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segunda-feira, 22 de junho de 2020

Defesa do marxismo, polêmica revolucionária e outros escritos (Parte II) – José Carlos Mariátegui

Editora: Boitempo
Tradução, organização, notas e índice onomástico: Yuri Martins Fontes
ISBN: 978-85-7559-181-9
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 232
Sinopse: Ver Parte I


“Antes de tudo, que espiritualização é a que se deseja? Se a civilização capitalista, em sua decadência – semelhante em tantos aspectos à civilização romana –, renuncia a seu próprio pensamento filosófico e abdica de sua própria certeza científica para buscar em ocultismos orientais e metafísicas asiáticas algo como um entorpecente, então o melhor sinal de saúde e potência do socialismo, como princípio de uma nova civilização, será sem dúvida a resistência a todos esses êxtases espiritualistas. Diante do retorno da burguesia, decadente e ameaçada, a mitologias que não a inquietaram em sua juventude, a afirmação mais sólida da força criadora do proletariado será o completo repúdio e o risonho desprezo pelas angústias e pesadelos de um espiritualismo de menopausa.”


“Conquistar a juventude não deixa de ser uma das necessidades mais evidentes e atuais dos partidos revolucionários. Mas com a condição de que os jovens saibam que amanhã caberá a eles cumprir sua missão, sem os álibis da juventude, com responsabilidade e capacidade de homens.”


“O segredo de Lenin está precisamente em ter prosseguido em seu trabalho de crítica e preparação sem deixar que seu empenho se afrouxasse depois da derrota de 1905 – época de pessimismo e desalento. Marx e Engels produziram a maior parte de sua obra – grande por seu valor espiritual e científico – independentemente de sua eficácia revolucionária em tempos que não eram de insurreições iminentes, como eram os primeiros a ponderar. Nem a análise os fazia se inibir diante da ação, nem a ação os inibia diante da análise.”


“Berl não quer que o intelectual seja um homem de partido. Tem, assim como Julien Benda, a idolatria do clerc*. E nisso levam vantagem sobre ele esses surrealistas contra os quais não economizam críticas e ironias. E não apenas os jovens surrealistas, mas também o velho Bernard Shaw, que, embora fabiano e heterodoxo, declarou na mais solene ocasião de sua vida: “Karl Marx fez de mim um homem”.
Berl pensa que o primeiro valor da inteligência, nesta época de transição e crise, deve ser a lucidez. Contudo, o que na verdade é dissimulado por suas preocupações é a tendência intelectual de se esquivar da luta de classes, a pretensão de se manter au-dessus de la mêlée**. Todos os intelectuais que reconhecem como seu o estado de consciência de Emmanuel Berl aderem abstratamente à Revolução, mas se detêm diante da Revolução concreta. Repudiam a burguesia, mas não se decidem a marchar ao lado do proletariado. No fundo dessa atitude, agita-se um desesperado egocentrismo. Os intelectuais desejariam substituir o marxismo – por demais técnico para uns e por demais materialista para outros – por uma teoria própria. Um literato mais ou menos ausente da história e mais ou menos estranho à Revolução em ato imagina-se suficientemente inspirado para fornecer às massas uma nova concepção de sociedade e política. Como as massas não lhe dão de imediato grande crédito – preferindo continuar com o método marxista-leninista, sem esperar pelo milagroso descobrimento –, o literato acaba por se desgostar do socialismo e do proletariado, uma doutrina e uma classe que ele mal conhece e das quais só se aproxima com todos os seus preconceitos de universidade de restaurante ou de cafés. Como escreve Berl:
O drama do intelectual contemporâneo é que gostaria de ser revolucionário, mas não consegue. Sente a necessidade de chacoalhar o mundo moderno, emaranhado nas redes dos nacionalismos e das classes, sente a impossibilidade moral de aceitar o destino dos trabalhadores da Europa...
(um destino mais inaceitável talvez que o de qualquer outro grupo humano em qualquer período da história)
...porque, se a civilização capitalista não os condena necessariamente à miséria integral em que Marx os via lançados, por outro lado não lhes pode oferecer nenhuma justificativa para sua existência, no tocante a um princípio ou a uma finalidade qualquer.
Os preconceitos de universidade, de restaurante e de cafés exigem que se flerte com os evangelhos do espiritualismo; impõe o gosto pelos mágicos e pelo obscuro; restituem um sentimento misterioso e sobrenatural ao espírito. E é lógico que esses sentimentos venham a estorvar a aceitação do marxismo. Mas é um absurdo enxergar neles outra coisa além de um humor reacionário, do qual não se deve esperar nenhuma cooperação ao esclarecimento dos problemas da Inteligência e da Revolução.”
*: Do francês: douto, intelectual.
** Expressão francesa: “acima da confusão”. (N. E. P.)


“A heresia individual é infecunda. Em geral, a sorte da heresia depende de seus elementos ou de suas possibilidades de se tornar dogma, de se incorporar num dogma. O dogma é entendido aqui como a doutrina de uma transformação histórica e, assim, enquanto a transformação se opera, isto é, enquanto ele não se torna um arquivo ou um código de uma ideologia do passado, nada garante como o dogma a liberdade criadora, a função germinal do pensamento. Em sua especulação, o intelectual precisa se apoiar em uma crença, em um princípio que faça dele um fator da história e do progresso. É nesse instante que sua potência de criação pode trabalhar com a máxima liberdade permitida por seu tempo. Shaw tem essa intuição quando diz: “Karl Marx fez de mim um homem, o socialismo fez de mim um homem”. O dogma não impediu que Dante, em sua época, fosse um dos maiores poetas de todos os tempos; o dogma, se assim prefere chamá-lo, ampliando a acepção do termo, não impediu que Lenin fosse um dos maiores revolucionários e um dos maiores estadistas. Um dogmático como Marx ou como Engels influi nos acontecimentos e nas ideias mais do que qualquer grande herético ou qualquer grande niilista. Somente esse fato deveria anular toda a apreensão e todo o temor em relação à limitação do dogmático. A posição marxista, para o intelectual contemporâneo, não é utopismo, mas sim a única posição que oferece uma via de liberdade e avanço. O dogma tem a utilidade de um roteiro, de uma carta geográfica: é a única garantia de não se repetir duas vezes o mesmo percurso com a ilusão de estar avançando e de não ficar preso por falta de informação em nenhum caminho sem saída. O livre-pensador, em geral, resolutamente se condena à mais estreita das servidões: sua especulação rodopia a uma velocidade louca, mas inútil, em torno de um ponto fixo. O dogma não é um itinerário, mas uma bússola na viagem. Para pensar com liberdade, a primeira condição é abandonar a preocupação com a liberdade absoluta. O pensamento tem uma necessidade estrita de rumo e de objeto. Pensar corretamente é, em grande medida, uma questão de rumo e de órbita.”


“Mas as razões substanciais das atuais impotência e ineficácia da Liga das Nações não são sua juventude nem sua insipiência. Elas procedem da causa geral da decadência e do desgaste do regime individualista. A posição histórica da Liga das Nações é, precisa e exatamente, a mesma posição histórica da democracia e do liberalismo. Os políticos da democracia trabalham por um acordo, por um compromisso entre a ideia conservadora e a ideia revolucionária. E a Liga, congruentemente com essa orientação, tende a conciliar o nacionalismo do Estado burguês com o internacionalismo da nova humanidade. O conflito entre nacionalismo e internacionalismo é a raiz da decadência do regime individualista. A política da burguesia é nacionalista; sua economia é internacionalista. A tragédia da Europa consiste justamente em estarem renascendo paixões e estados de ânimo nacionalistas e guerreiros, nos quais encalham todos os projetos de assistência e cooperação internacional encaminhados para a reconstrução europeia.”*
*: Texto de 1925, que prognosticava lugubremente a 2ª Guerra.


“Na prática, os liberais e os conservadores não se diferenciam em nada. A palavra liberal, em sua acepção e uso burgueses, é uma palavra vazia. A função da burguesia já não é liberal, mas conservadora.”


“O obscurecimento do bom-senso ocidental não é uma causa da crise, mas um de seus sintomas, de seus efeitos, de suas expressões.”


“Os Estados Unidos, mantendo uma atitude imperialista, cumprem seu destino histórico. O imperialismo – como disse Lenin em um panfleto revolucionário – é a última etapa do capitalismo. E, como disse Spengler em uma obra filosófica e científica, é a última estação política de uma cultura. Os Estados Unidos são, mais do que uma grande democracia, um grande império. A forma republicana nada significa. O crescimento capitalista dos Estados Unidos tinha de desembocar em um final imperialista. O capitalismo estadunidense não pode mais se desenvolver dentro dos limites dos Estados Unidos e de suas colônias. Manifesta, por isso, uma grande força de expansão e de domínio. Wilson, de maneira nobre, quis combater por uma nova liberdade; mas, na verdade, combateu por um novo império. Uma força histórica, superior a seus desígnios, empurrou-o à guerra. A participação dos Estados Unidos na guerra mundial foi ditada por um interesse imperialista. Exaltando eloquente e solenemente seu caráter decisivo, o verbo de Wilson serviu à afirmação do Império. Os Estados Unidos, ao decidirem o êxito da guerra, converteram-se repentinamente em árbitros da sorte da Europa. Seus bancos e fábricas resgataram as ações e os títulos estadunidenses que a Europa possui. E, em seguida, começaram a acumular ações e títulos europeus. A Europa passou da condição de credora à de devedora dos Estados Unidos. Nos Estados Unidos foi acumulada mais da metade do ouro do mundo. Tendo alcançado esses resultados, os ianques sentiram instintivamente a necessidade de defendê-los e melhorá-los. Para tanto, precisaram licenciar Wilson. O verbo de Wilson os embaraçava e incomodava. O programa wilsoniano, útil em tempos de guerra, resultava inoportuno em tempos de paz. A nova liberdade proposta por Wilson convinha a todo mundo, menos aos Estados Unidos. Assim, os republicanos voltaram ao poder. (...)
Porém, é certo que, se os Estados Unidos são um império, são também uma democracia. Bem. Mas, atualmente, o que prevalece nos Estados Unidos é o império. Os democratas representam mais a democracia; os republicanos representam mais o império. Portanto, é natural e lógico que as eleições tenham sido ganhas pelos republicanos, e não pelos democratas.
O império ianque é uma realidade mais evidente – com mais contraste – do que a democracia ianque. Esse império ainda não tem muito perfil de que vá dominar o mundo com seus soldados; mas sim de que vai dominá-lo com seu dinheiro. E um império, hoje em dia, não precisa de mais do que isso. A organização ou a desorganização do mundo, nesta época, é mais econômica que política. O poder econômico confere poder político. Ali onde os impérios antigos desembarcavam seus exércitos, aos impérios modernos basta desembarcar seus banqueiros. Os Estados Unidos possuem atualmente a maior parte do ouro do mundo. São uma nação com abundância de ouro convivendo com nações desmonetarizadas, exaustas e quase mendicantes. Assim, podem ditar-lhes sua vontade em troca de um pouco de ouro.”


Trotski
Trotski não é apenas um protagonista, mas também um filósofo, um historiador e um crítico da Revolução. Naturalmente, nenhum líder da Revolução pode carecer de uma visão panorâmica e certeira de suas raízes e sua gênese. Lenin, por exemplo, distinguiu-se por uma singular faculdade de perceber e entender a direção da história contemporânea e o sentido de seus acontecimentos. Contudo, os penetrantes estudos de Lenin não abarcaram senão as questões políticas e econômicas. Trotski, ao contrário, interessou-se também pelas consequências da Revolução na filosofia e na arte.
Trotski polemiza com os escritores e artistas que anunciam a chegada de una nova arte – o surgimento de uma arte proletária. A Revolução possui uma arte própria? Trotski balança a cabeça. “A cultura – escreve – não é a primeira fase de um bem-estar: é um resultado final.” O proletariado gasta atualmente suas energias na luta por abater a burguesia e no trabalho de resolver seus problemas econômicos, políticos e educacionais. A nova ordem é ainda por demais embrionária e incipiente. Encontra-se em um período de formação. Uma arte do proletariado não pode surgir ainda. Trotski define o desenvolvimento da arte como o mais alto testemunho de vitalidade e valor de uma época. A arte do proletariado não será aquela que descrever os episódios da luta revolucionária; antes, será aquela que descrever a vida emanada da revolução de suas criações e seus frutos Não é pois, o caso de se falar em uma nova arte. A arte. assim como a nova ordem social, atravessa um período de ponderações e ensaios. “A revolução encontrará na arte sua imagem quando cessar de ser para o artista um cataclismo estranho a ele.” A arte nova será produzida por homens de uma nova espécie. O conflito entre a realidade moribunda e a nascente durará longos anos. Estes serão de combate e mal-estar. Somente depois de transcorridos esses anos, quando a nova organização estiver cimentada e assegurada, poderão existir as condições necessárias para o desenvolvimento de uma arte do proletariado. Quais serão os traços essenciais da arte futura? Trotski formula algumas previsões. A arte futura será, em sua opinião, “inconciliável com o pessimismo, com o ceticismo e com todas as outras formas de prostração intelectual. Estará cheia de fé criadora, cheia de uma fé sem limites no porvir”. Certamente, essa não é uma tese arbitrária. A desesperança, o niilismo e a morbidez, que em diversas doses a literatura contemporânea contém, são sinais característicos de uma sociedade fatigada, esgotada e decadente. A juventude é otimista, afirmativa e alegre; a velhice é cética, negativa e rabugenta. A filosofia e a arte de uma sociedade jovem terão, por conseguinte, um acento diferente da filosofia e da arte de uma sociedade senil.
O pensamento de Trotski, por esses caminhos, envereda por outras conjunturas e interpretações. Os esforços da cultura e da inteligência burguesas estão dirigidos principalmente para o progresso da técnica e do mecanismo de produção. A ciência é aplicada, sobretudo, à criação de um maquinismo cada dia mais perfeito. Os interesses da classe dominante são adversos à racionalização da produção; e são adversos, por fim, à racionalização dos costumes. As preocupações da humanidade são, portanto, antes de tudo, utilitárias.
Os ideais de nossa época são o lucro e a poupança. A acumulação de riquezas aparece como a maior finalidade da vida humana. E então. A nova ordem, a ordem revolucionária, racionalizar e humanizar os costumes. Resolverá os problemas que, devido à sua estrutura e função, a ordem burguesa é impotente para solucionar. Consentirá a libertação da mulher da servidão doméstica; assegurará a educação social para as crianças; libertará o matrimônio das preocupações econômicas. O socialismo, em suma, tão satirizado e acusado de materialista, vem a ser, desse ponto de vista, uma reivindicação, um renascimento de valores espirituais e morais – oprimidos pela organização e pelos métodos capitalistas. Se na época capitalista prevaleceram ambições e interesses materiais, na época proletária suas modalidades e instituições se inspirarão em interesses e ideais éticos.
A dialética de Trotski nos conduz a uma previsão otimista do porvir do Ocidente e da humanidade. Spengler anuncia a decadência total do Ocidente. O socialismo, segundo sua teoria, não é mais que uma etapa da trajetória da civilização. Trotski constata unicamente a crise da cultura burguesa, a transposição da sociedade capitalista. Essa cultura e sociedade envelhecidas, enfastiadas, desaparecem; e uma nova cultura e sociedade emergem de suas entranhas. A ascensão de uma nova classe dominante – muito mais extensa em suas raízes e mais vital em seu conteúdo do que a anterior – renovará aumentará as energias mentais e morais da humanidade. O progresso da humanidade aparecerá então dividido nas seguintes etapas principais: Antiguidade (regime escravista); Idade Média (regime de servidão); Capitalismo (regime de salários): Socialismo (regime de igualdade social). Os vinte, trinta ou cinquenta anos que durará a revolução proletária, diz Trotski, marcarão uma época de transição.
Mas esse homem que tão sutil e profundamente teoriza é o mesmo que discursava e passava em revista o Exército Vermelho? Algumas pessoas não conhecem senão o Trotski de perfil marcial de tantos retratos e caricaturas. O Trotski do trem blindado, o Trotski ministro da Guerra e generalíssimo, o Trotski que ameaça a Europa com uma invasão napoleônica. E esse Trotski, na verdade, não existe. É quase unicamente uma invenção da imprensa. O Trotski real, o Trotski verdadeiro, é aquele que nos revelam seus escritos. Um livro fornece sobre um homem uma imagem sempre mais exata e verídica do que um uniforme. Um generalíssimo não pode filosofar tão humana e humanitariamente. Vós podei imaginar Foch, Ludendorff ou Douglas Haig com a atitude mental de Trotski?
A ficção do Trotski marcial, do Trotski napoleônico, procede de um só aspecto do rol desse célebre revolucionário da Rússia dos sovietes: o comando do Exército Vermelho. Como é notório, Trotski ocupou primeiramente o Comissariado de Negócios Estrangeiros. Porém, o final enviesado das negociações do Tratado de Brest-Litovski* obrigou-o a abandonar esse ministério. Trotski quis que a Rússia se opusesse ao militarismo alemão com uma atitude tolstoiana**: que rechaçasse a paz que lhe era imposta e cruzasse os braços, indefesa diante do adversário. Lenin, com maior sensibilidade política, preferiu a capitulação. Transladado ao Comissariado de Guerra, Trotski recebeu o encargo de organizar o Exército Vermelho. Nessa função, Trotski mostrou sua capacidade de organizador e realizador. O exército russo estava dissolvido. A queda do czarismo, o processo da revolução e a liquidação da guerra produziram seu aniquilamento. Os sovietes careciam de elementos para reconstruí-lo. Apenas sobraram dispersos alguns materiais bélicos. Os chefes e oficiais monarquistas, por causa de sua evidente disposição reacionária, não podiam ser utilizados. Momentaneamente, Trotski tratou de se servir do auxilio técnico das missões militares aliadas, explorando o interesse da Entente em recuperar a ajuda da Rússia contra a Alemanha. Mas essas missões desejavam, antes de tudo, a queda dos bolcheviques. E, se fingem fazer um pacto com eles, era para melhor miná-los. Nas missões aliadas, Trotski encontrou somente um colaborador leal: o capitão Jacques Sadoul, membro da embaixada francesa que acabou por aderir à Revolução, fascinado por seus ideais e por seus homens. Os sovietes, por fim, tiveram de expulsar da Rússia os diplomatas e militares da Entente. E, dominando todas as dificuldades, Trotski chegou a criar um poderoso exército, que defendeu vitoriosamente a Revolução dos ataques de seus inimigos externos e internos. O núcleo inicial desse exército foram 200 mil voluntários da vanguarda e juventude comunistas. Contudo, no período de maior risco para os sovietes, Trotski comandou um exército de mais de 5 milhões de soldados.
E, assim como o seu ex-generalíssimo, o Exército Vermelho é um caso novo na história militar do mundo. É um exército que sente seu papel de exército revolucionário e não se esquece que seu fim é a defesa da Revolução. Dentre suas motivações, finalmente, está excluído todo sentimento específico e marcialmente imperialista. Sua disciplina, organização e estrutura são revolucionárias. E talvez, enquanto o generalíssimo escrevia um artigo sobre Romain Rolland, os soldados evocassem Tolstói ou lessem Kropotkin.”
* Tratado de paz assinado entre o governo bolchevique e as potências centrais (a Bulgária e os impérios alemão, austro-húngaro c otomano) na cidade de mesmo nome, hoje simplesmente Brest (na Bielorrússia). (N. T.)
** Na velhice, o escritor Leon Tolstoi tornou-se pacifista, pregando uma vida simples e próxima da natureza. (N.T)


“A uma revolução não se pode exigir tribunais nem códigos-modelo. A revolução formula os princípios de um novo direito; mas não codifica a técnica de sua aplicação.”


“Ortega y Gasset diz que a juventude “poucas vezes tem razão no que nega, mas sempre tem razão no que afirma”. A isso se poderia acrescentar que a força propulsora da história são as afirmações, e não as negações.”


“Não se pode predizer uma revolução segundo prazos fixos – e, sobretudo, uma revolução não acontece de um só golpe. É uma obra de multidões. É uma obra da história. Os comunistas sabem bem disso. Sua teoria e sua práxis se formaram na escola e na experiência do materialismo histórico. Portanto, não é provável que se alimentam de ilusões.”


“Em sua vaidosa juventude, a civilização ocidental tratou os povos orientais altaneira e desdenhosamente. O homem branco considerou necessário, natural e lícito seu domínio sobre o homem de cor. Usou as palavras oriental e bárbaro como equivalentes. Pensou que apenas o que era ocidental era civilizado. A exploração e a colonização do Oriente nunca foram ofício de intelectuais, mas de comerciantes e guerreiros. Os ocidentais desembarcavam no Oriente suas mercadorias e metralhadoras, mas não suas organizações nem suas aptidões espirituais para pesquisa, interpretação e entendimento. O Ocidente se preocupou em consumar a conquista material do mundo oriental; mas não em buscar sua conquista moral. E assim o mundo oriental conservou intactas sua mentalidade e sua psicologia. Até hoje seguem frescas e vitais as raízes milenares do islamismo e do budismo. O hindu* ainda veste seu velho khaddar. O japonês – que é o mais saturado de ocidentalismo dentre os orientais – guarda algo de sua essência samurai.”
*: Note-se que Mariátegui, por vezes, refere-se ao indiano como hindu, no sentido mais amplo dessa denominação, a qual também, mais estritamente, pode ser usada para designar os hinduístas (seguidores do hinduísmo) – ainda que na Índia haja diversas outras religiões minoritárias, como o islamismo. (N. T.)


“O utopista não é um verdadeiro revolucionário, por mais subversivas que sejam suas ações contra a ordem.” (Henri Barbusse)


“O problema de hoje é mundial. Nenhum povo pode encontrar sua saúde separando-se dos outros. Ou salvam-se todos juntos ou desaparecem juntos.” (Romain Rolland)


“Mas, se a democracia burguesa não efetivou o feminismo, criou involuntariamente as condições e premissas morais e materiais para sua realização. Valo rizou a mulher como elemento produtor – como fator econômico – ao fazer seu trabalho ter a cada dia um uso mais amplo e intenso. O trabalho muda radicalmente a mentalidade e o espírito femininos. Em virtude do trabalho, a mulher adquire uma nova noção de si mesma. Antigamente, a sociedade destinava a mulher ao matrimônio ou ao concubinato. Atualmente, destina-a antes de tudo ao trabalho. Esse fato modificou e elevou a posição da mulher na vida. Os que contestam o feminismo e seus progressos com argumentos sentimentais ou tradicionalistas têm a pretensão de que a mulher seja educada apenas para o lar. Na prática, porém, isso significa que ela deveria ser educada somente para as funções de fêmea e mãe. A defesa da poesia do lar, na realidade, é uma defesa da servidão da mulher. Em vez de enobrecer e dignificar o papel da mulher, isso o diminui e rebaixa. A mulher é algo mais do que uma mãe ou uma fêmea, assim como o homem é algo mais do que um macho.
O tipo de mulher que vier a produzir uma civilização nova tem de ser substancialmente diferente daquele que formou a civilização que ora declina. Em um artigo sobre a mulher e a política, examinei assim alguns aspectos desse tema:
Aos trovadores e apaixonados pela frivolidade feminina, não faltam razões para se inquietar. O tipo de mulher criado por um século de refinamento capitalista está condenado à decadência e à superação. Um literato italiano – Pitigrilli – classifica esse tipo de mulher contemporânea como um mamífero de luxo.
Mas, bem, esse mamífero de luxo tende a se esgotar pouco a pouco. À medida que o sistema coletivista substituir o sistema individualista, decairão o luxo e a elegância femininos. A humanidade perderá alguns mamíferos de luxo; mas ganhará muitas mulheres. Os trajes da mulher do futuro serão menos caros e suntuosos; mas a condição dessa mulher será mais digna. E o eixo da vida feminina será deslocado do individual ao social. A moda, então, já não consistirá na imitação de uma moderna Madame de Pompadour*, adornada por [Madame] Paquin. Mas talvez consiste na imitação de uma Madame Kollontai**. Em suma, uma mulher custará menos, mas valerá mais.”
* Jeanne-Antoinette Poisson: cortesã francesa do século XVIII, tida como mulher refinada, bela e fria. (N. T.)
** Alexandra Mikhailovna Kollontai: revolucionária bolchevique e líder do movimento feminista. (N. T.)

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