Editora: Companhia de Bolso
ISBN: 978-85-3590-798-8
Tradução: Pedro Maia Soares
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 544
“Os meios militares sozinhos não eram suficientes para deter a
devastação provocada pelos vários atacantes dos séculos IX e X. A Europa
ocidental tinha necessidade, como a China diante dos nômades da estepe, de
alguma força cultural com que pudesse neutralizar o niilismo deles e
assimilá-los ao mundo governado. Os sarracenos não podiam ser assimilados:
atacavam e pilhavam com a garantia moral dos ghazi, guerreiros de
fronteira islâmicos. Porém, os vikings e magiares pagãos ainda viviam no mundo
primitivo de deuses vingativos ou distantes ao qual pertenciam os povos
teutônicos e da estepe antes de ouvirem a palavra de Cristo ou Maomé. A Igreja
cristã já realizara um extraordinário trabalho de pacificação na Europa
ocidental, começando com a conversão dos francos em 496, e trouxera
progressivamente todos os invasores das terras romanas para uma única fé.
Fizera também com que respeitassem as instituições cristãs — papado,
episcopado, fundações monásticas — que tinham sobrevivido a Roma e, mediante
uma missão heroica, levara o cristianismo romano para o Norte e o Leste, até os
germânicos e eslavos. A conversão foi muitas vezes imposta pela ponta da
espada, mas os cristãos, tal como o inglês são Bonifácio, apóstolo dos
germânicos, também morreram como mártires no esforço de implantar o evangelho
entre povos selvagens. Foi graças a esses meios que os magiares foram
convertidos no final do século X, fazendo da Hungria um bastião de resistência
contra as invasões da estepe, e os escandinavos, nos séculos XI e XII.
Com efeito, uma Europa pós-romana sem a Igreja romana teria sido um
lugar bárbaro; os remanescentes das instituições civis de Roma eram fracos
demais para proporcionar uma base para a reconstituição da ordem e, na ausência
de exércitos disciplinados, todo o continente poderia ter passado o limite do
“horizonte militar” para entrar em conflitos endêmicos sobre direitos
territoriais e tribais.”
“Na fundação de ordens militares, podemos perceber as origens dos
exércitos regimentados que surgiram na Europa no século XVI. Pode-se dizer que
a dissolução das ordens monásticas nos países protestantes durante a Reforma
levou para os exércitos estatais — através dos monges-guerreiros que se
secularizaram para se tornarem soldados laicos — o sistema de hierarquia, de
comandos e suas unidades subordinadas que fizeram das ordens os primeiros
corpos de luta autônomos e disciplinados que a Europa conheceu desde o
desaparecimento das legiões romanas. Isso, porém, estava ainda por acontecer. A
influência imediata dos hospitalários e templários no campo de batalha foi
levar outros guerreiros cristãos, como os que lutavam contra os sarracenos na
Espanha e os que travavam guerra contra os prussianos e lituanos pagãos, a
criar ordens similares. Dessas, a mais importante foi a dos Cavaleiros
Teutônicos que fundaram na Prússia conquistada um regime militar de cujas propriedades
secularizadas Frederico, o Grande, quinhentos anos depois, recrutou o núcleo de
seu corpo de oficiais.
O declínio e a extinção dos reinos cruzados no final do século XIII
foram graduais demais para marcar um divisor de águas no guerrear europeu. Fizeram-se
Cruzadas demais que acabaram em vitória dos muçulmanos para que ocorresse um
clímax de retaliação e, de qualquer forma, os reis europeus estavam com as mãos
cheias de suas próprias guerras domésticas. Todavia, as Cruzadas deixaram
mudanças no mundo militar europeu que não se apagaram mais. Elas restabeleceram
a presença dos Estados latinos (católicos romanos) no Mediterrâneo oriental,
não só na Palestina e na Síria, mas de forma mais duradoura na Grécia, em
Creta, em Chipre e no Egeu, o que permitiu às cidades do Norte da Itália, em
especial Veneza (onde a vida e o comércio urbano não tinham morrido
completamente), reabrir um próspero comércio com o Oriente Médio e, mais tarde,
com o Extremo Oriente, e reviver o transporte seguro de bens entre portos de
todo o Mediterrâneo. O dinheiro que ganharam com isso financiou a maioria das
guerras travadas durante o século XV entre elas e, mais tarde, entre a França e
os Habsburgo do Sacro Império Romano pelo domínio ao sul dos Alpes. Elas deram
um poderoso impulso para fortificar a libertação da Espanha do islã (a
Reconquista), bem como a ampliação para leste da fronteira cristã, na direção
da Rússia e da estepe. Tendo debilitado os bizantinos, nada fizeram para deter
o avanço dos turcos otomanos nos Bálcãs; no início do século XV, eles já tinham
chegado ao Danúbio, conquistando no processo o reino cristão da Sérvia e
ameaçando o da Hungria. Em compensação, os cruzados tinham confrontado os reis
belicosos da Europa e seus turbulentos vassalos com a ideia de um objetivo mais
amplo para a guerra que as querelas intermináveis sobre direitos. Eles
reforçaram a autoridade da Igreja em seus esforços para conter o impulso
guerreiro dentro de uma estrutura ética e legal e, por mais paradoxal que
pareça, ao ensinar à classe cavaleira europeia as disciplinas da guerra útil,
assentaram os alicerces para a ascensão de reinos efetivos. Com a afirmação do
poder central dentro de suas fronteiras, esses reinos deram finalmente à luz
uma Europa onde o conflito deixou de ser uma condição endêmica da vida
cotidiana e se tornou um empreendimento ocasional e, depois, externo.
O desenvolvimento desse padrão teria sido difícil de perceber para os
coetâneos dos confusos séculos XIV e XV. Na grande disputa por direitos que
levou à Guerra dos Cem Anos entre França e Inglaterra (1337-1457), na guerra
entre Habsburgo, Wittelsbach e Luxemburgo pela coroa do Sacro Império Romano e
dos imperadores para controlar seus súditos rebeldes da Boêmia e da Suíça, e
nas guerras das cidades italianas, qualquer ideia de que o domínio social e
político, sem falar do militar, do homem a cavalo poderia estar chegando ao fim
teria parecido fantasiosa. Contudo, era esse o caso. A guerra montada entre
homens encouraçados, travada na crença de que recuar do golpe na linha de
batalha era uma ofensa, não só ao dever, mas à honra pessoal, acabou se
revelando tão autodestruidora quanto o código da falange na Grécia antiga. Com
efeito, há provas consideráveis de que mesmo em seu auge, no século XV, a
guerra entre cavaleiros não era o que parece para nós ou o que seus devotos
acreditavam que deveria ser na época. As armaduras cada vez mais pesadas e
impenetráveis usadas pelos guerreiros montados (placas em vez de malha depois
da metade do século XIV) estavam mais adequadas ao artificialismo das justas
que às exigências do campo de batalha. Da mesma forma que a guerra moderna de
investidas-relâmpago encouraçadas e ataques aéreos precisos atinge sua
perfeição teórica apenas nos campos de treinamento, é bem possível que a armadura
brilhante do guerreiro do século XV alcançasse seu objetivo teórico de proteção
diante da lança do adversário em um torneio e não contra uma flecha ou espada
no campo de batalha. O senso comum, qualidade que permitiu a Victor Hanson
desvelar o mistério da falange, deveria persuadir-nos da improbabilidade de
qualquer outra coisa.
As batalhas medievais, como observou R. C.
Smail, o mestre da historiografia das Cruzadas, desafiam uma reconstrução a
partir de indícios. Mas nas três batalhas da Guerra dos Cem Anos das quais
temos conhecimento detalhado — Crécy (1346), Poitiers (1356) e Agincourt (1415)
—, os cavaleiros ingleses lutaram desmontados e apoiados por arqueiros nos três
casos, e o grosso dos franceses desmontou nas duas últimas. A ideia de que
cavaleiros encouraçados, cavalgando joelho contra joelho, lanças em riste, em
densas ondas de fileiras sucessivas, poderiam ter atacado uns aos outros sem
que ocorresse uma catástrofe instantânea para ambos os lados no momento do
impacto é uma afronta à inteligência.
A guerra de ferro da Idade Média, tal como a dos gregos, era um “negócio
horrível” e sangrento, tornado pior por sua recorrência e pela coragem
sanguinária daqueles que se prendiam a ela. Apesar de todos os altos motivos
envolvidos — independência cívica entre os gregos, fidelidade e cavalheirismo
com os cavaleiros —, certo primitivismo ocultava-se sob a superfície. Os gregos
lutaram até a exaustão pela lógica de seus próprios métodos; o eclipse do modo
cavalheiresco de guerrear teve uma causa externa: a chegada da pólvora. Mas em
ambos os casos o poder do ferro, esse metal comum, barato e enganador, tinha se
esgotado.”
“As raízes culturais da resistência da aristocracia montada à revolução
da pólvora penetravam fundo no passado. Como vimos, os gregos da época da
falange foram os primeiros guerreiros de quem temos conhecimento detalhado que
deixaram de lado a atitude evasiva da guerra primitiva e enfrentaram face a
face seus inimigos de mesma mentalidade. Os gregos da época clássica buscavam
resolver uma questão da forma mais direta e rápida possível. Os romanos da
República aceitaram também a lógica dos métodos gregos, tendo provavelmente
aprendido com os colonizadores helênicos do Sul da Itália. Pode-se supor que o
hábito de lutar face a face lhes foi também transmitido progressivamente nos
confrontos com os gauleses e os povos teutônicos do outro lado do Reno. Os
romanos deixaram testemunhos de que os povos setentrionais lutavam dessa forma,
pois, embora desprezassem suas táticas grosseiras e individualistas, nunca
negaram que fossem corajosos e dispostos a lutar corpo a corpo. “Muitos dos
helvécios”, observou César sobre um episódio em que seus legionários tinham
bombardeado os escudos dos inimigos com lanças, “depois de alguns esforços vãos
para se desvencilharem, preferiram largar os escudos e lutar sem proteção para
seus corpos.” Foi somente quando “os ferimentos e a exaustão da batalha [se
tornaram] demais para eles [que] começaram a se retirar”. Porém, parece claro
que os gauleses lutavam face a face antes mesmo de encontrarem os romanos, se é
que as grandes espadas da cultura hallstattiana oferecem alguma indicação, e
parece que os germânicos, cuja natureza corajosa e belicosa tanto impressionou
Tácito, também se comportavam assim antes de encontrarem os romanos junto ao
Reno, no século I. Se lembrarmos que foi somente depois da chegada dos dórios à
Grécia que se desenvolveu a guerra de falange e aceitarmos que os dórios vinham
provavelmente do outro lado do Danúbio, então talvez possamos localizar ali um
ponto comum de origem desse “modo ocidental de guerrear”, como Victor Hanson o
chama, e uma linha de divisão entre essa tradição de batalha e o estilo
indireto, evasivo de combate característico da estepe e do Oriente Médio e
Próximo. A leste da estepe e sudeste do mar Negro, os guerreiros continuavam a
manter distância dos inimigos; a oeste da estepe e sudoeste do mar Negro, os
guerreiros aprenderam a abandonar a precaução e entrar em contato próximo.
Tudo o que se pode dizer é que, se existe algo como o “horizonte
militar”, há também uma linha divisória do combate “face a face”, e que os
ocidentais pertencem por tradição a um dos lados dela e a maioria dos outros
povos, ao outro.
A força dessa tradição da luta frente a frente provocou a crise
guerreira do século XVI. A atitude de Bayard, chevalier sans peur et
sans reproche, em relação aos besteiros é bem conhecida: mandava
executá-los quando feitos prisioneiros, afirmando que a arma deles era covarde
e seu comportamento, traiçoeiro. Armado com uma besta, um homem poderia, sem o
longo aprendizado de armas necessário para formar um cavaleiro ou o esforço
moral exigido de um lanceiro a pé, matar qualquer um deles à distância sem se
colocar em perigo.”
“A verdade é que todos os Estados em luta tinham submetido seus soldados
a um excesso de provações. O sofrimento fora tão auto-infligido quanto imposto.
As populações que haviam abraçado a guerra em 1914 com tanto entusiasmo
mandaram seus jovens para as frentes de batalha na crença de que iriam obter
não apenas vitórias, mas glória, e que a volta deles com os louros justificaria
toda a confiança que tinham investido na cultura do serviço militar universal e
do comprometimento com o reino dos guerreiros. A guerra explodiu essa ilusão.
“Cada homem um soldado”, a filosofia que sustentava a política da conscrição,
baseava-se numa incompreensão fundamental da potencialidade da natureza humana.
Os povos guerreiros podem ter feito de cada homem um soldado, mas tinham
tomado o cuidado de lutar apenas em condições que evitavam o conflito direto ou
sustentado com o inimigo, admitiam a ruptura de contato e o recuo como
respostas permissíveis e razoáveis à resistência resoluta, não faziam um
fetiche da coragem desesperada e mediam com muito cuidado a utilidade da
violência. Os gregos tinham mostrado uma frente mais audaz e destemida; mas, ao
mesmo tempo que inventavam a instituição da batalha face a face, não levaram
sua ética de guerra ao ponto de exigir a derrubada clausewitziana como seu
resultado necessário. Seus descendentes europeus limitaram também os objetivos
de suas guerras; os romanos procuraram consolidar e, depois, garantir uma
fronteira defensiva para sua civilização — em essência, a mesma filosofia
militar dos chineses —; por sua vez, os sucessores dos romanos lutaram, ainda
que incessantemente, com o objetivo principal de gozar de direitos dentro de
territórios bastante circunscritos. Em uma forma diferente, as batalhas por
direitos também caracterizaram as guerras dos Estados da Idade da Pólvora.
Embora suas lutas tenham se exacerbado pelas diferenças religiosas expressas na
Reforma, os protestantes agiram antes para desafiar direitos preexistentes que
para derrubar novos. Ademais, em nenhuma dessas pelejas os combatentes
entregaram-se à ilusão de que toda a população masculina deve ser mobilizada
para dar prosseguimento à disputa. Mesmo que isso fosse materialmente possível,
o que era desaconselhado pela necessidade de mão-de-obra intensiva da
agricultura, para não falar da incapacidade fiscal, nenhuma sociedade pré-1789
considerava o serviço militar uma ocupação, exceto uma minoria. A guerra era
considerada corretamente como um negócio brutal demais para qualquer um, exceto
para aqueles preparados para ela pela posição social ou levados a se alistar
pela falta de qualquer posição social. Mercenários e soldados regulares,
pobres, desempregados, com frequência proscritos criminalmente eram julgados
adequados para a guerra porque a vida pacífica não lhes oferecia nada, senão
dificuldades equivalentes.
A exclusão dos industriosos, dos habilidosos, dos letrados e dos donos
de propriedades modestas do serviço militar refletia uma apreciação sensível de
como a natureza da guerra exercia pressão sobre a natureza humana. Seus rigores
não eram para serem suportados por homens de hábitos confortáveis, regulares e
produtivos. Em seu afã de igualar, a Revolução Francesa pôs essa percepção
grosseiramente de lado, buscando conceder à maioria o que até então fora o
privilégio de uma minoria — o direito à plena liberdade legal representado pelo
estatuto de guerreiro dos aristocratas. A Revolução não estava totalmente
errada ao fazer isso. Muitos homens respeitáveis cujos pais teriam se esquivado
do serviço militar revelaram-se excelentes soldados, tanto em postos altos como
baixos: Murat, o mais arrojado dos marechais de Napoleão, tinha estudado para
ser padre, Bessières fora estudante de medicina, Brune, editor de jornal. É
verdade que o seminário e o jornal também estavam no passado respectivamente de
Stalin e Mussolini, mas eles foram homens de temperamento selvagem numa época
posterior. Em seu tempo, Murat, Bessières e Brune passavam por
respeitáveis bourgeois, e foi por mero acaso que seus temperamentos
se adequaram à disciplina e ao perigo da vida militar. Até mesmo no exército de
Napoleão eles constituíam exceções. Cem anos depois, não o seriam mais. Os
exércitos da Primeira Guerra Mundial eram compostos quase que do topo até a
base de representantes de todas as posições e ocupações da sociedade, e muitos
dos que foram poupados da morte e de ferimentos serviram por dois, três ou até
quatro anos com paciente firmeza. Mas 200% ou 300% de baixas na infantaria e
mais de 1 milhão de mortes serão suficientes para quebrar o ânimo de uma nação.
Em novembro de 1918, a França tinha perdido 1,7 milhão de jovens de uma
população de 40 milhões, a Itália, 600 mil de uma população de 36 milhões, o
Império britânico 1 milhão, dos quais 700 mil vinham dos 50 milhões de
habitantes das Ilhas Britânicas.
A persistência até o fim da Alemanha, apesar da perda de mais de 2
milhões de uma população anterior à guerra de 70 milhões, é ainda mais notável.
Ela pagou o preço emocional, embora numa moeda diferente da que circulou nas
nações vitoriosas. Nestas, o custo foi considerado alto demais para jamais ser
pago novamente. “Estou começando a esfregar meus olhos diante da perspectiva de
paz”, escreveu Cynthia Asquith, esposa de um ex-primeiro-ministro britânico, em
outubro de 1918. “Acho que será preciso mais coragem do qualquer outra coisa
que tenha acontecido antes [...] finalmente vai-se reconhecer que os mortos não
estavam mortos apenas enquanto durava a guerra.” Evidentemente, novembro de
1918 significou para milhões de famílias o fim da apreensão de que um carteiro
pudesse trazer o telegrama da morte, mas o sentimento dela estava correto. As
listas de baixas tinham deixado vazios em quase todos os círculos familiares e
a agonia da perda perdurava enquanto aqueles que a tinham sentido continuassem
vivos. Ainda hoje, as colunas “In Memoriam” dos jornais ingleses trazem
lembranças de pais ou irmãos que morreram nas trincheiras ou em terra de
ninguém há oitenta anos. Ferimentos psíquicos dessa profundidade não saram com
o primeiro embotamento da memória. Eles inflamam-se na consciência coletiva, e
a consciência nacional dos ingleses e franceses, diante das consequências da
guerra, rebelava-se ao pensar numa repetição do sofrimento.
Em 1919, por sugestão de Winston Churchill, ex-ministro da Marinha e
secretário de Estado para Guerra e Ar, adotou-se a decisão de que “para o
objetivo de enquadrar as estimativas [de defesa], [deve-se supor] que em
qualquer data considerada não haverá guerra importante por dez anos”; essa
“regra dos dez anos” foi renovada ano após ano até 1932; mesmo depois, apesar
da ascensão de Adolf Hitler ao poder na Alemanha em 1933, decidido a reverter o
resultado da Primeira Guerra Mundial, a Inglaterra não tomou medidas
substantivas de rearmamento até 1937. Enquanto isso, Hitler reintroduzira o
recrutamento universal e começara a recriar uma vez mais uma cultura guerreira
na nova geração alemã.
Para Hitler, a Primeira Guerra Mundial fora “a maior de todas as
experiências”. Da mesma forma que uma minoria de veteranos de todos os
exércitos, ele achara a excitação e até os perigos das trincheiras
engrandecedores e enaltecedores. Sua bravura lhe dera medalhas e a opinião
favorável de seus oficiais, enquanto sua admissão a um círculo de camaradagem,
depois de anos de vida como um derrotado nas ruelas de Viena, reforçara sua
ardente crença na superioridade da nação germânica sobre todas as outras. E ele
estava tomado por uma ira destruidora em face da humilhação da Alemanha na paz
de Versalhes, cujos termos — incluindo perda de território, redução de seu
exército a uma força de 100 mil, privação de sua marinha de vasos de guerra
modernos e abolição total de sua força aérea — foram aceitos pelo governo
alemão somente porque o bloqueio naval dos Aliados, obtendo finalmente o efeito
que não conseguira nos anos de guerra, não lhe deixava outra opção. A ira de
Hitler equivalia à de um número de veteranos suficiente para proporcionar-lhe o
núcleo de um partido político, quando em 1921 adotou posições de extrema
direita.”
“Chamada de Blitzkrieg, “guerra relâmpago”, termo de um
jornalista, mas bastante descritivo, ela concentrava os tanques das
divisões panzer numa falange ofensiva, apoiada por esquadrões
de caças de mergulho agindo como “artilharia voadora”, que quando direcionada
para um ponto fraco de uma linha de defesa — qualquer ponto era, por definição,
fraco diante de uma tal força — a rompia e prosseguia espalhando confusão em
sua esteira. A técnica era a mesma introduzida por Epaminondas em Leuctra,
usada por Alexandre contra Xerxes em Gaugamelos e empregada por Napoleão em
Marengo, Austerlitz e Wagram. A Blitzkrieg, porém, obteve resultados
negados a comandantes anteriores, cuja habilidade para explorar o sucesso no
ponto de assalto estava limitada pela velocidade e resistência do cavalo, fosse
um instrumento de força ou um meio de levar mensagens e relatórios. O tanque
não somente deixava para trás a infantaria, como podia manter um ritmo de
avanço de cinquenta, até oitenta quilômetros em 24 horas, desde que suprido de
combustível ou peças sobressalentes, ao mesmo tempo que seu aparelho de rádio
permitia ao quartel-general receber informações e transmitir ordens com a mesma
velocidade que as operações pediam, um desdobramento que veio a ser conhecido
durante a guerra como “tempo real”.”
“Aqueles que depositam sua confiança na expectativa de que a ONU
conseguirá perpetuar suas funções pacificadoras — não se oferece instrumento
melhor — têm, no entanto, um longo caminho a percorrer até que essa expectativa
se cumpra. O homem tem uma potencialidade para a violência: isso não pode ser
negado, mesmo que se admita que apenas uma minoria de qualquer sociedade pode
transformar essa potencialidade em ato. Ao longo dos 4 mil anos de existência
de exércitos organizados, o homem aprendeu a identificar nessa minoria aqueles
que serão soldados, para treiná-los e equipá-los, para fornecer os fundos de
que precisam para sua subsistência, e a aprovar e aplaudir seu comportamento
nos momentos em que a maioria se sente ameaçada. Devemos ir além: um mundo sem
exércitos — disciplinados, obedientes e cumpridores da lei — seria inabitável.
Exércitos dessa qualidade são um instrumento e uma marca de civilização e sem a
existência deles a humanidade teria de se resignar a uma vida primitiva, abaixo
do “horizonte militar”, ou ao caos sem lei de massas em guerra. Como diria
Hobbes, “todos contra todos”.
Para nos afastarmos da pregação de Clausewitz, não precisamos acreditar,
como Margaret Mead, que a guerra é uma “invenção”. Nem precisamos estudar os
meios de alterar nossa herança genética, um processo que leva intrinsecamente
ao fracasso. Não precisamos buscar a libertação de nossas circunstâncias
materiais. A humanidade já domina o mundo material em um grau que o mais
otimista de nossos ancestrais de apenas dois séculos atrás teria considerado
impensável. Tudo que precisamos aceitar é que, depois de 4 mil anos de
experiência e repetição, a guerra tornou-se um hábito. No mundo primitivo, esse
costume estava circunscrito por rituais e cerimônias. No mundo pós-primitivo, a
engenhosidade humana desmembrou rituais de cerimônias, bem como as restrições
que impunham à guerra, da prática guerreira, permitindo que os homens da
violência empurrassem os limites de tolerância desses rituais e cerimônias a um
extremo — e às vezes ultrapassando-o. “A guerra”, disse Clausewitz, o filósofo,
“é um ato de violência levado aos seus limites máximos.” Clausewitz, o
guerreiro prático, não conjecturou sobre os horrores a que sua lógica
filosófica conduzia, mas nós os vimos de relance. Os costumes dos primitivos —
devotados à restrição, diplomacia e negociação — merecem ser reaprendidos. Se
não desaprendermos os costumes que ensinamos a nós mesmos, não sobreviveremos.”
Há de se fazer dois comentários sobre a obra. O primeiro, é que o autor se antagoniza ideologicamente ao livro “Da Guerra”, de Carl von Clausewitz. Sendo, portanto, muito interessante a leitura prévia desta outra obra antes deste livro que aqui vai.
ResponderExcluirO segundo aspecto a se destacar é que John Keegan, a despeito da impressionante erudição, não consegue se desfazer da visão infantilizada e burlesca ao avaliar todos os conflitos oriundos de revoluções socialistas como, de alguma maneira, negativos – quando não catastróficos. Basicamente o autor não faz valoração moral sobre nenhum dos grandes líderes militares que descreve, independente do arraso e das consequências mais nefastas que perpetraram (Hitler, Napoleão, Gengis Khan, Alarico, etc.). Já em relação aos socialistas, falta pouco para descrevê-los como comedores de criancinhas.
Em uma obra tão completa e douta, portar-se desta maneira infantil, deixando que sua avaliação ideológica interfira na forma como avalia os conflitos militares é sobremaneira pueril (pra não dizer patético).
Livro bem didático em relação ao tema tratado.
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