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sexta-feira, 2 de julho de 2021

O Capital: crítica da economia política. Livro II: o processo de circulação do capital (Parte I), de Karl Marx

Editora: Boitempo

ISBN: 978-85-7559-390-5

Edição: Friedrich Engels

Tradução: Rubens Enderle

Opinião: ★★☆☆☆

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Páginas: 760

Sinopse: Clássico originalmente publicado em 1885 na Alemanha, o volume é peça imprescindível para a compreensão plena do Livro I d’O capital e trata de forma abrangente do processo de circulação do capital, desde o consumo até a distribuição. Um dos pontos importantes examinados por Marx é a relação entre o tempo de produção e o tempo de circulação para a realização plena do mais-valor já criado. A edição ganha no Brasil textos adicionais inéditos selecionados por Rubens Enderle, especialista na obra de Marx e também responsável pela tradução da obra diretamente do alemão.

A edição da Boitempo é a primeira no mundo a basear-se no conjunto publicado recentemente pela MEGA-2 (Marx-Engels- Gesamtausgabe), instituição detentora e curadora dos manuscritos de Karl Marx e Friedrich Engels, considerada por estudiosos a edição definitiva d’O capital de Marx. Esses documentos, que nunca haviam sido traduzidos para o português, permitiram a reconstrução dos manuscritos em sua totalidade.

Além disso, o Livro II recebe o acréscimo de treze textos originais de Marx descartados por Engels em sua edição da obra. Os excertos compõem o apêndice da edição brasileira e dão um panorama único e nunca antes visto dos rascunhos iniciais de Marx, mostrando os seus primeiros passos para desenvolver conceitos-chave de sua teoria, como esquemas e processo de reprodução. Com a nova edição, o leitor tem a chance de debater a teoria marxiana a partir das impressões do próprio autor.

A edição da Boitempo indica as intervenções feitas por Engels na estrutura da obra – ou seja, na organização dos temas, na divisão das seções, dos capítulos (e subcapítulos) e nos títulos a eles eventualmente conferidos. O volume traz ainda um prefácio à edição brasileira, assinado pelo cientista político alemão Michael Heinrich, professor de economia na Universidade de Ciências Aplicadas, em Berlim, e colaborador na MEGA-2.

Em seu texto, Heinrich desmitifica a má fama do Livro II – a parte mais subestimada de O capital –, considerado uma leitura bastante árida sobre as formas cíclicas e os movimentos de rotação do capital. O Livro I é considerado uma obra prima, do ponto de vista tanto do conteúdo como do estilo; o Livro III aborda as relações concretas – lucro e crise, crédito e capital acionário – que determinam o cotidiano capitalista. E o Livro II? ‘Na realidade, esse volume tem uma enorme importância para a compreensão da crítica econômica marxiana – e por duas razões totalmente distintas: a primeira diz respeito à matéria nele tratada; a segunda, à posição que os manuscritos desse volume ocupam no processo de formação da obra magna de Marx. Sua importância está sobretudo em apresentar o capital como unidade dos processos de circulação e de produção’, afirma ele.

O professor de sociologia da Unicamp Ricardo Antunes defende que o Livro II de O capital oferece pistas para se compreender e atualizar a teoria do valor-trabalho, presente em fenômenos contemporâneos, como o papel predominante das tecnologias de informação, dos novos serviços e da produção imaterial. ‘Ao contrário do fim do valor, tão alardeado há décadas, o que o mundo produtivo vem presenciando é a expansão sem limites de novas formas geradoras do valor, ainda que sob a aparência do não-valor’, enfatiza Antunes.



 

Quando a força de trabalho aparece no mercado como uma mercadoria de seu possuidor, cuja venda se dá mediante o pagamento pelo trabalho, na forma do salário, sua compra e venda não se distingue em nada da compra e venda de qualquer outra mercadoria. O característico não é que a mercadoria força de trabalho seja comprável, mas que a força de trabalho apareça como mercadoria. (...)

Do lado do trabalhador, a aplicação produtiva de sua força de trabalho só se torna possível a partir do momento em que, em consequência de sua venda, ela é posta em contato com os meios de produção. Antes da venda, portanto, ela existe separada dos meios de produção, das condições objetivas de sua aplicação. Nessa condição de separação, ela não pode ser diretamente aplicada nem na produção de valores de uso para seu proprietário, nem na produção de mercadorias de cuja venda ele possa viver. Mas assim que, por meio de sua venda, a força de trabalho é posta em contato com os meios de produção, ela se transforma numa parte constitutiva do capital produtivo de seu comprador, tanto quanto os meios de produção.

Portanto, embora na operação D-T o proprietário de dinheiro e o proprietário de força trabalho se relacionem como comprador e vendedor, como possuidores, respectivamente, de dinheiro e de mercadoria, quer dizer, ainda que eles se encontrem, sob esse aspecto, numa relação meramente monetária, o comprador se apresenta de antemão, ao mesmo tempo, como possuidor dos meios de produção que constituem as condições objetivas para que o possuidor da força de trabalho possa empregá-la produtivamente. Dito de outro modo: esses meios de produção aparecem diante do possuidor da força de trabalho como propriedade alheia. Por outro lado, o vendedor do trabalho aparece diante de seu comprador como força de trabalho alheia, que tem de se submeter a seu comando, incorporar-se a seu capital, para que este possa atuar realmente como capital produtivo. Assim, a relação de classe entre capitalista e assalariado já está dada, pressuposta, no momento em que os dois se confrontam na operação D-T (T-D, do lado do trabalhador). Ela é compra e venda, relação monetária, mas uma compra e venda em que o comprador é pressuposto como capitalista e o vendedor como trabalhador assalariado, e que se baseia no fato de as condições necessárias à realização da força de trabalho – meios de subsistência e meios de produção – estarem apartadas, como propriedade alheia, do possuidor dessa força de trabalho.

Não nos interessa aqui saber como se dá essa separação. Ela existe assim que se efetua a relação D-T. O que nos interessa é: se D-T aparece como uma função do capital monetário, ou o dinheiro como forma de existência do capital, isso não se dá de modo algum apenas porque o dinheiro atua, nesse caso, como meio de pagamento de uma atividade humana direcionada a um efeito útil, de um serviço – ou seja, não pela função do dinheiro como meio de pagamento. Se o dinheiro pode ser gasto nessa forma é somente porque a força de trabalho encontra-se separada de seus meios de produção (incluindo os meios de subsistência como meios de produção da própria força de trabalho) e porque essa separação só é superada com a venda da força de trabalho ao detentor dos meios de produção; e que, portanto, ao comprador também pertence o emprego da força de trabalho, cujos limites não coincidem em absoluto com os limites da massa de trabalho necessária à reprodução de seu próprio preço. A relação de capital durante o processo de produção só surge porque ela já existe, em si mesma, no ato de circulação, nas diferentes condições econômicas fundamentais em que o comprador e o vendedor se defrontam um com o outro, em sua relação de classe. Não é o dinheiro que, pela própria natureza, engendra essa relação, mas, antes, é a existência dessa relação que pode transformar uma simples função do dinheiro numa função do capital.

Na concepção do capital monetário (este só nos interessa, por ora, no interior da função determinada em que ele se apresenta aqui) costumam ter lugar dois erros paralelos ou amalgamados. Primeiramente: as funções que o valor de capital exerce como capital monetário e que ele pode exercer precisamente por se encontrar na forma-dinheiro são erroneamente deduzidas de seu caráter de capital, ao passo que elas se devem apenas à condição de dinheiro do valor de capital, à sua forma de manifestação como dinheiro. E em segundo lugar, inversamente: o conteúdo específico da função de dinheiro, que faz dela ao mesmo tempo uma função do capital, é deduzido da natureza do dinheiro (confundindo-se, assim, dinheiro com capital), quando na realidade tal conteúdo pressupõe condições sociais – como, nesse caso, na operação D-T – que não estão de modo algum dadas na circulação simples de mercadorias e na correspondente circulação de dinheiro. (...)

A existência de assalariados livres numa escala social é uma condição indispensável para que D-M, a transformação de dinheiro em mercadoria, possa ser concebida como transformação de capital monetário em capital produtivo.

É evidente, pois, que a fórmula que expressa o ciclo do capital monetário (D-M…P…M’-D’) só vale como forma do ciclo do capital quando se baseia na produção capitalista já desenvolvida, pois pressupõe a existência da classe assalariada em escala social. A produção capitalista, como vimos, produz não apenas mercadoria e mais-valor, mas reproduz, e num volume cada vez maior, a classe dos trabalhadores assalariados, transformando a enorme maioria dos produtores diretos em assalariados. D-M…P…M’-D’, tendo como premissa fundamental de seu movimento a existência constante da classe assalariada, pressupõe o capital na forma do capital produtivo e, desse modo, a forma do ciclo do capital produtivo.”

 

 

D-M<TMp pressupõe que o indivíduo que realiza esse ato não apenas dispõe de valores numa forma útil qualquer, mas também possui esses valores em forma-dinheiro, isto é, que ele é possuidor de dinheiro. Mas a operação consiste justamente no dispêndio do dinheiro, e alguém só pode permanecer como possuidor de dinheiro na medida em que o dinheiro retorna às suas mãos pela própria operação por meio da qual foi gasto. E como o dinheiro só pode refluir para ele por meio da venda de mercadorias, a operação pressupõe no possuidor de dinheiro a qualidade de produtor de mercadorias.

D-T. O trabalhador assalariado vive apenas da venda da força de trabalho. Sua subsistência – sua autossubsistência – requer o consumo diário. Seu pagamento tem, portanto, de ser repetido constantemente em prazos relativamente curtos, para que ele possa repetir as compras necessárias para sua autossubsistência – a operação T-D-M ou M-D-M. Diante do trabalhador, o capitalista tem de atuar constantemente como capitalista monetário, e seu capital tem de confrontá-lo como capital monetário. Por outro lado, porém, para que a massa dos produtores diretos, os trabalhadores assalariados, possa realizar a operação T-D-M, é preciso que ela encontre constantemente os meios de subsistência em forma comprável, isto é, em forma de mercadorias. Essa situação requer um alto grau de circulação dos produtos como mercadorias e, portanto, do desenvolvimento da produção mercantil. Tão logo a produção por meio do trabalho assalariado esteja generalizada, a produção de mercadorias deve se tornar a forma geral da produção. Esta, uma vez que se torna geral, condiciona, por sua vez, uma divisão progressiva do trabalho social, isto é, uma especialização cada vez maior do produto criado como mercadoria por um determinado capitalista, uma cisão crescente de processos complementares de produção em processos independentes. No mesmo grau de D-T desenvolve-se, portanto, D-Mp; ou seja, a produção de meios de produção se dissocia da produção de mercadorias – das quais eles são os meios de produção – na mesma medida em que esses meios de produção aparecem a todo produtor de mercadorias como tantas outras mercadorias que ele não produz mas compra, tendo em vista seu processo determinado de produção. Elas derivam de ramos de produção totalmente separados desse processo, explorados de modo independente, e entram em seu ramo de produção como mercadorias, razão pela qual precisam ser compradas. As condições materiais da produção de mercadorias se apresentam, em grau cada vez maior, como produtos de outros produtores de mercadorias, isto é, como mercadorias. Da mesma forma, o capitalista tem de atuar como capitalista monetário; em outras palavras, aumenta a proporção em que seu capital tem de funcionar como capital monetário.

Por outro lado: as mesmas circunstâncias que produzem a condição fundamental da produção capitalista – a existência de uma classe de trabalhadores assalariados – exigem que toda produção de mercadorias se transforme em produção capitalista de mercadorias. À medida que esta última se desenvolve, ela exerce um efeito destrutivo e dissolvente sobre todas as formas anteriores de produção, que, voltadas preferencialmente à satisfação das necessidades imediatas do produtor, só convertem em mercadoria as sobras do que foi produzido. Ela faz da venda do produto o interesse primordial, sem que, de início, isso pareça afetar o próprio modo de produção, o que, por exemplo, constituiu o primeiro efeito do comércio capitalista mundial sobre povos como o chinês, o indiano, o árabe etc. Em segundo lugar, porém, onde lança raízes, ela destrói todas as formas da produção de mercadorias baseadas seja no trabalho dos próprios produtores, seja meramente na venda dos produtos excedentes como mercadorias. Primeiramente ela universaliza a produção de mercadorias e, então, transforma gradualmente toda a produção de mercadorias em produção capitalista. Quaisquer que sejam as formas sociais da produção, os trabalhadores e os meios de produção permanecem sempre como seus fatores constitutivos. Mas, enquanto se encontram separados uns dos outros, são fatores de produção apenas em potencial. Para que se produza efetivamente, precisam ser combinados. O modo particular dessa combinação distingue as diferentes épocas econômicas da estrutura social. No caso presente, a separação entre o trabalhador livre e seus meios de produção constitui o ponto de partida dado, e vimos[j] como e sob quais condições ambos são unificados na mão do capitalista – a saber, como modos produtivos de existência de seu capital. O processo efetivo no qual entram, assim reunidos, os elementos pessoais e materiais de criação de mercadorias, o processo de produção, torna-se ele mesmo uma função do capital – do processo capitalista de produção, cuja natureza foi estudada em detalhes no Livro I desta obra. Toda empresa de produção de mercadorias torna-se, ao mesmo tempo, empresa de exploração da força de trabalho, mas apenas a produção capitalista de mercadorias é um divisor de águas, um modo de exploração que, em seu desenvolvimento histórico e por meio da organização do processo de trabalho e do enorme progresso da técnica, revoluciona a estrutura econômica inteira da sociedade, deixando para trás todas as épocas anteriores.

Por meio dos diferentes papéis que, durante o processo de produção, desempenham na criação de valor e, portanto, também na criação de mais-valor, os meios de produção e a força de trabalho se diferenciam, como formas de existência do valor de capital adiantado, em capital constante e variável. Como diferentes partes constitutivas do capital produtivo, distinguem-se também pelo fato de que os primeiros, quando de posse do capitalista, permanecem como seu capital também fora do processo de produção, ao passo que, no interior deste, a força de trabalho se converte em forma de existência de um capital individual. Se a força de trabalho só é mercadoria nas mãos de seu vendedor, do trabalhador assalariado, ela só se torna capital, ao contrário, nas mãos de seu comprador, o capitalista, a quem cabe seu uso temporário. Os próprios meios de produção só se convertem em formas objetivas do capital produtivo, ou capital produtivo, a partir do momento em que neles pode ser incorporada a força de trabalho, como forma de existência pessoal desse capital. Portanto, os meios de produção não são capital por natureza, e tampouco o é a força de trabalho humana. Eles só assumem tal caráter social específico sob condições determinadas, historicamente desenvolvidas, assim como é apenas sob essas condições que o metal precioso assume o caráter de dinheiro, ou o dinheiro o caráter de capital monetário.

Em seu funcionamento, o capital produtivo consome suas próprias partes constitutivas, a fim de convertê-las numa massa de produtos de valor maior. Como a força de trabalho só atua como um de seus órgãos, também é fruto do capital a parcela de valor do produto gerada pelo mais trabalho e que excede o valor de seus elementos constitutivos. O mais-trabalho da força de trabalho é o trabalho gratuito do capital e cria para o capitalista um valor que não lhe custa equivalente algum. O produto é, por isso, não apenas mercadoria, mas mercadoria fertilizada [befruchtete] com mais-valor. Seu valor é = P + M, isto é, ao valor do capital produtivo P consumido em sua produção mais o mais-valor M por ele gerado.”

[j] Cf. O capital, Livro I, cit., p. 241-51 e 785-804. (N. T.)

 

 

O capital industrial é o único modo de existência do capital em que este último tem como função não apenas a apropriação de mais-valor ou de mais-produto, mas também sua criação. Esse capital condiciona, portanto, o caráter capitalista da produção; sua existência inclui a existência da oposição de classes entre capitalistas e trabalhadores assalariados. À medida que o capital se apodera da produção social, a técnica e a organização social do processo de trabalho são revolucionados e, com isso, o tipo histórico-econômico da sociedade. Os outros tipos de capital, surgidos antes dele em condições sociais de produção pretéritas ou em declínio, não apenas se subordinam a ele e são por ele modificadas no mecanismo de suas funções, mas se movem exclusivamente com base nele e, portanto, vivem e morrem, mantêm-se e desaparecem com essa sua base. O capital monetário e o capital-mercadoria, na medida em que aparecem investidos da função de agentes de um ramo próprio de negócios ao lado do capital industrial, são apenas modos de existência – autonomizados e unilateralizados pela divisão social do trabalho – das diferentes formas funcionais que o capital industrial ora assume, ora abandona no interior da esfera da circulação.

O ciclo D…D’ se entrelaça, por um lado, com a circulação geral de mercadorias: sai dela, entra nela e constitui uma parte dela. Por outro lado, ele constitui, para o capitalista individual, um movimento próprio e independente do valor de capital, movimento que em parte realiza-se dentro da circulação geral de mercadorias e, em parte, fora dela, mas que conserva sempre seu caráter independente. Em primeiro lugar, porque suas duas fases localizadas na esfera da circulação, D-M e M’-D’, possuem características funcionalmente determinadas como fases do movimento do capital: em D-M, M é materialmente determinada como força de trabalho e meios de produção; em M’-D’, realiza-se o valor de capital + mais-valor. Em segundo lugar, P, o processo de produção, abarca o consumo produtivo. Em terceiro lugar, o retorno do dinheiro a seu ponto de partida transforma o movimento D…D’ num movimento cíclico que se fecha em si mesmo. (...)

Por fim, se examinamos a fórmula D-M…P…M’-D’ como forma especial do processo cíclico do capital ao lado das outras formas a serem examinadas mais adiante, vemos que ela se caracteriza pelo seguinte:

1. Surge como ciclo do capital monetário, pois o capital industrial, em sua forma-dinheiro, como capital monetário, constitui tanto o ponto de partida como o ponto de retorno de seu processo total. A própria fórmula expressa que o dinheiro não é gasto como dinheiro, mas apenas adiantado, ou seja, é somente a forma-dinheiro do capital, capital monetário. Ela significa, além disso, que é o valor de troca, e não o valor de uso, que constitui a finalidade própria do movimento. É justamente porque a forma-dinheiro do valor constitui sua forma de manifestação independente e palpável que a forma de circulação D…D’, cujo ponto de partida e de chegada é o dinheiro efetivo, o ato de fazer dinheiro, expressa do modo mais palpável a mola propulsora da produção capitalista. O processo de produção aparece apenas como inevitável elo intermediário, um mal necessário ao ato de fazer dinheiro. {Por isso, todas as nações em que impera o modo de produção capitalista são periodicamente tomadas pela ilusão de querer fazer dinheiro sem a mediação do processo de produção.}

2. O estágio da produção, a função de P, constitui nesse ciclo a interrupção das duas fases da circulação D-M…M’-D’, que, por sua vez, não é mais do que a mediação da circulação simples D-M-D’. O processo de produção aparece na forma do próprio processo cíclico, formal e expressamente, como aquilo que ele é no modo de produção capitalista: um simples meio para a valorização do valor adiantado, o que significa dizer que o objetivo último da produção é o enriquecimento.

3. Porque a sequência das fases é iniciada com D-M, o segundo elo da circulação é M’-D’; portanto, o ponto de partida é D, o capital monetário a ser valorizado, e o ponto de chegada é D’, o capital monetário valorizado D + d, no qual D figura como capital realizado ao lado de seu rebento d. Isso distingue o ciclo D dos dois outros ciclos P e M’, e de modo duplo. Por um lado, por meio da forma-dinheiro dos dois extremos; o dinheiro é, no entanto, a forma de existência independente e palpável do valor, o valor do produto em sua forma-valor independente, na qual se apaga todo e qualquer rastro do valor de uso das mercadorias. Por outro lado, a forma P…P não se torna necessária para P…P’ (P + p), e na forma M’…M’ não é mais visível qualquer diferença de valor entre os dois extremos. A fórmula D…D’ se caracteriza, portanto, pelo fato de que, por um lado, o valor do capital constitui o ponto de partida, e o valor de capital valorizado o ponto de retorno – de modo que o desembolso do valor de capital aparece como meio e o valor de capital valorizado como finalidade de toda a operação – e, por outro, que essa relação é expressa em forma-dinheiro, na forma-valor independente e que, portanto, o capital monetário se expressa como dinheiro que pare dinheiro. A criação de mais-valor por meio do valor é não apenas expresso como o alfa e o ômega do processo como também aparece concretamente na forma reluzente do dinheiro.

Como D’, o capital monetário realizado como resultado de M’-D’, a fase complementar e conclusiva de D-M, encontra-se absolutamente na mesma forma em que iniciou seu primeiro ciclo, ele pode agora reiniciar o mesmo ciclo como capital monetário aumentado (acumulado): D’ = D + d; e, pelo menos na forma de D…D’, não está expresso que, na repetição do ciclo, a circulação de d se separe da de D. Portanto, considerado em sua forma primeira e de um ponto de vista formal, o ciclo do capital monetário expressa apenas o processo de valorização e acumulação. Nele, o consumo é expresso apenas como consumo produtivo, por meio de D-M<TMp, a única operação incluída nesse ciclo do capital individual D-T, que, do lado do trabalhador, é T-D ou M-D; ele é, portanto, a primeira fase da circulação, que serve de mediação para seu consumo individual: T-D-M (meios de subsistência). A segunda fase D-M não integra o ciclo do capital individual, mas é introduzida e pressuposta por ele, já que o trabalhador, para poder se manter no mercado, sempre como matéria explorável pelo capitalista, necessita, antes de tudo, viver, isto é, sustentar-se mediante seu consumo individual. Mas esse consumo é aqui apenas pressuposto como condição do consumo produtivo da força de trabalho pelo capital; ou seja, apenas na medida em que o trabalhador se conserva e reproduz como força de trabalho por meio de seu consumo individual. Mas Mp, as verdadeiras mercadorias que entram no ciclo, constituem apenas o alimento do consumo produtivo. A operação T-D serve de mediação ao consumo individual do trabalhador, possibilitando a transformação dos meios de subsistência em sua carne e em seu sangue. Certamente, o capitalista também precisa estar presente, ou seja, também precisa comer e consumir para atuar como capitalista. Para isso, ele só precisaria, a rigor, consumir como qualquer trabalhador, e mais do que isso não é exigido por essa forma do processo de circulação. E, considerado do ponto de vista formal, nem mesmo isso, uma vez que a fórmula se conclui com D’, isto é, com um resultado que pode voltar a funcionar imediatamente como capital monetário aumentado.

Em M’-D’ está diretamente incluída a venda de M’; mas M’-D’, venda de um lado, é D-M, compra de outro, e a mercadoria, ao final, é comprada apenas em razão de seu valor de uso, a fim de entrar (desconsiderando as vendas intermediárias) no processo de consumo, seja este individual ou produtivo, de acordo com a natureza do artigo comprado. Mas esse consumo não entra no ciclo do capital individual, cujo produto é M’; este produto é, pelo contrário, expelido do ciclo como mercadoria a ser vendida. M’ é expressamente destinada ao consumo alheio. É por isso que, em porta-vozes do sistema mercantilista (que se baseia na fórmula D-M…P…M’-D’), encontramos prolixos sermões sobre a necessidade de o capitalista individual consumir como um trabalhador, do mesmo modo como as nações capitalistas devem deixar que outras nações ineptas consumam suas mercadorias e se entreguem exclusivamente ao processo de consumo, enquanto as primeiras, ao contrário, devem fazer do consumo produtivo a missão de sua vida. Tais sermões lembram com frequência, por sua forma e conteúdo, as pregações ascéticas dos padres da Igreja[q].”

[q] Nos quatro primeiros séculos cristãos, a maioria dos padres da Igreja – título criado no século IV e conferido a doutrinadores e teóricos da Igreja do século II ao VII – condenava o gozo de bens mundanos e a ambição por propriedade e conforto. Em vez disso, recomendava-se o uso comum de propriedades coletivas. (N. E. A.)

 

 

Como formas e modos de existência particulares e distintos, que correspondem a funções específicas do capital industrial, o capital monetário só pode exercer funções de dinheiro, e o capital-mercadoria, funções de mercadoria, havendo entre eles apenas a diferença de mercadoria e dinheiro. Do mesmo modo, o capital industrial, em sua forma de capital produtivo, só pode consistir dos mesmos elementos de qualquer outro processo de trabalho que gera produtos: de um lado, condições objetivas de trabalho (meios de produção); de outro, força de trabalho produtivamente empregada (orientada a uma finalidade). Assim como, na esfera da produção, o capital industrial só pode existir na articulação que corresponde ao processo de produção em geral e, portanto, também ao processo não-capitalista de produção, na esfera da circulação ele só pode existir sob as duas formas correspondentes de mercadoria e dinheiro. Mas como a soma dos elementos de produção se manifesta desde o início como capital produtivo pelo fato de a força de trabalho ser força de trabalho alheia que o capitalista comprou de seu próprio possuidor, assim como comprou os meios de produção de outros possuidores de mercadorias; como, portanto, o próprio processo de produção se manifesta também como função produtiva do capital industrial, o dinheiro e a mercadoria aparecem como formas de circulação do mesmo capital industrial, suas funções como funções de circulação deste último, que ou introduzem as funções do capital produtivo ou dele derivam. É apenas mediante sua articulação como formas funcionais que o capital industrial deve assumir nos diferentes estágios de seu processo cíclico que as funções de dinheiro e de mercadoria são aqui, ao mesmo tempo, funções de capital monetário e capital-mercadoria. É um erro, portanto, querer derivar as propriedades e funções características e específicas do dinheiro e da mercadoria enquanto tais de seu caráter de capital, como também é um erro, inversamente, querer deduzir as propriedades do capital produtivo de seu modo de existência como meios de produção.”

 

 

As três figuras podem ser expostas da seguinte forma, com Pc designando o processo inteiro de circulação:

1.            D-M…P…M’-D’

2.           P…Pc…P

3.           Pc…P (M’)

Resumindo as três formas, todos os pressupostos do processo aparecem como seu resultado, como um pressuposto produzido pelo próprio processo. Cada momento aparece como ponto de partida, ponto de transição e ponto de retorno. O processo inteiro apresenta-se como unidade do processo de produção e do processo de circulação; o processo de produção torna-se mediador do processo de circulação, e vice-versa.

Os três ciclos têm em comum a valorização do valor como seu escopo determinado como mola propulsora. Em I, isso está expresso na forma. A forma II começa com P, com o próprio processo de valorização. Em III, o ciclo começa com o valor valorizado e termina com o valor novamente valorizado, ainda que o movimento se repita na mesma fase. (...)

Num círculo em constante rotação, cada ponto é simultaneamente ponto de partida e ponto de retorno. Se interrompemos a rotação, isso já não ocorre. Vimos, por isso, que não apenas cada ciclo particular pressupõe (implicitamente) o outro, mas também que a repetição do ciclo numa forma implica a descrição do ciclo nas demais formas. Assim, a diferença inteira apresenta-se como uma diferença meramente formal, ou também como meramente subjetiva, existente apenas para seu observador.

Na medida em que cada um desses ciclos é considerado como forma especial do movimento no interior do qual se encontram diversos capitais industriais individuais, também essa diversidade existe apenas como uma diversidade individual. Na realidade, porém, cada capital industrial individual encontra-se em todos os três ciclos simultaneamente. Os três ciclos, as formas de reprodução das três configurações do capital, consumam-se continuamente e lado a lado. Por exemplo, uma parte do valor de capital que agora funciona como capital-mercadoria transforma-se em capital monetário, mas, ao mesmo tempo, outra parte sai do processo de produção e entra na circulação como novo capital-mercadoria. A forma circular M’…M’ é então constantemente descrita, assim como as duas outras formas. A reprodução do capital em cada uma de suas formas e cada um de seus estágios é tão contínua quanto a metamorfose dessas formas e a passagem sucessiva pelos três estágios. Aqui, portanto, o ciclo inteiro é a unidade efetiva de suas três formas. (...)

Por conseguinte, o verdadeiro ciclo do capital industrial, em sua continuidade, não é apenas a unidade dos processos de circulação e produção, mas a unidade de todos os seus três ciclos. Mas ele só pode ser tal unidade na medida em que cada uma das distintas partes do capital possa percorrer sucessivamente as distintas fases do ciclo, passando de uma fase, de uma forma funcional a outra, e que o capital industrial, como a totalidade dessas partes, encontre-se simultaneamente nas diferentes fases e funções, percorrendo, assim, todos os três ciclos ao mesmo tempo. A sucessão das diferentes partes é, aqui, condicionada pela justaposição das partes, isto é, pela divisão do capital. Assim, no sistema fabril encadeado, o produto se apresenta nas diferentes fases de seu processo de formação de modo tão contínuo quanto na transição de uma fase de produção a outra. Como o capital industrial individual representa uma grandeza determinada, que depende dos meios do capitalista e apresenta uma grandeza mínima determinada para cada ramo da indústria, sua divisão requer a existência de determinadas cifras proporcionais. A grandeza do capital existente condiciona o volume do processo de produção e este, por sua vez, o volume do capital-mercadoria e do capital monetário, na medida em que ambos funcionam ao lado do processo de produção. Mas a justaposição, que condiciona a continuidade da produção, só existe por conta do movimento das partes do capital, no qual elas percorrem sucessivamente os diferentes estágios. A justaposição é, ela mesma, apenas o resultado da sucessão. Se, por exemplo, o movimento M’-D’ se estanca numa de suas partes e não se consegue vender a mercadoria, o ciclo dessa parte é interrompido e a reposição pelo seu meio de produção não é realizada; as sucessivas partes que resultam do processo de produção como M’ têm sua mudança de função bloqueada pelas partes anteriores. Se isso persiste por certo tempo, restringe-se a produção e o processo inteiro é suspenso. Cada estancamento da sucessão provoca uma desorganização da justaposição; cada estancamento num estágio causa um estancamento maior ou menor em todo o ciclo, não apenas da parte do capital imobilizado, mas também do capital individual em sua totalidade. A próxima forma em que o processo se apresenta é a de uma sucessão de fases tal que a transição do capital a uma nova fase é condicionada pelo abandono de outra. Por isso, todo ciclo particular tem como ponto de partida e de retorno uma das formas funcionais do capital. Por outro lado, o processo inteiro é, na realidade, a unidade dos três ciclos, que são as diferentes formas nas quais se expressa a continuidade do processo. O ciclo inteiro se apresenta para cada forma funcional do capital como seu ciclo específico, e cada um desses ciclos condiciona a continuidade do processo em seu conjunto; o processo cíclico de uma forma funcional condiciona o da outra. É uma condição necessária ao processo total de produção, especialmente para o capital social, que ele seja simultaneamente processo de reprodução e, assim, ciclo de cada um de seus momentos. Diferentes frações do capital percorrem sucessivamente os diversos estágios e formas funcionais. Cada forma funcional, embora nela se expresse sempre outra parte do capital, percorre seu próprio ciclo ao mesmo tempo que as outras. Uma parte do capital, que muda e se reproduz sem cessar, existe como capital-mercadoria, que se converte em dinheiro; outra parte existe como capital monetário, que se converte em capital produtivo; a terceira, capital produtivo, se converte em capital-mercadoria. A existência constante dessas três formas é mediada justamente pelo ciclo do capital total que percorre essas três fases.

Como totalidade, o capital se encontra, então, simultaneamente e em justaposição espacial em suas diferentes fases. Mas cada parte passa constantemente, por turnos, de uma forma funcional a outra, e assim funciona sucessivamente em todas as formas. As formas são, portanto, fluidas, e sua simultaneidade é mediada por sua sucessão. Cada forma segue a outra e a antecede, de modo que o retorno de uma parte do capital a uma forma é condicionado pelo retorno de outra parte a outra forma. Cada parte percorre continuamente seu próprio curso, mas é sempre outra parte do capital que se encontra nessa forma, e esses percursos especiais formam apenas momentos simultâneos e sucessivos do percurso total.

É apenas na unidade dos três ciclos que se realiza a continuidade do processo total, e não na interrupção exposta anteriormente. O capital social total possui sempre essa continuidade e seu processo possui sempre a unidade dos três ciclos.

Quanto aos capitais individuais, a continuidade da reprodução é, em certos pontos, mais ou menos interrompida. Em primeiro lugar, as massas de valor são frequentemente distribuídas em épocas distintas e em porções desiguais aos diferentes estágios e formas funcionais. Em segundo lugar, essas porções podem se distribuir de modos diferentes, segundo o caráter da mercadoria a ser produzida, ou seja, segundo a esfera especial de produção na qual o capital é investido. Em terceiro lugar, a continuidade pode ser mais ou menos interrompida em ramos da produção que dependem das estações do ano, seja em razão de condições naturais (agricultura, pesca do arenque etc.), seja por circunstâncias convencionais – por exemplo, nos assim chamados trabalhos sazonais. Onde o processo se desenrola com mais regularidade e uniformidade é nas fábricas e nas minas. Essa diversidade dos ramos de produção, contudo, não provoca qualquer diversidade nas formas gerais do processo cíclico.

O capital, como valor que valoriza a si mesmo, não encerra apenas relações de classes, um caráter social determinado e que repousa sobre a existência do trabalho como trabalho assalariado. Ele é um movimento, um processo cíclico que percorre diferentes estágios e, por sua vez, encerra três formas distintas do processo cíclico. Por isso, ele só pode ser compreendido como movimento, e não como coisa imóvel. Aqueles que consideram a autonomização do valor uma mera abstração esquecem que o movimento do capital industrial é essa mesma abstração in actu [em ato]. O valor percorre aqui diferentes formas, diferentes movimentos, nos quais ele se conserva e, ao mesmo tempo, se valoriza, aumentando de tamanho. Como aqui nos ocupamos, por ora, com a simples forma do movimento, não entram em consideração as revoluções que o valor de capital pode experimentar em seu processo cíclico; mas é claro que, apesar de todas as revoluções do valor, a produção capitalista só pode existir e continuar a existir enquanto o valor de capital se valoriza, isto é, enquanto percorre seu processo cíclico como valor autonomizado e, portanto, enquanto as revoluções do valor são de algum modo dominadas e niveladas. Os movimentos do capital aparecem como ações do capitalista industrial individual na medida em que ele funciona como comprador de mercadorias e de trabalho, vendedor de mercadorias e capitalista produtivo, ou seja, na medida em que, por meio de sua atividade, serve de mediação ao ciclo. Se o valor de capital experimenta uma revolução de valor, pode ocorrer que seu capital individual seja afetado por ela e pereça, por não poder satisfazer as condições desse movimento de valor. Quanto mais agudas e frequentes se tornam as revoluções do valor, mais se impõe o movimento automático do valor autonomizado, com a força de um processo natural elementar, diante das previsões e dos cálculos do capitalista individual, e mais o curso da produção normal é submetido à especulação anormal, maior é o perigo para a existência dos capitais individuais. Essas revoluções periódicas do valor confirmam, portanto, o que supostamente deveriam contradizer: a autonomização que o valor experimenta como capital e que ele conserva e intensifica por meio de seu movimento.”

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