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quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Medo: Trump na Casa Branca (Parte I), de Bob Woodward

Editora: Todavia

Opinião: ★★☆☆☆

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ISBN: 978-85-8880-836-2

Páginas: 432

Sinopse: Com detalhes sobre a rotina de Trump, diálogos e documentação inédita, MEDO é o mais íntimo retrato já publicado de um presidente em seus primeiros anos no cargo. MEDO: TRUMP NA CASA BRANCA, de Bob Woodward – um dos mais destacados repórteres políticos de todos os tempos –, é um livro que vem abalando a política norte-americana. O autor se vale de centenas de horas de entrevistas com fontes primárias, atas de reunião, diários pessoais, arquivos e documentos para revelar a maneira atabalhoada como são tomadas as decisões na Casa Branca. De assuntos-chave da política internacional, como a Coreia do Norte, Afeganistão, Irã, Oriente Médio, China e Rússia, a pontos cruciais da política interna, como imigração e a violência racial em Charlottesville, MEDO retrata “o colapso nervoso do poder executivo do país mais poderoso do mundo”, afirma Woodward.



De certo modo, Bannon esperara toda a sua vida adulta por aquele momento. “Aqui está a diferença”, explicou ele. “Vamos comparar e contrastar com Clinton. Eis o que você tem de se lembrar.” Ele recitou um de seus mantras: “As elites do país se sentem confortáveis em administrar o declínio. Certo?”.

Trump concordou com a cabeça.

“E os trabalhadores deste país não estão satisfeitos. Eles querem tornar a América grande novamente. Vamos simplificar a campanha. Hillary é a porta-voz de um status quo corrupto e incompetente de elites que se sentem à vontade em administrar o declínio. Você é o porta-voz do homem esquecido que quer tornar o país grande de novo. E vamos fazer isso com alguns poucos temas.

“Número um”, continuou Bannon, “vamos impedir a imigração ilegal e começar a limitar a imigração legal para recuperar nossa soberania. Número dois, você vai trazer empregos de volta ao país. E número três, vamos sair das guerras injustas no exterior.”

Não eram ideias novas para Trump. Uma semana antes, num discurso feito no Detroit Economic Club, em 8 de agosto, ele batera em todas aquelas teclas e acabara com Clinton.4 “Ela é a candidata do passado. A nossa campanha é o futuro.”

“Esses são os três grandes temas em que Hillary não pode se defender”, disse Bannon. “Ela é parte daquilo que abriu as fronteiras, é parte daquilo que fez acordos de comércio ruins e deixou os empregos irem para a China. Ela é a neoconservadora. Certo?”

Trump pareceu concordar que Hillary era neoconservadora.

“Ela apoiou todas as guerras”, disse Bannon. “Vamos martelar nisso. É só. Insista nisso.”

Bannon acrescentou que Trump tinha outra vantagem. Ele falava de um jeito que não parecia político. Era o que Barack Obama tinha feito em 2008 na disputa contra Hillary Clinton, que falou como a política treinada que era. Seu ritmo era excessivamente ensaiado. Mesmo quando dizia a verdade, ela parecia estar mentindo.

Políticos como Hillary não conseguem falar naturalmente, disse Bannon. Era um modo mecânico de falar, que vinha direto dos grupos de pesquisa e de discussão, de responder às questões em linguagem política. Era tranquilizante, não perturbava, não vinha do coração ou de uma profunda convicção, mas de pontos de discussão levantados por um consultor muito bem pago. Não era raivoso.

Trump disse: Tudo bem, então você passa a ser o diretor executivo da campanha.

4. Donald J. Trump, “Remarks to the Detroit Economic Club”, 8 ago. 2016. Postado por Gerhard Peters e John T. Woolley, The American Presidency Project. Disponível em: <www.presidency.ucsb.edu/ws/?pid=119744>.

 

 

Trump ligou para Reince Priebus para lhe dizer que Steve Bannon estava entrando na campanha como CEO. Priebus se surpreendeu que Trump escolhesse de novo alguém com pouca experiência na execução de qualquer coisa, mas não falou muito. Ele mudara de opinião sobre a operação Breitbart de Bannon. Depois de ser atacado por cerca de dois anos pelo Breitbart por fazer parte da elite republicana, desenvolvera uma nova estratégia: era muito mais fácil trabalhar com ele para não ser tão atacado.

 

Pesquisas mostravam que apenas 70% dos republicanos eram a favor de Trump. Eles precisavam de 90%. Era preciso que a máquina do partido ficasse do lado de Trump.

“Olha, você não me conhece”, disse Bannon. Ele tivera um encontro breve com Priebus anos antes. “Preciso que esteja aqui esta tarde. E com essa garota, Katie Walsh, que acabei de ouvir que é uma estrela.” Priebus e Walsh, chefe de gabinete do RNC, tinham o banco de dados republicano sobre todos os prováveis eleitores no país.

Bannon queria ter certeza de que o RNC não abandonaria Trump. Havia rumores sobre a desistência de doadores e todo mundo no partido tentando descobrir uma saída para aquela bagunça.

Esse não é o caso, Priebus assegurou. Não vamos a lugar algum.

“Temos de trabalhar em equipe”, disse Bannon.

“Acha que pode fazer isso?”

“Olha, Trump não se importa com detalhes”, disse Bannon. Cabia a eles decidir.

Bannon comentou mais tarde, com sua típica obscenidade: “Estendi a mão e chupei o pau de Reince Priebus em 15 de agosto, quando disse ao establishment: não podemos ganhar sem vocês”.

 

Mesmo que Trump e sua campanha não percebessem, Priebus sabia que Trump precisava do RNC. Trump quase não tinha operações de campo onde os eleitores estavam e não conhecia algumas das coisas mais fundamentais da política.

Priebus passara os últimos anos supervisionando um enorme esforço para reconstruir o RNC numa operação baseada em dados. Tomando emprestado de Obama sua estratégia vencedora de campanha, o comitê começou a investir enormes quantias — mais de 175 milhões de dólares — em análises e big data, rastreando eleitores de primárias e usando as informações em áreas divididas em “territórios” com exércitos de voluntários.

O tempo todo, a expectativa era de que, assim que o candidato republicano fosse escolhido, o RNC engataria o novo e brilhante vagão a um já bastante robusto aparato de campanha. Apesar de todos os ataques que o RNC sofrera durante as primárias — em determinado momento Trump o chamara de “desgraça” e “fraude”, e dissera que Priebus “deveria se envergonhar dele mesmo” —, o comitê era efetivamente a equipe de sua campanha.4

O primeiro passo era a equipe de campo obter uma cédula de voto ausente ou antecipado para eleitores que ela considerasse pró-Trump porque tinham pontuado noventa ou mais numa escala de zero a cem no banco de dados nacional. Em Ohio, com cerca de 6 milhões de eleitores, por volta de 1 milhão pontuaria noventa ou mais. Esse 1 milhão seria o alvo das cédulas de votação antecipada, e o pessoal de campo e os voluntários perseguiriam cada um até que o voto fosse enviado.

Em seguida, o pessoal de campo ia se mobilizar para persuadir aqueles que pontuavam sessenta ou setenta, tentando convencê-los a votar em Trump. O sistema foi projetado para reduzir a aleatoriedade do contato com os eleitores, garantindo que os voluntários e o pessoal de campo concentrassem seus esforços naqueles com maior probabilidade de votar em Trump. (...)

Bannon tentou conversar com Trump e explicar os refinamentos da estratégia e como se concentrar em determinados estados. O candidato não tinha interesse em falar sobre aquilo.

Bannon assegurou a Trump que tinha “certeza metafísica de que você vai ganhar aqui caso se atenha ao roteiro e compare e contraste” com Hillary Clinton. “Cada número subjacente está conosco.”

“Eu percebi”, disse Bannon mais tarde, que “eu sou o diretor e ele é o ator.”

 

Kellyanne Conway fora à convenção democrata de quatro dias na Filadélfia em julho. Ela escutara os discursos, conversara com delegados, aparecera na televisão. Suas observações moldaram sua estratégia. “A mensagem é que Donald Trump é ruim, e eles não são Donald Trump. O resto foi raça, gênero, LGBT.”

Conway cunhou a expressão “o eleitor escondido de Trump”. Tratava-se das pessoas que se viram perplexas com a possibilidade de voto à frente deles dizendo: “Meu Deus, meu pai, meu avô e eu estamos todos no sindicato. Vou votar em Donald Trump?”. Com um ponto de interrogação no final. “Vou votar em um republicano bilionário?” Outro ponto de interrogação.

“E tem essas mulheres que dizem: sou a favor da escolha […], mas não acho que Roe vs. Wade vá mudar.1 Não entendo por que não temos dinheiro para o dia a dia, então estou votando assim.”

Grande parte da mídia não comprou a ideia de “eleitores escondidos de Trump”. Mas o banco de dados de Priebus e Walsh deu ao Comitê Nacional Republicano e à campanha uma visão de quase tudo a respeito de cada provável eleitor: que cerveja ele bebia, a marca e a cor do carro que dirigia, a idade e a escola dos filhos, a situação da hipoteca, o cigarro que fumava. Tirava uma licença de caça todos os anos? Assinava revistas de armas ou liberais como The New Republic?

E Conway disse: “Não há um único eleitor de Hillary escondido em todo o país. Eles estão todos à mostra”.

Sobre a candidata democrata, disse: “Ela não parece ter uma mensagem. Em seu lugar, eu encontraria uma. Compraria uma. Que fosse muito positiva, edificante e otimista. Tudo o que pude ver dela até agora não foi assim”.

Clinton não havia atingido 50% em oito estados importantes em que Obama havia vencido duas vezes com mais que isso. Conway concordou com Bannon que se a campanha de Trump pudesse centrar a disputa em Hillary, e não em Trump, eles ganhariam com aqueles eleitores escondidos de Trump. Se a disputa se mantiver centrada em Trump, “provavelmente vamos perder”.

1. Caso judicial que levou ao reconhecimento do direito ao aborto pela Suprema Corte Americana em 1973. [N. T.]

4. Bob Cusack, “Trump Slams RNC Chairman, Calls 2016 Process ‘A Disgrace’”, The Hill, 12 abr. 2016.

 

 

“Bannon estava convencido de que Trump se sentia atordoado. “Ele não tinha ideia de que ia ganhar”, disse mais tarde. “E não se preparou. Nunca achou que perderia, mas tampouco achava que venceria. Existe uma diferença. E você precisa lembrar: sem preparação e sem equipe de transição.”

Pútin ligou da Rússia para lhe dar os parabéns, assim como o presidente Xi Jinping, da China. Muitos outros líderes mundiais ligaram. “Ele finalmente se tocou”, lembrou Bannon, “de que a coisa era para valer. Era um cara totalmente despreparado. Hillary Clinton passou toda a sua vida adulta se preparando para aquele momento. Trump não passou um segundo fazendo aquilo.”

Depois de algumas horas de sono, Bannon começou a folhear os documentos de transição. Lixo total, pensou. Para secretário de Defesa, sugeriam um grande doador de campanha de New Hampshire. Inacreditável. Havia 4 mil cargos para preencher. Ele percebeu que pelo menos temporariamente teriam de abraçar o establishment. Talvez uma palavra melhor fosse “depenar” — arrancar pessoas que sabiam alguma coisa.

 

 

“Em seguida, Cohn repetiu o que todos diziam: as taxas de juros subiriam em breve.

Concordo, disse Trump. “Devemos então tomar muito dinheiro emprestado agora e segurar para depois vender e lucrar.”

Cohn ficou espantado com a falta de compreensão básica de Trump. Ele tentou explicar: se você, como governo federal, pedir dinheiro emprestado através da emissão de títulos, aumentará o déficit americano.

Como assim?, perguntou Trump. Basta fazer as máquinas rodarem. Imprimir dinheiro.

Não funciona assim, disse Cohn. Temos enormes déficits, e eles são importantes. O governo não mantém o balanço desse modo. (...)

Você não pode imprimir dinheiro, disse Cohn.

“Por que não? Por que não?”

O Congresso tinha um teto de endividamento que estabelecia um limite para quanto dinheiro o governo federal poderia tomar emprestado, e aquilo era legalmente vinculante. Estava claro que Trump não entendia como funcionava o balanço do ciclo da dívida do governo americano.

A inflação provavelmente permaneceria estável. A automação está chegando, disse Cohn — inteligência artificial, máquinas inteligentes, robótica. Vamos administrar a oferta de trabalho de forma mais eficiente agora do que em toda a história da humanidade. Então veja, você está no momento mais precário em termos de perda de empregos. Hoje podemos criar mão de obra com máquinas.

“Se estiver por aqui dentro de oito anos, você vai ter de lidar com a automação do automóvel e do caminhão. Cerca de 25% da população dos Estados Unidos ganha a vida dirigindo um veículo. Pense nisso.”

“Do que está falando?”, perguntou Trump.

Com o veículo autônomo, que dispensa motorista, milhões de pessoas terão de entrar novamente na força de trabalho em empregos diferentes. Será uma grande mudança e possivelmente uma grande ruptura.

“Quero que você venha trabalhar para mim”, disse Trump.

“Fazendo o quê?”

Ele mencionou o cargo de vice-secretário de Defesa.

“Antes de tudo, não quero ser vice-secretário de nada”, disse Cohn.

E que tal diretor da inteligência nacional?

Cohn disse que não. Não tinha certeza do que fazia o ocupante daquele cargo. Mais tarde, ficou sabendo que implicava supervisionar a CIA e todas as outras agências de inteligência.

“Você negocia commodities”, disse Trump. “Por que não pensa em ser secretário de Energia?”

Nenhum interesse.

Trump tentou convencer Cohn a ser diretor do Gabinete de Administração e Orçamento.

Não. Cohn sabia que era um trabalho horrível.

“Quer saber?”, disse Trump no final do que se tornara uma reunião de uma hora. “Contratei o cara errado para secretário do Tesouro. Você deveria ficar no lugar dele. Seria o melhor secretário do Tesouro.”

Mnuchin, que estava ali mesmo, não disse nada nem demonstrou nenhuma reação.

“Volte e me diga o que quer”, disse Trump. “Seria ótimo ter você na equipe. Seria fantástico.”

Cinco minutos mais tarde, enquanto Cohn ainda estava no prédio, ele viu uma notícia na televisão: o presidente eleito Trump tinha escolhido Steve Mnuchin para secretário do Tesouro.2

“Isso é loucura”, disse Jared. “Mnuchin acabou de divulgar isso. Você o assustou demais na reunião.”

2. Donald J. Trump, “Press Release: President-Elect Donald J. Trump to Nominate Steven Mnuchin as Secretary of the Treasury, Wilbur Ross as Secretary of Commerce and Todd Ricketts as Deputy Secretary of Commerce”, 30 nov. 2016. Postado por Gerhard Peters e John T. Woolley, The American Presidency Project. Disponível em: <www.presidency.ucsb.edu/ws/?pid=119711>.

 

 

“Precisamos de um processo que garanta que estamos fazendo isso da maneira correta, que pensamos em todos os detalhes.” Porter fez um gesto em direção a Pence, Ross, Kushner e Navarro. “É ótimo que essas pessoas estejam aqui, mas Gary Cohn não está. Steve Mnuchin não está. Compreendo que queira agir rápido”, mas temos de ir mais devagar.

“Não me importo com nada disso”, disse Trump. “Quero isso na minha mesa até sexta-feira.”

 

Porter foi ver McMaster para arregimentar seu apoio. McMaster não estava muito envolvido na discussão sobre comércio, mas disse concordar que a retirada do Nafta seria um pesadelo para a segurança nacional, e um pesadelo desnecessário. Ia irritar os aliados. Estou com você, ele prometeu.

Foi convocada uma reunião de emergência para o dia seguinte, no Salão Roosevelt, com os secretários da área e os assessores seniores.1 O pavio tinha sido aceso. Aparentemente só tinham um ou dois dias antes de Trump assinar.

Enquanto Navarro pressionava pela retirada, o secretário de segurança interna John Kelly e outros disseram que passar a ideia de uma ameaça da saída dos Estados Unidos seria uma boa bandeira, mas efetivamente realizá-la seria catastrófico. Os Estados Unidos estariam dando um tiro no pé. Os efeitos seriam enormes. Ia perturbar os mercados financeiros e levar a retaliações imediatas. Parceiros de comércio em todo o mundo iam se perguntar o que viria em seguida.

Depois que a reunião se dispersou, a caminho do Salão Oval para repassar os documentos que Trump queria prontos, Porter deteve o secretário de Agricultura Sonny Perdue, que tinha acabado de assumir o cargo. Ele era um ex-governador republicano da Geórgia, o primeiro do partido desde a Reconstrução.

“Sonny”, disse Porter, “por que você não vem também?” Wilbur Ross se juntou a eles no Salão Oval.

“O Nafta foi uma enorme dádiva para os interesses agrícolas americanos”, disse Perdue a Trump. “Exportamos 39 bilhões por ano para o México e o Canadá. Sem isso, não teríamos mercado para esses produtos. As pessoas que mais vão perder se nos retirarmos do Nafta são sua base, seus apoiadores.”

Perdue mostrou a Trump um mapa dos Estados Unidos que indicava os estados e condados nos quais as perdas na agricultura e na indústria seriam mais duras. Muitos tinham votado em Trump.

“Não é apenas sua base”, disse Perdue, “é a sua base em estados que são importantes e oscilam em eleições presidenciais. O senhor simplesmente não pode fazer isso.”

“Tá”, disse Trump, “mas eles estão nos ferrando. Temos de fazer alguma coisa.”

O presidente decidiu que deveriam amplificar publicamente a retórica da ameaça, mas sem enviar o aviso de 180 dias.

Jared comunicou a Porter: “O presidente concordou em não se retirar por enquanto”.

Porter sabia que tudo com Trump era provisório, mas estava surpreso por terem chegado tão próximo do limite. E ainda não tinha terminado.

Peter Navarro entrou sorrateiramente no Salão Oval para uma reunião ad hoc não agendada com o presidente.

“A única coisa que fizemos foi nos retirarmos do TPP”, disse o presidente, referindo-se à Parceria Transpacífica. “Por que não fizemos nada mais quanto ao comércio?”

“O processo na secretaria de gabinete está segurando tudo”, disse Navarro.

“Madeleine.” Trump falava com sua assistente, Madeleine Westerhout. “Chame Rob aqui agora mesmo.”

Porter subiu correndo as escadas para o Salão Oval.

“Por que está adiando essa porra?”, Trump disse a Porter. “Por que não estamos terminando isso? Faça seu trabalho. Vamos. Você está me enrolando. Quero fazer isso.”

O presidente estava falando sério. Porter rascunhou uma carta de notificação prévia de 180 dias a ser assinada por Trump, dizendo que os Estados Unidos iam se retirar do Nafta.

Porter estava cada vez mais convencido de que aquilo poderia desencadear uma crise econômica e nas relações exteriores com o Canadá e o México. Foi ver Cohn.

“Posso impedir”, disse Cohn. “Vou simplesmente tirar o documento da mesa dele antes de ir embora.” Ele de fato tirou. “Se quiser mesmo assinar, vai precisar de outro.”

“Vamos fazer com que ande devagar também”, prometeu Porter.

Cohn sabia que o presidente poderia facilmente mandar preparar outra cópia, mas se o documento não estivesse ali na sua frente, ele provavelmente ia esquecê-lo. Se estivesse fora de vista, estaria fora da mente.

Porter concordou. A memória de Trump precisava de um gatilho — algo sobre a mesa, que tivesse lido no jornal ou visto na televisão. Ou de Peter Navarro se esgueirando novamente para o Salão Oval. Sem alguém ou algo que a ativasse, poderiam passar horas, dias ou até mesmo semanas até ele pensar: Espere aí, se vamos nos retirar, por que não o fizemos ainda? Sem um gatilho, talvez aquilo nunca acontecesse.

1. Revisão do autor de anotações feitas na ocasião por um participante.

 

 

Porter percebeu a presença de Scott Pruitt, administrador da Agência de Proteção Ambiental (EPA), no saguão da Casa Branca em 5 de abril. Ele foi o xerpa que guiou Pruitt durante sua confirmação no Senado, que terminou com uma votação apertada, por 52 a 46. Pruitt tinha sido procurador-geral de Oklahoma por seis anos, onde travara uma guerra contra as normas da EPA.

Eles jogaram conversa fora. Quando Pruitt foi até o Salão Oval, Porter o seguiu. Pruitt não estava na agenda regular. Era evidente que era uma reunião não agendada. Aquilo ficou claro quando Bannon apareceu no Salão Oval.

“Precisamos sair do Acordo de Paris”, Pruitt disse, entregando uma folha para o presidente ler que decidia pela saída do acordo. Precisamos sair, ele insistiu. “Foi um compromisso de campanha.”

“Sim, sim, sim”, Bannon disse várias vezes. “A gente tem que fazer isso agora.”

Faça este discurso, Pruitt disse. Essa poderia ser a sua declaração para a imprensa. Talvez seja o caso de ler esse texto para repórteres no Salão Oval e fazer com que o secretário de imprensa publique como declaração escrita.

Porter ficou surpreso. Como chefe de gabinete ele sabia que não tinha havido qualquer tramitação. Ninguém fora consultado. Não houvera análise legal. Pruitt e Bannon tinham entrado sorrateiramente no Salão Oval e queriam uma decisão instantânea sobre o mais importante tema ambiental internacional do nosso tempo.

Porter sabia que o papel sobre a mesa do presidente era incendiário. Trump podia pegá-lo, decidir ler em voz alta para os jornalistas ou levar para o secretário de imprensa Sean Spicer e dizer: publique isso. Quando teve oportunidade, Porter pegou o esboço de declaração de Pruitt da mesa de Trump.

Mais tarde ele disse a Bannon e a Pruitt que os dois não podiam simplesmente ir entrando no Salão Oval daquele jeito. Era uma imensa infração ao protocolo. Era inaceitável. (...)

Bannon via aquilo como mais um acordo globalizante que atrapalhava os Estados Unidos.

No fim, Cohn disse que eles evidentemente precisavam resolver as questões legais. “Mas acho que estamos começando a conseguir um consenso.” Ele tinha razão. O Acordo de Paris estava morto.

 

 

Como medida extrema, Hicks, Porter, Gary Cohn e o diretor de mídias sociais da Casa Branca Dan Scavino propuseram a criação de um comitê. Eles iam sugerir alguns tuítes que achavam que agradariam Trump. Caso o presidente tivesse uma ideia para um, poderia anotar ou chamar um deles que o texto seria avaliado. Os fatos estavam corretos? Havia erros de grafia? Aquilo fazia sentido? Servia aos objetivos do presidente?

“Acho que vocês têm razão”, Trump disse várias vezes. “A gente podia fazer isso.” Mas depois ele ignorava a maior parte das críticas ou das avaliações e fazia o que queria.

Quando Trump e o líder norte-coreano Kim Jong-un subiram o tom da retórica, o presidente americano foi alertado: “O Twitter pode levar o país a uma guerra”.

“É meu megafone”, repetiu Trump. “Não vamos chamar de Twitter. Vamos chamar de mídia social.” Embora a Casa Branca tivesse contas de Facebook e Instagram, Trump não as usava. Ele criou uma fixação pelo Twitter. “É assim que eu sou. É assim que me comunico. Foi isso que me elegeu. É o motivo do meu sucesso.”

Os tuítes não eram um detalhe da presidência, mas um ponto central. Trump mandava fazer impressões dos que recebiam 200 mil curtidas ou mais. Ele os estudava para descobrir temas comuns aos de maior sucesso. Parecia que queria se tornar mais estratégico, descobrir se o sucesso estava ligado ao tema, à linguagem ou simplesmente à surpresa de que o presidente estivesse palpitando. Os tuítes mais eficazes muitas vezes eram os mais chocantes.

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