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terça-feira, 28 de junho de 2011

Inclusão social e desenvolvimento econômico na América Latina – editores: Mayra Buvinic e Jacqueline Mazza com Ruthanne Deutsch

Editora: Elsevier (Campus)

ISBN: 978-85-3521-594-6

Tradução: Hilda Maria L. P. Coelho.

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 368

Sinopse: Este livro é o resultado de uma iniciativa mais ampla do Banco Interamericano de Desenvolvimento para promover a inclusão social na região e na instituição. Esta coleção de leituras transmite a mensagem de que a pobreza e a desigualdade na América Latina e no Caribe são facilmente reconhecidas nos rostos das mulheres, dos afrodescendentes, dos povos indígenas, dos portadores de deficiências e das pessoas com HIV/aids, entre outros. O Banco Interamericano de Desenvolvimento tem grande experiência na promoção do desenvolvimento das mulheres e dos povos indígenas, mas até poucos anos atrás, quando o trabalho que culminou neste livro foi iniciado, havia pouco conhecimento no que se refere à exclusão enfrentada por afrodescendentes (os quais, de acordo com algumas estimativas, constituem quase um terço da população da região), portadores de deficiências e pessoas com HIV/aids. Não havia, tampouco, uma compreensão dos fatores que esses grupos tinham em comum e, portanto, não se compartilhavam planos de trabalho, experiências e lições aprendidas. Este livro coloca em primeiro plano não apenas as características comuns de grupos excluídos, como também as características específicas da exclusão enfrentada por afrodescendentes, portadores de deficiências e pessoas com HIV/aids.



“Embora a insuficiência de renda seja um fator fundamental, há consenso no sentido de que a exclusão social se refere a um conjunto de circunstâncias mais abrangentes do que a pobreza. A exclusão social está mais estreitamente relacionada ao conceito de pobreza relativa do que à pobreza absoluta e, portanto, está inextricavelmente vinculada à desigualdade. A exclusão social se refere não apenas à distribuição de renda e ativos (como as análises da pobreza), mas também à privação social e à ausência de voz e poder na sociedade.

Na América Latina, essa ausência de voz e poder talvez esteja mais fielmente refletida nos baixos níveis de representação dos grupos excluídos da tomada de decisões políticas. Em 2002, por exemplo, apenas 4,4% dos parlamentares brasileiros eram afrodescendentes, embora representassem quase a metade da população brasileira (A Tribuna de Santos, 29 de julho de 2002).”

(Mayra Buvinic)

 

 

“A exclusão social é “a incapacidade de um indivíduo de participar do funcionamento básico político, econômico e social da sociedade em que vive” (Tsakloglou e Papadopoulos, 2001). Ou, mais concisamente, é “a negação do acesso igualitário a oportunidades imposta por alguns grupos da sociedade a outros” (Behrman, Gaviria e Székely, 2003). A primeira definição apresenta a gama de comportamentos afetados pela exclusão, expondo sua natureza multidimensional. A segunda indica o que talvez sejam as duas características mais distintivas da exclusão: ela afeta grupos culturalmente definidos e está inserida nas interações sociais.”

(Mayra Buvinic)

 

 

“O acesso a bens de produção também rompe a pobreza estrutural dos grupos excluídos. Uma nova geração de programas de titulação de terras e reforma agrária beneficia as mulheres, os povos indígenas e os afrodescendentes, reconhecendo a propriedade coletiva e comunitária da terra quando relevante. A Lei 70 da Colômbia, de 1993, instituiu um programa de titulação coletiva de terras que concedeu 4,6 milhões de hectares de terras a afrodescendentes na costa do Pacífico, entre 1997 e 2000 (Grueso, 2002). Os programas de titulação de terras implementados na região na década de 1990 concederam às mulheres (especialmente as que chefiam lares agrícolas) a propriedade individual ou coletiva de terras (Deere e León, 2000). A experiência revela a importância da titulação de terras – e suas limitações. Para que a aquisição ou a titulação de terras resulte em aumento de produtividade, são necessários insumos complementares como capital e tecnologias. Os programas frequentemente fracassam quando a intervenção agrária não é corroborada por investimentos adicionais.”

(Mayra Buvinic)

 

 

“Apenas o governo federal pode assegurar tanto a transferência apropriada e eficaz de recursos quanto a boa coordenação das políticas nacionais.”

(Mayra Buvinic)

 

 

“A América Latina está à frente de outras regiões na implementação dessas quotas para mulheres, embora países de outras regiões a estejam alcançando rapidamente e, algumas vezes, implementando versões mais radicais. A França alterou sua constituição para exigir a igualdade de representação entre mulheres e homens em listas de candidatos, acrescentando uma multa financeira para os partidos que descumprem a decisão. Inicialmente aplicada nas eleições de 2001, a lei superou resistências profundamente enraizadas à participação da mulher na política. Onde a lei é aplicada, não há escassez de candidatas qualificadas, e o número de mulheres em cargos eletivos aumenta rapidamente (Gaspard, 2003).”

(Mayra Buvinic)

 

 

“A maioria dos governos instituiu órgãos ou departamentos especializados, encarregados de zelar pelos interesses dos excluídos. As mais de duas décadas de experiência com órgãos dedicados aos interesses da mulher sugerem que sua eficácia é frequentemente limitada por recursos inadequados e por sua situação marginal na máquina do governo. Além disso, a integração tende a ser uma batalha contínua para esses órgãos, sugerindo que esse esforço deve ser abordado modestamente, com uma perspectiva de longo prazo, e que atividades e orçamentos específicos constituem passos importantes na estrada para a inclusão plena.”

(Mayra Buvinic)

 

 

“Outras implicações de política surgem do fato de que a exclusão concentra as desigualdades nos grupos. As desigualdades baseadas em grupos instigam a mobilização e a defesa de direitos e, se não forem remediadas, podem gerar conflito e violência, especialmente em países com alto grau de desigualdade e diversidade étnica (Stewart, 2001; Easterly, 2002). A resposta deve vir sob a forma de políticas de inclusão social que utilizem as ferramentas de diálogo, a resolução de controvérsias e a negociação.”

(Mayra Buvinic)

 

 

“Na América Latina, a exclusão social se manifesta mais claramente na desigualdade persistente na distribuição de renda, o que leva a uma pobreza pior do que sugere o nível de desenvolvimento da região.”

(José Antonio Ocampo)

 

 

“A pobreza aumentou rapidamente na América Latina durante a “década perdida” dos anos 1980, tendo posteriormente experimentado uma redução gradual com a recuperação econômica ocorrida no período de 1990 a 1997. Mas esse avanço foi novamente interrompido durante a “meia década perdida” que se seguiu à crise da Ásia. O que é pior, a pobreza relativa nos últimos cinco anos – que afeta 44% da população – permanece acima dos níveis de 1980. O fato de a renda per capita estar apenas ligeiramente acima dos níveis registrados naquele ano é uma indicação inequívoca da deterioração distributiva registrada nas duas últimas décadas. E, a despeito de uma redução relativa, o número absoluto de pobres permaneceu em torno de 200 milhões entre 1990 e 1997, tendo aumentado para cerca de 220 milhões hoje.

As mudanças ocorridas na pobreza relativa têm sido irregulares. Embora o fator que mais tem afetado significativamente a pobreza seja o crescimento econômico, não tem havido uma relação automática entre o crescimento dos diferentes países e a evolução da pobreza. Essa relação somente é forte quando o crescimento é acompanhado da criação dinâmica de empregos de qualidade, o que não tem sido a tendência dominante. A instabilidade do crescimento econômico também tem sido um fator decisivo, uma vez que, na ausência de instituições de proteção social adequadas, as recessões têm atingido mais duramente os segmentos de menor renda. Ainda assim, alguns países têm conseguido reduzir a pobreza canalizando, de forma eficiente, as transferências monetárias do setor público para os setores menos favorecidos e contendo a hiperinflação.

Durante a “década perdida” houve uma acentuada deterioração na distribuição de renda. Na década de 1990, essa tendência persistiu na metade dos países da região, tendo sido claramente invertidas em apenas alguns deles (notadamente no Uruguai). Nenhum país da região apresenta níveis atuais de desigualdade inferiores àqueles registrados há três décadas e, em alguns países, esses níveis são ainda mais elevados. Essas tendências são ainda mais preocupantes em vista do fato de que a América Latina já era a região com maior desigualdade de distribuição de renda no mundo.”

(José Antonio Ocampo)

 

 

“Todos esses fatores ressaltam a importância de se obter maior estabilidade macroeconômica, no sentido mais abrangente do termo, que inclua não apenas controle fiscal e baixos níveis de inflação, como também a estabilidade do crescimento econômico e das contas externas. Atingir preços estáveis ou crescimento econômico rápido com taxas cambiais desfavoráveis é oneroso no longo prazo, como também o são políticas pró-cíclicas que agravam os efeitos de ciclos financeiros internacionais sobre as economias, ou uma aplicação excessivamente rigorosa dos objetivos de estabilização de preços que ignore outras dimensões da estabilidade e os custos de transação que podem ser gerados pelas políticas antiinflacionárias mais bem-intencionadas.”

(José Antonio Ocampo)

 

 

“A pobreza e a exclusão são realidades sociais injustas e um enorme desperdício de oportunidades econômicas.

Algumas características do mundo moderno corroboram ainda mais essa visão. As vantagens competitivas baseadas em salários baixos são frágeis e instáveis.”

(José Antonio Ocampo)

 

 

“As diferenças raciais e étnicas permeiam os indicadores de pobreza e desigualdade na América Latina. Em particular, a exclusão de afro-descendentes e indígenas do acesso a oportunidades e outras atividades constitui uma dimensão imaterial crucial da desigualdade e da pobreza. Essa exclusão se manifesta na falta de acesso à justiça e à participação social e política; aos mercados de ativos e crédito; às infra-estruturas adequadas (água e saneamento, transportes, habitação); aos serviços sociais (saúde e educação); e ao mercado de trabalho (emprego e salários satisfatórios).

(Jonas Zoninsein)

 

 

“A concepção de Amartya Sen do desenvolvimento como a remoção das barreiras à liberdade é apropriada – conceitual e metaforicamente – ao discurso sobre deficiências. Em sua opinião, inclusão significa a remoção das barreiras que deixam as pessoas com pouca ou nenhuma escolha ou oportunidade para expressar suas habilidades. Tradicionalmente, a justificativa para essa ação tem sido de ordem econômica: menos barreiras resultam em maior crescimento econômico. A remoção de barreiras que não resulta em crescimento é mais difícil de ser justificada da perspectiva econômica. Sen (1999) argumenta que a liberdade, ou uma sociedade sem barreiras, é um compromisso social que dispensa outra justificativa.”

(Ernest Massiah)

 

 

“A pobreza, mesmo quando amplamente definida como a exclusão do indivíduo dos meios necessários para sua plena participação nas atividades normais de uma sociedade é, mais do que qualquer outra coisa, uma questão de acesso a recursos e serviços. A exclusão social de um grupo, ou dos indivíduos que pertencem a esse grupo é, antes de tudo, uma negação de respeito, reconhecimento e direitos. A exclusão de grupos é “horizontal”, uma vez que pode afetar até mesmo os membros afluentes e privilegiados dos grupos excluídos. A exclusão – ou a forma como os indivíduos são tratados pelo fato de pertencer a um determinado grupo – é discriminação, quer seja motivada por preconceito ou por argumentação estatística.”

(Hilary Silver)

 

 

“As cotas devem ser vistas não como punições para aqueles que gozam de vantagens, mas sim como parte de uma combinação de ferramentas destinadas a promover o avanço positivo das populações que sofrem carências há várias gerações, em um contexto no qual as garantias civis costumam ser muito mais limitadas, e as populações excluídas, numerosas, além de expostas a carências ainda maiores em termos de salários, insegurança no local de trabalho e empregos de subsistência.”

(Jacqueline Mazza)

 

 

“Ao deixar o sistema educacional, os trabalhadores de muitos países latino-americanos se defrontam com sistemas de treinamento ocupacional de baixa qualidade, baseados em instituições estatais de grande porte, financiadas pelo setor público, com vínculos fracos com a demanda do setor privado e métodos modernos de treinamento. Enquanto os países europeus se dão ao “luxo” de focalizar o mercado de trabalho como o principal instrumento da política de inclusão social, na América Latina a melhoria da educação é sempre vista como o primeiro e crucial passo para o avanço da inclusão social.

Entretanto, o aumento e a melhoria da educação para as populações excluídas, por si só, não bastam para aprimorar seu desempenho no mercado de trabalho no longo prazo. Duryea e Pagés (2001) argumentam que a simples melhoria da educação não impulsionará a produtividade sem uma gama mais ampla de melhorias associadas à produtividade em áreas como infra-estrutura e crédito. A discriminação no mercado de trabalho e maior transparência na contratação também devem ser trabalhadas, para que a educação e o treinamento ocupacional se traduzam em aumento de contratações e na promoção das populações excluídas.”

(Jacqueline Mazza)

 

 

“Os antropólogos tendem a definir etnia como um conjunto de elementos culturais compartilhados por uma comunidade de indivíduos, no qual eles se baseiam para organizar seu cotidiano. Nas zonas rurais, a etnia é um atributo comumente associado às comunidades nativas, cujo contato com outras comunidades é limitado. Nos cenários urbanos, as características étnicas estão associadas à cultura, à religião, ao idioma, às tradições e à raça, entre outras dimensões.”

(Máximo Torero, Jaime Saavedra, Hugo Ñopo e Javier Escobal)

 

 

“Pobreza não é apenas a falta de bens materiais, mas também o fato de sentir-se distante da tomada de decisão e um senso de desvalorização que se manifesta como apatia, raiva e enfraquecimento de cultura cívica” (Richie-Vance, 1996, p. 9).

(Margarita Sánchez)

 

 

“No grego clássico, o termo “estigma” era empregado para descrever a marca de grupos proscritos como um sinal permanente de sua condição. As discussões mais recentes sobre o estigma, especialmente em relação ao HIV/aids, encontram seu ponto de partida no agora clássico trabalho de Goffman (1963), que definiu o estigma como “um atributo que é significativamente desonroso” e que inferioriza, aos olhos da sociedade, a pessoa que o possui.”

(Peter Aggleton, Richard Parker e Miriam Maluwa)

 

 

“Em resumo, a discriminação ocorre quando a diferenciação a que uma pessoa é submetida a leva a ser tratada de forma injusta e parcial pelo fato de pertencer – efetiva ou supostamente – a um grupo específico. A discriminação pode existir em vários níveis distintos, inclusive no nível do indivíduo, da comunidade ou da sociedade como um todo.”

(Peter Aggleton, Richard Parker e Miriam Maluwa)

 

 

“Um dos obstáculos mais significativos à formulação e implementação de políticas públicas focalizadas é a resistência insistente da sociedade em lidar com questões relacionadas a etnia e raça. Embora essa resistência esteja diminuindo gradualmente, a abordagem latino-americana ainda tende a dedicar atenção insuficiente às questões de raça na explicação das desigualdades observadas nos resultados sociais e políticos entre diferentes grupos. A tendência é reduzir a raça a uma classe e minimizar a extensão e o impacto da discriminação racial. Quando as antipatias raciais são reconhecidas, elas são vistas, de forma difusa, como relativamente benignas. Essa visão impede o desenvolvimento de prescrições políticas e de respostas programáticas à discriminação racial e étnica.

A neutralidade que o Estado latino-americano tenta demonstrar na construção da identidade nacional é desmentida pela resposta diferenciada que dá aos grupos sociais e políticos. Seu papel não é meramente reativo. Ao contrário, ele desempenha um papel fundamental e crucial na formação de identidades raciais (Nobles, 2000; Marx, 1998). Ao fazê-lo, os Estados podem restringir a organização política e social baseada na identidade. Os dados mostram, claramente, que a discriminação baseada na cor da pele é um fenômeno econômico, social e político real (ver Lovell, 1999; Lovell e Wood, 1998; Hasenbalg, 1979; do Valle Silva, 1994; da Silva, 1994). A formulação de políticas, de leis e de programas destinados a abordar essa situação é tanto imperativa quanto factível, e não deve ser refém de debates infindáveis sobre categorização.”

(Eva T. Thorne)

Um comentário:

  1. Este livro foi escrito em 2004, no início do governo Lula. Se fosse agora, teria uma base de dados comparativa muito mais fértil. Do início do mandato do presidente Lula, no início de 2003, até maio último, de acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), 39,5 milhões de brasileiros passaram à classe C, concomitante à uma saída de 24,6 milhões de pessoas da classe E (ou seja, na extrema pobreza, uma queda de 54,18%), e 7,9 milhões que saíram da classe D (recuo de 24,03%).
    Deste total, 13,3 milhões das pessoas que passaram a participar das classes A, B ou C, o desde 2009 pra cá, ou seja, esta melhoria econômica não paralisou, esta acontecendo agora, o que é muito bom de constatar.
    A desigualdade também vem caindo muito, pois, desde os anos 2000, os 50% mais pobres do Brasil tiveram um crescimento da renda real de 67,9%, enquanto os 10% mais ricos avançaram 10,03%.

    Um assombro, um assombro muito positivo.

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