Editora: Contracorrente
Opinião: ★★★☆☆
ISBN: 978-85-6922-074-9
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Páginas: 432
Sinopse: Ver Parte I
“É conhecida a extraordinária importância estratégica do Estado, quer para
o desenvolvimento capitalista na periferia, quer para um tipo de dominação
burguesa que se singulariza pela institucionalização política da autodefesa de
classe (para a preservação e a ampliação de privilégios econômicos; para a
política econômica posta calculadamente a serviço do alargamento da base
material do poder burguês; ou para ambas). A natureza de todas essas conexões
em função da dominação burguesa nem sempre é evidente. Contudo, em nações
capitalistas nas quais as funções classificadoras do mercado e as funções
estratificadoras do sistema de produção são tão limitadas, a ponto de o grosso
da população permanecer excluído do funcionamento normal do regime de classes e
da ordem social competitiva, somente as classes altas e médias chegam a
participar efetivamente das vantagens proporcionadas pelo desenvolvimento capitalista.
Essa participação é, em si mesma, um privilégio e só se pode manter na medida
em que outros privilégios, vitais para as situações de classe alta e média, são
intocáveis. A dominação da burguesia irradia-se de modo muito fraco da minoria
dominante para o resto da sociedade (ao contrário do que sucedeu nas nações
capitalistas hegemônicas, onde tal irradiação serviu de embasamento econômico
para a “democracia burguesa”). Ela se concentra no tope, nos 10, 15, 20 ou 25%
que têm rendas altas, monopolizam a cultura e o poder político, o que faz com
que o poder político indireto, nascido do poder econômico puro e simples, e o
poder especificamente político se confundam, atingindo o máximo de aglutinação,
e o Estado se constitua no veículo por excelência do poder burguês, que se
instrumentaliza através da maquinaria estatal até em matérias que não são nem
administrativas nem políticas. Isso explica a facilidade com que, no Brasil, as
classes possuidoras e privilegiadas passaram tão rapidamente, em 1964, da
automobilização social para a ação militar e política; como o Estado nacional
foi posto a serviço de fins particularistas da iniciativa privada; e por que as
várias elites das classes dominantes (econômicas, militares, políticas,
judiciárias, policiais, profissionais, culturais, religiosas etc.) encontraram
tão depressa um foco de unificação institucional de suas atividades. O Estado
aparece, portanto, como o segundo elemento, na ordem dos fatores de importância
estratégica para a solução da crise do poder burguês, no amplo movimento da
burguesia para se assegurar o êxito da transição para o capitalismo
monopolista. Isso se se tomar a questão em termos da criação de uma base
econômica adequada à dominação burguesa sob o capitalismo monopolista. Quando
se vê a mesma questão em termos dos fundamentos políticos dessa dominação, a
ordem dos fatores precisaria ser alterada. Os requisitos políticos do
desenvolvimento econômico sob o capitalismo monopolista dependente, como já foi
indicado acima, exigem um tão elevado grau de estabilidade política (pelo menos
nas fases de eclosão e de consolidação, que nos é dado observar) que só uma
extrema concentração do poder político estatal é capaz de garantir. Doutro
lado, nos momentos mais críticos da transição, que ainda não foram vencidos,
operou-se uma dissociação acentuada entre desenvolvimento econômico e
desenvolvimento político. Isso fez com que a restauração da dominação burguesa
levasse, de um lado, a um padrão capitalista altamente racional e modernizador
de desenvolvimento econômico; e, concomitantemente, servisse de pião a medidas
políticas, militares e policiais, contrarrevolucionárias, que atrelaram o
Estado nacional não à clássica democracia burguesa, mas a uma versão tecnocrática
da democracia restrita, a qual se poderia qualificar, com precisão
terminológica, como uma autocracia burguesa.”
“O
que se pode dizer, de um ponto de vista geral, é que sob o capitalismo
monopolista o desenvolvimento desigual da periferia se torna mais perverso e
“envenenado”. Não se voltando contra a dupla articulação, ele mantém, alarga e
aprofunda a dependência, ao mesmo tempo em que agrava o subdesenvolvimento
relativo (malgrado os efeitos de demonstração em contrário). Além disso, como
também desencadeia pressões fortes no sentido de crescer aceleradamente com
“recursos internos”, infunde novas distorções estruturais e dinâmicas no
processo de acumulação capitalista. Isso se revela particularmente grave em
duas esferas: 1) as fortes compressões conjunturais dos salários dos
trabalhadores; 2) desinflatores e outras técnicas de transferência de renda que
amparam, sistematicamente, os que podem “fazer poupança”, isto é, todos aqueles
que estão fora e acima da economia popular. Em contraste, o pequeno e exclusivo
exército dos “ricos”, “poderosos” e “modernos” — os grupos de rendas altas e
muito altas —, além de participar direta e desigualmente da prosperidade
induzida de fora, encontra novas facilidades de elevação da renda, graças a uma
política econômica e financeira delineada para fazer dele um dos eixos
dinâmicos da transição. Ele se projeta, assim, naquilo que se poderia descrever
como a “conexão positiva” do padrão de desenvolvimento capitalista-monopolista
dependente. Forma os estratos dos consumidores dos artigos de luxo e dos médios
ou grandes investidores; e encarna os desequilíbrios que esse novo padrão de
desenvolvimento introduz em estruturas econômicas, sociais e políticas que
pareciam não suportar maiores incrementos das desigualdades de classe, de
região ou de raça. (...)
Nas
condições em que se está dando, a transição para o capitalismo monopolista
impõe tendências de concentração social da riqueza que não podem ser nem
transitórias nem atenuadas com o tempo. Poderá haver uma diluição dos
contrastes mais sombrios na distribuição da renda, especialmente quando os
assalariados e as classes médias começarem a fazer pressão política, através
dos sindicatos e de outros meios. Contudo, aquelas tendências irão persistir,
contribuindo para preservar e até agravar os fatores internos que tomam a
articulação de economias desiguais, a partir de dentro, uma realidade
inelutável. É previsível que aí está o fundamento estrutural e dinâmico para
que as grandes corporações (estatais, nacionais ou estrangeiras), os “impérios
econômicos” e as metrópoles se transformem em formidáveis núcleos de
satelitização de grandes, pequenas e médias cidades e do campo, ou, em outras
palavras, do resto da economia e da sociedade brasileira. Do mesmo modo, nas
condições em que se está dando, a transição para o capitalismo monopolista não
pode concorrer para a autonomização do desenvolvimento capitalista. Ele captura
tudo — o mercado interno, o vasto sistema de produção capitalista em expansão,
o comércio internacional de matérias-primas e utilidades extraídas ou
produzidas no Brasil, parcelas do excedente econômico geradas internamente —
para os dinamismos e os controles econômicos das economias capitalistas
centrais e do mercado capitalista mundial. Por isso, o que se pensa ser o
“momento de predominância estrangeira” não poderá ser eliminado ou atenuado no
futuro (próximo ou remoto). Mais que sob o capitalismo competitivo, a drenagem
agora se faz sob a estratégia da bola de neve: ela se acelera, se avoluma e se
intensifica à medida que o desenvolvimento capitalista interno se acelera, se
avoluma e se intensifica. Nesse sentido, até as atividades econômicas diretas
do Estado nacional são satelitizadas, pois são absorvidas pela estratégia
externa de incorporação e por seus desdobramentos internos. E a iniciativa
privada interna, em qualquer proporção significativa, da agricultura, da
criação, da mineração, ao comércio interno e externo, à produção industrial,
aos bancos e aos serviços, terá de crescer sob o influxo dos dinamismos e dos
controles econômicos manipulados, direta ou indiretamente, a partir do
desenvolvimento das economias capitalistas centrais e do mercado capitalista
mundial. Chegou-se, pois, a um ponto em que a articulação no plano
internacional tende a esgotar todos os limites. Sob o capitalismo monopolista,
o imperialismo torna-se um imperialismo total. Ele não conhece fronteiras e não
tem freios. Opera a partir de dentro e em todas as direções, enquistando-se nas
economias, nas culturas e nas sociedades hospedeiras. A norma será: “o que é
bom para a economia norte-americana é bom para o Brasil” (e assim por diante).
Só que nunca se estabelecerão as diferenças entre a economia norte-americana
(ou as outras economias capitalistas centrais) e a economia brasileira. Nessa
situação, o industrialismo e a prosperidade capitalista virão finalmente, mas
trazendo consigo uma forma de articulação econômica às nações capitalistas
hegemônicas e ao mercado capitalista mundial que jamais poderá ser destruída,
mantidas as atuais condições, dentro e através do capitalismo.”
“Enquanto existir capitalismo haverá classes sociais e os mecanismos
básicos de relações de classes terão de passar por processos de acomodação,
competição e conflito das classes entre si. A dependência e o subdesenvolvimento
não eliminam esse fato. Apenas introduzem elementos novos na formação e na
manifestação de tais processos, que se ajustam, assim, à natureza do
capitalismo dependente e subdesenvolvido, o qual tende a introduzir maiores
desequilíbrios econômicos na base dos antagonismos de classes e controles
políticos mais rígidos sobre os seus efeitos. Nada disso pode impedir quer que
os antagonismos de classes “cresçam” e se “alterem”, de acordo com as
transformações do desenvolvimento capitalista; quer que eles operem, em cada
configuração socioeconômica e histórica do capitalismo, como reguladores do
comportamento coletivo dos indivíduos, como membros das classes sociais, e das
classes sociais, como unidades fundamentais da constituição estrutural e dinâmica
íntima da sociedade. Portanto, se houve uma alteração do padrão de
desenvolvimento capitalista no Brasil, isso significa que ocorreram,
simultaneamente, transformações na base econômica de organização das classes
sociais na superestrutura de suas relações entre si (não só em termos de
acomodação e de competição, mas também em termos de conflito). O conflito
reprimido e encoberto nem por isso deixa de existir, de estar presente nas
estruturas e nas relações de classes, ou seja, de expandir-se e de condicionar ou
causar as modificações que estamos testemunhando em nossa vida diária. Ainda
que a única parte visível do conflito de classes apareça em comportamentos
autodefensivos das classes dominantes e no teor agressivo de sua dominação de
classe, isso já basta ao sociólogo para fazer o seu diagnóstico e para
determinar que os antagonismos de classes estão ativos, fermentando nas
estruturas e dinamismos sociais em reelaboração, bem como na história que se
está construindo. É típico da sociedade de classes que as probabilidades de
ação econômica, social e política sejam afetadas pela desigualdade das classes.
Os antagonismos nem sempre podem subir à tona. Em dados momentos, essa
desigualdade confere às classes que detêm o poder a faculdade de tomar iniciativas
e até de usar, em seu proveito, ações agressivas de cunho autodefensivo, sem
que as demais classes disponham da possibilidade de responder automaticamente,
empregando por sua vez ações simétricas de agressão autodefensiva.”
“A relação entre a dominação burguesa e a transformação capitalista é
altamente variável. Não existe, como se supunha a partir de uma concepção
europeucêntrica (além do mais, válida apenas para os “casos clássicos de
Revolução Burguesa”), um único modelo básico democrático-burguês de
transformação capitalista. Atualmente, os cientistas sociais já sabem,
comprovadamente, que a transformação capitalista não se determina, de maneira
exclusiva, em função dos requisitos intrínsecos do desenvolvimento capitalista.
Ao contrário, esses requisitos (sejam os econômicos, sejam os socioculturais e
os políticos) entram em interação com os vários elementos econômicos
(naturalmente extra ou pré-capitalistas) e extraeconômicos da situação
histórico-social, característicos dos casos concretos que se considerem, e
sofrem, assim, bloqueios, seleções e adaptações que delimitam: 1) como se
concretizará, histórico-socialmente, a transformação capitalista; 2) o padrão
concreto de dominação burguesa (inclusive, como ela poderá compor os interesses
de classe extraburgueses e burgueses ou, também, os interesses de classe
internos e externos, se for o caso e como ela se impregnará de elementos
econômicos, socioculturais e políticos extrínsecos à transformação
capitalista); 3) quais são as probabilidades que tem a dominação burguesa de
absorver os requisitos centrais da transformação capitalista (tanto os
econômicos quanto os socioculturais e os políticos) e, vice-versa, quais são as
probabilidades que tem a transformação capitalista de acompanhar, estrutural,
funcional e historicamente, as polarizações da dominação burguesa, que possuam
um caráter histórico construtivo e criador.”
“A outra presunção errônea diz respeito à própria essência da dominação
burguesa nas economias capitalistas dependentes e subdesenvolvidas.
Associaram-se ao imperialismo efeitos de inibição dos elementos políticos do
capitalismo dependente (ou, alternativamente, de diferenciação regressiva do
poder burguês) que não são compatíveis com qualquer forma de dominação burguesa
e, muito menos, com o tipo de dominação burguesa requerido, especificamente,
pelas nações capitalistas dependentes e subdesenvolvidas. Ignorou-se que a
apropriação dual do excedente econômico — a partir de dentro, pela burguesia
nacional; e, a partir de fora, pelas burguesias das nações capitalistas
hegemônicas e por sua superpotência — exerce tremenda pressão sobre o padrão
imperializado (dependente e subdesenvolvido) de desenvolvimento capitalista,
provocando uma hipertrofia acentuada dos fatores sociais e políticos da
dominação burguesa. A extrema concentração social da riqueza, a drenagem para
fora de grande parte do excedente econômico nacional, a consequente
persistência de formas pré ou subcapitalistas de trabalho e a depressão medular
do valor do trabalho assalariado, em contraste com altos níveis de aspiração ou
com pressões compensadoras à democratização da participação econômica,
sociocultural e política produzem, isoladamente e em conjunto, consequências
que sobrecarregam e ingurgitam as funções especificamente políticas da
dominação burguesa (quer em sentido autodefensivo, quer numa direção puramente
repressiva). Criaram-se e criam-se, desse modo, requisitos sociais e políticos
da transformação capitalista e da dominação burguesa que não encontram contrapartida
no desenvolvimento capitalista das nações centrais e hegemônicas (mesmo onde a
associação de fascismo com expansão do capitalismo evoca o mesmo modelo geral
autocrático-burguês). Sob esse aspecto, o capitalismo dependente e
subdesenvolvido é um capitalismo selvagem e difícil, cuja viabilidade se
decide, com frequência, por meios políticos e no terreno político. E, ao
contrário do que se supôs e ainda se supõe em muitos círculos intelectuais, é
falso que as burguesias e os governos das nações capitalistas hegemônicas
tenham qualquer interesse em inibir ou perturbar tal fluxo do elemento
político, pelo enfraquecimento provocado das burguesias dependentes ou por
outros meios. Se fizessem isso, estariam fomentando a formação de burguesias de
espírito nacionalista revolucionário (dentro do capitalismo privado) ou
incentivando transições para o capitalismo de Estado e para o socialismo.
Estariam, portanto, trabalhando contra os seus interesses mais diretos, que
consistem na continuidade do desenvolvimento capitalista dependente e
subdesenvolvido.”
“Chegamos
aqui a um ponto geral de enorme importância teórica. As Revoluções Burguesas
“retardatárias” da parte dependente e subdesenvolvida da periferia não foram só
afetadas pelas alterações havidas na estrutura do mundo capitalista avançado. É
certo que as transformações ocorridas nas economias capitalistas centrais e
hegemônicas esvaziaram historicamente, de modo direto ou indireto, os papéis
econômicos, sociais e políticos das burguesias periféricas. Estas ficaram sem
base material para concretizar tais papéis, graças aos efeitos convergentes e
multiplicativos da drenagem do excedente econômico nacional, da incorporação ao
espaço econômico, cultural e político das nações capitalistas hegemônicas e da
dominação imperialista. Aí está o busílis da questão, desse ângulo: o porquê do
caráter retardatário das Revoluções Burguesas na periferia dependente e
subdesenvolvida do mundo capitalista. Mas há a outra face da medalha. A esse
atraso da revolução burguesa corresponde um “avanço da história”. As burguesias
que só agora chegaram ao vértice de suas possibilidades — e em condições tão
difíceis viram-se patrocinando uma transformação da ordem que perdeu todo o seu
significado revolucionário. Ela é parte da “Revolução Burguesa’’ porque se
integra a um processo que se prolonga no tempo e se reflete nas contradições
das classes que se enfrentam, historicamente, com objetivos antagônicos. No
fundo tais burguesias pretendem concluir uma revolução que, para outras classes,
encarna atualmente a própria contrarrevolução. A maioria já não é cega, mesmo
quando compartilha as “opções burguesas’’, ou se volta abertamente contra elas,
identificando-se com as esperanças criadas pelo socialismo, revolucionário ou
reformista.
Nessas
condições, há uma coexistência de revoluções antagônicas. Uma, que vem do
passado e chega a termo sem maiores perspectivas. Outra, que lança raízes
diretamente sobre “a construção do futuro no presente”. Não se deve ignorar —
nem descritiva nem interpretativamente — as implicações de tal fato e as
repercussões que um encadeamento dessa natureza desata na esfera concreta das
relações de classes. Ao contrário do chavão corrente, as burguesias não são,
sob o capitalismo dependente e subdesenvolvido, meras “burguesias compradoras”
(típicas de situações coloniais e neocoloniais, em sentido específico). Elas
detêm um forte poder econômico social e político, de base e de alcance
nacionais; possuem o controle da maquinaria do Estado nacional; e contam com
suporte externo para modernizar as formas de socialização, de cooptação, de
opressão ou de repressão inerentes à dominação burguesa. Torna-se, assim, muito
difícil deslocá-las politicamente através de pressões e conflitos mantidos
“dentro da ordem”; e é quase impraticável usar o espaço político, assegurado
pela ordem legal, para fazer explodir as contradições de classe, agravadas sob
as referidas circunstâncias. O “retardamento” da revolução burguesa, na parte
dependente e subdesenvolvida da periferia, adquire assim uma conotação política
especial. A burguesia não está só lutando, aí, para consolidar vantagens de
classe relativas ou para manter privilégios de classe. Ela luta,
simultaneamente, por sua sobrevivência e pela sobrevivência do capitalismo. Isso
introduz um elemento político em seus comportamentos de classe que não é típico
do capitalismo especialmente nas fases de maturação econômica, sociocultural e
política da dominação burguesa na Europa e nos Estados Unidos. Essa variação,
puramente histórica, é, no entanto, central para que se entenda o crescente
divórcio que se dá entre a ideologia e a utopia burguesas e a realidade criada
pela dominação burguesa. Entre a ruína final e o enrijecimento, essas
burguesias não têm muita escolha propriamente política (isto é, “racional”,
“inteligente” e “deliberada”). O idealismo burguês precisa ser posto de lado,
com seus compromissos mais ou menos fortes com qualquer reformismo autêntico,
com qualquer liberalismo radical, com qualquer nacionalismo democrático-burguês
mais ou menos congruente. A dominação burguesa revela-se à história, então, sob
seus traços irredutíveis e essenciais, que explicam as “virtudes” e os
“defeitos” e as “realizações históricas” da burguesia. A sua inflexibilidade e
a sua decisão para empregar a violência institucionalizada na defesa de
interesses materiais privados, de fins políticos particularistas; e sua coragem
de identificar-se com formas autocráticas de autodefesa e de
autoprivilegiamento. O “nacionalismo burguês” enceta assim um último giro,
fundindo a república parlamentar com o fascismo.
Isso
nos coloca, certamente, diante do poder burguês em sua manifestação histórica
mais extrema, brutal e reveladora, a qual se tornou possível e necessária
graças ao seu estado de paroxismo político. Um poder que se impõe sem rebuços
de cima para baixo, recorrendo a quaisquer meios para prevalecer, erigindo-se a
si mesmo em fonte de sua própria legitimidade e convertendo, por fim, o Estado
nacional e democrático em instrumento puro e simples de uma ditadura de classe
preventiva. Gostemos ou não, essa é a realidade que nos cabe observar, e diante
dela não nos é lícito ter qualquer ilusão. O máximo que se poderia dizer é que
a democracia e as identificações nacionalistas passariam por esse poder burguês
se a transformação capitalista e a dominação burguesa tivessem assumido (ou
pudessem assumir), a um tempo, outras formas e ritmos históricos diferentes.”
“O
principal tema é, naturalmente, de cunho teórico. Ele diz respeito à conexão
geral da dominação burguesa com a transformação capitalista, sob o capitalismo
dependente e subdesenvolvido na fase mais adiantada da eclosão industrial. Ele
impõe, pois, a discussão da forma, da natureza e das funções da dominação
burguesa nas condições em que se dá, concretamente, a transição do capitalismo
competitivo para o capitalismo monopolista, sem a desagregação do caráter
duplamente articulado da economia brasileira e com a intensificação da
dominação imperialista externa. Nesta etapa da discussão, não adianta levar em
conta alternativas utópicas da burguesia, alimentadas ideologicamente a partir
de dentro e de fora (como, por exemplo: que a ampliação e a aceleração do desenvolvimento
industrial promoveriam a destruição do “atraso econômico”, eliminando, por si
mesmas, a dependência e o subdesenvolvimento; isto é, suprimindo o caráter
duplamente articulado da economia brasileira e removendo, portanto, por
neutralizações de origem econômica, tecnológica e/ou política, as formas pré ou
subcapitalistas de relações econômicas e a dominação imperialista). Na verdade,
um maior controle do “atraso econômico” não implica, por si mesmo, supressão da
dependência e do subdesenvolvimento. Ele só modifica as condições em que ambos
se manifestam, em termos estruturais relativos, o que faz com que a dominação
burguesa tenha de ajustar-se, em sua forma, estruturas e dinamismos, a um tipo
de transformação capitalista em que a dupla articulação constitui a regra (ou
seja, no qual o desenvolvimento desigual interno e a dominação imperialista
externa constituem requisitos da acumulação capitalista e de sua
intensificação). (...)
A
dupla articulação não cria, apenas, o seu modelo de transformação capitalista.
Ela também engendra uma forma típica de dominação burguesa, adaptada
estrutural, funcional e historicamente, a um tempo, tanto às condições e aos
efeitos do desenvolvimento desigual interno quanto às condições e aos efeitos
da dominação imperialista externa. É preciso partir dessa constatação
fundamental, se se quiser entender, sociologicamente, as aspirações
socioeconômicas e as identificações políticas das classes que compõem a
burguesia no Brasil — e, em particular, o modo pelo qual essas classes
aplicaram, concretamente, suas fórmulas de revolução nacional. É claro que nada
impedia — a não ser a polarização conservadora da consciência burguesa,
exclusivistamente isolada dentro de seus interesses de classe e de dominação de
classe — que a revolução nacional fosse encaminhada de outra maneira, mesmo
dentro do capitalismo. Não é difícil, até, conceber uma alternativa “possível”,
pela qual a opção burguesa passaria por uma vertente radical, culminando na
destruição simultânea do desenvolvimento desigual interno e da dominação
imperialista externa. Contudo, isso não ocorreu (a não ser esporadicamente,
como manifestações extremistas da “vontade revolucionária” de certas facções
das classes burguesas). Quando a crise de transição atingiu o ápice, aquelas
definiram não só sua lealdade, mas também suas tarefas políticas e sua missão
histórica na direção de um “desenvolvimento acelerado” e de uma “revolução
institucional” que implicavam a mesma saída: a revolução nacional continuaria a
ser dimensionada pela infausta conjugação orgânica de desenvolvimento desigual
interno e dominação imperialista externa.”
“O fato de a revolução nacional estabelecer-se segundo semelhante
circuito fechado não invalida nem limita o significado estrutural, funcional e
histórico que ela deveria ter e tem para as classes burguesas. O problema
crucial, para estas, é a integração nacional de uma economia capitalista em
diferenciação e em crescimento, sob as condições e os efeitos inerentes à dupla
articulação (isto é, ao desenvolvimento desigual interno e à dominação
imperialista externa). Uma comparação que se mantivesse alerta às diferenças
essenciais específicas descobriria que, para elas, a revolução nacional possui
a mesma importância econômica, social e política que outras revoluções análogas
tiveram (ou têm) para as classes burguesas nas nações capitalistas hegemônicas.
Ela visa a assegurar a consolidação da dominação burguesa no nível político, de
modo a criar a base política necessária à continuidade da transformação capitalista,
o que nunca constitui um processo simples (por causa dos conflitos faccionais,
no bloco burguês; e da pressão de baixo para cima, visível ou não, das classes
operárias e destituídas). Doutro lado, graças às suas conexões estruturais e
dinâmicas com a dupla articulação, a revolução nacional sob o capitalismo
dependente engendra uma variedade especial de dominação burguesa: a que resiste
organizada e institucionalmente às pressões igualitárias das estruturas
nacionais da ordem estabelecida, sobrepondo-se e mesmo negando as impulsões
integrativas delas decorrentes. Configura-se, assim, um despotismo burguês e
uma clara separação entre sociedade civil e nação. Daí resulta, por sua vez,
que as classes burguesas tendem a identificar a dominação burguesa com um
direito natural “revolucionário” de mando absoluto, que deve beneficiar a parte
“ativa” e “esclarecida” da sociedade civil (todos os que se classificam em e
participam da ordem social competitiva); e, simetricamente, que elas tendem a
reduzir a nação a um ente abstrato (ou a uma ficção legal útil), ao qual só
atribuem realidade em situações nas quais ela encarne a vontade política da
referida minoria “ativa” e “esclarecida”.
Nesse
contexto histórico-social, a dominação burguesa não é só uma força socioeconômica
espontânea e uma força política regulativa. Ela polariza politicamente toda a
rede de ação auto defensiva e repressiva, percorrida pelas instituições ligadas
ao poder burguês, da empresa ao Estado, dando origem a uma formidável
superestrutura de opressão e de bloqueio, a qual converte, reativamente, a
própria dominação burguesa na única fonte de “poder político legítimo”. Mero
reflexo das relações materiais de produção, ela se insere, como estrutura de
dominação, no âmago mesmo dessas relações, inibindo, suprimindo ou
reorientando, espontânea e institucionalmente, os processos econômicos, sociais
e políticos por meio dos quais as demais classes ou quase-classes se defrontam
com a dominação burguesa. Isso explica, sociologicamente, como e por que a
dominação burguesa se erige no alfa e no ômega não só da continuidade do modelo
imperante de transformação capitalista como, ainda, da preservação ou da
alteração da ordem social correspondente. Ela se impõe como o ponto de partida
e de chegada de qualquer mudança social relevante; e se ergue como uma barreira
diante da qual se destroçam (pelo menos por enquanto) todas as tentativas de
oposição às concepções burguesas vigentes do que deve ser a “ordem legal” de
uma sociedade competitiva, a “segurança nacional”, a “democracia”, a “educação
democrática”, o “salário mínimo”, as “relações de classes”, a “liberdade
sindical”, o “desenvolvimento econômico”, a “civilização” etc. Desse ângulo,
dela provém a opção interna das classes burguesas por um tipo de capitalismo
que imola a sociedade brasileira às iniquidades do desenvolvimento desigual
interno e da dominação imperialista externa.”
“A
que necessidades econômicas, sociais e políticas responde essa máquina de
opressão de classe institucionalizada? As conexões diretas e indiretas,
mencionadas acima, indicam claramente que essa forma de dominação burguesa
constitui a verdadeira chave para explicar a existência e o aperfeiçoamento da
versão que nos coube do capitalismo, o capitalismo selvagem. O “capitalismo possível”
na periferia, na era da partilha do mundo entre as nações capitalistas
hegemônicas, as “empresas multinacionais” e as burguesias das “nações em
desenvolvimento” um capitalismo cuja realidade permanente vem a ser a
conjugação do desenvolvimento capitalista com a vida suntuosa de ricas e
poderosas minorias burguesas e com o florescimento econômico de algumas nações
imperialistas também ricas e poderosas. Um capitalismo que associa luxo, poder
e riqueza, de um lado, à extrema miséria, opróbrio e opressão, do outro. Enfim,
um capitalismo em que as relações de classe retornam ao passado remoto, como se
os mundos das classes socialmente antagônicas fossem os mundos de “nações”
distintas, reciprocamente fechados e hostis, numa implacável guerra civil latente.
Ao
particularizar essa função global, descobrimos três funções derivadas centrais
para essa forma de dominação burguesa. Primeiro, ela visa, acima de tudo,
preservar e fortalecer as condições econômicas, socioculturais e políticas
através das quais ela pode manter-se, renovar-se e revigorar-se, de maneira a
imprimir ao poder burguês, que ela contém, continuidade histórica e o máximo de
eficácia. Segundo, ela visa ampliar e aprofundar a incorporação estrutural e
dinâmica da economia brasileira no mercado, no sistema de produção e no sistema
de financiamento das nações capitalistas hegemônicas e da “comunidade
internacional de negócios”, com o objetivo de garantir o máximo de continuidade
e de intensidade aos processos de modernização tecnológica, de acumulação
capitalista e de desenvolvimento econômico, e de assegurar ao poder burguês
meios externos acessíveis de suporte, de renovação e de fortalecimento.
Terceiro, ela visa preservar, alargar e unificar os controles diretos e
indiretos da máquina do Estado pelas classes burguesas, de maneira a elevar ao
máximo a fluidez entre o poder político estatal e a própria dominação burguesa,
bem como a infundir ao poder burguês a máxima eficácia política, dando-lhe uma
base institucional de autoafirmação, de autodefesa e de autoirradiação de
natureza coativa e de alcance nacional.
As
duas primeiras funções derivadas pressupõem, na cena brasileira, a defesa
consciente, ativa e organizada (quando necessário), pelas classes burguesas, de
uma forma especial de solidariedade de classe, que articula mecanicamente, no
mesmo padrão de dominação econômica, social, cultural e política, interesses
capitalistas “nacionais” e “estrangeiros”, convergentes e divergentes, mais ou
menos conservadores e mais ou menos liberais, variavelmente compartilhados pela
“grande”, “média” e “pequena” burguesias e pela enorme massa de pessoal
estrangeiro das filiais das corporações e outras empresas estrangeiras. Essa
modalidade de aglutinação mecânica da solidariedade de classe burguesa acarreta
vários efeitos inibidores, tanto no que se refere ao desenvolvimento
capitalista quanto no que diz respeito às irradiações da dominação burguesa nos
níveis econômico, sociocultural e político.
De
um lado, só é essencial, para ela, a defesa e a promoção de interesses comuns
da burguesia nacional e internacional (relativos à intocabilidade da
propriedade privada, da iniciativa privada e do controle burguês do poder
político estatal); e a filtragem de interesses divergentes se na base de
concessões mútuas e de ajustamentos recíprocos, que anulam ou reduzem
drasticamente o impacto revolucionário dos deslocamentos de interesses
burgueses dominantes. Com isso, a própria dominação burguesa interpõe-se entre
os antagonismos de classe intrinsecamente burgueses e sua fermentação nas
esferas econômica, sociocultural e política. A unidade no bloco de classe
adquire um teor altamente conservador, que se pode polarizar, facilmente, em
torno de orientações de valor e de comportamento reacionários ou, até,
profundamente reacionários. Ela impõe, especialmente em matérias nas quais o
poder burguês assume conotações políticas, a adesão de todo o bloco ao que se
poderia descrever como principia media dos interesses e valores
burgueses nacionais e estrangeiros. Em consequência, tanto o reformismo burguês
(sirvam de ilustração os dilemas decorrentes da reforma agrária e da expansão
do mercado interno) quanto o movimento democrático-burguês (sirva de ilustração
o amortecimento da radicalização das classes médias) são sufocados a partir das
compulsões que emanam da própria dominação burguesa e da forma de solidariedade
de classe em que ela repousa. E a burguesia nacional converte-se,
estruturalmente, numa burguesia pró-imperialista, incapaz passar de mecanismos
autoprotetivos indiretos ou passivos para ações frontalmente antiimperialistas,
quer no plano dos negócios, quer no plano propriamente político e diplomático.
De
outro lado, essa modalidade de aglutinação mecânica da solidariedade de classe
burguesa atua como uma fonte de inibições quanto às possibilidades de
diferenciação, intensificação e autonomização progressiva do desenvolvimento
capitalista interno. Por paradoxal que pareça, certos imperativos universais
desse padrão de dominação burguesa compelem as classes burguesas a se omitirem
ou, mesmo, a se anularem diante de certas tarefas práticas especificamente
burguesas, as quais alargariam a amplitude da revolução nacional em processo e
o sentido da própria transformação capitalista. Essa omissão e neutralização
das potencialidades criadoras intrínsecas das classes burguesas provocam
consequências extremamente nocivas. A dupla articulação faz com que vários
focos de desenvolvimento econômico pré ou subcapitalistas mantenham,
indefinidamente, estruturas socioeconômicas e políticas arcaicas ou
semiarcaicas operando como impedimento à reforma agrária, à valorização do
trabalho, à proletarização do trabalhador, à expansão do mercado interno etc.
Ela também faz com que a especulação se desenrole num contexto que é antes
quase colonial que puramente capitalista, em todas as esferas da vida econômica
(embora com predomínio do setor industrial e financeiro; e do capitalismo
urbano-industrial sobre o capitalismo agrário). Ela impede também que as
estruturas econômicas efetivamente modernas ou modernizadas fiquem expostas a
controle societário eficiente, permitindo que a eclosão industrial continue
largamente submetida ao velho modelo dos ciclos econômicos, tão destrutivo para
o desenvolvimento orgânico de uma economia capitalista integrada em escala
nacional. A ausência desse controle societário eficiente confere ainda uma
liberdade quase total à “grande empresa”, nacional ou estrangeira, em todos os
ramos de negócios, e à devastadora penetração imperialista em todos os meandros
da vida econômica brasileira. Portanto, a própria forma de dominação burguesa
responde pela alienação das classes burguesas pela anulação de tarefas
econômicas, socioculturais e políticas que cabem à burguesia, enquanto o
desenvolvimento capitalista representar a fonte de dinamização da revolução
nacional. O pior é que isso ocorre em detrimento de processos que não se
constituirão espontaneamente na situação histórico-social brasileira. A dupla
articulação faz com que, naturalmente, o desenvolvimento desigual interno e a dominação
imperialista externa criem e reforcem pontos de estrangulamento estruturais no
seio mesmo da transformação capitalista. Para libertar-se do capitalismo
dependente e subdesenvolvido a burguesia brasileira precisaria livrar-se, com a
maior urgência, do atual padrão de dominação burguesa e de solidariedade de
classe. Ele nem sequer é uma relíquia histórica e, como tal, digno de ser
arquivado. Ele tem de ser posto no lixo, pois é antes uma armadilha, que tira
mais do que dá às classes burguesas. Se estas não forem capazes de fazer isso,
esse padrão de dominação de classe e de solidariedade de classe erigir-se-á,
fatalmente, em sua tumba.
A
terceira função derivada inclui duas conexões mais ou menos conhecidas. Uma,
que se relaciona com necessidades políticas de autoafirmação, autodefesa e
autoirradiação dos vários estratos da burguesia brasileira. Não é fácil
conduzir o barco, quando o desenvolvimento capitalista não guia a revolução
nacional com uma bússola firme e os extremos do espectro burguês se encontram
em formas subcapitalistas ou pré-capitalistas de produção agrária, na “empresa
multinacional” estrangeira e na “grande empresa estatal”. A convergência de
interesses pode ser obtida e até imposta, mas em dano dos papéis burgueses
negligenciados historicamente e quase sempre apenas durante certos lapsos de
tempo. Pode-se ignorar a história interna, sob certas condições de sufocação
dos interesses e dos conflitos de classes. Mas os ritmos históricos externos do
capitalismo são inexoráveis. Daí resulta um tipo especial de impotência
burguesa, que faz convergir para o Estado nacional o núcleo do poder de decisão
e de atuação da burguesia. O que esta não pode fazer na esfera privada tenta
conseguir utilizando, como sua base de ação estratégica, a maquinaria, os
recursos e o poder do Estado. Essa impotência — e não, em si mesma, a fraqueza
isolada do setor civil das classes burguesas colocou o Estado no centro da
evolução recente do capitalismo no Brasil e explica a constante atração daquele
setor pela associação com os militares e, por fim, pela militarização do Estado
e das estruturas político-administrativas, uma constante das nossas “crises”
desde a Proclamação da República. O padrão de dominação de classe e de
solidariedade de classe descrito facilitava semelhante composição, pela qual as
classes burguesas aliavam-se entre si, em um plano mais alto, convertendo a
mencionada impotência em seu reverso, em uma força relativamente incontrolável
(pelas demais classes e pelas pressões imperialistas externas). Portanto, o
Estado nacional não é uma peça contingente ou secundária desse padrão de
dominação burguesa. Ele está no cerne de sua existência e só ele, de fato, pode
abrir às classes burguesas o áspero caminho de uma revolução nacional, tolhida
e prolongada pelas contradições do capitalismo dependente e do
subdesenvolvimento.
A
outra conexão diz respeito às probabilidades de preservar a ordem burguesa
existente. Isto é, de impedir que as divergências no seio das classes burguesas
(variadas e profundas a ponto de exigir um mecanismo de unidade de classe e de
solidariedade de classe como o apontado acima) e, especialmente, que as
pressões de baixo para cima (tão fortes, apesar da aparente “apatia” do
proletariado, das classes trabalhadoras rurais e das classes destituídas, que
exigiram a sufocação dos meios de autoafirmação dessas classes) destruam as
precárias bases do equilíbrio econômico, social e político dessa ordem. Ainda
aqui o poder estatal surge como a estrutura principal e o verdadeiro dínamo do
poder burguês. Sem a incorporação a si mesma daquele poder e o congestionamento
que isso provocou nas funções do Estado a dominação burguesa teria desaparecido
como a brisa. Pois não pode, sob o capitalismo dependente e subdesenvolvido,
sustentar-se, impor-se coativamente e suplantar os conflitos de classes
apoiando-se exclusivamente nos meios privados de dominação de classe e nas
funções convencionais do Estado democrático-burguês. Por isso, em sua evolução
recente, o Estado nacional brasileiro foi plasmado pelas necessidades e
interesses das classes burguesas e, em particular, pelo peculiar enredamento do
padrão de dominação dessas classes com o controle de uma economia capitalista e
de uma sociedade de classes dependentes e subdesenvolvidas. Na medida em que puderam
tolher e unificar suas próprias reivindicações, congregando-se em torno de
interesses capitalistas internos e externos comuns ou articuláveis, elas
puderam silenciar e excluir as outras classes da luta pelo poder estatal,
conseguindo condições ideais para amolgar o Estado a seus próprios fins
coletivos particularistas. Além das demais condições favoráveis a esse
objetivo, que serão ventiladas adiante, a natureza autoritária do
presidencialismo e a forte lealdade dos militares à dominação burguesa, com sua
profunda e obstinada identificação com os alvos que ela perseguia, facilitaram
sobremaneira o processo implícito de domesticação particularista do Estado. É
claro, de outro lado, que a militarização das estruturas e das funções do
Estado nacional simplificou e fortaleceu todo o processo, conferindo,
finalmente, à vinculação da dominação burguesa com uma ditadura de classe
explícita e institucionalizada uma eficácia que ela jamais alcançaria sob o
Estado democrático-burguês convencional. Todavia, essa evolução não suprime a
vulnerabilidade da ordem burguesa, tão ampliada sob o capitalismo dependente e
subdesenvolvido. Ela apenas aumenta, nas condições históricas em que se tornou
possível, a eficácia da dominação burguesa. Na verdade, as próprias classes burguesas
possuem uma percepção social nítida do significado dos arranjos descritos. Eles
são instrumentais, adaptando o poder burguês às condições estáveis e instáveis
de uma revolução nacional constantemente abalada e enfraquecida pelos efeitos
implacáveis do desenvolvimento desigual interno e da dominação imperialista
externa.”