Editora: Loyola
ISBN: 978-85-1501-421-7
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 376
Sinopse: A teologia
situa-se no cruzamento de duas experiências andagônicas: Uma manifesta-se
prenhe de esperança. Como nunca em nossas terras, a teologia é procurada,
ensinada e praticada, desde as formas mais simples, nas comunidades eclesiais
de base, até as mais sofisticadas, nos institutos teológicos. Outra veste-se de
suspeitas, quando a teologia é vista com reservas e até desdém.
No céu da teologia, lucilam estrelas de esperança. A
noite escura que baixara, em dado momento, sobre o escampo teológico, vem sendo
vencida lentamente por riscos luminosos.
Não se trata ainda de nenhuma aurora boreal. O que
desponta é uma sincera luminosidade, alimentada por fatos novos.
Analisar esses fatos para ressignificar o que seja fazer
teologia em nossos tempos é o propósito desta Introdução, pensada a partir da
necessidade de equilíbrio entre o desânimo preguiçoso em face do descrédito e o
afago fácil de situações gratificantes. Há uma exigência incontrolável de
estudar teologia nos dias de hoje e, ao mesmo tempo, de aprofundar a inserção
consciente, a presença participada junto às pessoas. Dessa conjunção virá a
nova feição da teologia, com perfil, enfoques e tarefas insuspeitados.
“É sempre difícil fazer beber um asno que não
está com sede.” (Provérbio francês)
“A teologia difere das outras ciências no
sentido de querer ser mais companheira do que objeto a ser conhecido. As
ciências oferecem elementos para que se organize, se pense, se construa o mundo
e se aja nele. A teologia prefere dispor-se, de maneira gratuita, a ser
companheira de viagem da solidão do homem moderno.
A vida humana intercala-se, como curto lapso
diurno, entre duas gigantescas noites. A noite da não-existência. Ontem não
éramos. Esse ontem recua bilhões de anos até o big-bang. E antes dele paira o
silêncio do nada. Após a morte, abre-se nova noite escura sem término. Entre
essas duas ameaças do caos inicial e final, o ser humano caminha solitário, sem
luz. A teologia, ao fazer-se companheira, quer contar-lhe as estórias de Deus
que lhe permitem encontrar sentido para esta aventura tão breve entre os
infinitos do ontem e do amanhã.
A solidão desse viandante moderno, além dessa
dimensão ontológico-existencial inexorável de originar-se da escuridão da noite
do não-existir e para ela caminhar, vê-se acrescida pelo peso das condições
históricas da modernidade e pós-modernidade liberal e seu reverso de exclusão.
No lado avançado da modernidade liberal, a solidão veste-se do insaciável
individualismo consumista. Quanto mais o cidadão da modernidade mergulha no
oceano de seus interesses egoísticos, no afã inesgotável de buscar-se só a si
mesmo, tanto mais o persegue a tristeza solitária de seu eu vazio. E, no
Terceiro Mundo da pobreza, a dor da fome, a preocupação com o futuro inseguro,
a morte “antes do tempo” espreitam ameaçadoras e tenebrosas, envolvendo as
pessoas em doloroso penar.
Nesse momento, brotam as histórias do
consolo. Algumas superficiais, mentirosas, enganadoras, alienantes. Nisso a
mídia capitalista se especializou. A teologia sente a vocação de contar as mais
belas histórias de conforto e consolo, hauridas na Palavra de Deus. O “era uma
vez” divino adquire seu pleno significado. A teologia quer acompanhar o
viajante moderno nessa peregrinação, contando-lhe as histórias da proximidade
de Deus ao homem e das possibilidades da proximidade do homem a Deus.”
“A primeira chave da sabedoria é a
interrogação assídua e frequente... é duvidando que se chega à investigação, e
investigando que se chega à verdade.” (Pedro Abelardo)
“Se Deus não desse ao homem nenhuma outra
capacidade senão a de amar, isto lhe bastaria para se salvar.” (Santo Frei
Boaventura)
“O conceito “teologia” situa-se numa sequência
de movimentos que terminam em Deus. Trata-se, antes de tudo, de operação
intelectual humana. Configura-se determinado tipo de saber, de conhecimento.
Esforço de compreensão que a inteligência humana empreende.
O ser humano quer compreender sua fé. Pela
fé, ele lança ponte intermédia que o liga a Deus. Não quer fazer qualquer
estudo de Deus. Mas intenta aprofundar, justificar, esclarecer seu ato de fé
nele. Por tanto, a teologia define-se como reflexão crítica, sistemática sobre
a intelecção de fé. E a fé termina em Deus e não nos enunciados a respeito de
Deus, como muito bem explicita Santo Tomás.
“Actus
credentis non terminatur ad enuntiabile, sed ad rem.”18 O ato do
que crê não termina no enunciado, mas na coisa.
Nesse sentido, a teologia trata de Deus, mas
mediado pela fé, pela acolhida de sua Palavra, que, por sua vez, nos vem
comunicada pela revelação transmitida na Tradição da Igreja — escrita, vivida,
pregada, celebrada, testemunhada.”
18. Santo Tomás, Suma teológica, II II q. 1 a. 2, ad
2m.
“Tanto mais importante se faz o aspecto
eclesial da teologia quanto mais os tempos pós-modernos favorecem a extrema
individualização da fé. Cada um sente-se convidado a construir por si sua
religião própria, descurando a comunidade. A teologia cristã não pode ser
pensada fora da vivência comunitária, no sentido de lugar de realização e de
destino último. A teologia elabora-se no interior da comunidade e em vista de
sua fé. O indivíduo nutre-se dela como membro da comunidade.
Todo teólogo elabora suas reflexões como
membro da Igreja. Sua teologia assume as questões, os problemas, as angústias,
as dúvidas que lavram dentro das comunidades. Elabora-as com clareza e didática
paia devolvê-las à comunidade como alimento de sua fé. Mais. A comunidade
toma-se instância crítica de sua teologia. Se esta não responde a seus
problemas, se não se deixa entender por ela, se não a ajuda a crescer, o
teólogo, com razão, deve suspeitar da validade de sua teologia. E todo esse
processo de teologizar exige ser feito em sintonia com a vida da comunidade.
A teologia, no fundo, se resume em transpor
para a linguagem a experiência da fé, como acolhida da revelação.”
“Impossível afirmar o que é Deus
positivamente. O conhecimento de Deus não é o não-conhecimento, mas sim um
desconhecimento. No referente a Deus, todo progresso de conhecimento é
paradoxalmente um progresso de desconhecimento; o caminho vai em direção às
trevas, em direção à negação de tudo o que cremos saber ou provar de Deus. É o
caminho dos místicos, de todos os que experimentam a Deus como uma queimadura
em sua existência, a prova da noite e do deserto. É o caminho que nos livra da
ilusão, do imaginário, para aproximar-nos da verdade que nos conduz em direção
à profundidade de nós mesmos. Aprender a conhecer a Deus é, em primeiro lugar e
a cada momento, dirigir-nos em direção a nós mesmos, é aprender a conhecer-nos,
a aceitar o que procede de nós e sabê-lo criticar. A cada passo, conhecer a
Deus é livrar-nos de nossos falsos deuses, pré-fabricados cada dia, imagens fantasiosas
ou sublimadas do próprio eu. Tudo isto não é Deus. Desta maneira, Deus não está
aqui ou ali, Deus está constantemente em outro lugar. Em último termo, Deus
está ausente. Resta-nos o nada, na linguagem de São João da Cruz.” (E.
Vilanova, Para comprender la teologia,
Estella, Verbo Divino, 1992, p. 28)
“1. Teologia é a fé cristã vivida em uma
reflexão humana (Schillebeeckx, Revelação
e teologia, 1968, pp. 92).
2. Teologia é uma atividade da fé, ciência da
fé e função eclesial (Z. Alszeghy-M. Flick, Como
se faz teologia, 1979, pp. 13-38).
3. Faz-se teologia quando se vive uma
existência autenticamente cristã, mesmo sob o prisma intelectual, interpretando
criticamente a realidade eclesial, segundo as exigências da Palavra de Deus, no
contexto epistemológico do próprio ambiente cultural (Z. Alszeghy-M. Flick, Como se faz teologia, 1979, pp. 256).
4. Teologia é a atividade complexa do
espírito pela qual o homem, que crê, busca melhor penetrar o sentido do que ele
crê, para melhor aprofundá-lo e compreendê-lo (P. Adnès, La théologie catholique, 1967, p. 9).
5. Teologia é uma ciência pela qual a razão
do cristão, recebendo da fé certeza e luz, se esforça pela reflexão de
compreender o que crê, isto é, os mistérios revelados com suas consequências.
Em sua medida, ela se conforma à ciência divina (Y. Congar, La Foi et la Théologie, 1962, p. 127).
6. Teologia faz com que a fé, mediante um
movimento de inclinação espiritual e de reflexão, procure um entendimento do
que crê, sem, por isso, deixar de ser fé (A. Darlap, Mysterium Salutis, 1971, p. 13).
7. Teologia trata de Deus, enquanto Ele se
abre ao homem em sua Palavra, e esta Palavra é recebida na fé (A. Darlap, Mysterium Salutis, 1971, p. 15).
8. Teologia é a ciência de Deus a partir da
revelação; é a ciência do objeto da fé; a ciência daquilo que é revelado por
Deus e crido pelo homem (R. Latourelle, Teologia,
ciência da salvação, 1971, p. 16).
9. Elas (as teologias) são um esforço de
tradução para a razão (doutrina), para a prática (ética) e para a celebração
(liturgia) desta experiência fundante, a saber, um encontro com Deus que
envolve a totalidade da existência, o sentimento, o coração, a inteligência, a
vontade (L. Boff, Ecologia,
mimdiatização, espiritualidade, 1993, p. 149).
10. A teologia não é senão a própria fé
vivida por um espírito que pensa, e este pensamento não para nunca; a teologia
é a fé científica elaborada — “fides in statu scientiae” (E. Schillebeeckx, Revelação e teologia, 1968, pp. 333,
335).
11. A teologia é a busca de inteligibilidade
do dado revelado à luz da fé ou, mais simplesmente, a ciência de Deus na
revelação (P. Hitz, “Théologie et catéchèse”, in: NouvRevTh 77, 1955, pp. 902s).
12. Teologia é uma reflexão metódica,
sistemática sobre a fé cristã.
13. Teologia é um discurso coerente sobre a
fé cristã, uma reflexão crítica sobre a experiência cristã de Deus, do homem,
do mundo, de si; uma reflexão sobre o conteúdo vivo da fé e sobre a finalidade
salvífica do homem.
14. É uma linguagem coerente, científica
sobre a linguagem da revelação e da fé. Reflexão sobre a interpelação da
Palavra de Deus, acontecida de modo irreversível e absoluto em Jesus Cristo, e
sobre a resposta do homem na história.
15. É reflexão organizada sobre a Palavra de
Deus, manifestada em Jesus Cristo para a salvação do mundo. Ciência dessa
Palavra de Deus. Reflexão sistematizada dos cristãos sobre sua fé em Jesus
Cristo e sua experiência cristã num tempo e cultura determinados.
16. Teologia não é uma ciência que descreve a
Deus, mas sim que se refere a Ele (C. Mooney).
17. Teologia como história é pensamento do
êxodo enquanto determinado pelo advento, e também pensamento do advento
enquanto mediado nas palavras e nos eventos do êxodo humano: pensamento
reflexivo e crítico da existência crente, marcada pelo Mistério,
autoconsciência reflexiva da fé da comunidade cristã, emergente da revelação,
que se toma resposta pessoal, em motivada decisão de se dispor no “seguimento
de Cristo” (B. Forte, A teologia como
companhia, memória e profecia, 1991, p. 131).
18. Teologia é a expressão linguística da
autoconsciência crítica da experiência eclesial: é dizer o advento (de Deus)
com as palavras do êxodo (caminhar humano histórico); é carregar o caminho do
êxodo com a transcendência do advento (B. Forte, op. cit, 1991, p. 131).”
“Não pretendo, Senhor, penetrar a tua
profundidade, porque de forma alguma a minha razão é comparável a ela; mas
desejo entender de certo modo a tua verdade, que o meu coração crê e ama. Não
busco, com efeito, entender para crer, mas creio para entender20.”
20. Santo Anselmo, Proslogion, Prooem: 158, 227.
“Santo Hilário, em seu livro sobre a
Trindade, falando da verdade, assim se expressa: ‘Em tua fé, empreende,
progride, esforça-te. Sem dúvida, jamais chegarás ao termo, eu o sei, mas
felicito-te pelo teu progresso. Quem persegue com fervor o infinito, avança
sempre, mesmo se por acaso não chega ao fim. Todavia, acautela-te ante a
pretensão de penetrar o mistério, ante o risco de te afundares no segredo de
uma natureza que te possa parecer sem limites, imaginando que estás
compreendendo tudo. Procura entender que esta verdade ultrapassa toda e
qualquer compreensão” ‘ (Santo Tomás, Suma
contra os gentios I, VIII).”
“As comunidades cristãs de base aprenderam
que a melhor maneira de interpretar a página da Escritura é confrontá-la com a
página da vida. Neste confronto aparece uma verdade que atravessa as Escrituras
cristãs de ponta a ponta: a íntima conexão que existe entre Deus-os pobres-e a
libertação. Deus é testemunhado como o Deus vivo e doador de toda a vida. Ele
não é como os ídolos, que são mortos e exigem sacrifícios. Esse Deus, por sua
própria natureza vital, sente-se atraído por aqueles que gritam porque se lhes
está tirando a vida pela opressão. Ele faz sua a luta de resistência e de
libertação dos oprimidos” (L. Boff, Ecologia,
mundialização, espiritualidade. A emergência de um novo paradigma, São
Paulo, Ática, 1993, [série: Religião e Cidadania], pp. 124, 120, 98, 99).”
“A Teologia da Libertação (TdL) lança suas
raízes no solo experiencial e eclesial da percepção teologal da presença de
Deus no pobre, no explorado e em sua luta pela libertação. Deus não se silencia
totalmente na face machucada do pobre, mas manifesta-se operoso na ação
fraterna de libertação13.
Por isso, a TdL arranca sobretudo da vivência
do povo oprimido, dominado, empobrecido, que toma consciência de sua situação
de miséria e se organiza para realizar o projeto de Deus sobre a humanidade:
viver em fraternidade, em justiça, em dignidade. E a TdL procura ver o sentido
teologal, transcendente de todo esse processo.”
13. J. B. Libanio, Teologia da libertação. Roteiro didático para um estudo, col. Fé e Realidade,
n. 22, São Paulo, Loyola, 1987, pp. 103-116.
“Se a situação histórica de dependência e
dominação de dois terços da humanidade, com seus trinta milhões anuais de
mortos de fome e desnutrição, não se converte no ponto de partida de qualquer
teologia cristã hoje, mesmo nos países ricos e dominadores, a teologia não
poderá situar e concretizar historicamente seus temas fundamentais. Suas
perguntas não serão perguntas reais... Por isso é necessário salvar a teologia
de seu cinismo. Porque realmente, diante dos problemas do mundo de hoje, muitos
escritos de teologia se reduzem a um cinismo. (H. Assmann, tirado de: J. J. Tamayo-A costa, Para comprender la teologia de la liberación,
Estella, Verbo Divino, 1991, p. 140)”
“A experiência do mistério de Deus não
consiste somente em saber-se remidos por Ele, mas em saber-se exigidos por Ele.
(...) A prática da justiça, de novo, concretiza, radicaliza e torna evidente a
exigência de Deus e a urgência de realizar esta exigência.” (J. Sobrino, Ressurreição da verdadeira igreja, São Paulo,
Loyola, 1982, pp. 65-67)
“Enquanto a tarefa da teologia pode ser
definida como sendo a tentativa de situar o mistério de Deus e do homem na
história da cultura e extrair-lhe o sentido em termos de validade última, é a
universalidade concreta da existência pessoal e cultural que julga tanto os
juízos da teoria como os da práxis.
Em outras palavras, enquanto a teologia é
compelida por sua energia teórica a articular um juízo acerca do homem e da
cultura, é a existência cultural dos seres pessoais que decide sobre a
adequação deste juízo. Uma vez que esta existência encontrou suas expressões
num sem-número de constelações culturais, o estudo destas constelações é não
apenas uma questão de orientação teórica, mas também de verificação interna sem
a qual também a teologia está condenada a ficar sem sentido.” (Wilhelm Dupré, “O etnocentrismo e o desafio da realidade
cultural”, in: Concilium 155, 1980, pp. 14s.)
“A “teologia das religiões” insere-se como
disciplina teológica em algumas faculdades de teologia, devido ao desafio
levantado por distintas manifestações religiosas atuais. Aos poucos se percebe
que a problemática atinge o fulcro da compreensão sobre a natureza e função do
cristianismo. Assim, a teologia das religiões passa a ser um interesse, um
foco, que traz luz nova para várias áreas do saber a partir da fé. O enfoque
macroecumênico leva para o interior da reflexão teológica a espinhosa questão
do valor revelador e salvífico das religiões não-cristãs, até que ponto e em
que intensidade elas manifestam a presença do Deus vivo e verdadeiro, e em que
medida oferecem os meios para acolher a graça divina, que liberta e conduz à
comunhão plena com Deus.
Uma resposta equilibrada encontra-se na
equidistância entre as posições exclusivistas
e pluralistas-relativistas. No
primeiro caso, considera-se o cristianismo a única religião verdadeira. As
outras apenas manifestam mentira e erro, servem à idolatria. No segundo caso,
aceitam-se todas as religiões como igualmente verdadeiras, portadoras de graça.
O cristianismo seria apenas manifestação privilegiada do fenômeno religioso e
da revelação do único Deus, destinada sobretudo ao Ocidente. As religiões,
caminhos que correm paralelos, se encontrarão no comum horizonte do infinito,
ao término do peregrinar humano. Ao buscar-se uma “teologia universal das
religiões”, acaba-se em abstração simplista.
A posição inclusivista
intenta esquivar-se dos dois extremos. Sustenta que todas as religiões
participam, em diferentes graus, da verdade da única religião. O evangelho é o
critério decisivo de juízo, ao qual está submetida a própria religião cristã.
K. Rahner, um de seus principais protagonistas, defende que as grandes religiões
são preparação para o cristianismo e se constituem verdadeira mediação de
salvação, malgrado suas limitações, até que o cristianismo se encarne como
mensagem significativa em suas culturas de origem.
H. Küng utiliza critério humanista supra-religioso: “Uma religião é verdadeira e
boa na medida em que serve a toda a humanidade, na medida em que, em suas
doutrinas de fé e costumes, em seus ritos e instituições, fomenta a identidade,
a sensibilidade e os valores humanos, permitindo assim ao homem alcançar uma
existência rica e plena”21.
Outra versão, tematizada por Torres Queiruga22,
considera como verdadeiras todas as religiões, pois nelas se capta de fato,
embora nem sempre adequadamente, a presença de Deus. O Transcendente, a partir
de si mesmo, chega ao ser humano e se abre a ele. Em contrapartida, a pessoa o
acolhe como dom. A captação desta presença de Deus, no entanto, pode aparecer
obscurecida e deformada. Deus está provisionalmente nas religiões, no meio das
deficiências de efetiva realização histórica. Elas, absolutamente relativas,
vivem em interação com o cristianismo, religião relativamente absoluta.
Experimentando também precariedade histórica, o cristianismo tem de aprender
muito, no contato respeitoso e cordial com as outras religiões. Não renuncia,
porém, sua autoconsciência sobre o “em si” absoluto da comunicação de Deus, em
Cristo.
Existe consenso em que há um progresso no
conhecimento e na compreensão da revelação, apontando para a consumação
escatológica. Embora em Jesus Cristo tenha sido concedida a plenitude da
verdade de Deus, ainda não dispomos dela totalmente, devido à limitação e
pecaminosidade humanas. A verdade cristã se densifica na pessoa de Jesus
Cristo, por quem devemos nos deixar possuir, num empreendimento sem fim. Nesse processo,
os cristãos aprendem e recebem de outras tradições religiosas valores positivos
e luzes para seu caminhar. Diálogo inter-religioso se transforma então em dever
e necessidade. A teologia, como desenrolar da fé, interpretação e explicitação
dos dados revelados, deve incorporar a alteridade religiosa no método e no
conteúdo.”
21. H.
Küng, Teologia para la postmodernidad,
Madrid, Alianza, 1989, p. 194.
22. A.
Torres Queiruga, La revelación de Dios en
la realización dei hombre, Madrid, Cristianidad, 1987, pp. 29-31, 387-389,
467-470 [ed. bras. Paulus, 1996].
“A cultura envolve a globalidade da vida de
cada grupo humano, em três diferentes níveis. O nível imaginário compreende
sonhos, mitos, esperanças; o simbólico diz respeito à representação material,
social ou cognitiva, e o nível real à produção e utilização de objetos
materiais. Tanto os três subsistemas culturais — o material, o social e o
interpretativo — como os três “registros” (imaginário, simbólico, real)
interagem constantemente23. No que interessa à pastoral e à
teologia, define-se cultura como “o
conjunto de sentidos e significações, de valores e padrões, incorporados e
subjacentes aos fenômenos perceptíveis da vida de um grupo humano ou sociedade
concreta. Este conjunto, consciente ou inconsciente, é vivido e assumido pelo
grupo como expressão própria de sua realidade humana e passa de geração em
geração, conservando assim como foi recebido ou transformado efetiva ou
pretensamente pelo próprio grupo”24.
A inculturação, por sua vez, compreende “o
processo de evangelização pelo qual a vida e a mensagem cristãs são assimiladas
por uma cultura, de modo que não somente elas se exprimam com os elementos
próprios da cultura em questão, mas se constituam em um princípio de
inspiração, a um tempo norma e força de unificação, que transforma e recria
essa cultura”25. De forma plástica, a inculturação se faz como
estrada de mão dupla. De um lado, os evangelizadores e sua mensagem passam por “kénosis”
e purificação, acolhendo, valorizando e assumindo elementos de uma cultura, a
ponto de transmutar elementos importantes de seu discurso e identidade. De
outro lado, a boa nova cristã ilumina e transforma a cultura.”
23. P. Suess, “Cultura e religião”, in: —
(org.), Cultura e evangelização, São
Paulo, Loyola, 1991, pp. 46s.
24. M. Azevedo, Entroncamentos e entrechoques.
Vivendo a fé em um mundo plural, São Paulo, Loyola, 1991, pp. 56s.
25. M. Azevedo, op. cit., p. 226.
“A pluralidade da teologia não se fundamenta
no pluralismo do mundo moderno, embora seja estimulado por ele. Mesmo com
muitos elementos positivos, o pluralismo da sociedade mostra-se como
fragmentário, centrífugo, fruto da crise de valores consensuais e da luta de
interesses de grupos, espaço privilegiado de afirmação do individualismo. A
pluralidade da teologia, por sua vez, se baseia na encarnação do Verbo, no
mistério de Deus, não plenamente abarcável por nenhuma formulação humana, e na
dimensão escatológica da verdade da revelação. A pluralidade dos enfoques não
produz somente e primariamente efeito desconstrutor, como muitas correntes de
pensamento e movimentos pós-modernos. Ao contrário, como filhos da Igreja,
visam enriquecer construtivamente o patrimônio vivo da tradição, ajudar a
comunidade eclesial a encarnar a boa nova do Evangelho de Jesus Cristo. A
teologia não se define como discurso do fragmento,
mas do mosaico: articula e dá
sentido, com consciência de sua provisoriedade, aos elementos que se lhe
apresentam.”
“Se queremos compreender o lugar da
interpretação espiritual nos primeiros séculos cristãos, é necessário recordar
que ela está diretamente em relação com o mais importante dos problemas que
foram levantados ao cristianismo de então, a saber, a significação a dar ao
Antigo Testamento. Os cristãos se encontravam entre os judeus, de um lado, que
continuavam a afirmar seu valor literal e praticar a Lei mosaica, e, de outro,
os gnósticos que o rejeitavam como a obra do Demiurgo e uma parte de sua
criação fracassada. Ora, estas duas doutrinas têm em comum que entendiam o
Antigo Testamento unicamente no sentido literal. (...) Os cristãos tomaram
consciência de sua posição original: a oposição entre os dois Testamentos era a
do imperfeito e do perfeito; ela supõe um progresso. Ora, faltava a noção para
o pensamento antigo pensar a relação entre os dois Testamentos. O Antigo
Testamento teve durante um tempo seu valor, mas este valor era de ser
preparação e prefiguração do Novo. Doravante está superado em sua literalidade,
mas conserva seu valor de figura.” (J. Daniélou, Origène, Paris, La Table Ronde, 1948, p. 146)
“Qualquer ato de conhecer passa
necessariamente pela pessoa. Ao interpretar, o sujeito cognoscente manifesta
sua identidade, imprime sua maneira de ser. O conhecimento nunca é totalmente
objetivo. Quando alguém lê a realidade, interpreta-se a si e define-se diante
dela.
O teólogo ou qualquer outro cristão possui
uma “pré-compreensão” (“Vorverstãndnis”), derivada do somatório de experiências
vividas, refletidas e assimiladas. A pré-compreensão exerce efeito seletivo sobre
o conhecimento. Atua como um filtro, deixa passar alguns elementos e retém
outros. Dirige a luz para uns aspectos e deixa na sombra outros. É função da
teologia tanto levar em conta a participação ativa do sujeito que conhece, faz,
lê e ouve teologia, como evitar que ela se reduza a mera produção subjetiva. A
reflexão teológica defronta-se com a pergunta de fundo: “Que sentido tem, para
o homem/mulher de hoje, determinado tema? Em particular, que aspectos de sua
existência podem ser iluminados pela fé?”
O indivíduo não paira no ar. Seu espaço vital
transcende a pura subjetividade. A existência pessoal, de valor inegável e
irredutível, constrói-se na sociedade. Na América Latina, verdadeiro abismo
separa os mais ricos e os mais pobres. Pequena elite escandalosamente consome o
melhor do que se produz no mundo e uma multidão enorme de famintos não tem
acesso ao mínimo humano. Os “pobres” e “oprimidos” de ontem formam o
contingente gigantesco da “massa sobrante” dos excluídos, condenados a viver em
condições aviltantes.
O perverso processo, que conduz ao
empobrecimento, não deriva de calamidades imprevisíveis ou de carência de
recursos naturais, mas de mecanismos definidos. Sustenta-se numa ideologia
(forma de pensar parcial, veículo dos interesses da classe dominante) que
encontra formas de expressão na religião, nos hábitos sociais, na escola e nos
meios de comunicação de massa. Nesse contexto, a hermenêutica teológica assume,
em primeiro lugar, função desideologizadora. Ajuda a remover as inferências da
ideologia dominante, que entrou no discurso cristão. Realiza-se a “libertação
da teologia”, tarefa preconizada por J. L. Segundo. Em segundo lugar, a fé se
faz práxis humanizadora, criadora de relações sociais mais justas e fraternas,
por meio da teologia da libertação e da prática libertadora.”
“A tarefa crítico-construtiva reúne duas
características. Enquanto crítica, questiona, desinstala e purifica. Enquanto
construtiva, justifica, harmoniza e integra. A função crítica, se exercitada
unilateralmente, cria um vazio, insegurança insuportável a longo prazo.
Mostrados os limites e escolhos, não se antevê ainda saída possível. A função
construtiva, se desprovida da crítica, toma-se sujeita a manipulações de toda
sorte, servindo para consolidar o “status quo”. Cada elemento tem seu momento
de maior expressão, mas ambos caminham juntos, se compreendidos como dois polos
de relação dialética. As duas fases do profetismo judaico ilustram bem esta
relação.
No tempo do reinado, o profetismo se
caracteriza especialmente pela crítica. Relativiza o culto e a monarquia,
denuncia a injustiça, ruma à conversão. No tempo do exílio, o mesmo profetismo
assume outra face. Preferencialmente consola o povo desesperado e triste,
cimenta a esperança, resgata as experiências positivas do passado, caídas no
olvido. Valoriza as manifestações de resistência. Nas duas fases está presente
o mesmo espírito profético, com seu zelo pela aliança, a ira contra a idolatria
e a promessa do novo tempo, mas com acentos distintos. Os tempos próximos ao
Novo Testamento testemunham a produção da literatura sapiencial, que se seguiu
ao profetismo. Ela intenta coonestar o valor da presença de Deus no cotidiano,
ao tecer reflexões sobre a vida e a morte. Diferencia-se sobremaneira do
primeiro profetismo, mas bebe na mesma fonte da aliança, buscando fidelidade a
Deus.”
“Fatores subjetivos exercem imensa influência
numa discussão. Requisitos de natureza psicológica fazem-se necessários para um
diálogo produtivo, tais como posse de si
e abertura ao diverso em são
equilíbrio. Sem a necessária autoconfiança, segurança em suas capacidades e
convicções, autoestima, certeza de que se tem algo original e que vale por si
mesmo, não se dialoga. Indivíduos com complexo de inferioridade e baixa
autoestima tendem a considerar os outros como ameaça em potencial, que
perturbam tanto as verdades que ele defende, como a sua própria pessoa. O
diálogo degrada-se, neste caso, em luta, em que cada um se entrincheira no
próprio mundo. Evitando o extremo da capitulação incondicionada ou perda de
identidade, requer-se a flexibilidade ao diferente e a abertura à alteridade do
outro.”
“A teologia é ciência fascinante. Seus
protagonistas, longe de se verem sufocados por um saber anacrônico e rígido,
sentem em si mesmos os apelos do Espírito, para contribuir na grande tarefa de
repensar e reinventar a fé cristã, em continuidade com a tradição viva da
Igreja. No interior dessa missão, algumas funções específicas aparecem no
horizonte do teólogo com certa urgência. Outras serão as de sempre. Importa
responder a elas, de corpo e alma, intelecto e coração.
O teólogo, no dizer de C. Boff, é um
arquiteto, pois reorganiza o material teológico até que se constitua numa
construção orgânica. Contribui, com sua criatividade e competência, para que a
comunidade eclesial faça sua morada em diferentes contextos sócio-históricos e
culturais. Cada casa terá sua forma e padrão, mas será o mesmo lar, onde se
vive a fraternidade e se anuncia a boa nova.”
“Estudar é sempre uma aventura. Estudar
teologia é lançar-se em jogo mais arriscado, já que está em questão o valor
máximo de nossa existência: seu sentido transcendente de ser. Não se arranha
nenhuma periferia da vida, mas toca-se o cerne mesmo de nosso existir.
Risco e fascínio caminham juntos. Se a
pós-modernidade ameaça embotar a capacidade de ousadia e de maravilhamento das
pessoas, o estudante de teologia é chamado a sobrepor-se a essa conjuntura. Sem
entusiasmo, sem coragem, sem audácia não se penetra o universo da teologia.
Mas, do outro lado, requer-se também humildade e docilidade à força cogente da
Palavra de Deus para adentrar-se no mistério.
O estudo da teologia faz-se com inteligência,
coração e compromisso. A inteligência, com o “esprit de géometrie” (Descartes),
busca luz para uma fé que participa da firmeza da graça e fundamento divinos, e
da fragilidade e pequenez de nossa mente. O coração, por sua vez, penetra a
teologia pelo lado da intuição, do “esprit de finesse” (Pascal). Sobretudo na
América Latina, o “esprit de pratique” (Marx) situa a teologia no quadro da
realidade social. Com o espírito de Descartes, Pascal e Marx passeará o
estudante de teologia pelos amplos rincões do continente teológico nos anos de
estudo. Assim alimentará sua mente, coração e prática, num primeiro momento,
para ser, num segundo momento, luz, sabor e ação para os/as companheiros/as de
caminhada.
Vale a pena gastar anos de vida nesse estudo.
Se, de um lado, se sai mais carregado de horas de trabalho, de outro
experimenta-se a pesada leveza do Mistério, a clara obscuridade do
Transcendente, a liberdade exigente do Deus revelador. Não se sai impune e
intocado do estudo da teologia. Aquele que o deixa atrás, já não é o mesmo que
o iniciou, desde que o tenha realizado “mente”, “corde” et “practice” (mente,
coração e prática).”