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terça-feira, 17 de novembro de 2020

Tudo que é sólido desmancha no ar (Parte III), de Marshall Berman

Editora: Companhia de Bolso

ISBN: 978-85-3591-030

Tradução: Carlos Felipe Moisés e Ana Maria L. Ioratti

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 466

Sinopse: Ver Parte I


1905: MAIS LUZ, MAIS SOMBRAS

Em 1905 Petersburgo se tornara um grande centro industrial, com perto de 200 mil operários de fábricas, mais da metade dos quais havia migrado do campo desde 1890. Agora, as descrições dos distritos industriais da cidade começam a apresentar um sintoma nervoso: “As fábricas cercavam a cidade como se formassem um anel, espremendo o centro comercial- administrativo da cidade com seu abraço”.57 Desde 1896, data de uma greve têxtil que tomou toda a cidade, notavelmente disciplinada e coordenada, os trabalhadores de Petersburgo ocupam um ponto importante no mapa político europeu.

No domingo, 9 de janeiro de 1905, uma multidão desses operários, chegando a 200 mil homens, mulheres e crianças, move- se em massa de todos os pontos em direção ao centro da cidade, determinados a alcançar o palácio aonde levam todas as vias de Petersburgo. São conduzidos pelo encantador e carismático padre George Gapon, um capelão de confiança do Estado nas Metalúrgicas Putilov e organizador do Conselho de Operários de Fábrica de Petersburgo. As pessoas vão explicitamente sem armas (os ajudantes de Gapon revistaram a multidão e desarmaram algumas pessoas) e sem violência. Muitos levam imagens e cartazes do czar Nicolau ii, e as pessoas entoam “Deus salve o czar” pelo caminho. O padre Gapon pediu ao czar que aparecesse perante o povo no palácio de Inverno e atendesse a suas necessidades, que ele trazia escritas em um pergaminho:

SENHOR — Nós, operários e residentes da cidade de São Petersburgo, de várias classes e condições sociais, nossas esposas, nossos filhos e nossos desamparados velhos pais, viemos a Vós, Senhor, para buscar justiça e proteção. Nós nos tornamos indigentes; estamos oprimidos e sobrecarregados de trabalho, além de nossas forças; não somos reconhecidos como seres humanos, mas tratados como escravos que devem suportar em silêncio seu amargo destino. Nós o temos suportado e estamos sendo empurrados mais e mais para as profundezas da miséria, injustiça e ignorância. Estamos sendo tão sufocados pela justiça e lei arbitrária que não mais podemos respirar. Senhor, não temos mais forças! Nossas resistências estão no fim. Chegamos ao terrível momento em que é preferível a morte a prosseguir neste intolerável sofrimento.

Portanto, paramos de trabalhar e dissemos a nossos patrões que não voltaríamos até que cumprissem as nossas exigências.

A petição então exige jornada de trabalho de oito horas, salário mínimo de um rublo por dia, a abolição da hora extra compulsória sem vencimentos e a liberdade de organização para os trabalhadores. Mas estas primeiras reivindicações são endereçadas primeiramente aos patrões e apenas indiretamente ao próprio czar. Logo após, porém, seguem-se reivindicações políticas radicais a que apenas o czar poderia atender: uma assembleia constituinte democraticamente eleita (“Esta é nossa principal reivindicação; nela tudo se baseia; ela é […] o emplastro para nossas dolorosas feridas”); garantias de liberdade de expressão, de imprensa e de reunião; processo legal justo; um sistema de educação gratuita para todos; finalmente, um fim para a desastrosa guerra entre Rússia e Japão. A petição, aí, conclui:

Estas, Senhor, são nossas necessidades principais, razão pela qual viemos a Vós. Buscamos aqui nossa derradeira salvação. Não recuseis assistência ao vosso povo. Entregai seu destino às suas próprias mãos. Livrai-os da intolerável opressão dos oficiais. Destruí o muro entre Vós e vosso povo e deixai que governem o país a vosso lado. […]

Ordenai e fazei um juramento de realizar estas medidas, e fareis a Rússia feliz e famosa, e Vosso nome estará gravado para sempre em nossos corações e nos corações dos que vierem depois de nós.

Se não ordenardes e se não responderdes a nossa prece, morreremos aqui nesta praça diante do Vosso palácio. Não temos aonde ir, e nem por que ir. Temos apenas dois caminhos: um que leva à liberdade e à felicidade, e outro que leva à sepultura… Deixai que nossas vidas sejam um sacrifício pela Rússia sofredora. Oferecemos este sacrifício, não com rancor, mas com alegria.58

O padre Gapon nunca chegou a ler essa petição ao czar: Nicolau e sua família haviam partido da Capital às pressas e deixado o comando a cargo de seus oficiais. Eles planejaram um confronto bem diferente daquele que os trabalhadores esperavam. Quando as pessoas se aproximaram do palácio, destacamentos de tropas, 20 mil soldados fortemente armados, as cercaram e nelas atiraram a curta distância. Nunca se soube quantas pessoas foram mortas naquele dia — o governo admitiu 130, mas estimativas dignas de confiança afirmam que o total chegou a mil —, porém todos souberam de imediato que toda uma época da história russa havia concluído abruptamente e uma revolução começara.

Segundo Bertram Wolfe, diante dos eventos do “Domingo Sangrento”, “milhões de mentes primitivas saltaram da Idade Média para o século XX. Eles vieram com amor e reverência depositar seus problemas aos pés de seu Querido Pai Czar. As balas e o sangue varreram todos os vestígios de amor e credulidade. Agora eles se sabiam órfãos e tinham de resolver seus problemas sozinhos”. Essa é a opinião corrente sobre o 9 de janeiro e é, no geral, correta. Porém, erra ao subestimar a evolução da massa de Petersburgo anterior às balas e ao sangue. Trotski, no seu relato de participante da Revolução de 1905, descreve a demonstração de Gapon como uma tentativa de diálogo entre o proletariado e a monarquia nas ruas.59 A exigência do povo de dialogar com o seu governante nas ruas não é o trabalho de “mentes primitivas” ou de almas infantis; é uma ideia que expressa a modernidade e a maturidade de um povo. A demonstração de 9 de janeiro é uma forma de modernidade que emerge do solo distinto de Petersburgo. Ela expressa as mais profundas necessidades e ambivalências das pessoas comuns que essa cidade originou: sua mistura volátil de deferência e desafio, de devoção ardente a seus superiores, e a igualmente ardente determinação de serem eles mesmos; sua disposição a arriscar tudo, mesmo suas vidas, por um encontro direto nas ruas, um encontro ao mesmo tempo pessoal e político, através do qual seriam pelo menos — como disse o Homem do Subterrâneo na década de 1860, e a petição de Gapon repete numa escala de massa em 1905 — “reconhecidos como seres humanos”.

A contribuição mais original e duradoura de Petersburgo à política moderna nasceu nove meses depois: o Soviete ou Conselho de Trabalhadores. O Soviete de Delegados de Trabalhadores de Petersburgo irrompeu em cena, praticamente do dia para a noite, no começo de outubro de 1905. Morreu jovem, com a Revolução de 1905, mas reapareceu, primeiro em Petersburgo e depois em toda a Rússia, no ano revolucionário de 1917. Tem sido, ao longo de todo o século XX, uma inspiração para radicais e povos oprimidos no mundo todo. O nome “União das Repúblicas Socialistas Soviéticas” o reverencia, mesmo que a realidade daquele Estado o profane. Muitos daqueles que têm se oposto à União Soviética na Europa oriental, inclusive os que contra ele se rebelaram na Hungria, Tchecoslováquia e Polônia, têm sido inspirados por uma visão daquilo que uma verdadeira “sociedade soviética” deveria ser.

Trotski, um dos espíritos mais tocantes daquele primeiro Soviete de Petersburgo, descreveu-o como “uma organização que tinha autoridade sem ter, contudo, tradição; que podia mobilizar imediatamente uma massa dispersa de milhares de pessoas, sem ter praticamente nenhuma máquina organizacional; que unia as correntes revolucionárias do proletariado; que era capaz de iniciativa espontânea e autocontrole, e, mais importante que tudo, podia ser trazida do subterrâneo em 24 horas”. O soviete “paralisava o Estado autocrático por meio de (uma) greve insurrecional” e agia para “introduzir sua própria ordem democrática livre na vida do operariado”.60 Era talvez a forma de democracia mais radicalmente participativa desde a Grécia antiga. A caracterização de Trotski, embora um tanto idealizada, é pertinente exceto em um ponto. Trotski diz que o Soviete de Petersburgo “não tinha tradição”. Esse capítulo deve tornar claro como o soviete provém diretamente da rica e vibrante tradição petersburguense de política pessoal, de política através de encontros pessoais frontais nas ruas e praças da cidade.

Todos os gestos corajosos e fúteis das gerações de funcionários comuns de Petersburgo — “Ainda acertaremos as contas! e fugiu apressadamente” —, todas as “demonstrações ridículas e infantis” dos Homens do Subterrâneo raznochintsy são aí, momentaneamente, redimidos.

Mas, se 1905 é um ano de confrontos e epifanias face a face em Petersburgo, é também um ano de ambiguidades e mistérios intensificados, de círculos girando no interior de círculos, de portas se fechando por si mesmas. Nenhuma figura é mais profundamente ambígua que o próprio padre Gapon, filho de camponeses ucranianos, um andarilho intermitente e tolstoiano, que organizou seu sindicato sob os auspícios da polícia secreta. Zubatov, chefe da divisão da polícia secreta em Moscou, tinha alimentado a ideia de organizar os trabalhadores industriais em sindicatos moderados que desviariam a ira operária do governo para os patrões; seu experimento foi batizado como “socialismo da polícia”. Gapon foi um recruta ambicioso e brilhante. Contudo, tal como haviam já dito os críticos de Zubatov, o agente policial foi arrebatado pelas necessidades e energias de seus trabalhadores e levou o movimento para além dos limites de decoro estabelecidos pela polícia. A própria fé ingênua de Gapon no czar — não partilhada por seus cínicos e experientes superiores — ajudou a impelir a cidade e a nação para o desastroso confronto de 9 de janeiro.

Ninguém se chocou tanto com os eventos do Domingo Sangrento quanto Gapon, e, aparentemente, também ninguém se inflamou com tanto ardor revolucionário do dia para a noite. No subterrâneo, e, depois, no exílio, Gapon lançou uma série de manifestos explosivos: “Não há mais czar!”, ele proclamava. Pedia “bombas e dinamite, terrorismo individual ou de massa — tudo que possa contribuir para um levante nacional”. Lenin encontrou Gapon em Genebra (depois de Plekhanov ter se recusado a vê-lo) e ficou fascinado por seu radicalismo ingênuo e intensamente religioso — muito mais típico das massas russas, como disse Lenin mais tarde, que seu próprio marxismo. Todavia, ele aconselhou o padre a estudar, a clarificar e solidificar seu pensamento político e, acima de tudo, a se precaver contra a notoriedade rápida e a bajulação.

Gapon, quando veio a Genebra, nutria esperanças de fazer uso de seu prestígio para unir todas as forças revolucionárias, porém foi logo derrotado pelo sectarismo e as intrigas dessas forças. Então partiu para Londres, onde foi recebido como celebridade, cortejado por milionários e mimado pelas damas da sociedade. Conseguiu muito dinheiro para a causa revolucionária, mas não sabia o que fazer com ele, porque nunca teve ideias coerentes a respeito. Após uma tentativa frustrada de contrabando de armas, encontrou-se isolado e desamparado e, à medida que a Revolução se imobilizava, tornou-se progressivamente mais deprimido e desesperado. Retornou à Rússia secretamente em 1906 — e tentou reingressar na polícia! Ofereceu-se para delatar quaisquer pessoas em troca de generosas somas de dinheiro; porém, Pincus Rutenberg, um de seus camaradas mais íntimos durante e após janeiro de 1905 (e coautor de seu manifesto), descobriu sua duplicidade e o entregou a um tribunal secreto de trabalhadores, que o assassinou em uma casa solitária na Finlândia, em abril de 1906. As massas ainda veneravam Gapon e por anos persistiram na crença de que ele havia sido assassinado pela polícia.61 Uma história digna de Dostoievski em seus momentos mais negros: um Homem do Subterrâneo que vem à luz do sol num momento heroico, apenas para submergir, afundar-se mais à medida que se debate, até ser finalmente enterrado.

Um mistério que perdura na história de Gapon é este: se a polícia e o Ministério do Interior sabiam o que ele estava fazendo nas semanas e dias que antecederam o 9 de janeiro, por que não interromperam a demonstração antes que ela pudesse ser iniciada — por exemplo, prendendo todos os organizadores —, ou então por que não pressionaram o governo a fazer um gesto conciliatório que mantivesse os trabalhadores sob controle? Alguns historiadores acreditam que a polícia havia relaxado sua vigilância no fim de 1904, confiando em que Gapon mantivesse os trabalhadores sob controle, subestimando insensatamente a volatilidade de seu próprio agente, assim como a dos trabalhadores sob sua responsabilidade. Outros fazem uso do argumento de que, pelo contrário, a polícia não só sabia o que ia acontecer em 9 de janeiro, mas desejava que acontecesse, e, de fato, incentivaram tanto Gapon quanto o governo nessa direção — pois, ajudando a precipitar o país no caos revolucionário, poderiam criar um pretexto e uma atmosfera apropriada para a repressão e a reação draconianas que esperavam desencadear.

Esta imagem da polícia czarista poderia parecer absurda e paranoica, se não tivesse sido provado, sem margem de dúvidas, que entre 1902 e 1908 a polícia havia subsidiado uma onda de terrorismo político. Um ramo secreto do populista Partido Social Revolucionário, que levou a cabo uma série de assassinatos de altos oficiais — sua mais proeminente vítima foi o grão-duque Sergei, tio do czar, governador militar de Moscou —, estava em ação o tempo todo, sem que seus membros o soubessem, sob a direção de um agente policial, Evni Azev, com conhecimento e conivência dos superiores de Azev. O que torna a história especialmente bizarra é que o mais espetacular assassinato do grupo, e que recebeu maior aclamação pública, foi dirigido a seu próprio empregador, o temido Viacheslav von Plehve, o ministro do Interior do czar, o oficial encarregado da polícia secreta, e o homem sob cujos auspícios o grupo havia sido formado! Entre tentativas de assassinato, Azev entregou muitos terroristas à polícia; ao mesmo tempo, entregou outros agentes policiais nas mãos dos terroristas. As atividades de Azev foram finalmente desmascaradas em 1908, e toda a política (e mística) do terrorismo foi decisivamente atribuída à esquerda. Contudo, isso não impediu que outro agente de polícia, mais uma vez agindo sob a máscara de revolucionário, assassinasse outro ministro do Interior, Piotr Stolipin, no verão de 1911.

Azev, outro personagem saído das páginas de Dostoievski, é fonte de inesgotável fascínio para todos aqueles que estudam o período de 1905. Mas ninguém até hoje esclareceu suas notáveis maquinações, ou penetrou no âmago — se houve âmago — de seu ser.62 Porém, o fato de que suas iniciativas assassinas, que visavam paralisar o governo e mergulhar o país no caos, emanaram do interior do próprio governo confirma um argumento que defendi no início deste livro: o niilismo dos modernos revolucionários é uma pálida sombra do niilismo das forças da Ordem. A única coisa clara a respeito de Azev e de seus companheiros, também agentes duplos, e dos oficiais que os apadrinharam é que juntos criaram uma atmosfera política desesperançadamente envolta em mistério, uma atmosfera em que qualquer coisa poderia vir a se revelar como seu oposto radical, de modo que a ação era desesperadamente necessária, todavia seu sentido era fatalmente obscuro. Nesse momento, a reputação tradicional de Petersburgo como cidade espectral e surreal assumiu nova urgência e proeminência.”

57 Citado por Zelnik, em seu Labor and society in tsarist Russia, p. 60.

58 Há várias versões desse documento, nenhuma delas definitiva. Reuni essa versão, retirada do livro de Bertram Wolfe, Three who made a revolution (1948; Beacon, 1957), pp. 283-6, à versão mais longa encontrada em First blood: the Russian Revolution of 1905, de Sidney Harcave (Macmillan, 1964). V. também o fascinante depoimento de Solomon Schwarz, The Russian Revolution of 1905 (U. of Chicago, 1967), pp. 58-72, 268-84. Sobre a situação em 1905: para o súbito desenvolvimento econômico e industrial da última década do século XIX, v. Economic backwardness in historical perspective, de Gerschenkron, pp. 124-33, e o artigo de Portal, em Cambridge economic history, vi, pp. 824-43; sobre as explosões políticas, Why Lenin? Why Stalin?, de Theodore von Laue, caps. 3 e 4; Social democracy and the St. Petersburg labor movement, 1885-1897, de Richard Pipes (Harvard, 1963); The making of a workers’ revolution: Russian social democracy, 1891-1903, de Allan Wildman (Chicago, 1967).

59 Wolfe, p. 286; Trotski, 1905, trad. Anya Bostock (Vintage, 1972), p. 253. O grifo é meu.

60 Ibid., pp. 104-5, 252-3.

61 V. Wolfe, cap. 16, sobre “socialismo policial”, e pp. 301-4 sobre Gapon depois do 9 de janeiro, incluindo seu encontro com Lenin; v. também, de Harcave, First blood, pp. 24-5, 65-6, 94-5. Para a ressonância histórica de “Não há mais czar!”, Tsar and people, de Cherniavski, pp. 191-2, e todo o capítulo seguinte. Um vívido relato do fim de Gapon é encontrado no livro de Boris Nicolaievski, Aseff the spy: Russian terrorist and police stool (Doubleday, Doran, 1934), pp. 137-48.

62 V., por exemplo, Aseff the spy, de Nicolaievski, citado na nota 61; Russia: a history and an interpretation, de Michael Florinski (1947; Macmillan, 1966), ii, pp. 1153-4, 1166-7, 1172, 1196, 1204; Wolfe, pp. 266, 479, e o fascinante relato (1911) de Thomas Masaryk, em seu estudo clássico, The spirit of Russia. Masaryk apresenta extensa discussão da filosofia e visão de mundo do terrorismo russo e distingue o niilismo e a desolação existencial dos contemporâneos de Azev do idealismo humanístico e abnegado da geração do Zemlya I Volya.

Masaryk mostra-se particularmente intrigado com Boris Sakinkov, tenente de Azev que, logo após sua baixa (que mais tarde se revelou temporária), publicou dois romances que captam, de maneira aguda, o mundo dos terroristas. Os romances, publicados sob o pseudônimo de V. Ropshin, e intitulados The pale horse e The tale of what was not, causaram sensação na Europa. Sabe-se que tiveram influência na adesão ao bolchevismo de alguns intelectuais da Europa central, como Lukács, Ernst Bloch e outros. V. The spirit of Russia, ii, pp. 375-7, 444-61, 474, 486, 529, 535, 546, 581. V. também o recente trabalho de Michael Löwy, Georg Lukács: From romanticism to bolshevism, 1976, trad. do francês por Patrick Cammiller (Londres, New Left Books, 1979), e The young Lukács and the origins of western marxism de Andrew Arato e Paul Breines (Continuum, 1979). Masaryk, assim como Lukács fará alguns anos mais tarde, compara de modo extravagante Sakinkov a Ivan Karamazov e ao Fausto de Goethe.

Bolcheviques e mencheviques, como bons marxistas, condenavam o terrorismo das esquerdas e sugeriam que ele estava sendo instigado pela polícia. Por outro lado, seria importante notar que a polícia também tinha agentes entre os seus grandes líderes. V., por exemplo, “The case of Roman Malinovsky”, de Wolfe, pp. 534-58.

 

 

Esta celebração da vitalidade urbana, de sua diversidade e plenitude, é na verdade, como procurei mostrar, um dos temas mais antigos da cultura moderna. Por toda a era de Haussmann e Baudelaire, entrando no século XX, essa fantasia urbana cristalizou-se em torno da rua, que emergiu como símbolo fundamental da vida moderna. Da “Rua Principal” (Main Street) das pequenas cidades à “Grande Via Branca” ou à “Rua do Sonho” das metrópoles, a rua foi experimentada como um meio no qual a totalidade das forças materiais e espirituais modernas podia se encontrar, chocar-se e se misturar para produzir seus destinos e significados últimos. Era isso o que o Stephen Dedalus de Joyce tinha em mente com sua enigmática sugestão de que Deus estava lá fora, no “grito da rua”.

Entretanto, os construtores do “movimento moderno” do período posterior à Primeira Guerra Mundial, na arquitetura e no urbanismo, voltaram-se radicalmente contra essa fantasia moderna: marcharam ao comando do grito de guerra de Le Corbusier: “Precisamos matar a rua”. Foi a sua visão moderna que triunfou na grande onda de reconstrução e retomada do desenvolvimento iniciada após a Segunda Guerra Mundial. Durante vinte anos, as ruas foram por toda parte, na melhor das hipóteses, passivamente abandonadas e com frequência (como no Bronx) ativamente destruídas. O dinheiro e a energia foram canalizados para as novas autoestradas e para o vasto sistema de parques industriais, shopping centers e cidades-dormitório que as rodovias estavam inaugurando. Ironicamente, então, no curto espaço de uma geração, a rua, que sempre servira à expressão da modernidade dinâmica e progressista, passava agora a simbolizar tudo o que havia de encardido, desordenado, apático, estagnado, gasto e obsoleto — tudo aquilo que o dinamismo e o progresso da modernidade deviam deixar para trás.19 (...)

Devemos, pois, nos empenhar para manter vivo esse “velho” ambiente, por sua capacidade peculiar de alimentar as experiências e os valores modernos: a liberdade da cidade, uma ordem que existe num estado de perpétuo movimento e mudança, a comunhão e a comunicação face a face, evanescente mas intensa e complexa, daquilo que Baudelaire chamou a família de olhos. O ponto salientado por Jacobs é que o assim denominado movimento moderno inspirou uma “renovação urbana” de bilhões de dólares, cujo resultado paradoxal foi a destruição do único tipo de ambiente no qual os valores modernos podem ser realizados. O corolário prático de tudo isso (que à primeira vista pode parecer paradoxal, mas na verdade faz pleno sentido) é que na nossa vida urbana, em benefício do moderno, precisamos preservar o velho e resistir ao novo. Com tal dialética, o modernismo assume uma nova complexidade e profundidade. (...)

“Sou a favor de uma arte”, escreveu Oldenburg em 1961, “que seja político-erótico-mística, que faça algo mais que sentar o rabo num museu. Sou por uma arte que se confunda com a merda cotidiana e que acabe por vencê-la. Sou favorável a uma arte que conte o clima do dia, ou onde fica essa ou aquela rua. Sou a favor de uma arte que ajude velhas senhoras a atravessar a rua.22 Uma profecia notável sobre as metamorfoses do modernismo nos anos 1960, quando uma soma colossal de arte interessante em um grande número de gêneros seria ao mesmo tempo sobre a rua e, às vezes, diretamente na rua.”

19 Em Nova York, esa ironia teve um efeito especial. É provável que nenhum político norte-americano tenha encarnado a fantasia e as esperanças da cidade moderna tão bem como Al Smith, que usou como hino de sua campanha presidencial de 1928 a canção popular “East Side, West Side, all around the town […] We’ll trip the light fantastic on the sidewalks of New York” [East Side, West Side, por toda a cidade. […] Passearemos à luz fantástica nas calçadas de Nova York]. Foi Smith, no entanto, que nomeou e apoiou vigorosamente Robert Moses, o homem que fez mais que qualquer outro para destruir essas calçadas. Os resultados das eleições de 1928 mostraram que os norte-americanos não estavam prontos ou dispostos a aceitar as calçadas de Nova York. Por outro lado, como depois ficou claro, os Estados Unidos estavam contentes em abraçar “as rodovias de Nova York” e em pavimentar a si próprios à sua imagem.

22 Declaração constando do catálogo da exposição de 1961, “Environments, situations, spaces”, citada por Rose, op. cit., pp. 190-1. Esta declaração, uma incrível mistura de Whitman com dadaísmo, está também reproduzida em Pop art redefined, de Russell e Gablik, pp. 97-9.

 

 

“Enquanto isso, uma multidão de artistas executantes surgiu nas ruas tocando instrumentos ou cantando músicas de todos os tipos, dançando, desempenhando ou improvisando peças, criando happenings, ambientes e murais, saturando as ruas com imagens e sons “político-erótico-místicos”, confundindo-se com a “merda cotidiana” e, pelo menos algumas vezes, acabando por vencê-la, embora, outras vezes, mistificando a si próprios e aos outros quanto a que caminho estavam seguindo. Assim, o modernismo retornou a seu velho diálogo centenário com o meio ambiente moderno, com o mundo que a modernização construíra.23

A incipiente New Left [Nova Esquerda] aprendeu muito com esse diálogo e eventualmente contribuiu para ele. Inúmeras das grandes manifestações e confrontos dos anos 1960 se constituíram em obras marcantes de arte cinética e ambiental, em cuja criação tomaram parte milhões de pessoas anônimas. Esse traço foi frequentemente salientado, mas também deve-se notar que aos artistas coube a primazia — aqui, como em toda parte, os legisladores não reconhecidos do mundo. Suas iniciativas mostraram que velhos locais obscuros e decadentes podiam se revelar — ou ser transformados — em espaços públicos extraordinários; que as ruas dos Estados Unidos urbano do século XIX, tão ineficazes para a movimentação do tráfego do século XX, configuravam meios ideais para o movimento dos corações e mentes do século XX. Tal modernismo conferiu riqueza e vibração especiais a uma vida pública que se tornava crescentemente abrasiva e perigosa à medida que a década se desenrolava.

Em seguida, quando os radicais de minha geração sentaram-se diante de trens de transporte de tropas, paralisaram as atividades de centenas de prefeituras e juntas de recrutamento, espalharam e queimaram dinheiro no saguão da Bolsa de Valores, levitaram o Pentágono, executaram solenes cerimônias em memória dos mortos da guerra em meio ao tráfego da hora do rush, depositaram milhares de bombas de cartolina na sede em Park Avenue da companhia que fabricava as bombas reais e fizeram inumeráveis outras coisas brilhantes ou estúpidas, sabíamos que os experimentos dos artistas modernos de nossa geração haviam nos apontado o caminho: tinham mostrado como recriar o diálogo público que, desde Atenas e Jerusalém antigas, constituíra a razão mais autêntica da existência da cidade. Assim, o modernismo da década de 1960 estava ajudando a renovar a fortificada e abandonada cidade moderna, ao mesmo tempo que renovava a si próprio.”

23 A ideia de que a rua, ausente do modernismo dos anos 1950, tornou-se um ingrediente ativo no modernismo da década de 1960 não resiste a um exame mais acurado de todos os meios de expressão. Mesmo nos desesperançados anos 1950, a fotografia continuou a alimentar-se da vida nas ruas, como o fizera desde seus primeiros tempos. (Note-se, também, as estreias de Robert Frank e William Klein.) A segunda maior cena de rua da ficção norte-americana foi escrita na década de 1950 sobre a de 1930, na obra de Ralph Ellison, Invisible man. A melhor passagem, ou as melhores passagens, foram escritas nos anos 1930: a East 6th Street, em direção ao rio, em Call it sleep, de Henry Roth. A rua passou a ser uma presença fundamental nas sensibilidades bastante diferentes de Frank O’Hara e Allen Ginsberg nos últimos anos da década, em poemas como “Kaddish”, de Ginsberg, e “The day lady died”, de O’Hara, ambos pertencentes ao ano de transição de 1959. Embora seja necessário assinalá-las, as exceções não parecem negar meu argumento de que uma grande transformação ocorreu.

 

 

“Procurei retratar os conflitos dos anos 1960 como uma luta entre formas opostas de modernismo, que descrevi simbolicamente como “o mundo da via expressa” e “um grito na rua”. Muitos de nós que protestavam naquelas ruas permitiam-se ter a esperança, mesmo quando os caminhões e a polícia abatiam-se sobre nossas hostes, de que de todas essas lutas brotaria um dia uma nova síntese, um novo modo de modernidade através do qual todos nós poderíamos harmoniosamente nos mover e no qual nos sentiríamos em casa. Essa esperança foi um dos sinais vitais dos anos 1960. Mas não durou muito. Ainda antes do final da década ficou claro que nenhuma síntese dialética estava em operação e que teríamos de colocar todas essas esperanças em fermata, uma longa suspensão, se quiséssemos atravessar os anos à nossa frente.

Não se tratava apenas de que a Nova Esquerda tivesse se desintegrado: que perdêramos o nosso impulso por estar simultaneamente na estrada e no meio dela e, assim, como a maioria dos bravos modernistas da década de 1960, tivéssemos sucumbido. O problema era mais profundo: logo se tornaria claro que o mundo da via expressa, com cuja iniciativa e dinamismo sempre contáramos, começava, ele próprio, a se decompor. O grande surto econômico que suplantara nossas expectativas por um quarto de século após a Segunda Guerra Mundial estava chegando ao fim. A combinação de inflação e estagnação tecnológica (pela qual a ainda infindável guerra do Vietnã podia ser em grande parte responsabilizada) com uma crise energética de caráter mundial em pleno desenvolvimento (que em parte podíamos atribuir a nosso sucesso espetacular) estava fadada a cobrar seu tributo — embora ninguém pudesse prever no início da década de 1970 a dimensão que teria esse tributo.

O colapso do boom não ameaçava a todos — os muito ricos estavam convenientemente isolados, como de hábito —, mas a visão de todas as pessoas sobre o mundo moderno e suas possibilidades passou a ser reformulada. Os horizontes de expansão e o crescimento se contraíram de forma brusca: após décadas sendo alimentadas com energia barata e abundante o suficiente para criar e recriar incessantemente o mundo, as sociedades modernas teriam agora de aprender com rapidez como utilizar suas limitadas fontes de energia para proteger seus recursos em decréscimo e para evitar que todo o seu mundo ruísse. Durante a próspera década que se seguiu à Primeira Guerra Mundial, o símbolo dominante da modernidade foi o sinal verde; no curso do surto espetacular que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, o símbolo central foi o sistema federal de rodovias, em que o motorista podia cruzar o país de costa a costa sem defrontar nenhum sinal de parada. Contudo, as sociedades modernas da década de 1970 foram forçadas a viver à sombra da velocidade máxima e do sinal vermelho. Nesses anos de reduzida mobilidade, os homens e as mulheres modernos precisaram por toda parte pensar profundamente até onde e em que direção queriam ir, bem como buscar novos meios através dos quais poderiam se locomover. (...)

Sem dúvida, a história não se esgotava aí. Procurei argumentar há pouco que algo do mais criativo modernismo dos anos 1960 consistia em “gritos na rua”, visões de mundo e valores que a marcha triunfante da modernização estava calcando aos seus pés, ou simplesmente deixando para trás. Não obstante, esses artistas, pensadores e ativistas que questionaram o mundo da via expressa admitiam como certos a sua inesgotável energia e seu impulso inexorável. Eles encaravam suas obras e ações como antíteses, envolvidas num duelo dialético com a tese que estava sufocando todos os gritos e que varria todas as ruas do mapa moderno. Esse embate de modernismos radicalmente opostos conferiu à vida dos anos 1960 muito de sua coerência e excitamento.

O que ocorreu na década de 1970 foi que, justamente quando os gigantescos motores do crescimento e da expansão estacaram e o tráfego quase parou, as sociedades modernas perderam abruptamente sua capacidade de banir para longe o passado. Durante toda a década de 1960, a questão que se colocava era se deveriam ou não fazê-lo; agora, nos anos 1970, a resposta era que simplesmente não poderiam. A modernidade não mais podia se permitir lançar-se “à ação aliviada de toda a experiência prévia” (na expressão de De Man) para “varrer tudo o que veio antes na esperança de atingir pelo menos um passado verdadeiro… um novo ponto de partida”. Os modernos da década de 1970 não podiam se permitir a aniquilação do passado e do presente com o intuito de criar um novo mundo ex nihilo; eles tiveram de chegar a um acordo com o mundo que tinham e trabalhar a partir daí.

Muitos modernismos do passado tinham convergido no esquecimento: os modernistas dos anos 1970 foram forçados a convergir na lembrança. Os modernistas de outras épocas tinham varrido o passado a fim de atingir um novo ponto de partida; as novas partidas da década de 1970 repousavam em tentativas de recuperar os modos de vida passados, enterrados mas não mortos. Em si próprio, não era um projeto novo; todavia, assumiu uma nova urgência numa década em que o dinamismo da economia e da tecnologia modernas pareciam ter entrado em colapso. Num momento em que a sociedade moderna parecia ter perdido a capacidade de criar um admirável futuro novo, o modernismo encontrava-se sob intensa pressão para descobrir novas fontes de vida por meio de encontros criativos com o passado.”

 

 

Os modernistas da década de 1970 tenderam a ser obcecados pelos lares, pelas famílias e pelos bairros que deixaram para se tornarem modernos à maneira dos anos 1950 e 1960. Daí eu ter intitulado esta seção: “Trazer Tudo de Volta ao Lar”.27 Os lares para os quais os modernistas de hoje se orientam são espaços muito mais pessoais e privados que a via expressa ou a rua. Mais ainda, o olhar em direção à casa é um olhar “para trás”, que volta no tempo — mais uma vez, radicalmente diferente do movimento para a frente dos modernistas da autoestrada, ou da livre movimentação em todas as direções dos modernistas da rua —, que volta aos nossos tempos de menino, ao passado histórico de nossa sociedade. Ao mesmo tempo, os modernistas não tentam misturar-se ou submergir em seu passado (o que distingue o modernismo do sentimentalismo), mas, ao contrário, “trazer tudo de volta ao passado”, isto é, levar a um relacionamento com seu passado os eus em que se transformaram no presente, levar para dentro dos velhos lares as visões e os valores que podem se chocar radicalmente com eles — e talvez reeditar as lutas bastante trágicas que os arrancaram de casa pela primeira vez. Em outras palavras, a relação do modernismo com o passado, seja o que for que daí resulte, não será fácil. Meu segundo símbolo está implícito no título deste livro: Tudo que é sólido desmancha no ar. Isso significa que nosso passado, qualquer que tenha sido, foi um passado em processo de desintegração; ansiamos por capturá-lo, mas ele é impalpável e esquivo; procuramos por algo sólido em que nos amparar, apenas para nos surpreendermos a abraçar fantasmas. O modernismo da década de 1970 era um modernismo com fantasmas.

Um dos temas centrais na cultura dos anos 1970 foi a reabilitação da história e da memória étnicas, como parte vital da identidade pessoal. Trata-se de um processo marcante na história da modernidade. Os modernistas de hoje não mais insistem, como faziam com frequência os modernistas do passado, em que precisamos deixar de ser judeus, negros, italianos, ou qualquer outra coisa, a fim de sermos modernos. Se é possível afirmar que as sociedades em seu conjunto aprendem alguma coisa, as sociedades modernas dos anos 1970 parecem ter aprendido que a identidade étnica — não apenas a própria mas a de todos — é essencial à profundidade e à plenitude próprias que a vida moderna proporciona e promete a todas as pessoas. Foi essa consciência que levou Raízes, de Alex Haley, e, um ano depois, Holocausto, de Gerald Green, a gozar de audiências não apenas vastas — as maiores na história da televisão — como ativamente envolvidas e genuinamente motivadas. As reações a Raízes e a Holocausto, não somente nos Estados Unidos como em todo o mundo, sugeriram que, quaisquer que fossem as qualidades que faltassem à humanidade contemporânea, nossa capacidade para a empatia era imensa. Desafortunadamente, apresentações como essas carecem da profundidade para transformar a empatia em compreensão. Ambos os trabalhos apresentam versões extravagantemente idealizadas do passado étnico e familiar, em que todos os antepassados são belos, nobres e heroicos — e toda a dor, ódio e confusão derivam de grupos de opressores “externos”. Isso contribui menos para uma consciência étnica moderna que para um gênero tradicional de romance familiar.”

 

 

“Ser moderno, eu dizia, é experimentar a existência pessoal e social como um torvelinho, ver o mundo e a si próprio em perpétua desintegração e renovação, agitação e angústia, ambiguidade e contradição: é ser parte de um universo em que tudo que é sólido desmancha no ar. Ser um modernista é sentir-se de alguma forma em casa em meio ao redemoinho, fazer seu o ritmo dele, movimentar-se entre suas correntes em busca de novas formas de realidade, beleza, liberdade, justiça, permitidas pelo seu fluxo ardoroso e arriscado. (...)

Essa compreensão do modernismo deve ajudar-nos a clarificar algumas das ironias da mística “pós-moderna” contemporânea.34 Defendi que o modernismo dos anos 1970 se distinguia por sua ânsia e poder de rememorar, de manter aceso muito do que as sociedades modernas (independentemente de sua ideologia e de quem constitui a sua classe dominante) procuram esquecer. Mas, quando os modernistas contemporâneos perdem o contato com a sua própria modernidade e a negam, apenas fazem eco à autoilusão da classe dominante de ter superado os problemas e os perigos do passado e, enquanto isso, eles se separam — e nos separam — de uma fonte fundamental de sua própria força.”

34 Em Blindness and insight, pp. 147-8.

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