educacional, ou seja, em uma rotinização em sala de aula, em que cada aula representa um brado contra a barbárie, um grito contra as injustiças, uma alternativa de fazer do mundo, por meio de cada sujeito-aluno, um lugar melhor, um espaço de realização existencial.
É notável que esse segmento político, na sua grande maioria, corrobora com os sentimentos adorniano e orteguiano, com relação à dificuldade de efetivar uma sociedade desbarbarizada; isso porque, quase sempre, a escola não funciona como se espera. Esse papel da escola, espaço de produção de saber, formação para cidadania e para a singularidade, perde-se no formalismo pedagógico, na reprodução de ideologias ultrapassadas e na confecção de realidades desconexas. Esse lugar da escola é deslocado do mundo que realmente é e reduz-se ao mundo fantasioso que se restringe às quatro paredes — sala de aula. Em outros termos, a ação autorreflexiva adorniana perde-se no que se denomina sala de aula e desprende-se do mundo, da vida e da complexidade circunstancial.
Por essa via, homens e mulheres minimizam a ação autorreflexiva e executam a política do realismo pedagógico, ou seja, do que se pode fazer com base no que se tem. Não podemos negar que se trata de um fato autêntico — a realidade como tem que ser, Esse positivismo reduz a esperança, mortifica as perspectivas e debela as utopias1. Contudo, mesmo que esse segmento político tenha perdido a esperança, a utopia e; principalmente, as forças para operar numa outra lógica, existem, ainda que ínfimos, homens e mulheres que não são visibilizados pela indústria da cultura de massa, professores que fazem da sala de aula um campo político, e nestes reside a esperança orteguiana e adorniana de emancipação, pois emancipar-se é tornar-se virtuoso, político e cidadão.
As implicações pedagógicas configuram-se na medida em que pressupostos filosóficos são imbricados à realidade política da escola, ou melhor, desse espaço de formação plural — chão da escola, implicações que podem provocar angústia com relação à vida social, política e educacional, pois dessa relação nasce o homem no sentido de cidadão.”
1: O conceito de utopia deve ser tomado no viés positivo. Há um debate em torno do termo e quase sempre se usa no sentido negativo ou ideológico. Entretanto, a questão aqui deve ser guardada na acepção de esperança, ou seja, afirmação de luta, e não necessariamente como algo distante e irrealizável.


“Émile Durkheim (1858-1917) é responsável pela construção da sociologia como ciência, isto é, o pensador construiu um método para as ciências sociais (o funcionalismo) e estabeleceu um objeto, o fato social.
O fato social, objeto clarificado da sociologia, corresponde à sistematização e limitação do poder científico da nova ciência de Durkheim, ganha um objeto, fato social, definido como coisa, isto é, segundo o autor, todo fato social é um evento que precisa de um desvelamento científico. Nas palavras do autor (As regras do método sociológico, 1978, p. 378): “É coisa todo objeto de conhecimento que não é naturalmente compenetrável pela inteligência, tudo aquilo de que não podemos ter uma noção adequada por um simples procedimento de análise mental, tudo o que o espírito só consegue compreender na condição de se extroverter por meio de observações e de experimentações, passando progressivamente dos caracteres mais externos e mais imediatamente acessíveis aos menos visíveis e ao mais profundo”. Dessa maneira, a sociologia se configura como ciência na medida em que tem um objeto de investigação e o chama de coisa, isto é, passível de compreensão por meio das seguintes proposições: coercitividade, exterioridade e generalidade. A primeira, a coerção social, é a força que os fatos exercem sobre os indivíduos, resulta da sanção legal (leis) ou espontânea (moral). A segunda é a exterioridade ao indivíduo, a regra que se encontra fora do indivíduo e que existe independentemente do nascimento do indivíduo. E a terceira é a generalidade, todo fato que é geral e se repete todos os indivíduos na maioria deles (Almeida et. al, Reflexões sociológicas, 2014).”


“Visto que a autoridade sempre exige obediência, ela é comumente confundida com alguma forma de poder ou violência. Contudo, a autoridade exclui a utilização de meios externos de coerção; onde a força é usada, a autoridade em si mesma fracassou.” (Hannah Arendt, Entre o passado e o futuro, 2009, p. 129).


“O filósofo húngaro István Mészáros, nascido em 1930, estudioso do marxismo e herdeiro da filosofia de Lukács (1885-1971), com quem trabalhou como assistente, foi escritor de diversas Obras, das quais destacamos A educação para além do capital (2004),
Nessa obra, o autor reflete sobre o modelo capitalista e adverte que a educação é refém do referido modelo, no qual patrocina a exploração e a alienação do sujeito por meio da adequação da escola ao modelo da fábrica. À vista disso, segundo Mészáros, não podemos pensar o ato de educar como condição de adaptação, adequação e conversão à lógica do capital, ou seja, a escola é muito mais do que a formalização de sujeitos polivalentes, de indivíduos para o interior das fábricas e da própria dinâmica da economia mercantil.
Emir Sader, nascido em 1943, pensador brasileiro, também de formação marxista, professor, filósofo e cientista político, no prefácio à obra A educação para além do capital, adverte que (2004, p. 15):
a educação, que poderia ser uma alavanca essencial para a mudança, tornou-se instrumento daqueles estigmas da sociedade capitalista: fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à maquinaria produtiva em expansão e do sistema capitalista, mas também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes. Em outras palavras, tornou-se uma peça de processo de acumulação de capital e de estabelecimento de um consenso que torna possível a reprodução do injusto sistema de classes.”

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