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quinta-feira, 18 de abril de 2024

A Revolução Burguesa no Brasil: Ensaio de Interpretação Sociológica (Parte III), de Florestan Fernandes

Editora: Contracorrente

Opinião: ★★★☆☆

ISBN: 978-85-6922-074-9

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Páginas: 432

Sinopse: Ver Parte I



“É conhecida a extraordinária importância estratégica do Estado, quer para o desenvolvimento capitalista na periferia, quer para um tipo de dominação burguesa que se singulariza pela institucionalização política da autodefesa de classe (para a preservação e a ampliação de privilégios econômicos; para a política econômica posta calculadamente a serviço do alargamento da base material do poder burguês; ou para ambas). A natureza de todas essas conexões em função da dominação burguesa nem sempre é evidente. Contudo, em nações capitalistas nas quais as funções classificadoras do mercado e as funções estratificadoras do sistema de produção são tão limitadas, a ponto de o grosso da população permanecer excluído do funcionamento normal do regime de classes e da ordem social competitiva, somente as classes altas e médias chegam a participar efetivamente das vantagens proporcionadas pelo desenvolvimento capitalista. Essa participação é, em si mesma, um privilégio e só se pode manter na medida em que outros privilégios, vitais para as situações de classe alta e média, são intocáveis. A dominação da burguesia irradia-se de modo muito fraco da minoria dominante para o resto da sociedade (ao contrário do que sucedeu nas nações capitalistas hegemônicas, onde tal irradiação serviu de embasamento econômico para a “democracia burguesa”). Ela se concentra no tope, nos 10, 15, 20 ou 25% que têm rendas altas, monopolizam a cultura e o poder político, o que faz com que o poder político indireto, nascido do poder econômico puro e simples, e o poder especificamente político se confundam, atingindo o máximo de aglutinação, e o Estado se constitua no veículo por excelência do poder burguês, que se instrumentaliza através da maquinaria estatal até em matérias que não são nem administrativas nem políticas. Isso explica a facilidade com que, no Brasil, as classes possuidoras e privilegiadas passaram tão rapidamente, em 1964, da automobilização social para a ação militar e política; como o Estado nacional foi posto a serviço de fins particularistas da iniciativa privada; e por que as várias elites das classes dominantes (econômicas, militares, políticas, judiciárias, policiais, profissionais, culturais, religiosas etc.) encontraram tão depressa um foco de unificação institucional de suas atividades. O Estado aparece, portanto, como o segundo elemento, na ordem dos fatores de importância estratégica para a solução da crise do poder burguês, no amplo movimento da burguesia para se assegurar o êxito da transição para o capitalismo monopolista. Isso se se tomar a questão em termos da criação de uma base econômica adequada à dominação burguesa sob o capitalismo monopolista. Quando se vê a mesma questão em termos dos fundamentos políticos dessa dominação, a ordem dos fatores precisaria ser alterada. Os requisitos políticos do desenvolvimento econômico sob o capitalismo monopolista dependente, como já foi indicado acima, exigem um tão elevado grau de estabilidade política (pelo menos nas fases de eclosão e de consolidação, que nos é dado observar) que só uma extrema concentração do poder político estatal é capaz de garantir. Doutro lado, nos momentos mais críticos da transição, que ainda não foram vencidos, operou-se uma dissociação acentuada entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento político. Isso fez com que a restauração da dominação burguesa levasse, de um lado, a um padrão capitalista altamente racional e modernizador de desenvolvimento econômico; e, concomitantemente, servisse de pião a medidas políticas, militares e policiais, contrarrevolucionárias, que atrelaram o Estado nacional não à clássica democracia burguesa, mas a uma versão tecnocrática da democracia restrita, a qual se poderia qualificar, com precisão terminológica, como uma autocracia burguesa.”

 

 

“O que se pode dizer, de um ponto de vista geral, é que sob o capitalismo monopolista o desenvolvimento desigual da periferia se torna mais perverso e “envenenado”. Não se voltando contra a dupla articulação, ele mantém, alarga e aprofunda a dependência, ao mesmo tempo em que agrava o subdesenvolvimento relativo (malgrado os efeitos de demonstração em contrário). Além disso, como também desencadeia pressões fortes no sentido de crescer aceleradamente com “recursos internos”, infunde novas distorções estruturais e dinâmicas no processo de acumulação capitalista. Isso se revela particularmente grave em duas esferas: 1) as fortes compressões conjunturais dos salários dos trabalhadores; 2) desinflatores e outras técnicas de transferência de renda que amparam, sistematicamente, os que podem “fazer poupança”, isto é, todos aqueles que estão fora e acima da economia popular. Em contraste, o pequeno e exclusivo exército dos “ricos”, “poderosos” e “modernos” — os grupos de rendas altas e muito altas —, além de participar direta e desigualmente da prosperidade induzida de fora, encontra novas facilidades de elevação da renda, graças a uma política econômica e financeira delineada para fazer dele um dos eixos dinâmicos da transição. Ele se projeta, assim, naquilo que se poderia descrever como a “conexão positiva” do padrão de desenvolvimento capitalista-monopolista dependente. Forma os estratos dos consumidores dos artigos de luxo e dos médios ou grandes investidores; e encarna os desequilíbrios que esse novo padrão de desenvolvimento introduz em estruturas econômicas, sociais e políticas que pareciam não suportar maiores incrementos das desigualdades de classe, de região ou de raça. (...)

Nas condições em que se está dando, a transição para o capitalismo monopolista impõe tendências de concentração social da riqueza que não podem ser nem transitórias nem atenuadas com o tempo. Poderá haver uma diluição dos contrastes mais sombrios na distribuição da renda, especialmente quando os assalariados e as classes médias começarem a fazer pressão política, através dos sindicatos e de outros meios. Contudo, aquelas tendências irão persistir, contribuindo para preservar e até agravar os fatores internos que tomam a articulação de economias desiguais, a partir de dentro, uma realidade inelutável. É previsível que aí está o fundamento estrutural e dinâmico para que as grandes corporações (estatais, nacionais ou estrangeiras), os “impérios econômicos” e as metrópoles se transformem em formidáveis núcleos de satelitização de grandes, pequenas e médias cidades e do campo, ou, em outras palavras, do resto da economia e da sociedade brasileira. Do mesmo modo, nas condições em que se está dando, a transição para o capitalismo monopolista não pode concorrer para a autonomização do desenvolvimento capitalista. Ele captura tudo — o mercado interno, o vasto sistema de produção capitalista em expansão, o comércio internacional de matérias-primas e utilidades extraídas ou produzidas no Brasil, parcelas do excedente econômico geradas internamente — para os dinamismos e os controles econômicos das economias capitalistas centrais e do mercado capitalista mundial. Por isso, o que se pensa ser o “momento de predominância estrangeira” não poderá ser eliminado ou atenuado no futuro (próximo ou remoto). Mais que sob o capitalismo competitivo, a drenagem agora se faz sob a estratégia da bola de neve: ela se acelera, se avoluma e se intensifica à medida que o desenvolvimento capitalista interno se acelera, se avoluma e se intensifica. Nesse sentido, até as atividades econômicas diretas do Estado nacional são satelitizadas, pois são absorvidas pela estratégia externa de incorporação e por seus desdobramentos internos. E a iniciativa privada interna, em qualquer proporção significativa, da agricultura, da criação, da mineração, ao comércio interno e externo, à produção industrial, aos bancos e aos serviços, terá de crescer sob o influxo dos dinamismos e dos controles econômicos manipulados, direta ou indiretamente, a partir do desenvolvimento das economias capitalistas centrais e do mercado capitalista mundial. Chegou-se, pois, a um ponto em que a articulação no plano internacional tende a esgotar todos os limites. Sob o capitalismo monopolista, o imperialismo torna-se um imperialismo total. Ele não conhece fronteiras e não tem freios. Opera a partir de dentro e em todas as direções, enquistando-se nas economias, nas culturas e nas sociedades hospedeiras. A norma será: “o que é bom para a economia norte-americana é bom para o Brasil” (e assim por diante). Só que nunca se estabelecerão as diferenças entre a economia norte-americana (ou as outras economias capitalistas centrais) e a economia brasileira. Nessa situação, o industrialismo e a prosperidade capitalista virão finalmente, mas trazendo consigo uma forma de articulação econômica às nações capitalistas hegemônicas e ao mercado capitalista mundial que jamais poderá ser destruída, mantidas as atuais condições, dentro e através do capitalismo.”

 

 

Enquanto existir capitalismo haverá classes sociais e os mecanismos básicos de relações de classes terão de passar por processos de acomodação, competição e conflito das classes entre si. A dependência e o subdesenvolvimento não eliminam esse fato. Apenas introduzem elementos novos na formação e na manifestação de tais processos, que se ajustam, assim, à natureza do capitalismo dependente e subdesenvolvido, o qual tende a introduzir maiores desequilíbrios econômicos na base dos antagonismos de classes e controles políticos mais rígidos sobre os seus efeitos. Nada disso pode impedir quer que os antagonismos de classes “cresçam” e se “alterem”, de acordo com as transformações do desenvolvimento capitalista; quer que eles operem, em cada configuração socioeconômica e histórica do capitalismo, como reguladores do comportamento coletivo dos indivíduos, como membros das classes sociais, e das classes sociais, como unidades fundamentais da constituição estrutural e dinâmica íntima da sociedade. Portanto, se houve uma alteração do padrão de desenvolvimento capitalista no Brasil, isso significa que ocorreram, simultaneamente, transformações na base econômica de organização das classes sociais na superestrutura de suas relações entre si (não só em termos de acomodação e de competição, mas também em termos de conflito). O conflito reprimido e encoberto nem por isso deixa de existir, de estar presente nas estruturas e nas relações de classes, ou seja, de expandir-se e de condicionar ou causar as modificações que estamos testemunhando em nossa vida diária. Ainda que a única parte visível do conflito de classes apareça em comportamentos autodefensivos das classes dominantes e no teor agressivo de sua dominação de classe, isso já basta ao sociólogo para fazer o seu diagnóstico e para determinar que os antagonismos de classes estão ativos, fermentando nas estruturas e dinamismos sociais em reelaboração, bem como na história que se está construindo. É típico da sociedade de classes que as probabilidades de ação econômica, social e política sejam afetadas pela desigualdade das classes. Os antagonismos nem sempre podem subir à tona. Em dados momentos, essa desigualdade confere às classes que detêm o poder a faculdade de tomar iniciativas e até de usar, em seu proveito, ações agressivas de cunho autodefensivo, sem que as demais classes disponham da possibilidade de responder automaticamente, empregando por sua vez ações simétricas de agressão autodefensiva.”

 

 

A relação entre a dominação burguesa e a transformação capitalista é altamente variável. Não existe, como se supunha a partir de uma concepção europeucêntrica (além do mais, válida apenas para os “casos clássicos de Revolução Burguesa”), um único modelo básico democrático-burguês de transformação capitalista. Atualmente, os cientistas sociais já sabem, comprovadamente, que a transformação capitalista não se determina, de maneira exclusiva, em função dos requisitos intrínsecos do desenvolvimento capitalista. Ao contrário, esses requisitos (sejam os econômicos, sejam os socioculturais e os políticos) entram em interação com os vários elementos econômicos (naturalmente extra ou pré-capitalistas) e extraeconômicos da situação histórico-social, característicos dos casos concretos que se considerem, e sofrem, assim, bloqueios, seleções e adaptações que delimitam: 1) como se concretizará, histórico-socialmente, a transformação capitalista; 2) o padrão concreto de dominação burguesa (inclusive, como ela poderá compor os interesses de classe extraburgueses e burgueses ou, também, os interesses de classe internos e externos, se for o caso e como ela se impregnará de elementos econômicos, socioculturais e políticos extrínsecos à transformação capitalista); 3) quais são as probabilidades que tem a dominação burguesa de absorver os requisitos centrais da transformação capitalista (tanto os econômicos quanto os socioculturais e os políticos) e, vice-versa, quais são as probabilidades que tem a transformação capitalista de acompanhar, estrutural, funcional e historicamente, as polarizações da dominação burguesa, que possuam um caráter histórico construtivo e criador.”

 

 

A outra presunção errônea diz respeito à própria essência da dominação burguesa nas economias capitalistas dependentes e subdesenvolvidas. Associaram-se ao imperialismo efeitos de inibição dos elementos políticos do capitalismo dependente (ou, alternativamente, de diferenciação regressiva do poder burguês) que não são compatíveis com qualquer forma de dominação burguesa e, muito menos, com o tipo de dominação burguesa requerido, especificamente, pelas nações capitalistas dependentes e subdesenvolvidas. Ignorou-se que a apropriação dual do excedente econômico — a partir de dentro, pela burguesia nacional; e, a partir de fora, pelas burguesias das nações capitalistas hegemônicas e por sua superpotência — exerce tremenda pressão sobre o padrão imperializado (dependente e subdesenvolvido) de desenvolvimento capitalista, provocando uma hipertrofia acentuada dos fatores sociais e políticos da dominação burguesa. A extrema concentração social da riqueza, a drenagem para fora de grande parte do excedente econômico nacional, a consequente persistência de formas pré ou subcapitalistas de trabalho e a depressão medular do valor do trabalho assalariado, em contraste com altos níveis de aspiração ou com pressões compensadoras à democratização da participação econômica, sociocultural e política produzem, isoladamente e em conjunto, consequências que sobrecarregam e ingurgitam as funções especificamente políticas da dominação burguesa (quer em sentido autodefensivo, quer numa direção puramente repressiva). Criaram-se e criam-se, desse modo, requisitos sociais e políticos da transformação capitalista e da dominação burguesa que não encontram contrapartida no desenvolvimento capitalista das nações centrais e hegemônicas (mesmo onde a associação de fascismo com expansão do capitalismo evoca o mesmo modelo geral autocrático-burguês). Sob esse aspecto, o capitalismo dependente e subdesenvolvido é um capitalismo selvagem e difícil, cuja viabilidade se decide, com frequência, por meios políticos e no terreno político. E, ao contrário do que se supôs e ainda se supõe em muitos círculos intelectuais, é falso que as burguesias e os governos das nações capitalistas hegemônicas tenham qualquer interesse em inibir ou perturbar tal fluxo do elemento político, pelo enfraquecimento provocado das burguesias dependentes ou por outros meios. Se fizessem isso, estariam fomentando a formação de burguesias de espírito nacionalista revolucionário (dentro do capitalismo privado) ou incentivando transições para o capitalismo de Estado e para o socialismo. Estariam, portanto, trabalhando contra os seus interesses mais diretos, que consistem na continuidade do desenvolvimento capitalista dependente e subdesenvolvido.”

 

 

“Chegamos aqui a um ponto geral de enorme importância teórica. As Revoluções Burguesas “retardatárias” da parte dependente e subdesenvolvida da periferia não foram só afetadas pelas alterações havidas na estrutura do mundo capitalista avançado. É certo que as transformações ocorridas nas economias capitalistas centrais e hegemônicas esvaziaram historicamente, de modo direto ou indireto, os papéis econômicos, sociais e políticos das burguesias periféricas. Estas ficaram sem base material para concretizar tais papéis, graças aos efeitos convergentes e multiplicativos da drenagem do excedente econômico nacional, da incorporação ao espaço econômico, cultural e político das nações capitalistas hegemônicas e da dominação imperialista. Aí está o busílis da questão, desse ângulo: o porquê do caráter retardatário das Revoluções Burguesas na periferia dependente e subdesenvolvida do mundo capitalista. Mas há a outra face da medalha. A esse atraso da revolução burguesa corresponde um “avanço da história”. As burguesias que só agora chegaram ao vértice de suas possibilidades — e em condições tão difíceis viram-se patrocinando uma transformação da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionário. Ela é parte da “Revolução Burguesa’’ porque se integra a um processo que se prolonga no tempo e se reflete nas contradições das classes que se enfrentam, historicamente, com objetivos antagônicos. No fundo tais burguesias pretendem concluir uma revolução que, para outras classes, encarna atualmente a própria contrarrevolução. A maioria já não é cega, mesmo quando compartilha as “opções burguesas’’, ou se volta abertamente contra elas, identificando-se com as esperanças criadas pelo socialismo, revolucionário ou reformista.

Nessas condições, há uma coexistência de revoluções antagônicas. Uma, que vem do passado e chega a termo sem maiores perspectivas. Outra, que lança raízes diretamente sobre “a construção do futuro no presente”. Não se deve ignorar — nem descritiva nem interpretativamente — as implicações de tal fato e as repercussões que um encadeamento dessa natureza desata na esfera concreta das relações de classes. Ao contrário do chavão corrente, as burguesias não são, sob o capitalismo dependente e subdesenvolvido, meras “burguesias compradoras” (típicas de situações coloniais e neocoloniais, em sentido específico). Elas detêm um forte poder econômico social e político, de base e de alcance nacionais; possuem o controle da maquinaria do Estado nacional; e contam com suporte externo para modernizar as formas de socialização, de cooptação, de opressão ou de repressão inerentes à dominação burguesa. Torna-se, assim, muito difícil deslocá-las politicamente através de pressões e conflitos mantidos “dentro da ordem”; e é quase impraticável usar o espaço político, assegurado pela ordem legal, para fazer explodir as contradições de classe, agravadas sob as referidas circunstâncias. O “retardamento” da revolução burguesa, na parte dependente e subdesenvolvida da periferia, adquire assim uma conotação política especial. A burguesia não está só lutando, aí, para consolidar vantagens de classe relativas ou para manter privilégios de classe. Ela luta, simultaneamente, por sua sobrevivência e pela sobrevivência do capitalismo. Isso introduz um elemento político em seus comportamentos de classe que não é típico do capitalismo especialmente nas fases de maturação econômica, sociocultural e política da dominação burguesa na Europa e nos Estados Unidos. Essa variação, puramente histórica, é, no entanto, central para que se entenda o crescente divórcio que se dá entre a ideologia e a utopia burguesas e a realidade criada pela dominação burguesa. Entre a ruína final e o enrijecimento, essas burguesias não têm muita escolha propriamente política (isto é, “racional”, “inteligente” e “deliberada”). O idealismo burguês precisa ser posto de lado, com seus compromissos mais ou menos fortes com qualquer reformismo autêntico, com qualquer liberalismo radical, com qualquer nacionalismo democrático-burguês mais ou menos congruente. A dominação burguesa revela-se à história, então, sob seus traços irredutíveis e essenciais, que explicam as “virtudes” e os “defeitos” e as “realizações históricas” da burguesia. A sua inflexibilidade e a sua decisão para empregar a violência institucionalizada na defesa de interesses materiais privados, de fins políticos particularistas; e sua coragem de identificar-se com formas autocráticas de autodefesa e de autoprivilegiamento. O “nacionalismo burguês” enceta assim um último giro, fundindo a república parlamentar com o fascismo.

Isso nos coloca, certamente, diante do poder burguês em sua manifestação histórica mais extrema, brutal e reveladora, a qual se tornou possível e necessária graças ao seu estado de paroxismo político. Um poder que se impõe sem rebuços de cima para baixo, recorrendo a quaisquer meios para prevalecer, erigindo-se a si mesmo em fonte de sua própria legitimidade e convertendo, por fim, o Estado nacional e democrático em instrumento puro e simples de uma ditadura de classe preventiva. Gostemos ou não, essa é a realidade que nos cabe observar, e diante dela não nos é lícito ter qualquer ilusão. O máximo que se poderia dizer é que a democracia e as identificações nacionalistas passariam por esse poder burguês se a transformação capitalista e a dominação burguesa tivessem assumido (ou pudessem assumir), a um tempo, outras formas e ritmos históricos diferentes.”

 

 

“O principal tema é, naturalmente, de cunho teórico. Ele diz respeito à conexão geral da dominação burguesa com a transformação capitalista, sob o capitalismo dependente e subdesenvolvido na fase mais adiantada da eclosão industrial. Ele impõe, pois, a discussão da forma, da natureza e das funções da dominação burguesa nas condições em que se dá, concretamente, a transição do capitalismo competitivo para o capitalismo monopolista, sem a desagregação do caráter duplamente articulado da economia brasileira e com a intensificação da dominação imperialista externa. Nesta etapa da discussão, não adianta levar em conta alternativas utópicas da burguesia, alimentadas ideologicamente a partir de dentro e de fora (como, por exemplo: que a ampliação e a aceleração do desenvolvimento industrial promoveriam a destruição do “atraso econômico”, eliminando, por si mesmas, a dependência e o subdesenvolvimento; isto é, suprimindo o caráter duplamente articulado da economia brasileira e removendo, portanto, por neutralizações de origem econômica, tecnológica e/ou política, as formas pré ou subcapitalistas de relações econômicas e a dominação imperialista). Na verdade, um maior controle do “atraso econômico” não implica, por si mesmo, supressão da dependência e do subdesenvolvimento. Ele só modifica as condições em que ambos se manifestam, em termos estruturais relativos, o que faz com que a dominação burguesa tenha de ajustar-se, em sua forma, estruturas e dinamismos, a um tipo de transformação capitalista em que a dupla articulação constitui a regra (ou seja, no qual o desenvolvimento desigual interno e a dominação imperialista externa constituem requisitos da acumulação capitalista e de sua intensificação). (...)

A dupla articulação não cria, apenas, o seu modelo de transformação capitalista. Ela também engendra uma forma típica de dominação burguesa, adaptada estrutural, funcional e historicamente, a um tempo, tanto às condições e aos efeitos do desenvolvimento desigual interno quanto às condições e aos efeitos da dominação imperialista externa. É preciso partir dessa constatação fundamental, se se quiser entender, sociologicamente, as aspirações socioeconômicas e as identificações políticas das classes que compõem a burguesia no Brasil — e, em particular, o modo pelo qual essas classes aplicaram, concretamente, suas fórmulas de revolução nacional. É claro que nada impedia — a não ser a polarização conservadora da consciência burguesa, exclusivistamente isolada dentro de seus interesses de classe e de dominação de classe — que a revolução nacional fosse encaminhada de outra maneira, mesmo dentro do capitalismo. Não é difícil, até, conceber uma alternativa “possível”, pela qual a opção burguesa passaria por uma vertente radical, culminando na destruição simultânea do desenvolvimento desigual interno e da dominação imperialista externa. Contudo, isso não ocorreu (a não ser esporadicamente, como manifestações extremistas da “vontade revolucionária” de certas facções das classes burguesas). Quando a crise de transição atingiu o ápice, aquelas definiram não só sua lealdade, mas também suas tarefas políticas e sua missão histórica na direção de um “desenvolvimento acelerado” e de uma “revolução institucional” que implicavam a mesma saída: a revolução nacional continuaria a ser dimensionada pela infausta conjugação orgânica de desenvolvimento desigual interno e dominação imperialista externa.”

 

 

O fato de a revolução nacional estabelecer-se segundo semelhante circuito fechado não invalida nem limita o significado estrutural, funcional e histórico que ela deveria ter e tem para as classes burguesas. O problema crucial, para estas, é a integração nacional de uma economia capitalista em diferenciação e em crescimento, sob as condições e os efeitos inerentes à dupla articulação (isto é, ao desenvolvimento desigual interno e à dominação imperialista externa). Uma comparação que se mantivesse alerta às diferenças essenciais específicas descobriria que, para elas, a revolução nacional possui a mesma importância econômica, social e política que outras revoluções análogas tiveram (ou têm) para as classes burguesas nas nações capitalistas hegemônicas. Ela visa a assegurar a consolidação da dominação burguesa no nível político, de modo a criar a base política necessária à continuidade da transformação capitalista, o que nunca constitui um processo simples (por causa dos conflitos faccionais, no bloco burguês; e da pressão de baixo para cima, visível ou não, das classes operárias e destituídas). Doutro lado, graças às suas conexões estruturais e dinâmicas com a dupla articulação, a revolução nacional sob o capitalismo dependente engendra uma variedade especial de dominação burguesa: a que resiste organizada e institucionalmente às pressões igualitárias das estruturas nacionais da ordem estabelecida, sobrepondo-se e mesmo negando as impulsões integrativas delas decorrentes. Configura-se, assim, um despotismo burguês e uma clara separação entre sociedade civil e nação. Daí resulta, por sua vez, que as classes burguesas tendem a identificar a dominação burguesa com um direito natural “revolucionário” de mando absoluto, que deve beneficiar a parte “ativa” e “esclarecida” da sociedade civil (todos os que se classificam em e participam da ordem social competitiva); e, simetricamente, que elas tendem a reduzir a nação a um ente abstrato (ou a uma ficção legal útil), ao qual só atribuem realidade em situações nas quais ela encarne a vontade política da referida minoria “ativa” e “esclarecida”.

Nesse contexto histórico-social, a dominação burguesa não é só uma força socioeconômica espontânea e uma força política regulativa. Ela polariza politicamente toda a rede de ação auto defensiva e repressiva, percorrida pelas instituições ligadas ao poder burguês, da empresa ao Estado, dando origem a uma formidável superestrutura de opressão e de bloqueio, a qual converte, reativamente, a própria dominação burguesa na única fonte de “poder político legítimo”. Mero reflexo das relações materiais de produção, ela se insere, como estrutura de dominação, no âmago mesmo dessas relações, inibindo, suprimindo ou reorientando, espontânea e institucionalmente, os processos econômicos, sociais e políticos por meio dos quais as demais classes ou quase-classes se defrontam com a dominação burguesa. Isso explica, sociologicamente, como e por que a dominação burguesa se erige no alfa e no ômega não só da continuidade do modelo imperante de transformação capitalista como, ainda, da preservação ou da alteração da ordem social correspondente. Ela se impõe como o ponto de partida e de chegada de qualquer mudança social relevante; e se ergue como uma barreira diante da qual se destroçam (pelo menos por enquanto) todas as tentativas de oposição às concepções burguesas vigentes do que deve ser a “ordem legal” de uma sociedade competitiva, a “segurança nacional”, a “democracia”, a “educação democrática”, o “salário mínimo”, as “relações de classes”, a “liberdade sindical”, o “desenvolvimento econômico”, a “civilização” etc. Desse ângulo, dela provém a opção interna das classes burguesas por um tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira às iniquidades do desenvolvimento desigual interno e da dominação imperialista externa.”

 

 

“A que necessidades econômicas, sociais e políticas responde essa máquina de opressão de classe institucionalizada? As conexões diretas e indiretas, mencionadas acima, indicam claramente que essa forma de dominação burguesa constitui a verdadeira chave para explicar a existência e o aperfeiçoamento da versão que nos coube do capitalismo, o capitalismo selvagem. O “capitalismo possível” na periferia, na era da partilha do mundo entre as nações capitalistas hegemônicas, as “empresas multinacionais” e as burguesias das “nações em desenvolvimento” um capitalismo cuja realidade permanente vem a ser a conjugação do desenvolvimento capitalista com a vida suntuosa de ricas e poderosas minorias burguesas e com o florescimento econômico de algumas nações imperialistas também ricas e poderosas. Um capitalismo que associa luxo, poder e riqueza, de um lado, à extrema miséria, opróbrio e opressão, do outro. Enfim, um capitalismo em que as relações de classe retornam ao passado remoto, como se os mundos das classes socialmente antagônicas fossem os mundos de “nações” distintas, reciprocamente fechados e hostis, numa implacável guerra civil latente.

Ao particularizar essa função global, descobrimos três funções derivadas centrais para essa forma de dominação burguesa. Primeiro, ela visa, acima de tudo, preservar e fortalecer as condições econômicas, socioculturais e políticas através das quais ela pode manter-se, renovar-se e revigorar-se, de maneira a imprimir ao poder burguês, que ela contém, continuidade histórica e o máximo de eficácia. Segundo, ela visa ampliar e aprofundar a incorporação estrutural e dinâmica da economia brasileira no mercado, no sistema de produção e no sistema de financiamento das nações capitalistas hegemônicas e da “comunidade internacional de negócios”, com o objetivo de garantir o máximo de continuidade e de intensidade aos processos de modernização tecnológica, de acumulação capitalista e de desenvolvimento econômico, e de assegurar ao poder burguês meios externos acessíveis de suporte, de renovação e de fortalecimento. Terceiro, ela visa preservar, alargar e unificar os controles diretos e indiretos da máquina do Estado pelas classes burguesas, de maneira a elevar ao máximo a fluidez entre o poder político estatal e a própria dominação burguesa, bem como a infundir ao poder burguês a máxima eficácia política, dando-lhe uma base institucional de autoafirmação, de autodefesa e de autoirradiação de natureza coativa e de alcance nacional.

As duas primeiras funções derivadas pressupõem, na cena brasileira, a defesa consciente, ativa e organizada (quando necessário), pelas classes burguesas, de uma forma especial de solidariedade de classe, que articula mecanicamente, no mesmo padrão de dominação econômica, social, cultural e política, interesses capitalistas “nacionais” e “estrangeiros”, convergentes e divergentes, mais ou menos conservadores e mais ou menos liberais, variavelmente compartilhados pela “grande”, “média” e “pequena” burguesias e pela enorme massa de pessoal estrangeiro das filiais das corporações e outras empresas estrangeiras. Essa modalidade de aglutinação mecânica da solidariedade de classe burguesa acarreta vários efeitos inibidores, tanto no que se refere ao desenvolvimento capitalista quanto no que diz respeito às irradiações da dominação burguesa nos níveis econômico, sociocultural e político.

De um lado, só é essencial, para ela, a defesa e a promoção de interesses comuns da burguesia nacional e internacional (relativos à intocabilidade da propriedade privada, da iniciativa privada e do controle burguês do poder político estatal); e a filtragem de interesses divergentes se na base de concessões mútuas e de ajustamentos recíprocos, que anulam ou reduzem drasticamente o impacto revolucionário dos deslocamentos de interesses burgueses dominantes. Com isso, a própria dominação burguesa interpõe-se entre os antagonismos de classe intrinsecamente burgueses e sua fermentação nas esferas econômica, sociocultural e política. A unidade no bloco de classe adquire um teor altamente conservador, que se pode polarizar, facilmente, em torno de orientações de valor e de comportamento reacionários ou, até, profundamente reacionários. Ela impõe, especialmente em matérias nas quais o poder burguês assume conotações políticas, a adesão de todo o bloco ao que se poderia descrever como principia media dos interesses e valores burgueses nacionais e estrangeiros. Em consequência, tanto o reformismo burguês (sirvam de ilustração os dilemas decorrentes da reforma agrária e da expansão do mercado interno) quanto o movimento democrático-burguês (sirva de ilustração o amortecimento da radicalização das classes médias) são sufocados a partir das compulsões que emanam da própria dominação burguesa e da forma de solidariedade de classe em que ela repousa. E a burguesia nacional converte-se, estruturalmente, numa burguesia pró-imperialista, incapaz passar de mecanismos autoprotetivos indiretos ou passivos para ações frontalmente antiimperialistas, quer no plano dos negócios, quer no plano propriamente político e diplomático.

De outro lado, essa modalidade de aglutinação mecânica da solidariedade de classe burguesa atua como uma fonte de inibições quanto às possibilidades de diferenciação, intensificação e autonomização progressiva do desenvolvimento capitalista interno. Por paradoxal que pareça, certos imperativos universais desse padrão de dominação burguesa compelem as classes burguesas a se omitirem ou, mesmo, a se anularem diante de certas tarefas práticas especificamente burguesas, as quais alargariam a amplitude da revolução nacional em processo e o sentido da própria transformação capitalista. Essa omissão e neutralização das potencialidades criadoras intrínsecas das classes burguesas provocam consequências extremamente nocivas. A dupla articulação faz com que vários focos de desenvolvimento econômico pré ou subcapitalistas mantenham, indefinidamente, estruturas socioeconômicas e políticas arcaicas ou semiarcaicas operando como impedimento à reforma agrária, à valorização do trabalho, à proletarização do trabalhador, à expansão do mercado interno etc. Ela também faz com que a especulação se desenrole num contexto que é antes quase colonial que puramente capitalista, em todas as esferas da vida econômica (embora com predomínio do setor industrial e financeiro; e do capitalismo urbano-industrial sobre o capitalismo agrário). Ela impede também que as estruturas econômicas efetivamente modernas ou modernizadas fiquem expostas a controle societário eficiente, permitindo que a eclosão industrial continue largamente submetida ao velho modelo dos ciclos econômicos, tão destrutivo para o desenvolvimento orgânico de uma economia capitalista integrada em escala nacional. A ausência desse controle societário eficiente confere ainda uma liberdade quase total à “grande empresa”, nacional ou estrangeira, em todos os ramos de negócios, e à devastadora penetração imperialista em todos os meandros da vida econômica brasileira. Portanto, a própria forma de dominação burguesa responde pela alienação das classes burguesas pela anulação de tarefas econômicas, socioculturais e políticas que cabem à burguesia, enquanto o desenvolvimento capitalista representar a fonte de dinamização da revolução nacional. O pior é que isso ocorre em detrimento de processos que não se constituirão espontaneamente na situação histórico-social brasileira. A dupla articulação faz com que, naturalmente, o desenvolvimento desigual interno e a dominação imperialista externa criem e reforcem pontos de estrangulamento estruturais no seio mesmo da transformação capitalista. Para libertar-se do capitalismo dependente e subdesenvolvido a burguesia brasileira precisaria livrar-se, com a maior urgência, do atual padrão de dominação burguesa e de solidariedade de classe. Ele nem sequer é uma relíquia histórica e, como tal, digno de ser arquivado. Ele tem de ser posto no lixo, pois é antes uma armadilha, que tira mais do que dá às classes burguesas. Se estas não forem capazes de fazer isso, esse padrão de dominação de classe e de solidariedade de classe erigir-se-á, fatalmente, em sua tumba.

A terceira função derivada inclui duas conexões mais ou menos conhecidas. Uma, que se relaciona com necessidades políticas de autoafirmação, autodefesa e autoirradiação dos vários estratos da burguesia brasileira. Não é fácil conduzir o barco, quando o desenvolvimento capitalista não guia a revolução nacional com uma bússola firme e os extremos do espectro burguês se encontram em formas subcapitalistas ou pré-capitalistas de produção agrária, na “empresa multinacional” estrangeira e na “grande empresa estatal”. A convergência de interesses pode ser obtida e até imposta, mas em dano dos papéis burgueses negligenciados historicamente e quase sempre apenas durante certos lapsos de tempo. Pode-se ignorar a história interna, sob certas condições de sufocação dos interesses e dos conflitos de classes. Mas os ritmos históricos externos do capitalismo são inexoráveis. Daí resulta um tipo especial de impotência burguesa, que faz convergir para o Estado nacional o núcleo do poder de decisão e de atuação da burguesia. O que esta não pode fazer na esfera privada tenta conseguir utilizando, como sua base de ação estratégica, a maquinaria, os recursos e o poder do Estado. Essa impotência — e não, em si mesma, a fraqueza isolada do setor civil das classes burguesas colocou o Estado no centro da evolução recente do capitalismo no Brasil e explica a constante atração daquele setor pela associação com os militares e, por fim, pela militarização do Estado e das estruturas político-administrativas, uma constante das nossas “crises” desde a Proclamação da República. O padrão de dominação de classe e de solidariedade de classe descrito facilitava semelhante composição, pela qual as classes burguesas aliavam-se entre si, em um plano mais alto, convertendo a mencionada impotência em seu reverso, em uma força relativamente incontrolável (pelas demais classes e pelas pressões imperialistas externas). Portanto, o Estado nacional não é uma peça contingente ou secundária desse padrão de dominação burguesa. Ele está no cerne de sua existência e só ele, de fato, pode abrir às classes burguesas o áspero caminho de uma revolução nacional, tolhida e prolongada pelas contradições do capitalismo dependente e do subdesenvolvimento.

A outra conexão diz respeito às probabilidades de preservar a ordem burguesa existente. Isto é, de impedir que as divergências no seio das classes burguesas (variadas e profundas a ponto de exigir um mecanismo de unidade de classe e de solidariedade de classe como o apontado acima) e, especialmente, que as pressões de baixo para cima (tão fortes, apesar da aparente “apatia” do proletariado, das classes trabalhadoras rurais e das classes destituídas, que exigiram a sufocação dos meios de autoafirmação dessas classes) destruam as precárias bases do equilíbrio econômico, social e político dessa ordem. Ainda aqui o poder estatal surge como a estrutura principal e o verdadeiro dínamo do poder burguês. Sem a incorporação a si mesma daquele poder e o congestionamento que isso provocou nas funções do Estado a dominação burguesa teria desaparecido como a brisa. Pois não pode, sob o capitalismo dependente e subdesenvolvido, sustentar-se, impor-se coativamente e suplantar os conflitos de classes apoiando-se exclusivamente nos meios privados de dominação de classe e nas funções convencionais do Estado democrático-burguês. Por isso, em sua evolução recente, o Estado nacional brasileiro foi plasmado pelas necessidades e interesses das classes burguesas e, em particular, pelo peculiar enredamento do padrão de dominação dessas classes com o controle de uma economia capitalista e de uma sociedade de classes dependentes e subdesenvolvidas. Na medida em que puderam tolher e unificar suas próprias reivindicações, congregando-se em torno de interesses capitalistas internos e externos comuns ou articuláveis, elas puderam silenciar e excluir as outras classes da luta pelo poder estatal, conseguindo condições ideais para amolgar o Estado a seus próprios fins coletivos particularistas. Além das demais condições favoráveis a esse objetivo, que serão ventiladas adiante, a natureza autoritária do presidencialismo e a forte lealdade dos militares à dominação burguesa, com sua profunda e obstinada identificação com os alvos que ela perseguia, facilitaram sobremaneira o processo implícito de domesticação particularista do Estado. É claro, de outro lado, que a militarização das estruturas e das funções do Estado nacional simplificou e fortaleceu todo o processo, conferindo, finalmente, à vinculação da dominação burguesa com uma ditadura de classe explícita e institucionalizada uma eficácia que ela jamais alcançaria sob o Estado democrático-burguês convencional. Todavia, essa evolução não suprime a vulnerabilidade da ordem burguesa, tão ampliada sob o capitalismo dependente e subdesenvolvido. Ela apenas aumenta, nas condições históricas em que se tornou possível, a eficácia da dominação burguesa. Na verdade, as próprias classes burguesas possuem uma percepção social nítida do significado dos arranjos descritos. Eles são instrumentais, adaptando o poder burguês às condições estáveis e instáveis de uma revolução nacional constantemente abalada e enfraquecida pelos efeitos implacáveis do desenvolvimento desigual interno e da dominação imperialista externa.”

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