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terça-feira, 14 de junho de 2011

Em busca do tempo perdido: No Caminho de Swann, de Marcel Proust

Editora: Ediouro

ISBN: 978-85-0002-553-2

Tradução: Fernando Py

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 331

Sinopse: Em 1907, Marcel Proust começa a escrever sua obra prima: Em Busca do Tempo Perdido, composta por 7 volumes diferentes. O volume No Caminho de Swan foi publicado em 1913, após ter sido recusado por quatro editoras. Em 1918 publica-se À Sombra das Moças em Flor, romance que obteve o Prêmio Goncourt de 1919 – única láurea conseguida pelo autor em vida. Nos anos seguintes são publicados os demais títulos: O Caminho de Guermantes, Sodoma e Gomorra e A Prisioneira. O volume A Fugitiva foi publicado em 1925 com o título de Albertina Desaparecida e O Tempo Recuperado foi dado ao público em 1927.

Nos sete romances que compõem o ciclo de Em Busca do Tempo Perdido o autor perpassa não somente a vida exterior, episódica e histórica de personagens e da própria França, com alguns ecos de fatos ocorridos na Europa e no mundo inteiro, mas, acima de tudo, a vida interior, as sensações, paixões, sentimentos e emoções do narrador e demais personagens, todos envoltos numa atmosfera de análises psicológicas minuciosas e implacáveis.

Embora a realidade do ciclo se baseie na vida de Proust, a sua transposição para o plano ficcional obedece a leis internas da narrativa e, sobretudo, à imaginação criadora do autor, afastando-se muito da realidade factual. Os principais temas do ciclo são o Tempo e a Memória. Proust analisa a passagem do tempo em seus personagens, mostrando como eles apresentam aspectos diversos no decorrer da narrativa, mudam de ideias, de gostos, de sentimentos e, às vezes, até de personalidade.

E é a memória, não a memória comum, mas a memória involuntária, aquela que não depende do esforço consciente de recordar, mas que está adormecida em nós, que nos restitui o passado já remoto, fazendo com que o narrador possa enfim recuperar o Tempo Perdido e realizar a obra literária que tanto almejava construir.

“O hábito! arrumadeira hábil mas bastante morosa e que principia por deixar sofrer nosso espírito durante semanas numa instalação provisória; mas que, apesar de tudo, a gente se sente bem feliz ao encontrá-la, pois sem o hábito e reduzido a seus próprios meios, seria nosso espírito impotente para tornar habitável qualquer aposento.”

 

 

“Já adulto pela covardia, eu fazia o que todos fazemos, quando somos grandes, e há diante de nós sofrimentos e injustiças: não queria vê-los.”

 

 

“Acho bem razoável a crença céltica de que as almas das pessoas que perdemos se mantêm cativas em algum ser inferior, um animal, um vegetal, uma coisa inanimada, e de fato perdidas para nós até o dia, que para muitos não chega jamais, em que ocorre passarmos perto da árvore, ou entrarmos na posse do objeto que é sua prisão. Então elas palpitam, nos chamam, e tão logo as tenhamos reconhecido o encanto se quebra. Libertas por nós, elas venceram a morte e voltam a viver conosco.

O mesmo se dá com o nosso passado. É trabalho baldado procurar evocá-lo, todos os esforços de nossa inteligência serão inúteis. Está escondido, fora de seu domínio e de seu alcance, em algum objeto material (na sensação que esse objeto material nos daria), que estamos longe de suspeitar. Tal objeto depende apenas do acaso que o reencontremos antes de morrer, ou que o não encontremos jamais.”

 

 

“– Mas estou fazendo você perder seu tempo, minha filha.

– Ora, não, senhora Octave. Meu tempo não é assim tão caro. Quem fez o tempo não o vendeu para a gente.”

 

 

“– Adoro os artistas – respondeu a dama cor-de-rosa –, só eles é que compreendem as mulheres...”

 

 

“Depois desta crença central que, durante a leitura, executava movimentos incessantes de dentro para fora, no sentido da descoberta da verdade, vinham as emoções que me dava a ação na qual tomava parte, pois as tardes eram mais cheias de acontecimentos dramáticos do que, muitas vezes, uma vida inteira. Eram os acontecimentos que ocorriam no livro que estava lendo; é verdade que as personagens a quem interessavam não eram “reais”, como dizia Françoise. Mas todos os sentimentos que nos fazem experimentar a alegria ou a desgraça de uma personagem real só ocorrem em nós por intermédio de uma imagem dessa alegria ou dessa desgraça; a engenhosidade do primeiro romancista consistiu em compreender que, no aparelho das nossas emoções, sendo a imagem o único elemento essencial, a simplificação que consistiria em suprimir pura e simplesmente as personagens reais seria um aperfeiçoamento decisivo. Um ser real, por mais profundamente que simpatizemos com ele, em grande parte só o percebemos através dos sentidos, isto é, permanece opaco para nós, oferece um peso morto que nossa sensibilidade não consegue erguer. Se uma desgraça o atinge, esta só poderá nos comover numa pequena parte da noção global que temos dele, e ainda mais, só numa pequena parte da noção total que tem de si mesmo é que sua própria desgraça poderá comovê-lo. O achado do romancista foi ter tido a ideia de substituir essas partes impenetráveis à alma por uma quantidade idêntica de partes materiais, isto é, que nossa alma pode assimilar. Desde então, que importa que as ações, as emoções desses seres de um novo tipo nos pareçam verdadeiras, visto que fizemo-las nossas, que é dentro de nós que se produzem, que mantêm sob seu domínio, enquanto viramos febrilmente as páginas do livro, a rapidez da nossa respiração e a intensidade do nosso olhar. E uma vez que o romancista nos pôs nesse estado, no qual, como em todos os estados exclusivamente interiores, toda emoção é duplicada, e onde seu livro vai perturbar-nos, à maneira de um sonho, mas de um sonho mais claro que os que temos ao dormir, e cuja lembrança vai durar mais, então, eis que ele deflagra em nós, durante uma hora, todas as fortunas e todas as desgraças possíveis, algumas das quais iríamos levar a vida inteira para conhecer, ao passo que outras, as mais intensas, jamais nos seriam reveladas porque a lentidão com que se produzem impede que as percebamos. (Assim vai mudando o nosso coração, durante a vida, e esta é a pior das dores; porém só a conhecemos através da leitura, pela imaginação: na realidade o coração se transforma da mesma maneira como se produzem certos fenômenos da natureza, tão vagarosamente que, embora possamos verificar de modo sucessivo seus estados diferentes, em compensação nos foge a própria sensação da mudança.)”

 

 

“Até as mulheres que pretendem avaliar um homem só pelo físico, veem neste físico a emanação de uma vida especial. É por isso que amam os militares, os bombeiros; o uniforme as faz menos exigentes para o rosto; julgam beijar, por baixo da couraça, um coração diferente, aventuroso e suave; e um jovem soberano, um príncipe herdeiro, para efetuar as conquistas mais lisonjeiras nos países estranhos que visita, não precisa ter o perfil regular que talvez fosse indispensável a um corretor da Bolsa.”

 

 

“Os fatos não penetram no mundo em que vivem nossas crenças, não as fizeram nascer, não as destroem; podem infligir-lhes os desmentidos mais constantes sem enfraquecê-las, e um aluvião de desgraças ou de doenças, sucedendo-se ininterruptamente numa família, não a fará duvidar da generosidade de seu Deus ou do talento de seu médico.”

 

 

“A indiferença pelos sofrimentos que causamos e que, mesmo com os mais diversos nomes que se lhe deem, é a forma terrível e constante da crueldade.”

 

 

“De todas as formas de produção do amor, de todos os agentes de disseminação do mal sagrado, um dos mais efetivos é esse turbilhão agitado que por vezes passa por nós. Então, o ser com quem nos divertimos nesse instante – a sorte está lançada – há de ficar sendo a pessoa amada. Nem há necessidade que até aquele momento nos tenha agradado mais que as outras. Precisava era que o nosso gosto por ela se tornasse exclusivo. E semelhante condição se realiza quando – no momento em que ela nos fez falta – a busca de prazeres que sua convivência nos trazia é de repente substituída em nós por uma necessidade angustiosa, que tem por objeto essa mesma pessoa, uma necessidade absurda, que as leis deste mundo tornam de satisfação impossível e de difícil cura: a precisão insensata e dolorosa de possuí-lo.”

 

 

“– Sim, a poesia... Não tenho dúvidas de que não haveria nada mais belo se fosse verdadeira, se os poetas pensassem tudo aquilo que dizem. Porém, muitas vezes, não existe ninguém mais interesseiro do que eles. Sei disso, eu tinha uma amiga que se apaixonou por um tipo de poeta. Nos seus versos ele só falava do amor, do céu e das estrelas. Ah, que de nada adiantou a ela! Ele lhe roubou mais de trezentos mil francos.”

 

 

“E que verdade dolorosa assumiam para ele estas linhas do Diário de um Poeta de Alfred de Vigny, que antigamente havia lido com indiferença: “Quando a gente se apaixona por uma mulher, devemos dizer: De que forma ela está cercada? Qual foi a sua vida? Toda a felicidade da vida se apoia nisto”.”

 

 

“Não sabia eu então que o que sentia por ela não dependia nem de seus atos nem de minha vontade?”

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