Editora: Globo Livros
ISBN: 978-85-2505-790-7
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 760
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Sinopse: Ver Parte
I

“O conflito pela influência na Pérsia continuava, e o governo da Índia
emitia sinais perturbadores sobre intrigas russas no Afganistão. Nicolson e
seus colegas do Foreign Office não confiavam totalmente em renovar a Convenção
Anglo-Russa de 1907 quando chegasse a hora, em 1915. “O mesmo temor que V.
sente também me persegue,” escreveu Nicolson algum tempo antes, durante a
primavera, para Buchanan em São Petersburgo. “O medo de que a Rússia se canse
de nós e faça uma barganha com a Alemanha,”[49]
concluiu. Mesmo com o agravamento da crise em julho de 1914, Grey e seus
auxiliares relutavam em pressionar exageradamente a Rússia para recuar em sua
confrontação com a Áustria-Hungria, temendo jogá-la nos braços dos alemães.
(Claro que a Alemanha tinha medo semelhante: se não apoiasse a Áustria-Hungria,
poderia perder seu único aliado de expressão.) Em 28 de julho, dia em que a
Áustria-Hungria declarou guerra à Sérvia, Nicolson escreveu em caráter
particular a Buchanan: “Como você, sinto que essa crise pode ser usada pela
Rússia para testar nossa amizade e que, se a desapontarmos, estarão liquidadas
todas as esperanças de um entendimento amistoso e duradouro entre os dois
países.”[50]
À
medida que a crise se agravava, Grey envidava esforços para evitar que a
Inglaterra tivesse de fazer escolhas difíceis. As grandes potências, mais uma
vez agindo unidas dentro do Concerto da Europa deviam, de algum modo, chegar a
um entendimento, fosse por meio de uma conferência de embaixadores em Londres,
como já sucedera durante as duas Guerras Balcânicas, ou exercendo pressão para
que os países diretamente envolvidos negociassem entre si. Quem sabe, sugeriu,
a Rússia pressionando a Sérvia; e a Alemanha, a Áustria-Hungria? Quando ficou
evidente que a Rússia tomaria o partido da Sérvia, Grey se apegou à
possibilidade de França, Inglaterra e Itália poderem convencer Rússia e
Áustria-Hungria a se entenderem diretamente. Quando, em 28 de julho, a Europa
ultrapassou o marco fundamental da declaração de guerra do Império
Austro-Húngaro à Sérvia, Grey considerou a possibilidade de as forças da
Monarquia Dual fazerem um alto em Belgrado e dar tempo para negociações.
(Wilhelm, que se abstraía da guerra justamente quando precisava enfrentar a
realidade, na mesma ocasião fez sugestão semelhante.) Enquanto apresentava uma
proposta após outra, Grey também dizia para os franceses e seus próprios
colegas que a despeito de todas as conversas de militares do exército e da
marinha ao longo dos anos, a Inglaterra não se considerava presa à França por
obrigações ou tratados secretos e que exerceria sua liberdade de decisão. Nunca
foi inteiramente franco com seus colegas, com o povo inglês e talvez nem
consigo mesmo sobre a que ponto ele e os militares tinham realmente prometido
que a Inglaterra trabalharia com a França. (...)
No
dia seguinte Grey leu o texto completo do ultimato. “A nota me pareceu,” disse
para Mensdorff, “o mais terrível documento jamais enviado pelo governo de um
estado para outro estado independente.” Seguindo instruções de Berchtold,
Mensdorff tentou, sem sucesso, atenuar a importância do documento, dizendo que
não era tanto um ultimato, mas uma negociação com tempo limitado e que a
intenção de a Áustria-Hungria começar a fazer preparativos militares após a
data-limite não era o mesmo que realizar operações militares.[52] Mais tarde, naquele mesmo dia, em reunião do
Gabinete para discutir o fracasso da conferência sobre a Irlanda no Palácio de
Buckingham, pela primeira vez Grey abordou a crise nos Balcãs, afirmando que,
se a Rússia atacasse a Áustria-Hungria, a Alemanha defenderia sua aliada.
Embora a maioria de seus colegas se opusesse firmemente ao envolvimento da
Inglaterra no conflito, na semana seguinte a balança penderia francamente para
o outro lado, em consequência das iniciativas alemãs. Grey disse sombriamente
que o ultimato os levava para o Armagedom mais do que em qualquer outra
oportunidade, desde a Primeira Guerra Balcânica. A solução que via era bem
menos dramática. Proporia a Alemanha, a França, a Itália e a Inglaterra unirem
esforços para pressionar a Áustria-Hungria e a Rússia a não tomarem nenhuma
medida drástica. Entretanto, no mesmo dia a Inglaterra começou a ensaiar as
primeiras providências para a guerra. Toda a esquadra inglesa em águas
territoriais realizara as manobras de verão na semana anterior e, diante das
perspectivas, o governo determinou que permanecesse mobilizada. Tal como as
medidas preliminares adotadas pela Rússia e pela França, e as que já estavam
sendo tomadas na Alemanha, tais manobras podiam ter finalidade defensiva, mas
não era necessariamente assim que eram interpretadas externamente e, desse
modo, mais um elemento entrou em jogo para elevar ainda mais o nível de tensão
na Europa.
Na
noite de 24 de julho, Grey convocou Lichnowsky e pediu-lhe para informar seu
governo que a Inglaterra queria fazer uma solicitação conjunta com a Alemanha
para a Áustria-Hungria estender o prazo do ultimato, a fim de permitir que as
outras potências tivessem tempo para acalmar a crescente divergência entre
Áustria-Hungria e Rússia.” “É inútil,” rabiscou o Kaiser ao ler o relatório de
Lichnowsky na manhã seguinte. “Não concordo, a não ser que a Áustria me peça
expressamente, o que não é provável. Em questões vitais como honra, não
se consultam outros.”[53]
No
sábado, 25 de julho, Grey esteve novamente com Lichnowsky para discutir toda a
situação. Para o embaixador alemão estava cada vez mais difícil defender a
posição de seu governo. Grande admirador da Inglaterra e de suas instituições,
sempre defendera melhor entendimento entre Londres e Berlim. Fora chamado de
sua aposentadoria em 1912 para esse cargo pelo Kaiser, que lhe disse para
assumi-lo e ser “um bom companheiro.” Sua nomeação não agradou a Bethmann nem
ao Ministério do Exterior porque lhe faltava experiência e era muito ingênuo em
se tratando de Inglaterra.[54] Não obstante, durante
a crise Lichnowsky foi coerente, sempre fazendo boas recomendações: a Alemanha
estava seguindo rumo perigoso ao encorajar a Áustria-Hungria e, em caso de uma
guerra geral, a Inglaterra se envolveria. Disse a seus superiores que estavam
sonhando se de fato acreditavam que um conflito se restringiria aos Balcãs.[55] (E, como Nicolson escreveu ironicamente a
Buchanan: “Creio que essa conversa sobre guerra localizada quer dizer apenas
que todas as Potências devem assistir sem interferir enquanto a Áustria-Hungria
estrangula tranquilamente a Sérvia.”)[56]
De
tarde, como continuavam chegando telegramas urgentes sobre a situação na
Europa, Grey preferiu se recolher a seu refúgio habitual no interior, perto de
Winchester, e lá passar o fim de semana.[57] Embora
pudesse ser alcançado por telegrama, foi uma decisão curiosa diante de uma
situação que evoluía com tanta rapidez. De volta a Londres, soube na
segunda-feira, 27 de julho, que a Alemanha rejeitara friamente sua proposta de
intermediação pelos quatro países sob o argumento, assim alegou Jagow, de que
exigiria um tribunal internacional de arbitragem e, portanto, só poderia
funcionar se Rússia e Áustria-Hungria, as duas partes diretamente interessadas,
o solicitassem.[58] Agora, a Inglaterra estava sob
intensa pressão da Rússia e da França para deixar claro seu apoio. Buchanan,
que se encontrara com Sazonov no domingo para insistir no sentido de que
intercedesse junto à Áustria-Hungria para solucionar a situação e, em nome da
paz, retardasse a mobilização russa, na segunda-feira expediu telegrama para
Londres informando que a posição russa endurecera: “O ministro do Exterior
acredita que não teríamos sucesso na tentativa de conseguir a adesão da
Alemanha à causa da paz, a menos que anunciássemos publicamente nossa
solidariedade à França e à Rússia.”[59] Em Paris,
durante um jantar Izvolsky afirmou a um diplomata inglês que certamente haveria
guerra e que a culpa era da Inglaterra. Se ao menos os ingleses deixassem
claro, desde o começo da crise, que lutariam ao lado dos russos e franceses,
Áustria-Hungria e Alemanha pensariam duas vezes. Não era como na crise da
Bósnia, acrescentou com desagrado, quando uma Rússia debilitada fora obrigada a
recuar. Desta vez a Rússia estava em condições de combater.[60] Na quinta-feira, 28 de julho, Paul Cambon, que
voltara correndo de Paris onde estivera assessorando o governo na ausência de
Poincaré e Viviani, alertou Grey que “se fosse presumível que a Inglaterra
certamente ficaria de fora em uma guerra europeia, a probabilidade de
preservação da paz estaria em sério perigo.”[61]
Cambon, que dedicava seu tempo em Londres a transformar a Entente Cordiale
em algo mais substancial do que simplesmente uma amizade calorosa, agora temia,
desde o princípio da crise, que Grey “hesitasse, titubeasse” e, por
conseguinte, a Alemanha se sentisse em condições de seguir em frente. “No fim,
a Inglaterra acabará se aliando a nós,” afirmou, não obstante, a um amigo em
Paris, “mas será tarde demais.”[62] Cambon ainda
passaria por muitas aflições na semana seguinte, ao tentar obter um firme
compromisso de Grey.
Em
todo o Continente corriam notícias sobre atividades atípicas. No fim de semana
de 25-26 de julho, espiões informaram aumento do tráfego rádio entre a Torre
Eiffel e uma importante base militar russa no oeste da Rússia. Soube-se que os
guardas russos da fronteira estavam em alerta total e o material rodante das
ferrovias estava sendo deslocado para cidades russas próximas à fronteira com a
Prússia Oriental.[63] Em 26 de julho, Wilhelm, cujo
governo queria mantê-lo à distância e em segurança no Mar do Norte, subitamente
determinou que a esquadra alemã escoltasse seu iate de volta para a Alemanha.
Aparentemente temia que a Rússia planejasse torpedeá-lo em ataque de surpresa.
Também achava que Bethmann não tinha uma compreensão apropriada dos assuntos
militares.[64] No dia seguinte, Poincaré e Viviani
de repente interromperam a planejada visita a Copenhagen e partiram rumo à
França. Explosões de sentimento nacionalista começaram a perturbar a
tranquilidade do verão. Multidões em São Petersburgo, inicialmente não muito
grandes, mas aumentando progressivamente ao longo da semana, desfilavam
carregando retratos do Czar Nicholas e a bandeira do país, cantando “Senhor,
salva Teu povo!”[65] Quando Nicholas compareceu a um
teatro em Krasnoye Selo, a assistência, em pé, o ovacionou espontaneamente, e
oficiais do exército presentes começaram a cantar. Em Paris, houve
manifestações populares em frente à embaixada da Áustria-Hungria, e em Viena,
“o entusiasmo é contagiante,” informou o embaixador inglês, quando os
habitantes locais tentaram realizar uma manifestação diante da embaixada russa,
enquanto oficiais uniformizados eram entusiasticamente aplaudidos. Em Berlim,
quando chegou a notícia da resposta sérvia ao ultimato austríaco, grande
multidão se reuniu cantando canções patrióticas e o hino nacional da Áustria.
Estudantes universitários desfilavam para lá e para cá pela Unter den Linden
cantando e bradando lemas patrióticos.[66]
Na
Itália, porém, as ruas estavam tranquilas, e o embaixador inglês informou que a
opinião pública condenava tanto a participação da Sérvia no assassinato quanto
a atitude austro-húngara, vista como exageradamente severa. Notou que o povo
italiano aguardava “em atitude de expectativa até certo ponto ansiosa.” Em sua
opinião, o governo buscava uma razão mais plausível para se esquivar de suas
obrigações como membro da Tríplice Aliança.[67] O
dilema do governo italiano era não querer ver a Áustria-Hungria destruindo a
Sérvia e assumindo a supremacia nos Balcãs, mas, por outro lado, não desejar
entrar em choque com seus parceiros da aliança, com a Alemanha em especial.
(Como tantos outros estados europeus, mantinha justificado e até exagerado
respeito pelo poder militar alemão.) Uma guerra europeia naquele momento
significava um outro problema: se a Alemanha e a Áustria-Hungria saíssem
vitoriosas, a Itália ficaria ainda mais à sua mercê e se transformaria em uma
espécie de estado vassalo. Entrar na guerra no lado da Aliança Dual também
seria impopular internamente, uma vez que a opinião pública ainda se inclinava
por uma visão da Áustria-Hungria como inimiga tradicional, que sempre
incomodara e oprimira os italianos, tal como agora fazia com os sérvios. Um
motivo final era a própria fraqueza da Itália. Sua marinha seria dizimada se
tentasse enfrentar a inglesa e a francesa, e seu exército precisava desesperadamente
de um período de recuperação depois da guerra contra o Império Otomano pela
posse da Líbia. Na verdade, as forças italianas ainda combatiam diante de forte
resistência em seus novos territórios no norte da África.[68]
San
Giuliano, inteligente e experiente ministro do Exterior italiano, passava o mês
de julho em Fiuggi Fonte, nas montanhas ao sul de Roma, em vã tentativa de
curar a gota que tanto o sacrificava. (As águas locais são famosas para a cura
de problemas de pedras nos rins e dispunham do testemunho de Michelangelo, que
afirmara que o tinham livrado do “único tipo de pedra que não posso amar.”) O
embaixador alemão na Itália o visitou nesse local em 24 de julho para
transmitir pormenores do ultimato. Apesar da forte pressão da Alemanha e da
Áustria-Hungria, San Giuliano adotou naquela ocasião e nas semanas seguintes a
posição de que a Itália não se sentia obrigada a entrar em uma guerra que não
era nitidamente defensiva, mas poderia decidir em contrário desde que em
determinadas circunstâncias, ou seja, o oferecimento, por parte da
Áustria-Hungria em particular, de territórios com habitantes de língua
italiana. Além disso, se a Áustria-Hungria conquistasse novos territórios nos
Balcãs, a Itália teria de ser também recompensada. Em 2 de agosto, o governo
austro-húngaro, que rudemente se referia aos italianos como gente
insignificante que não merecia confiança, relutantemente cedeu à pressão da
Alemanha e fez uma vaga oferta de território, sem incluir, porém, nenhuma
parcela da própria Áustria-Hungria e somente se a Itália entrasse na guerra. No
dia seguinte, a Itália declarou que permaneceria neutra.[69]

O
plano alemão, em geral conhecido como Plano Schlieffen, previa a Alemanha
travar uma guerra em duas frentes, contra a França e a Rússia. Para destruir
rapidamente o inimigo na frente ocidental, os militares alemães planejaram um
avanço rápido pelo interior da Bélgica e norte da França. Embora a Alemanha
pedisse à Bélgica que permitisse o trânsito pacífico das forças alemãs por seu
território, o governo belga decidiu resistir. Com isso, retardou o avanço
alemão e, ainda mais importante, convenceu os ingleses a entrar na guerra para
defender a valente Bélgica.
Na
Inglaterra, durante a última semana de julho a opinião pública já estava
profundamente dividida, com a poderosa ala radical do Partido Liberal e o
Partido Trabalhista se opondo à guerra. Quando se reuniu na tarde da
segunda-feira, 27 de julho, o Gabinete ficou dividido ao meio. Equivocadamente,
Grey não propôs uma linha de ação bem definida. Por um lado, disse ele, se a
Inglaterra não se aliar à França e à Rússia,
logicamente
perderemos a confiança deles para sempre e quase certamente a Alemanha atacará
a França, enquanto a Rússia se mobiliza. Se, por outro lado, dissermos que
estamos dispostos a nos lançar ao lado da Entente, a Rússia
imediatamente atacará a Áustria. Por conseguinte, nossa capacidade de atuar em
prol da paz depende de nossa aparente indecisão. A Itália, desonesta como
sempre, está se esquivando de suas obrigações na Tríplice Aliança alegando que
a Áustria não a consultou antes de expedir o ultimato.[70]
Depois
da reunião, Lloyd George, o influente ministro das Finanças, ainda ao lado dos
que defendiam a paz, disse a um amigo que “antes de mais nada, não devemos
entrar guerra em nenhuma. Não sabia de nenhum ministro a favor disso.”[71]
No
outro lado do Canal, os responsáveis pelas decisões, inicialmente tão
belicosos, por um momento estavam pensando melhor. Em 27 de julho, de volta a
Berlim, o Kaiser esperava que a Sérvia acatasse o ultimato. Falkenhayn,
ministro da Guerra, escreveu em seu diário: “Ele diz coisas confusas. A única
coisa que se percebe com nitidez é que já não deseja mais a guerra, mesmo que
isso signifique abandonar a Áustria. Quero deixar claro que ele não controla
mais a situação.”[72] O Czar enviou a Sazonov uma
nota sugerindo que a Rússia juntasse esforços com França e Inglaterra, e quem
sabe, até Alemanha e Itália, para fazerem uma tentativa conjunta de preservar a
paz apelando para que Áustria-Hungria e Sérvia resolvessem sua pendência no
Tribunal de Arbitragem de Haia: “Talvez ainda haja tempo antes de
acontecimentos fatais.”[73] Sazonov também recebeu a
missão de conversar diretamente com os austro-húngaros e, de Berlim, Bethmann
aconselhou a aliada da Alemanha a participar desse entendimento, pois seria uma
oportunidade para mostrar a Rússia como vilã, antes que a opinião pública na
Aliança Dual a julgasse defensora da paz.
Embora
o Kaiser e talvez Bethmann continuassem se agarrando a uma tábua de salvação
enquanto eram engolfados pelas correntes que agitavam a cena, naquele momento a
tendência predominante entre os líderes alemães era admitir que a guerra era
inevitável. Também procuravam se convencer de que a Alemanha era a vítima. Em
resoluto memorando que escreveu em 28 de julho, Moltke afirmou que a Rússia se
mobilizaria quando a Áustria-Hungria atacasse a Sérvia e, nessas
circunstâncias, a Alemanha teria que socorrer sua aliada e recorrer à sua
própria mobilização. A Rússia reagiria atacando a Alemanha e a França se
juntaria a ela. “Assim, a aliança franco-russa, tantas vezes rotulada como
puramente defensiva e supostamente criada para se defender de uma agressão
alemã, será ativada e começará a carnificina das nações civilizadas da Europa.”[74] Em 27 de julho foram abertas as negociações entre
Rússia e Áustria-Hungria, mas no dia seguinte foram mais uma vez interrompidas
quando a Monarquia Dual, pressionada pela Alemanha para agir com rapidez,
declarou guerra à Sérvia.[75]
A
declaração de guerra da Áustria-Hungria à Sérvia, pela forma como aconteceu,
teria sido engraçada, se não produzisse consequências tão trágicas. Como
fechara melodramaticamente sua embaixada em Belgrado, Berchtold ficou sem
condições de entregar a nota da declaração à Sérvia. A Alemanha se recusou a
ser a portadora, já que tentava dar a impressão de que não sabia o que a
Áustria-Hungria estava planejando. Assim, Berchtold recorreu à remessa de um
telegrama sem codificação para Pasic, a primeira vez que uma guerra foi
declarada dessa forma. O primeiro-ministro sérvio, desconfiando que alguém em
Viena estava tentando induzir a Sérvia a atacar primeiro, se negou a acreditar
no telegrama, até receber a confirmação por meio das embaixadas sérvias em São
Petersburgo, Londres e Paris.[76] Em Budapest, Risza
fez veemente discurso no parlamento húngaro apoiando a declaração de guerra, e
o líder da oposição bradou: “Finalmente!”[77] Ao
ouvir a notícia em um jantar em São Petersburgo, Sukhomlinov disse ao vizinho
de mesa: “Desta vez vamos partir para a luta.”[78]
Na noite de 28 de julho canhões austríacos em posição na margem norte do Sava
atiraram sobre Belgrado. Restava à Europa apenas uma semana de paz.”
[49] Nicolson, Portrait of a
Diplomatist, 295.
[50] Ibid., 301.
[52] Bridge, ‘The British
Declaration of War,’ 408; Wilson, The Policy of the Entente, 135-6;
BD, vol. XI, 91, pgs. 73-4; 104, pgs. 83-4.
[53] Geiss, July 1914, 183-4.
[54] Bülow, Memoirs of Prince
Von Bulow, vol. III, 122-3.
[55] Lichnowsky e Delmer, Heading
for the Abyss, 368-469.
[56] Nicolson, Portrait of a
Diplomatist, 301.
[57] Hobhouse, Inside
Asquith’s Cabinet, 176-7; Robbins, Sir Edward Grey, 289-90.
[58] BD, vol. IX, 185, pg. 128.
[59] BD, vol. IX, 170, pgs. 120-1.
[60] BD, vol. IX, 216, pg. 148.
[61] Eubank, Paul Cambon,
171.
[62] Ibid., 169.
[63] Trumpener, ‘War
Premeditated?,’ 66-7; Bittner and Ubersberger, Österreich-
Ungarns Aussenpolitik, 739, 741.
[64] Cecil, Wilhelm II,
202-3.
[65] Bridge, Russia, 52.
[66] BD, vol. IX, 135, pg. 99;
147, pg. 103; The Times, 27 julho 1914; Bark, ‘Iul’skie Dni 1914 Goda,’
26; Bittner e Ubersberger, Österreich-Ungarns Aussenpolitik, 759;
Verhey, Spirit of 1914, 28-31.
[67] BD, vol. XI, 162, pg. 116;
245, pgs. 160-61.
[68] Renzi, ‘Italy’s Neutrality,’
1419-20.
[69] Ibid., 1421-2.
[70] Hobhouse, Inside
Asquith’s Cabinet, 177.
[71] Williamson, Politics of
Grand Strategy, 345.
[72] Afflerbach, ‘Wilhelm II as
Supreme Warlord,’ 432.
[73] Ignat’ev, Vneshniaia
politika Rossii, 1907-1914, 218-19.
[74] Geiss, July 1914,
283.
[75] Jarausch, The Enigmatic
Chancellor, 171.
[76] Albertini, The Origins of
the War, vol. II, 460-61.
[77] Vermes, Istv’an Tisza,
234.
[78] Rosen, Forty Years of
Diplomacy, 163.
“Enquanto a Inglaterra se engalfinhava com o dilema, a Alemanha tomou a
fatídica decisão de começar a mobilização. Isso era particularmente perigoso
para a paz na Europa porque a mobilização alemã era diferente das outras. Seus
passos magnificamente ordenados e coordenados – desde a declaração de estado de
sítio ou de “iminente ameaça de guerra” até a ordem para mobilização total e
apresentação dos convocados em suas unidades portando seu próprio equipamento,
e o deslocamento das tropas para suas posições nas fronteiras – tornavam quase
impossível interrompê-la uma vez desencadeada. O exército estava sempre pronto,
mesmo em tempo de paz, para se deslocar tão logo recebesse ordem. O posto de
comunicações do Estado-Maior era guarnecido 24 horas por dia e tinha sua
própria agência telefônica ligada diretamente com o correio principal e o posto
telegráfico.[37] Estava sempre em pé de guerra.
Embora Bethmann e o Kaiser tivessem resistido às pressões do exército para
desencadear o processo, em 31 de julho os militares começaram a assumir o
comando. Bethmann aceitou com resignação a mudança de poder. O representante da
Saxônia em Berlim reproduziu suas palavras: “O controle fugiu das mãos dos
monarcas e estadistas responsáveis, de modo que essa louca guerra europeia
aconteceria, mesmo sem que os governantes e seus povos a desejassem.”[38]”
[37] Bucholz, Moltke,
Schlieffen, 280-81.
[38] Bach, Deutsche
Gesandtschaftsberichte, 107.
“Como acontece tantas vezes em alianças, a guerra trouxe à tona
interesses divergentes de parceiros. A Áustria-Hungria, embora em tempo de paz
prometesse atacar a Rússia tão logo pudesse, estava obcecada em destruir a
Sérvia. A Alemanha, por sua vez, não desejava, ao menos até derrotar a França,
retirar forças da frente ocidental para reforçar a Áustria-Hungria. Para a Alemanha
era essencial que o Império Austro-Húngaro empregasse o maior poder militar
possível na direção norte, contra a Rússia. Moltke já pressionava Conrad, seu
correspondente austríaco, para empregar tropas ao norte e a leste e, em 31 de
julho, o Kaiser expediu enérgico telegrama a Franz Joseph afirmando: “Nesse
grande conflito, é de importância capital que a Áustria empregue o grosso de
suas forças contra a Rússia e não as divida em uma ofensiva simultânea contra a
Sérvia.” E o Kaiser continuou, “Na luta gigantesca em que devemos nos manter
ombro-a-ombro, a Sérvia desempenha papel secundário, exigindo apenas um mínimo
de medidas defensivas.”[46] Entretanto, Conrad só
deslocou forças do sul para o norte em 4 de agosto, decisão que levaria a
Áustria-Hungria a um desastre militar.
Na
tarde de 1º de agosto, um sábado, a Rússia ainda não tinha respondido o
ultimato alemão. As manifestações patrióticas no começo da semana arrefeciam, e
o povo alemão aguardava os acontecimentos com apreensão e até mesmo abatimento.
Um jornalista reportou que em Frankfurt “a situação é encarada com toda
seriedade e reina uma paz inquieta e comedida. Na discrição dos lares, esposas
e moças estão imersas em seus pensamentos sobre o futuro. Separação, um grande
medo de coisas horríveis, do que está por vir.” Donas de casa começaram a
estocar comida, e houve corridas a bancos, com as pessoas sacando suas
economias. Naquele momento o Kaiser sofria forte pressão de seus generais, que
viam o tempo se esgotando, para decretar a mobilização geral, enquanto a Rússia
fortalecia seu exército. Também era pressionado pela própria esposa, que lhe
disse para proceder como homem. Assinou a ordem às cinco da tarde.[47] Pouco depois fez um discurso da sacada de seu
palácio em Berlim: “Agradeço do fundo do coração vossa manifestação de amizade,
vossa lealdade. Na batalha que temos pela frente, não vejo mais partidos em meu
Volk. Somos todos alemães...” Foi aplaudido mais do que usualmente.
Alemães de todas as crenças políticas agora estavam prontos para defender a
pátria contra os russos, que, naquele momento era o inimigo principal. Apesar
do mito posteriormente fabricado pelos nacionalistas, de que ocorreu uma
explosão de entusiasmo patriótico quando a guerra se tornou realidade, a
disposição do povo ao que parece foi mais de resignação do que qualquer outra.[48]
Logo
depois de o Kaiser assinar a ordem de mobilização geral, chegou um telegrama de
Lichnowsky. Segundo o embaixador, a Inglaterra se comprometera a permanecer
neutra, desde que a Alemanha não atacasse a França. Como disse um observador, a
notícia caiu como “uma bomba.” O Kaiser e talvez Bethmann respiraram aliviados.
Voltando-se para Moltke, Wilhelm disse alegremente: “Então, simplesmente
empregamos todo o exército no leste!” Rapidamente o ambiente ficou tumultuado.
Moltke se recusou a admitir a possibilidade de empregar as forças somente
contra a Rússia. Não era mais possível interromper o deslocamento das tropas
para fronteira ocidental sem contrariar o que estava planejado e, assim, acabar
com a possibilidade de sucesso contra a França na guerra que mais cedo ou mais
tarde aconteceria. “Além disso,” acrescentou, nossa patrulhas já entraram em
Luxemburgo, e a divisão de Trier partirá imediatamente.” E completou
asperamente para o Kaiser: “Se Vossa Majestade insiste em empregar todas as
forças na frente oriental, não contaremos com um exército pronto para atacar,
mas apenas com um amontoado confuso e desordenado de homens armados sem
suprimentos.” Wilhelm replicou, “Seu tio teria me dado uma resposta diferente.”[49]
Desde
então se discute se Moltke estava certo, se realmente já era tarde para a
Alemanha decidir travar a guerra em uma só frente. O general Groener, na época
chefe do departamento de ferrovias do Estado-Maior Alemão, mais tarde assegurou
que isso teria sido possível.[50] No caso,
entretanto, o pacote já estava fechado. O emprego em duas frentes continuaria
como planejado, mas as forças alemãs no oeste fariam alto antes da fronteira
com a França, até que estivesse mais definida a posição desse país. Na verdade,
Moltke nunca se recuperou da pressão psicológica que sofreu naquele dia. Quando
voltou para casa depois de ouvir o pedido do Kaiser de uma mobilização parcial,
lembrou sua mulher: “Vi imediatamente que algo terrível acontecera. Ele estava
com as faces rubras, mal dava para medir sua pulsação. À minha frente estava um
homem desesperado.”[51]
Mais
tarde, na mesma noite, chegou um segundo telegrama de Lichnowsky dizendo que o
anterior estava errado, que os ingleses insistiam que não houvesse invasão
alemã da Bélgica nem ataque à França, e mais, que tropas alemãs já destinadas à
ofensiva na Frente Ocidental não fossem movimentadas para a Frente Oriental e
empregadas contra a Rússia. Quando Moltke voltou ao palácio imperial em Berlim
a fim de pedir autorização para retomar o movimento de tropas para a Bélgica e
a França, o Kaiser, que já estava dormindo, disse secamente: “Faça como quiser.
Não me interessa,” e voltou para a cama.[52] Naquele
dia fatídico os ministros do Kaiser não puderam dormir e ficaram reunidos até
as primeiras horas da manhã seguinte discutindo se entrar em guerra contra a
Rússia exigia uma declaração formal. Moltke e Tirpitz não viam essa
necessidade, mas Bethmann, alegando que “assim não vamos conseguir que os
socialistas se aliem a nós,” venceu aquela que seria uma das últimas vitórias
que lograria sobre os militares.[53] Seria preparada
uma declaração de guerra a ser telegrafada para Pourtalès em São Petersburgo.
Diante da decisão alemã de mobilizar, três das cinco grandes potências
europeias já tinham começado suas mobilizações gerais e estavam oficialmente em
guerra, como era o caso da Áustria-Hungria, ou na iminência de entrar em
guerra, caso da Rússia e da Alemanha. Das três restantes, a Itália preferiu a
neutralidade, a França decidiu ignorar o ultimato alemão e em 2 de agosto
começou a mobilizar suas forças armadas, e a Inglaterra ainda não decidira o
que fazer.”
[46] Stone, ‘V. Moltke-Conrad,’
217.
[47] Afflerbach, ‘Wilhelm II as
Supreme Warlord,’ 433n22.
[48] Verhey, Spirit of 1914,
46-50, 62-4, 68, 71; Stargardt, The German Idea of Militarism,
145-9.
[49] Mombauer, Helmuth von
Moltke, 216-20.
[50] Groener, Lebenserinnerungen,
141-2, 145-6.
[51] Mombauer, Helmuth von
Moltke, 219-24.
[52] Ibid., 223-4.
[53] Jarausch, The Enigmatic
Chancellor, 174-5.
“Apesar dos inúmeros mitos que cercam a Grande Guerra, em agosto de 1914
os soldados de fato disseram a seus familiares que estariam de volta no Natal.
Na Escola de Estado-Maior da Inglaterra, em Camberley, onde os formandos
esperavam suas ordens em meio a festas ao ar livre, jogos de críquete e
piqueniques, finalmente chegou a voz de que assumissem seus novos postos, a
maioria na Força Expedicionária Britânica que partiria para o Continente. A
escola ficaria fechada até segunda ordem, e seus instrutores assumiriam funções
nos estados-maiores. As autoridades achavam que não havia necessidade de
continuar a preparação de mais oficiais, já que se esperava uma guerra de curta
duração.[4] As advertências de especialistas como
Ivan Bloch e Moltke, ou de pacifistas como Bertha von Suttner e Jean Jaurès, de
que as ofensivas terminariam em impasse, sem que um lado tivesse poder
suficiente para subjugar o outro, e de que as sociedades veriam esgotados seus
recursos, de homens a material bélico, pelo menos naquele momento em que as
potências europeias marchavam para a guerra, foram ignoradas. A maioria, de
chefes a cidadãos comuns, presumia que o conflito seria breve, tal como fora a
Guerra Franco-Prussiana, quando as forças da aliança alemã precisaram de apenas
dois meses para obrigar a França a se render. (O fato de a luta se estender por
mais tempo porque o povo francês resolveu continuar combatendo é outra
questão.) Financistas, banqueiros e ministros de Finanças tinham como certo que
a guerra logo terminaria. Consideravam que a interrupção do comércio e a
incapacidade dos governantes em conseguir empréstimos à medida que o mercado
internacional de capitais minguava significaria ameaça de bancarrota e
impossibilitaria os beligerantes de prosseguir na luta. Como advertiu Norman
Angell em seu trabalho Great Illusion, mesmo a Europa sendo tola
o bastante para ir à guerra, o caos econômico e a miséria interna resultante
rapidamente forçariam os países em conflito a negociar a paz. O que poucos
perceberam – embora Bloch assinalasse – é que os governos europeus tinham uma
capacidade, ainda não testada, de extrair recursos de suas sociedades por meio
de impostos, de gerenciar suas economias e liberar homens para a linha de
frente com a utilização de mulheres nos postos de trabalho. Acresce que os
europeus eram estoicos e obstinados a ponto de lhes permitir combater anos a
fio, apesar de sofrerem tão terríveis baixas. O que surpreende na Grande Guerra
não é o fato de as sociedades e indivíduos europeus finalmente baquearem sob
tensão – e isso não aconteceu com todos, ou pelo menos, não completamente – mas
que Rússia, Alemanha e Áustria-Hungria resistissem tanto antes do colapso por
revolução ou motins ou desespero.”
[4] Bond, The Victorian Army
and the Staff College, 294-5, 303.
“Naquelas primeiras semanas da guerra, pareceu que a Europa pudesse
escapar da ruína. Se a Alemanha derrotasse rapidamente a França, talvez a
Rússia decidisse celebrar a paz no leste e a Inglaterra reconsiderasse sua
intervenção no conflito. Mesmo que o povo francês resolvesse continuar lutando
com já tinha feito em 1870-71, no fim seria obrigado a capitular. Quando as
forças alemãs invadiram a Bélgica e Luxemburgo a caminho do norte da França,
tudo indicava que os planos alemães estavam sendo executados como previsto.
Porém, não tanto. A decisão belga de resistir retardou a progressão alemã. A
principal fortaleza, em Liège, caiu em 7 de agosto, mas restavam outras doze a
serem tomadas uma por uma. A resistência belga obrigava os alemães a deixar
tropas na retaguarda à medida que avançavam. A extensa ala direita do exército
alemão, que devia atacar atravessando o Meuse na direção do Canal, para em
seguida manobrar para o sul e prosseguir rumo a Paris na expectativa de
conquistar vitória retumbante, foi mais fraco e mais lento do que o planejado.
Em 25 de agosto, Moltke, alarmado com a velocidade do avanço russo na frente
oriental – tinham devastado propriedades Junkers e incendiado o pavilhão
de caça preferido do Kaiser, em Rominten – deu ordem para que dois
corpos-de-exército, cerca de 88 mil homens, partissem para o leste, rumo à
Prússia Oriental.[5] Além disso, a Força
Expedicionária Britânica chegara antes do previsto para reforçar os franceses.
O
avanço alemão perdeu velocidade e parou diante da resistência dos aliados. No
começo de setembro, a balança começou a pender contra a Alemanha, e os aliados
estavam longe de derrotados. Em 9 de setembro, Moltke deu ordem para as forças
alemãs na França recuarem para o norte e se reagruparem. Dois dias mais tarde
ordenou a retirada em toda a linha de frente. Embora naquele instante ele não
pudesse avaliar, essa iniciativa significou o fim do Plano Schlieffen e da
possibilidade de a Alemanha derrotar rapidamente a França. Em 14 de setembro, o
Kaiser o dispensou de suas funções sob a alegação de necessidade de saúde.
Naquele
outono, alemães e aliados fizeram esforços desesperados para desbordar as
posições do inimigo. As baixas se acumularam, mas a vitória continuoava
indefinida. No fim de 1914, 265 mil soldados franceses tinham morrido, e os
ingleses perderam 90 mil homens. Alguns regimentos alemães sofreram 60% de
baixas. No outono, os alemães perderam 80 mil homens somente nos combates em
torno da cidade de Ypres.[6] Com a aproximação do
inverno, os exércitos dos dois lados cavaram trincheiras na esperança de
retomar as operações na primavera. Mal sabiam que as trincheiras que cavaram
desde a Suíça, passando pelas fronteiras leste e norte da França e chegando à
Bélgica ficariam mais profundas, sólidas, aperfeiçoadas, e durariam até o verão
de 1918.
No
Front Oriental, onde as distâncias eram muito maiores, a rede de trincheiras
nunca alcançou a mesma extensão, tampouco se revelou tão inexpugnável, porém,
mais uma vez, a capacidade da defesa de conter ataques ficou absolutamente
clara nos primeiros meses da guerra. A Áustria-Hungria sofreu os maiores
reveses, mas a Rússia foi incapaz de uma vitória decisiva. Nos primeiros quatro
meses da guerra, a Áustria-Hungria sofreu quase um milhão de baixas. Embora a
Alemanha, contrariando a expectativa de Schlieffen e seus sucessores, assumisse
a ofensiva e derrotasse dois exércitos russos em Tannenberg, o triunfo no campo
de batalha não resultou em fim da guerra. Tanto a Rússia como seus inimigos
dispunham de recursos e determinação para continuar combatendo.
Contam
uma história que talvez seja verdadeira. Ernest Shackelton, o grande explorador
polar, partiu para a Antártida no outono de 1914. Na primavera de 1916, no
caminho de volta, ao passar pela estação baleeira na ilha Geórgia do Sul,
perguntou quem tinha vencido a guerra na Europa e ficou espantado quando lhe
disseram que ainda estava em curso. Indústrias, riqueza nacional, trabalho,
ciência, tecnologia e até artes foram engajados no esforço de guerra. O
progresso da Europa, tão orgulhosamente festejado na Exposição de Paris em
1900, permitiu que os países aperfeiçoassem os meios de mobilizar seus vastos
recursos, afinal usados para a autodestruição.
As
primeiras etapas da campanha selaram o modelo espantoso que vigoraria nos anos
seguintes: ataques desfechados sem parar e defensores despejando o fogo letal
de suas armas. Os generais tentavam quebrar o impasse com ofensivas maciças que
causavam baixas pesadas. Nas frentes de combate, particularmente no Ocidente,
no terreno encaroçado por crateras de granadas e cercas de arame farpado, a linha
de contato mal se movia. À medida que seguiu seu curso, a guerra custou vidas
em escala que achamos difícil de imaginar. Em 1916, só a ofensiva de verão
russa resultou em 1,4 milhão de baixas; 400 mil italianos foram feitos
prisioneiros por ocasião da ofensiva de Conrad contra a Itália nos Montes
Dolomitas; e houve 57 mil baixas inglesas no dia 2 de julho, primeiro dia da
Batalha do Somme; e no fim dessa batalha havia 650 mil aliados mortos, feridos
ou desaparecidos, o mesmo acontecendo com 400 mil alemães. Em Verdun, a luta
entre a França e a Alemanha pela posse da fortaleza pode ter custado aos
defensores franceses mais de 500 mil baixas e aos atacantes alemães, mais de
400 mil. Quando a guerra terminou em 11 de novembro de 1918, 65 milhões de
homens tinham participado dos combates, e 8,5 milhões perdido a vida. Oito milhões
eram prisioneiros ou simplesmente estavam desaparecidos; 21 milhões tinham sido
feridos, e esse total inclui apenas ferimentos que puderam ser contados. Nunca
se saberá quantos ficaram psicologicamente abalados ou destruídos. Em
comparação, vale lembrar que 47 mil americanos morreram no Vietnã, e 4.800
militares da coalizão, na invasão e na ocupação do Iraque.
A
guerra, inicialmente europeia, logo se tornou mundial. Desde o começo os
impérios automaticamente se envolveram. Ninguém parou para perguntar aos
canadenses e australianos, aos vietnamitas e argelinos, se queriam lutar pelas
potências imperiais. Para fazer justiça, muitos quiseram. Nos domínios
“brancos” onde muitos ainda tinham laços familiares com a Inglaterra,
simplesmente se admitiu que a nação-mãe devia ser defendida. Mais surpreendente
foi o fato de muitos nacionalistas indianos terem acorrido em apoio à
Inglaterra. O Mahatma Gandhi, jovem advogado radical, ajudou as autoridades
inglesas no esforço de guerra. Aos poucos, os demais países foram tomando lado.
O Japão declarou guerra à Alemanha no fim de agosto de 1914 e aproveitou a
oportunidade para se apoderar das possessões alemãs na China e no Pacífico. O
Império Otomano se aliou à Alemanha e à Áustria-Hungria dois meses depois, e a
Bulgária fez o mesmo em 1915. Foi o último país a se aliar às Potências
Centrais. Romênia, Grécia, Itália, diversos países latino-americanos e, por
fim, a China, aderiram aos aliados.
Nos
Estados Unidos, de início não se percebeu nenhum apoio mais consistente a um
lado ou outro, provavelmente por se tratar de um conflito que parecia ter pouco
a ver com interesses americanos. “Estou sempre agradecendo a Deus pelo Oceano
Atlântico,” escreveu Walter Page, embaixador americano em Londres. As elites,
os liberais e os que viviam na costa leste ou tinham laços de família com os
ingleses se inclinavam pelos aliados, mas expressiva minoria, talvez alcançando
um quarto dos americanos, era de origem germânica. E a grande minoria católica
irlandesa tinha fortes razões para odiar a Inglaterra. Quando a guerra começou,
Wilson se afastou a contragosto do leito de morte da mulher para dar uma
entrevista à imprensa em que proclamou a neutralidade dos Estados Unidos.
“Quero,” afirmou, “ter o privilégio de sentir que a América, como ninguém mais,
conserva seu espírito aberto e está pronta, com pensamento tranquilo e
sinceridade de propósito, para ajudar o resto do mundo.” Foram as políticas
alemãs, mais especificamente as do alto-comando, que levaram a América a
abandonar a neutralidade. Em 1917, os Estados Unidos, revoltados com os ataques
dos submarinos alemães contra seu comércio marítimo e com a notícia passada
para Washington pela Inglaterra de que a Alemanha tentava convencer o México e
o Japão a atacaren os Estados Unidos, o país entrou na guerra no lado dos
aliados.
Em
1918, o poder das forças combinadas de seus inimigos foi demasiado para as
Potências Centrais, e uma a uma elas apelaram por paz, culminando, finalmente,
com a própria Alemanha pedindo um armistício. Quando os canhões silenciaram, em
11 de novembro, o mundo estava bem diferente do que fora em 1914. Em toda a
Europa as velhas fissuras nas sociedades, temporariamente empapeladas no começo
do conflito, ressurgiram à medida que a guerra seguiu seu curso, trazendo ônus
cada vez mais pesados. À medida que a intranquilidade social e política se
espalhava, regimes velhos desmoronaram, incapazes de preservar a confiança de
seus povos ou de atender às suas expectativas. Em fevereiro de 1917, o regime
czarista finalmente entrou em colapso, e o débil governo provisório que o
sucedeu foi, por sua vez, derrubado dez meses depois por um tipo novo de força
revolucionária, os bolcheviques de Vladimir Lênin. Para salvar seu regime,
atacado por rivais políticos e por remanescentes da velha ordem, Lênin celebrou
a paz com as Potências Centrais no início de 1918, cedendo grandes fatias de
território russo a oeste. Enquanto os russos se engalfinhavam numa cruel guerra
civil, os cidadãos subjugados dentro do Império Russo aproveitaram a
oportunidade para escapar de seu domínio. Embora alguns por breve período,
poloneses, ucranianos, georgianos, azerbaijanos, armênios, finlandeses,
estonianos e lituanos desfrutaram sua independência.
A
Áustria-Hungria desmoronou no verão de 1918. As dificuldades para conter o
nacionalismo finalmente se mostraram insuperáveis. Os poloneses se juntaram aos
que tinham recentemente se libertado da Rússia e da Alemanha para criar, pela
primeira vez em mais de um século, um estado polonês. Tchecos e eslovacos se
aliaram em estranho casamento para formar a Tchecoslováquia, enquanto os
eslavos do sul da Monarquia Dual na Croácia, na Eslovênia e na Bósnia
juntaram-se à Sérvia para formar o estado que ficaria conhecido como
Iugoslávia. A Hungria, muito reduzida pela perda da Croácia e pelos acordos de
paz após a guerra, tornou-se estado independente, enquanto o que restou dos
territórios Habsburgos se transformou no pequeno estado da Áustria. Das outras
Potências Centrais, a Bulgária viveu sua própria revolução, e Ferdinand, sempre
“o Raposa,” abdicou em favor do filho. O Império Otomano também entrou em
colapso. Os aliados ficaram com seus territórios árabes e a maior parte do que
restava na Europa, deixando apenas a Turquia. O último sultão otomano saiu
tranquilamente para o exílio em 1922, e um novo governante secular, Kemal
Ataturk, assumiu o poder para criar o moderno estado da Turquia.
Quando
os exércitos da Alemanha viram-se derrotados no verão de 1918, o povo alemão,
mantido na ignorância do que realmente acontecia por Hindenburg e Ludendorff,
que agora dirigiam o governo civil, reagiu com irritação contra todo o regime.
Por algum tempo, enquanto marinheiros e soldados se amotinavam e comitês de
trabalhadores se apoderavam de governos locais, pareceu que a Alemanha seguiria
o caminho da Rússia. O Kaiser, relutante, foi forçado a abdicar no começo de
novembro de 1918, e os socialistas proclamaram uma nova república que, como se
viu, conseguiu conter a revolução.
Embora
os países vitoriosos tivessem sua parcela de revoltas – em 1918 aconteceram
greves e manifestações violentas na França, na Itália e na Inglaterra – por
algum tempo os antigos regimes se mantiveram no poder. Todavia, coletivamente a
Europa já não era o centro do mundo. Esgotara sua enorme riqueza e seu poder.
Os povos dos impérios, que de modo geral aceitavam ser governados pelo poder
central desses impérios, inquietaram-se. A crença de que seus dirigentes
estrangeiros sabiam melhor o que era melhor para eles se abalara
irremediavelmente com pelos quatro anos de selvageria nos campos de batalha na
Europa. Novos líderes nacionalistas, muitos deles militares que tinham
testemunhado o que a civilização europeia era capaz de produzir, exigiram
autonomia imediata e não em algum futuro distante. Os domínios “brancos” da
Inglaterra concordaram em continuar dentro do Império, desde que dispusessem de
autonomia crescente. Novos atores de fora da Europa agora desempenhavam papel
de maior relevo no palco internacional. No Extremo Oriente, o Japão crescera em
poder e confiança, e preponderava sobre os vizinhos. No outro lado do
Atlântico, os Estados Unidos agora eram uma grande potência mundial, e suas
indústrias e fazendas cresceram ainda mais com a guerra. Nova York tornou-se o
centro do mundo financeiro. Os americanos viam a Europa como velha, decadente e
acabada – com o que muitos europeus concordavam.
A
guerra não apenas destruíra a herança europeia e milhões de seus habitantes,
mas também brutalizara muitos dos que sobreviveram. As paixões nacionalistas
que sustentaram a Europa durante o conflito também causaram a morte
injustificável de civis, fosse na Bélgica pelos alemães, na Galícia pelos
russos ou na Bósnia pelos austríacos. Exércitos de ocupação apartaram civis
para trabalhos forçados e expeliram os de etnia “errada.” Depois da guerra, a
violência caracterizou grande parte da política europeia, com seguidos
assassinatos e batalhas renhidas entre partidos opostos. As novas e intolerantes
ideologias do fascismo e do comunismo estilo russo adotaram a organização e a
disciplina dos militares, e, no caso dos fascistas, sua inspiração foi a
própria guerra.
A
Grande Guerra assinalou uma fratura na história europeia. Antes de 1914, a
Europa, apesar de todos seus problemas, tinha a esperança de que o mundo se
tornava um lugar melhor e que a civilização humana estivesse avançando. Depois
de 1918, os europeus já não podiam alimentar essa fé. Quando olhavam para trás
e viam o mundo que desfrutavam antes do conflito, não podiam deixar de
experimentar uma sensação de perda e desperdício.”
[5] Strachan, The First World
War, vol. I, 239-42.
[6] Ibid., 278-9.
“Dos que desempenharam algum papel levando a Europa pelo caminho que
resultou na Grande Guerra, alguns não sobreviveram para ver o desfecho. Moltke
nunca voltou da dispensa para tratamento de saúde para reassumir seu posto como
Chefe do Estado-Maior da Alemanha. Morreu de derrame em 1916, enquanto seu
sucessor, Falkenhayn, lançava o exército alemão em repetidos, onerosos e
inúteis ataques a Verdun. Princip, que desencadeara a fatal sucessão de
acontecimentos ao assassinar Franz Ferdinand em Sarajevo, foi considerado
culpado por um tribunal austro-húngaro, mas não foi executado por ser menor.
Morreu de tuberculose em uma prisão austríaca na primavera de 1918, até o
último instante sem se arrepender do que seu ato produzira.[8] O Imperador Franz Joseph morreu em 1916, deixando
seu abalado trono para um sobrinho jovem e inexperiente, Karl, que ficou no
poder somente até 1918. István Tisza, que finalmente resolvera aprovar a
decisão austro-húngara de provocar a guerra contra a Sérvia, foi assassinado na
frente da esposa por soldados revolucionários húngaros em 1918. Rasputin foi
assassinado em São Petersburgo em 1916 por aristocratas conspiradores que
acreditaram, em vão, que seu afastamento poderia salvar o regime. Nicholas
abdicou no ano seguinte. Ele, Alexandra e os filhos foram assassinados em
Ekaterinburg pelos bolcheviques na primavera de 1918. Os corpos foram
sepultados em um túmulo sem identificação, mas redescoberto após a queda da
União Soviética. Por meio de testes de DNA que contaram com uma mostra do Duque
de Edinburgh, sobrinho-neto de Alexandra, seus corpos foram identificados e a
igreja ortodoxa russa santificou os pais e os filhos.
Alguns
ministros de Nicholas tiveram mais sorte. Izvolsky nunca voltou de Paris e
continuou morando na França, graças a pequena pensão concedida pelo governo
francês. Sazonov, o ministro do Exterior, foi demitido no começo de 1917.
Aderiu às forças antibolcheviques do almirante Kolchak na guerra civil e acabou
exilado na França, morrendo em Nice, em 1927. Sukhomlinov foi responsabilizado pelos
fracassos russos na guerra, e o Czar o abandonou em 1916, permitindo que fosse
julgado sob acusação de corrupção, negligência no emprego do exército russo e
espionagem para a Alemanha e a Áustria-Hungria. A corrupção era de fato
verdadeira, mas o governo apresentou provas muito frágeis para respaldar as
outras acusações. O novo governo provisório, que assumiu o poder no início de
1917, o colocou com sua bela mulher Ekaterina na cadeia e encerrou o julgamento
no fim do verão. Ekaterina foi absolvida, mas Sukhomlinov foi condenado à
prisão perpétua. Em maio de 1918, os bolcheviques, agora no poder, o libertaram
em consequência de uma anistia geral. No outono fugiu da Rússia para a
Finlândia e de lá foi para Berlim, onde escreveu as quase inevitáveis memórias
e tentou sobreviver em extrema pobreza. Ekaterina, que encontrara um novo
protetor rico, continuou na Rússia, mas, ao que parece, foi fuzilada pelos
bolcheviques em 1921. Em uma manhã de fevereiro de 1926, policiais encontraram
em um banco de parque o corpo de um velho. Sukhomlinov, que fora um dos homens
mais ricos e poderosos da Rússia, congelara até morrer durante a noite.[9]
No
fim da guerra, Hoyos, o falcão que ajudara a Áustria-Hungria a obter o cheque
em branco da Alemanha, chegou a pensar em se suicidar para não enfrentar sua
responsabilidade pela guerra e o fim da Monarquia Dual, mas, pensando melhor,
mudou de ideia e morreu em paz em 1937. Berchtold, o Chanceler, renunciou logo
no início da guerra em protesto contra a visão estreita que levou o Imperador e
seus colegas a ceder à Itália porções do território austríaco para assegurar
sua neutralidade. Viveu até 1942 em uma de suas propriedades na Hungria e foi
sepultado em seu castelo em Buchlau, local da fatídica reunião entre seu
antecessor Aehrenthal e Izvolsky, que desencadeou a crise bósnia de 1908.
Conrad, o Chefe do Estado-Maior da Áustria-Hungria, que em 1915 finalmente
conseguira a permissão de Franz Joseph para casar com Gina von Reininghaus, foi
demitido pelo novo Imperador em 1917. Após a guerra ele e Gina viveram com
simplicidade nas montanhas austríacas e ele passava o tempo estudando inglês –
sua nona língua – caminhando na companhia do ex-Rei Ferdinand da Bulgária e
escrevendo uma alentada memória de autojustificação em cinco volumes. (Na
década de 1920 haveria uma enxurrada de memórias do mesmo tipo, com os
principais autores tentando se explicar e lançando a culpa pela guerra sobre
outros). Conrad morreu em 1925 e teve funeral com honras de estado por
concessão do governo da nova república da Áustria. Gina viveu o bastante para
ver a Áustria absorvida pelo III Reich, e os názis sempre a trataram com grande
deferência. Morreu em 1961.
Asquith
foi cada vez mais criticado pela apatia na condução do esforço de guerra e se
viu forçado a renunciar no fim de 1916. Seu sucessor Lloyd George, embora fosse
contra a guerra, se revelou chefe mais enérgico para tempo de guerra. A
rivalidade entre os dois dividiu o Partido Liberal, que nunca recuperou o poder
do passado. Grey, quase cego, também passou para a oposição, mas aceitou o
cargo de embaixador nos Estados Unidos no fim da guerra. Em suas memórias,
continuou negando ter algum dia assumido compromissos com a França. Pouco antes
de morrer, publicou um livro sobre o fascínio dos pássaros. Sir Henry Wilson,
que tanto fizera para consolidar as relações entre Inglaterra e França,
terminou a guerra como marechal-de-campo. Em 1922 se tornou assessor de
segurança do governo da Irlanda do Norte, que continuou integrando o Reino
Unido quando o sul se tornou independente. Foi assassinado logo depois, por
dois nacionalistas irlandeses, nos degraus da escada de sua casa em Londres.
Poincaré
permaneceu no cargo durante toda a guerra como Presidente da França,
desfrutando o momento da vitória e da recuperação da Alsácia/Lorena pelos
franceses. Seu mandato terminou em 1920, mas voltou como primeiro-ministro duas
vezes nessa década. Aposentou-se por questão de saúde no verão de 1929, mas
sobreviveu o suficiente para ver Hitler e os názis assumir o poder na Alemanha
em 1933, morrendo no ano seguinte. Quando eclodiu a guerra, Dreyfus foi
voluntário para lutar no exército que fora o responsável por sua desgraça e
combateu durante todo o conflito. Morreu em 1935, e seu féretro passou pela
Place de La Concorde diante de tropa formada.
Na
Alemanha, Bethmann foi demitido no verão de 1917 pelo duo Hindenburg e
Ludendorff quando quis se opor ao reinício do emprego irrestrito de submarinos
contra o transporte marítimo e aos expansionistas objetivos de guerra dos dois.
Bethmann se retirou para sua adorada propriedade em Hohenfinow e passou os
últimos anos de vida tentando se justificar e explicar as políticas que
adotara, assim como negando a responsabilidade alemã pela guerra. Morreu em
1920 com 64 anos. Tirpitz, seu rival como conselheiro do Kaiser, depois da
guerra se meteu na política em partido direitista e até morrer em 1930
sustentou que sua política para a marinha estava certa, culpando a todos, do
Kaiser ao exército, pela derrota alemã.
Wilhelm
sobreviveu por muitos anos, sempre muito pretensioso, mandão e farisaico.
Durante a guerra se transformara no “Kaiser Sombra.” Seus generais faziam o que
queriam em seu nome e, na verdade, pouca atenção lhe davam. Wilhelm instalou
seu quartel-general na pequena cidade belga de Spa, atrás das linhas da frente
ocidental, e passava os dias em uma rotina de cavalgadas matinais, algumas
horas de trabalho (que em grande parte consistia em conceder condecorações e
enviar telegramas cumprimentando seus oficiais), visitando hospitais, dando
passeios à tarde, jantando com seus generais e indo para a cama às onze.
Gostava de estar próximo à frente de combate para ouvir os tiros e, regressando
a Spa, poder dizer orgulhosamente que estivera na guerra. Como Hitler na guerra
seguinte, gostava de sonhar com o que faria após o conflito. Estava cheio de
planos para estimular as corridas de carros e reformar a sociedade berlinense.
Não haveria mais festas em hotéis e a aristocracia construiria seus próprios
palácios.[10] Seus auxiliares notaram que, à medida
que a guerra prosseguia, foi ficando macambúzio e se deprimia com mais
facilidade. Aos poucos, passaram a evitar passar-lhe más notícias, que ficavam
cada vez piores.[11]
Quando,
no outono de 1918, a derrota alemã ficou evidente, os militares fizeram planos
para o Kaiser morrer heroicamente em uma derradeira carga no campo de batalha.
Wilhelm não quis saber disso e continuou na vã esperança de preservar seu
trono. Piorando a situação da Alemanha, ele foi finalmente persuadido, em 9 de
novembro, a partir para a Holanda num trem especial, e a Alemanha se tornou
república no mesmo dia. O primeiro pedido de Wilhelm ao chegar à propriedade de
um aristocrata holandês que concordara em recebê-lo foi “uma xícara de bom chá
inglês.”[12] A despeito da pressão dos aliados, os
holandeses se recusaram a extraditá-lo, e ele passou os dias restantes de sua
vida em um pequeno palácio em Doorn. Ocupava-se derrubando árvores – 20 mil no
fim da década de 1920; escrevendo suas memórias, que, sem causar surpresa, não
demonstraram remorso pela guerra ou pela política que gerou o conflito; lendo
em inglês para seus auxiliares longos trechos de P.G. Wodehouse; insultando com
veemência a República de Weimar, os socialistas e os judeus; e acusando o povo
alemão de abandoná-lo, mas ainda acreditando que, um dia, seria chamado de
volta.
Observou
a ascensão de Hitler e dos názis com sentimento dúbio; achava que Hitler
pertencia à ralé e era vulgar, porém concordava com muitas de suas ideias,
especialmente quando significavam recuperar a grandeza da Alemanha. No entanto,
advertiu: “A grandeza vai desencaminhá-lo, tal como fez comigo.”[13] Wilhelm recebeu deliciado o começo da Segunda
Guerra Mundial e a sequência de vitórias alemãs. Morreu em 4 de junho de 1941,
menos de três semanas antes de Hitler invadir a Rússia, e está sepultado em
Doorn.[14]
Foi
ele o culpado pela Grande Guerra? Foi Tirpitz? Grey? Moltke? Berchtold?
Poincaré? Ou não há ninguém a quem culpar? Em vez disso, devemos prestar
atenção a instituições ou ideias? Estados-maiores com poder demais, governos
absolutistas, darwinismo social, o culto da ofensiva, nacionalismo? Há muitas
perguntas e outras tantas respostas. Talvez o máximo que possamos almejar seja compreender,
tanto quanto nos for possível, aqueles indivíduos que tiveram de fazer as
opções entre guerra e paz, suas forças e fraquezas, seus amores, ódios e
tendências. Para isso, precisamos entender também o seu mundo e as suas
premissas. Devemos lembrar, como lembraram os que tomaram as decisões, o que
aconteceu antes da crise de 1914 e as lições colhidas nas crises do Marrocos e
da Bósnia, e nos episódios das primeiras Guerras Balcânicas. O próprio sucesso
da Europa em sobreviver àquelas crises anteriores gerou, por paradoxo, uma
perigosa condescendência no verão de 1914, quando os mesmos dirigentes
acreditaram que mais uma vez uma solução surgiria nos últimos instantes e a paz
seria mantida. Se quisermos, daqui do século XXI, apontar culpados, de duas falhas
podemos acusar quem levou a Europa à guerra. Primeiro, de falta de imaginação
ao não perceberem quanto o conflito seria destrutivo; e segundo, falta de
coragem para se impor aos que afirmavam não haver outra escolha que não fosse a
guerra. Escolhas sempre há.”
[8] Smith, One Morning in
Sarajevo, 264-8.
[9] Fuller, The Foe
Within, cap. 8, passim.
[10] Craig, Germany, 1866-1945,
368.
[11] Cecil, Wilhelm II,
210-12.
[12] Ibid., 296.
[13] Joll, 1914, 6.
[14] Para uma boa descrição dos
últimos anos de Wilhelm, ver Cecil, Wilhelm II, caps. 14-16