Editora: Abril Cultural
Tradução: Leandro Konder
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 53
“A
Produção da Mais-Valia
Suponhamos agora que a quantidade média
diária de artigos de primeira necessidade imprescindíveis à vida de um operário
exija 6 horas de trabalho médio para
a sua produção. Suponhamos, além disso, que essas 6 horas de trabalho médio se
materializem numa quantidade de ouro equivalente a 3 xelins. Nestas condições,
os 3 xelins seriam o preço ou a expressão em dinheiro do valor diário da força de trabalho desse homem. Se trabalhasse 6
horas diárias, ele produziria diariamente um valor que bastaria para comprar a
quantidade média de seus artigos diários de primeira necessidade ou para se
manter como operário.
Mas o nosso homem é um obreiro assalariado.
Portanto, precisa vender a sua força de trabalho a um capitalista. Se a vende
por 3 xelins diários, ou por 18 semanais, vende-a pelo seu valor. Vamos supor
que se trata de um fiandeiro. Trabalhando 6 horas por dia, incorporará ao
algodão, diariamente, um valor de 3 xelins. Esse valor diariamente incorporado
por ele representaria um equivalente exato do salário, ou preço de sua força de
trabalho, que recebe cada dia. Mas nesse caso não iria para o capitalista
nenhuma mais-valia ou sobreproduto algum. E aqui, então, que
tropeçamos com a verdadeira dificuldade.
Ao comprar a força de trabalho do operário e
ao pagá-la pelo seu valor, o capitalista adquire, como qualquer outro
comprador, o direito de consumir ou usar a mercadoria comprada. A força de
trabalho de um homem é consumida, ou usada, fazendo-o trabalhar, assim como se
consome ou se usa uma máquina fazendo-a funcionar. Portanto, o capitalista, ao
comprar o valor diário, ou semanal, da força de trabalho do operário, adquire o
direito de servir-se dela ou de fazê-la funcionar durante todo o dia ou toda a semana.
A jornada de trabalho, ou a semana de trabalho, têm naturalmente certos
limites, mas a isso volveremos, em detalhe, mais adiante.
No momento, quero chamar-vos a atenção para
um ponto decisivo.
O valor
da força de trabalho se determina pela quantidade de trabalho necessário para a
sua conservação, ou reprodução, mas o uso
dessa força só é limitado pela energia vital e a força física do operário. O valor diário ou semanal da força de
trabalho difere completamente do funcionamento diário ou semanal dessa mesma
força de trabalho; são duas coisas completamente distintas, como a ração
consumida por um cavalo e o tempo em que este pode carregar o cavaleiro. A
quantidade de trabalho que serve de limite ao valor da força de trabalho do operário não limita de modo algum a
quantidade de trabalho que sua força de trabalho pode executar. Tomemos o
exemplo do nosso fiandeiro. Vimos que, para recompor diariamente a sua força de
trabalho, esse fiandeiro precisava reproduzir um valor diário de 3 xelins, o que realizava com um trabalho diário de
6 horas. Isso porém não lhe tira a capacidade de trabalhar 10 ou 12 horas e
mais, diariamente. Mas o capitalista, ao pagar o valor diário ou semanal da
força de trabalho do fiandeiro, adquire o direito de usá-la durante todo o dia ou toda a semana. Fá-lo-á
trabalhar, portanto, digamos, 12 horas diárias, quer dizer, além das 6 horas
necessárias para recompor o seu salário, ou o valor de sua força de trabalho,
terá de trabalhar outras 6 horas, a
que chamarei de horas de sobretrabalho,
e esse sobretrabalho irá traduzir-se em uma mais-valia e em um sobreproduto. Se, por exemplo, nosso
fiandeiro, com o seu trabalho diário de 6 horas, acrescenta ao algodão um valor
de 3 xelins, valor que constitui um equivalente exato de seu salário, em 12
horas acrescentará ao algodão um valor de 6 xelins e produzirá a correspondente quantidade adicional de fio.
E, como vendeu sua força de trabalho ao capitalista, todo o valor, ou todo o
produto, por ele criado pertence ao capitalista, que é dono de sua força de
trabalho, pro tempore. Por
conseguinte, desembolsando 3 xelins, o capitalista realizará o valor de 6, pois
com o desembolso de um valor no qual se cristalizam 6 horas de trabalho
receberá em troca um valor no qual estão cristalizadas 12 horas. Se repete,
diariamente, essa operação, o capitalista desembolsará 3 xelins por dia e
embolsará 6, cuja metade tornará a inverter no pagamento de novos salários,
enquanto a outra metade formará a mais-valia,
pela qual o capitalista não paga equivalente algum. Esse tipo de intercâmbio
entre o capital e o trabalho é o que serve de base à produção capitalista,
ou ao sistema do salariado, e tem que conduzir, sem cessar, à constante
reprodução do operário como operário e do capitalista como capitalista.
A taxa
de mais-valia dependerá, se todas as outras circunstâncias permanecerem
invariáveis, da proporção existente entre a parte da jornada que o operário tem
que trabalhar para reproduzir o valor da força de trabalho e o sobretempo ou sobretrabalho realizado para o capitalista. Dependerá, por isso, da
proporção em que a jornada de trabalho se
prolongue além do tempo durante o qual o operário, com o seu trabalho, se
limita a reproduzir o valor de sua força de trabalho ou a repor o seu salário.”
“O
Valor do Trabalho
Devemos voltar agora à expressão “valor ou preço do trabalho”. Vimos que,
na realidade, esse valor nada mais é que o da força de trabalho, medido pelos
valores das mercadorias necessárias à sua manutenção. Mas, como o operário só
recebe o seu salário depois de
realizar o seu trabalho e como, ademais, sabe que o que entrega realmente ao
capitalista é o seu trabalho, ele necessariamente imagina que o valor ou preço
de sua força de trabalho é o preço ou
valor do seu próprio trabalho. Se o preço de sua força de trabalho é 3
xelins, nos quais se materializam 6 horas de trabalho, e ele trabalha 12 horas,
forçosamente o operário considerará esses 3 xelins como o valor ou preço de 12
horas de trabalho, se bem que estas 12 horas representem um valor de 6 xelins.
Donde se chega a um duplo resultado:
Primeiro: O
valor ou preço da força de trabalho toma a aparência do preço ou valor do próprio trabalho,
ainda que a rigor as expressões de valor e preço do trabalho careçam de
sentido.
Segundo: Ainda que só se pague uma parte do trabalho diário do operário, enquanto a outra
parte fica sem remuneração, e ainda
que esse trabalho não remunerado ou sobretrabalho seja precisamente o fundo de
que se forma a mais-valia ou lucro,
fica parecendo que todo o trabalho é trabalho pago.
Essa aparência enganadora distingue o trabalho assalariado das outras formas históricas do trabalho. Dentro do
sistema do salariado, até o trabalho não
remunerado parece trabalho pago.
Ao contrário, no trabalho dos escravos
parece ser trabalho não remunerado até a parte do trabalho que se paga. Claro
está que, para poder trabalhar, o escravo tem que viver e uma parte de sua
jornada de trabalho serve para repor o valor de seu próprio sustento. Mas, como
entre ele e seu senhor não houve trato algum, nem se celebra entre eles nenhuma
compra e venda, todo o seu trabalho parece dado de graça.
Tomemos, por outro lado, o camponês servo,
tal como existia, quase diríamos ainda ontem mesmo, em todo o oriente da
Europa. Este camponês, por exemplo, trabalhava três dias para si, na sua
própria terra, ou na que lhe havia sido atribuída, e nos três dias seguintes
realizava um trabalho compulsório e gratuito na propriedade de seu senhor. Como
vemos, aqui as duas partes do trabalho, a paga e a não paga, aparecem
visivelmente separadas, no tempo e no espaço, e os nossos liberais podem
estourar de indignação moral ante a ideia disparatada de que se obrigue um
homem a trabalhar de graça.
Mas, na realidade, tanto faz uma pessoa
trabalhar três dias na semana para si na sua própria terra, e outros três dias
de graça na gleba do senhor como trabalhar diariamente na fábrica, ou na
oficina, 6 horas para si e 6 horas para o seu patrão; ainda que nesse caso a
parte do trabalho pago e a do não remunerado apareçam inseparavelmente
confundidas e o caráter de toda a transação se disfarce por completo com a interferência de um contrato e o pagamento
recebido no fim da semana. No primeiro caso, o trabalho não remunerado é
visivelmente arrancado pela força; no segundo, parece entregue voluntariamente.
Eis a única diferença.”
“O
Lucro obtém-se Vendendo uma Mercadoria pelo seu Valor
Suponhamos que uma hora de trabalho médio
materialize um valor de 0,5 xelim ou 12 horas de trabalho médio, um valor de 6
xelins. Suponhamos, ainda, que o valor do trabalho represente 3 xelins ou o
produto de 6 horas de trabalho. Se nas matérias-primas, maquinaria etc.,
consumidas para produzir uma determinada mercadoria, se materializam 24 horas
de trabalho médio, o seu valor elevar-se-á a 12 xelins. Se, além disso, o
operário empregado pelo capitalista junta a esses meios de produção 12 horas de
trabalho, teremos que essas 12 horas se materializam num valor adicional de 6
xelins. Portanto, o valor do produto
se elevará a 36 horas de trabalho materializado, equivalente a 18 xelins.
Porém, como o valor do trabalho ou o salário recebido pelo operário só representa
3 xelins, decorre daí que o capitalista não pagou equivalente algum pelas 6
horas de sobretrabalho realizado pelo operário e materializadas no valor da
mercadoria. Vendendo essa mercadoria pelo valor, por 18 xelins, o capitalista
obterá, portanto, um valor de 3 xelins para o qual não pagou equivalente. Esses
3 xelins representarão a mais valia ou lucro que o capitalista embolsa. O
capitalista obterá, por consequência, um lucro de 3 xelins, não por vender a
sua mercadoria a um preço que exceda o seu valor, mas por vendê-la pelo seu valor real.
O valor de uma mercadoria se determina pela quantidade total de trabalho que
encerra. Mas uma parte dessa quantidade de trabalho representa um valor pelo
qual se pagou um equivalente em forma de salários; outra parte se materializa
num valor pelo qual nenhum
equivalente foi pago. Uma parte do trabalho incluído mercadoria é trabalho remunerado; a outra parte, trabalho não remunerado. Logo, quando o
capitalista vende a mercadoria pelo seu
valor, isto é, como cristalização da quantidade
total de trabalho nela invertido, o capitalista deve forçosamente vendê-la
com lucro. Vende não só o que lhe custou um equivalente, como também o que não
lhe custou nada, embora haja custado o trabalho do seu operário. O custo da
mercadoria para o capitalista e o custo real da mercadoria são coisas
inteiramente distintas. Repito, pois, que lucros normais e médios se obtêm
vendendo as mercadorias não acima do
que valem e sim pelo seu verdadeiro valor.”
“À mais-valia,
ou seja, aquela parte do valor total da mercadoria em que se incorpora o sobretrabalho, ou trabalho não remunerado, eu chamo lucro. Esse lucro não o embolsa
na sua totalidade o empregador capitalista. O monopólio do solo permite ao
proprietário da terra embolsar uma parte dessa mais-valia, sob a denominação de renda territorial, quer o solo seja utilizado na agricultura ou se
destine a construir edifícios, ferrovias ou a outro qualquer fim produtivo. Por
outro lado, o fato de ser a posse dos meios
de trabalho o que possibilita ao empregador capitalista produzir mais-valia, ou, o que é o mesmo, apropriar-se de uma determinada quantidade
de trabalho não remunerado, é precisamente o que permite ao proprietário
dos meios de trabalho, que os empresta total ou parcialmente ao empregador
capitalista, numa palavra, ao capitalista
que empresta o dinheiro, reivindicar para si mesmo outra parte dessa mais
valia sob o nome de juro, de modo que ao capitalista empregador, como tal, só lhe sobra o chamado lucro industrial ou comercial. (...)
A renda
territorial, o juro e o lucro industrial nada mais são que nomes diferentes para exprimir as diferentes partes da mais-valia de uma mercadoria ou do trabalho não remunerado, que nela se materializa, e todos provêm por igual dessa fonte e só dessa fonte. Não
provêm do solo, como tal, nem do capital
em si; mas o solo e o capital permitem a seus possuidores obter a sua parte
correspondente na mais-valia que o empregador capitalista extorque ao operário.
Para o operário mesmo, é uma questão de importância secundária que essa
mais-valia, fruto de seu sobretrabalho, ou trabalho não remunerado, seja
exclusivamente embolsada pelo empregador capitalista ou que este se veja
obrigado a ceder parte a terceiros, com o nome de renda do solo, ou juro.
Suponhamos que o empregador utiliza apenas capital próprio e seja ele mesmo o
proprietário do solo; nesse caso, toda a mais-valia irá parar em seu bolso.
É o empregador capitalista quem extrai
diretamente do operário essa mais-valia, seja qual for a parte que, em última
análise, possa reservar para si. Por isso, dessa relação entre o empregador
capitalista e o operário assalariado dependem todo o sistema do salariado e
todo o regime atual de produção.”
“Até aqui partimos da suposição de que a jornada de trabalho tem limites dados.
Mas, na realidade, essa jornada, em si mesma, não tem limites constantes O
capital tende constantemente a dilatá-la ao máximo de sua possibilidade física,
já que na mesma proporção aumenta o sobretrabalho e, portanto, o lucro que dele
deriva. Quanto mais êxito tiverem as pretensões do capital para alongar a
jornada de trabalho, maior será a quantidade de trabalho alheio de que se
apropriará. Durante o século XVII, e até mesmo durante os primeiros dois terços
do século XVIII, a jornada normal de trabalho, em toda a Inglaterra, era de 10
horas. Durante a guerra contra os jacobitas28, que foi, na
realidade, uma guerra dos barões ingleses contra as massas trabalhadoras
inglesas, o capital viveu dias de orgia e prolongou a jornada de 10 para 12, 14
e 18 horas. Malthus, que não pode precisamente infundir suspeitas de terno
sentimentalismo, declarou num folheto, publicado por volta de 1815, que a vida
da nação estava ameaçada em suas raízes, caso as coisas continuassem assim.
Alguns anos antes da generalização dos novos inventos mecânicos, cerca de 1765,
veio à luz na Inglaterra um folheto intitulado An Essay on Trade (Um Ensaio
Sobre o Comércio). O anônimo autor desse folheto, inimigo jurado da classe
operária, clama pela necessidade de estender os limites da jornada de trabalho.
Entre outras coisas, propõe criar com esse objetivo, casas de trabalho para pobres, que, diz ele, deveriam ser “casas de terror”. E qual é a duração da
jornada de trabalho proposta para estas “casas de terror”? Doze horas, quer dizer, precisamente a jornada que, em 1832, os
capitalistas, os economistas e os ministros declaravam não só vigente de fato,
mas também o tempo de trabalho necessário para as crianças menores de 12 anos.
Ao vender a sua força de trabalho – e o
operário é obrigado a fazê-lo, no regime atual – ele cede ao capitalista o
direito de empregar essa força, porém dentro de certos limites racionais. Vende
a sua força de trabalho para conservá-la ilesa, salvo o natural desgaste, porém
não para destruí-la. E como a vende por seu valor diário, ou semanal, se
subentende que num dia ou numa semana não se há de arrancar a sua força de
trabalho um uso, ou desgaste de dois dias ou duas semanas. Tomemos uma máquina
que valha 1000 libras. Se ela se usa em 10 anos, acrescentará no fim de cada
ano 100 libras ao valor das mercadorias que ajuda a produzir. Se se usa em 5
anos, o valor acrescentado por ela será de 200 libras anuais, isto é, o valor
de seu desgaste anual está em razão inversa à rapidez com que se esgota. Mas
isso distingue o operário da máquina. A maquinaria não se esgota exatamente na
mesma proporção em que se usa. Ao contrário, o homem se esgota numa proporção
muito superior à que a mera soma numérica do trabalho acusa.
Nas tentativas para reduzir a jornada de
trabalho à sua antiga duração racional, ou, onde não podem arrancar uma fixação
legal da jornada normal de trabalho, nas tentativas para contrabalançar o
trabalho excessivo por meio de um aumento de salário, aumento que não basta
esteja em proporção com o sobretrabalho que os exaure, e deve, sim, estar numa
proporção maior, os operários não fazem mais que cumprir um dever para com eles
mesmos e a sua descendência. Limitam-se a refrear as usurpações tirânicas do
capital. O tempo é o campo do desenvolvimento humano. O homem que não dispõe de
nenhum tempo livre, cuja vida, afora as interrupções puramente físicas do sono,
das refeições etc. está toda ela absorvida pelo seu trabalho para o
capitalista, é menos que uma besta de carga. É uma simples máquina, fisicamente
destroçada e espiritualmente animalizada, para produzir riqueza alheia. E, no
entanto, toda a história da moderna indústria demonstra que o capital, se não
se lhe põe um freio, lutará sempre, implacavelmente, e sem contemplações para
conduzir toda a classe operária a esse nível de extrema degradação.”
28: Jacobitas
eram chamados os partidários de Jacques ll (do latim Jacobus) e da Casa dos
Stuarts, afastados pela revolução de 1688. Tentaram apoderar-se do poder em
diversas ocasiões, a última das quais em 1745, mas sem o menor êxito (N. do E.)
“Sabeis todos que, por motivos que não me
cabe aqui explicar, a produção capitalista move-se através de determinados
ciclos periódicos. Passa por fases de calma, de animação crescente, de
prosperidade, de superprodução, de crise e de estagnação. Os preços das
mercadorias no mercado e a taxa de lucro no mercado seguem essas fases; ora
descendo abaixo de seu nível médio, ora ultrapassando-o. Se considerardes todo
o ciclo, vereis que uns desvios dos preços do mercado são compensados por
outros e que, tirando a média do ciclo, os preços das mercadorias do mercado se
regulam por seus valores. Pois bem. Durante as fases de baixa dos preços no
mercado e durante as fases de crise de estagnação, o operário, se é que não o
põem na rua, pode estar certo de ver rebaixado o seu salário. Para que não o
enganem, mesmo com essa baixa de preços no mercado, ver-se-á compelido a
discutir com o capitalista em que proporção se torna necessário reduzir os
salários. E se durante a fase de prosperidade, na qual o capitalista obtém
lucros extraordinários, o operário não lutar por uma alta de salários, ao tirar
a média de todo o ciclo industrial, veremos que ele nem sequer percebe o salário médio, ou seja, o valor do seu trabalho. Seria o cúmulo da
loucura exigir que o operário, cujo salário se vê forçosamente afetado pelas
fases adversas do ciclo, renunciasse ao direito de ser compensado durante as
fases prósperas. Geralmente, os valores
de todas as mercadorias só se realizam por meio da compensação que se opera
entre os preços constantemente variáveis do mercado, variação proveniente das
flutuações constantes da oferta e da procura. No âmbito do sistema atual, o
trabalho é uma mercadoria como outra qualquer. Tem, portanto, que passar pelas
mesmas flutuações, até obter o preço médio que corresponde ao seu valor. Seria
um absurdo considerá-lo como mercadoria para certas coisas e, para outras,
querer excetuá-lo das leis que regem os preços das mercadorias. O escravo obtém
uma quantidade constante e fixa de meios de subsistência; o operário
assalariado, não. Ele não tem outro recurso senão tentar impor, em alguns
casos, um aumento dos salários, ainda que seja apenas para compensar a baixa em
outros casos. Se espontaneamente se resignasse a acatar a vontade, os ditames
do capitalista, como uma lei econômica permanente, compartilharia de toda a
miséria do escravo, sem compartilhar, em troca, da segurança deste.”
“Essas breves indicações bastarão para
demonstrar, precisamente, que o próprio desenvolvimento da indústria moderna
contribui por força para inclinar cada vez mais a balança a favor do
capitalista contra o operário e que, em consequência disso, a tendência geral
da produção capitalista não é para elevar o nível médio normal do salário, mas,
ao contrário, para fazê-lo baixar, empurrando o valor do trabalho mais ou menos até seu limite mínimo. Porém, se tal é a tendência das coisas nesse sistema, quer isso dizer que a classe
operária deva renunciar a defender-se contra os abusos do capital e abandonar
seus esforços para aproveitar todas as possibilidades que se lhe ofereçam de
melhorar em parte a sua situação? Se o fizesse, ver-se-ia degradada a uma massa
informe de homens famintos e arrasados, sem probabilidade de salvação. Creio
haver demonstrado que as lutas da classe operária em torno do padrão de
salários são episódios inseparáveis de todo o sistema do salariado: que, em 99%
dos casos, seus esforços para elevar os salários não são mais que esforços
destinados a manter de pé o valor dado do trabalho e que a necessidade de
disputar o seu preço com o capitalista é inerente à situação em que o operário
se vê colocado e que o obriga a vender se a si mesmo como uma mercadoria. Se em
seus contatos diários com o capital cedessem covardemente, ficariam os operários,
por certo, desclassificados para empreender outros movimentos de maior
envergadura.
Ao mesmo tempo, e ainda abstraindo totalmente
a escravização geral que o sistema do salariado implica, a classe operária não
deve exagerar a seus próprios olhos o resultado final dessas lutas diárias. Não
deve esquecer-se de que luta contra os efeitos, mas não contra as causas desses
efeitos, que logra conter o movimento descendente, mas não fazê-lo mudar de
direção; que aplica paliativos, mas não cura a enfermidade. Não deve, portanto,
deixar-se absorver exclusivamente por essas inevitáveis lutas de guerrilhas,
provocadas continuamente pelos abusos incessantes do capital ou pelas
flutuações do mercado. A classe operária deve saber que o sistema atual, mesmo
com todas as misérias que lhe impõem, engendra simultaneamente as condições materiais e as formas sociais necessárias para uma
reconstrução econômica da sociedade. Em vez do lema conservador de: “Um salário
justo para uma jornada de trabalho justa!”, deverá inscrever na sua
bandeira esta divisa revolucionária: “Abolição
do sistema de trabalho assalariado!” (...)
Os sindicatos trabalham bem como centro de
resistência contra as usurpações do capital. Falham em alguns casos, por usar
pouco inteligentemente a sua força. Mas são deficientes, de modo geral, por se
limitarem a uma luta de guerrilhas contra os efeitos do sistema existente, em
lugar de, ao mesmo tempo, se esforçarem para mudá-lo, em lugar de empregarem
suas forças organizadas como alavanca para a emancipação final da classe
operária, isto é, para a abolição definitiva do sistema de trabalho
assalariado.”
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