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segunda-feira, 22 de agosto de 2016

O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil (Parte II) – Darcy Ribeiro

Editora: Companhia das Letras
ISBN: 978-85-7164-451-9
Opinião: ★★★★★
Páginas: 476
Sinopse: Ver Parte I



“A empresa escravista, fundada na apropriação de seres humanos através da violência mais crua e da coerção permanente, exercida através dos castigos mais atrozes, atua como uma mó desumanizadora e deculturadora de eficácia incomparável. Submetido a essa compressão, qualquer povo é desapropriado de si, deixando de ser ele próprio, primeiro, para ser ninguém ao ver-se reduzido a uma condição de bem semovente, como um animal de carga; depois, para ser outro, quando transfigurado etnicamente na linha consentida pelo senhor, que é a mais compatível com a preservação dos seus interesses.
O espantoso é que os índios como os pretos, postos nesse engenho deculturativo, consigam permanecer humanos. Só o conseguem, porém, mediante um esforço inaudito de auto-reconstrução no fluxo do seu processo de desfazimento. Não têm outra saída, entretanto, uma vez que da condição de escravo só se sai pela porta da morte ou da fuga. Portas estreitas, pelas quais, entretanto, muitos índios e muitos negros saíram; seja pela fuga voluntarista do suicídio, que era muito frequente, ou da fuga, mais frequente ainda, que era tão temerária porque quase sempre resultava mortal. Todo negro alentava no peito uma ilusão de fuga, era suficientemente audaz para, tendo uma oportunidade, fugir, sendo por isso supervigiado durante seus sete a dez anos de vida ativa no trabalho. Seu destino era morrer de estafa, que era sua morte natural. Uma vez desgastado, podia até ser alforriado por imprestável, para que o senhor não tivesse que alimentar um negro inútil. Uma morte prematura numa tentativa de fuga era melhor, quem sabe, que a vida do escravo trazido de tão longe para cair no inferno da existência mais penosa. Sentindo que é violentado, sabendo que é explorado, ele resiste como lhe é possível. “Deixam de trabalhar bem se não forem convenientemente espancados”, diz um observador alemão, “e se desprezássemos a primeira iniquidade a que os sujeitou, isto é, sua introdução e submissão forçada, devíamos de considerar em grande parte os castigos que lhes impõem os seus senhores” (Thomas Davatz, Memórias de um colono no Brasil – 1850). Aí está a racionalidade do escravismo, tão oposta à condição humana que uma vez instituído só se mantém através de uma vigilância perpétua e da violência atroz da punição preventiva.
Apresado aos quinze anos em sua terra, como se fosse uma caça apanhada numa armadilha, ele era arrastado pelo pombeiro – mercador africano de escravos – para a praia, onde seria resgatado em troca de tabaco, aguardente e bugigangas. Dali partiam em comboios, pescoço atado a pescoço com outros negros, numa corda puxada até o porto e o tumbeiro. Metido no navio, era deitado no meio de cem outros para ocupar, por meios e meio, o exíguo espaço do seu tamanho, mal comendo, mal cagando ali mesmo, no meio da fedentina mais hedionda. Escapando vivo à travessia, caía no outro mercado, no lado de cá, onde era examinado como um cavalo magro. Avaliado pelos dentes, pela grossura dos tornozelos e dos punhos, era arrematado. Outro comboio, agora de correntes, o levava à terra adentro, ao senhor das minas ou dos açúcares, para viver o destino que lhe havia prescrito a civilização: trabalhar dezoito horas por dia, todos os dias do ano. No domingo, podia cultivar uma rocinha, devorar faminto a parca e porca ração de bicho com que restaurava sua capacidade de trabalhar no dia seguinte até a exaustão.
Sem amor de ninguém, sem família, sem sexo que não fosse a masturbação, sem nenhuma identificação possível com ninguém – seu capataz podia ser um negro, seus companheiros de infortúnio, inimigos –, maltrapilho e sujo, feio e fedido, perebento e enfermo, sem qualquer gozo ou orgulho do corpo, vivia a sua rotina. Esta era sofrer todo o dia o castigo diário das chicotadas soltas, para trabalhar atento e tenso. Semanalmente vinha um castigo preventivo, pedagógico, para não pensar em fuga, e, quando chamava atenção, recaía sobre ele um castigo exemplar, na forma de mutilações de dedos, do furo de seios, de queimaduras com tição, de ter todos os dentes quebrados criteriosamente, ou dos açoites no pelourinho, sob trezentas chicotadas de uma vez, para matar, ou cinquenta chicotadas diárias, para sobreviver. Se fugia e era apanhado, podia ser marcado com ferro em brasa, tendo um tendão cortado, viver peado com uma bola de ferro, ser queimado vivo, em dias de agonia, na boca da fornalha ou, de uma vez só, jogado nela para arder como um graveto oleoso.
Nenhum povo que passasse por isso como sua rotina de vida, através de séculos, sairia dela sem ficar marcado indelevelmente. Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Todos nós brasileiros somos, por igual, a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal, que também somos. Descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre servos da malignidade destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exercício da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianças convertidas em pasto de nossa fúria.
A mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista. Ela é que incandesce, ainda hoje, em tanta autoridade brasileira predisposta a torturar, seviciar e machucar os pobres que lhes caem às mãos. Ela, porém, provocando crescente indignação nos dará forças, amanhã, para conter os possessos e criar aqui uma sociedade solidária.”


“Sobrevivendo a todas as provações, no trânsito de negro boçal a negro ladino, ao aprender a língua nova, os novos ofícios e novos hábitos, aquele negro se refazia profundamente. Não chegava, porém, a ser alguém, porque não reduzia jamais seu próprio ser à simples qualidade comum de negro na raça e de escravizado. Seu filho, crioulo, nascido na terra nova, racialmente puro ou mestiçado, este sim, sabendo-se não-africano como os negros boçais que via chegando, nem branco, nem índio e seus mestiços, se sentia desafiado a sair da ninguendade, construindo sua identidade. Seria, assim, ele também, um protobrasileiro por carência.
O brasilíndio como o afro-brasileiro existiam numa terra de ninguém, etnicamente falando, e é a partir dessa carência essencial, para livrar-se da ninguendade de não-índios, não-europeus e não-negros, que eles se veem forçados a criar a sua própria identidade étnica: a brasileira.”


“A historieta clássica, tão querida dos historiadores, segundo a qual os índios foram amadurecendo para a civilização de forma que cada aldeia foi se convertendo em vila, é absolutamente inautêntica. O estudo que realizamos para a Unesco, esperançosos de apresentar o Brasil como um país por excelência assimilacionista, demonstrou precisamente o contrário. O índio é irredutível em sua identificação étnica, tal como ocorre com o cigano ou com o judeu. Mais perseguição só os afunda mais convictamente dentro de si mesmos.”


“Na primeira década deste século, a situação indígena brasileira era altamente conflitiva. Missionários se apropriavam das terras dos índios que catequizavam e as estavam loteando, com grande revolta dos índios. Vastas áreas entregues à colonização estrangeira, principalmente alemã, viviam convulsionadas por bugreiros pagos pelos colonos para limpar suas terras do incômodo “invasor”. O próprio diretor do Museu Paulista e eminente cientista pediu ao governo que optasse entre a selvageria e a civilização. Se seu propósito era civilizar o país, cumpria abrir guerras de extermínio com tropas oficiais para resolver o problema.
Nessa situação é que se levanta o principal dos humanistas brasileiros, Cândido Rondon. Tendo muito mais experiência de trato com os índios, porque havia estendido milhares de quilômetros de linhas telegráficas em território indígena sem entrar em conflito com eles, Rondon exigia do país respeito à sua população original. Seu apelo foi atendido não só pelo governo, mas por dezenas de oficiais das forças armadas e profissionais de toda a sorte, que decidiram dedicar suas vidas à salvação dos povos indígenas.
Fundado nos princípios do positivismo de Augusto Comte, mas superando-os largamente, Rondon e seus companheiros estabeleceram um corpo de diretrizes que por décadas orientaram uma política indigenista oficial. Eles afirmavam que o objetivo não podia ser exterminar ou transformar o indígena, mas fazer dele um índio melhor, dando-lhe acesso a ferramentas e a orientação adequada. O que cumpria fazer em essência era assegurar aquele mínimo indispensável a cada povo indígena, que é o direito de ser índio, mediante a garantia de um território onde possam viver sossegados, a salvo de ataques, e reconstituir sua vida e seus costumes. A necessidade de abrir novas frentes de colonização tinha que ser precedida de um cuidadoso trabalho junto aos índios.
A inovação principal de Rondon foi, porém, o estabelecimento pioneiro do princípio, só hoje reconhecido internacionalmente, do direito à diferença. Em lugar da fofa proclamação da igualdade de todos os cidadãos, os rondonianos diziam que, não sendo iguais, essa igualdade só servia para entregar os índios a seus perseguidores. O que cumpria era fixar as normas de um direito compensatório, pelo qual os índios tinham os mesmos direitos que os brasileiros – de ser eleitor, de fazer serviço militar, por exemplo –, mas esses direitos não lhes podiam ser cobrados como deveres.”


“O processo de formação do povo brasileiro, que se fez pelo entrechoque de seus contingentes índios, negros e brancos, foi, por conseguinte, altamente conflitivo. Pode-se afirmar, mesmo, que vivemos praticamente em estado de guerra latente, que, por vezes, e com frequência, se torna cruento, sangrento.
Conflitos interétnicos existiram desde sempre, opondo as tribos indígenas umas às outras. Mas isto se dava sem maiores consequências, porque nenhuma delas tinha possibilidade de impor sua hegemonia às demais. A situação muda completamente quando entra nesse conflito um novo tipo de contendor, de caráter irreconciliável, que é o dominador europeu e os novos grupos humanos que ele vai aglutinando, avassalando e configurando como uma macroetnia expansionista.
De 1500 até hoje, esses enfrentamentos se vêm desencadeando através de lutas armadas contra cada tribo que se defronta com a sociedade nacional, em sua expansão inexorável pelo território de que vai se apropriando como seu chão do mundo: a base física de sua existência. Os Yanomami e as emoções desencontradas que eles provocam entre os que os defendem e os que querem desalojá-los são apenas o último episódio dessa guerra secular.
O conflito interétnico se processa no curso de um movimento secular de sucessão ecológica entre a população original do território e o invasor que a fustiga a fim de implantar um novo tipo de economia e de sociedade. Trata-se, por conseguinte, de uma guerra de extermínio. Nela, nenhuma paz é possível, senão com um armistício provisório, porque os índios não podem ceder no que se espera deles, que seria deixar de ser eles mesmos para ingressar individualmente na nova sociedade, onde viveriam outra forma de existência que não é a sua.
As forças que se defrontam nessas lutas não podiam ser mais cruamente desiguais. De um lado, sociedades tribais, estruturadas com base no parentesco e outras formas de sociabilidade, armadas de uma profunda identificação étnica, irmanadas por um modo de vida essencialmente solidário. Do lado oposto, uma estrutura estatal, fundada na conquista e dominação de um território, cujos habitantes, qualquer que seja a sua origem, compõem uma sociedade articulada em classes, vale dizer, antagonicamente opostas, mas imperativamente unificadas para o cumprimento de metas econômicas socialmente irresponsáveis. A primeira das quais é a ocupação do território. Onde quer que um contingente etnicamente estranho procure, dentro desse território, manter seu próprio modo tradicional de vida, ou queira criar para si um gênero autônomo de existência, estala o conflito cruento.
Mas há, também, conflitos virulentos entre os invasores. O mais complexo deles, quanto a suas motivações, ainda que também remarcado por componentes classistas, racistas e étnicos, foi a longa guerra sem quartel de colonos contra os jesuítas. Muito cedo surgiram desentendimentos entre o projeto comunitário dos inacianos para a indiada nativa e o processo colonial lusitano que lhes reservava o destino de mão-de-obra de suas empresas. Surgiram assim que os padres fugiram de sua função prevista de amansadores de índios para se arvorarem a seus protetores.”


“Outra modalidade principal de conflito é a dos enfrentamentos predominantemente raciais. Aqui, vemos opondo-se umas às outras todas as três matrizes da sociedade, cada uma delas armada de preconceitos raciais contra as outras duas. Esses antagonismos alcançam caráter mais cruento no enfrentamento dos negros, trazidos da África para serem escravos, que se veem condenados a lutar por sua liberdade e, mesmo depois de alcançada a abolição, a continuar lutando contra as discriminações humilhantes de que são vítimas, bem como contra as múltiplas formas de preterição.
As lutas são inevitavelmente sangrentas, porque só à força se pode impor e manter a condição de escravo. Desde a chegada do primeiro negro, até hoje, eles estão na luta para fugir da inferioridade que lhes foi imposta originalmente, e que é mantida através de toda a sorte de opressões, dificultando extremamente sua integração na condição de trabalhadores comuns, iguais aos outros, ou de cidadãos com os mesmos direitos.
Palmares é o caso exemplar do enfrentamento inter-racial. Ali, negros fugidos dos engenhos de açúcar ou das vilas organizam-se para si mesmos, na forma de uma economia solidária e de uma sociedade igualitária. Não retornam às formas africanas de vida, inteiramente inviáveis. Voltam-se a formas novas, arcaicamente igualitárias e precocemente socialistas. Sua destruição sendo requisito de sobrevivência da sociedade escravista, torna esses conflitos crescentes inevitáveis, seja para reaver escravos fugidos, seja para precaver-se contra novas fugas. Mas também para acautelar-se contra o que poderia vir a ser uma ameaça pior do que as invasões estrangeiras, que seria a sublevação geral dos negros.
Uma terceira modalidade de conflitos que envolvem as populações brasileiras é de caráter fundamentalmente classista.
Aqui se enfrentam, de um lado, os privilegiados proprietários de terras, de bens de produção, que são predominantemente brancos, e de outro lado, as grandes massas de trabalhadores, estas majoritariamente mestiças ou negras.
Ainda que nas outras duas formas de conflito sempre se encontrem componentes classistas, mesmo porque em todas elas está presente a preocupação com o recrutamento de mão-de-obra para a produção mercantil, em certas circunstâncias elas ganham especificidade como enfrentamentos interclassistas. Isso ocorre quando não são contingentes diferenciados racialmente ou etnicamente que se opõem, mas conglomerados humanos ou estratos sociais multirraciais e multiétnicos propensos a criar novas formas de ordenação socioeconômica, inconciliáveis com o projeto das classes dominantes.
Canudos é um bom exemplo dessa classe de enfrentamentos, como a grande explosão dessa modalidade de lutas. Ali, sertanejos atados a um universo arcaico de compreensões, mas cruamente subversivos porque pretendiam enfrentar a ordem social vigente, segundo valores diferentes e até opostos aos dos seus antagonistas, enfrentavam uma sociedade fundada na propriedade territorial e no poderio do dono, sobre quem vivesse em suas terras. Desde o princípio os fiéis do Conselheiro eram vistos como um grupo crescente de lavradores que saíam das fazendas e se organizavam em si e para si, sem patrões nem mercadores, e parecia e era tido como o que há de mais perigoso.
Quando a situação amadureceu completamente, esse contingente humano foi capaz de enfrentar e vencer, primeiro, as autoridades locais e os fazendeiros, aliciando jagunços; depois, as tropas estaduais e, por fim, diversos exércitos armados pelo governo federal. Venceram sempre, até a derrota total, porque nenhuma paz era possível entre quem lutava para refazer o mundo em nome dos valores mais sagrados e as forças armadas que cumpriam seu papel de manter esse mundo tal qual é, ajudadas nesse empenho por todas as forças da sociedade global.
Os exemplos de conflitos continuados se multiplicam ao longo desse texto. O que têm de comum e mais relevante é a insistência dos oprimidos em abrir e reabrir as lutas para fugir do destino que lhes é prescrito; e, de outro lado, a unanimidade da classe dominante que compõe e controla um parlamento servil, cuja função é manter a institucionalidade em que se baseia o latifúndio. Tudo isso garantido pela pronta ação repressora de um corpo nacional das forças armadas que se prestava, ontem, ao papel de perseguidor de escravos, como capitães do mato, e se presta, hoje, à função de pau-mandado de uma minoria infecunda contra todos os brasileiros.”


“No plano econômico, o Brasil é produto da implantação e da interação de quatro ordens de ação empresarial, com distintas funções, variadas formas de recrutamento da mão-de-obra e diferentes graus de rentabilidade. A principal delas, por sua alta eficácia operativa, foi a empresa escravista, dedicada seja à produção de açúcar, seja à mineração de ouro, ambas baseadas na força de trabalho importada da África. A segunda, também de grande êxito, foi a empresa comunitária jesuítica, fundada na mão-de-obra servil dos índios. Embora sucumbisse na competição com a primeira, e nos conflitos com o sistema colonial, também alcançou notável importância e prosperidade. A terceira, de rentabilidade muito menor, inexpressiva como fonte de enriquecimento, mas de alcance social substancialmente maior, foi a multiplicidade de microempresas de produção de gêneros de subsistência e de criação de gado, baseada em diferentes formas de aliciamento de mão-de-obra, que iam de formas espúrias de parceria até a escravização do indígena, crua ou disfarçada.
A empresa escravista, latifundiária e monocultora, é sempre altamente especializada e essencialmente mercantil.
Na realidade, competindo embora, essas três formas de organização empresarial se conjugavam para garantir, cada qual no desempenho de sua função específica, a sobrevivência e o êxito do empreendimento colonial português nos trópicos. As empresas escravistas integram o Brasil nascente na economia mundial e asseguram a prosperidade secular dos ricos, fazendo do Brasil, para eles, um alto negócio. As missões jesuíticas solaparam a resistência dos índios, contribuindo decisivamente para a liquidação, a começar pelos recolhidos às reduções, afinal entregues inermes a seus exploradores. As empresas de subsistência viabilizaram a sobrevivência de todos e incorporaram os mestiços de europeus com índios e com negros, plasmando o que viria a ser o grosso do povo brasileiro. Foram, sobretudo, um criatório de gente.
Com efeito, o corpo do Brasil rústico, seus tecidos constitutivos – carne, sangue, ossos, peles –, se estrutura, nessas microempresas de subsistência, configuradas nas diversas variantes ecológico-regionais. É sobre esse corpo, como mecanismo de sucção de sua substância, mas também de ejeção sobre ele da matéria humana emprestável para seus fins mercantis, que se instalam, como carcinomas, as empresas agroexportadoras e mineradoras.
Sobre essas três esferas empresariais produtivas pairava, dominadora, uma quarta, constituída pelo núcleo portuário de banqueiros, armadores e comerciantes de importação e exportação. Esse setor parasitário era, de fato, o componente predominante da economia colonial e o mais lucrativo dela. Ocupava-se das mil tarefas de intermediação entre o Brasil, a Europa e a África no tráfico marítimo, no câmbio, na compra e venda, para o cumprimento de sua função essencial, que era trocar mais de metade do açúcar e do ouro que aqui se produzia por escravos caçados na África, a fim de renovar o sempre declinante estoque de mão-de-obra necessário para a sua produção.
Esta classe dominante empresarial-burocrático-eclesiástica, embora exercendo-se como agente de sua própria prosperidade, atuou também, subsidiariamente, como reitora do processo de formação do povo brasileiro. Somos, tal qual somos, pela fôrma que ela imprimiu em nós, ao nos configurar, segundo correspondia a sua cultura e a seus interesses. Inclusive reduzindo o que seria o povo brasileiro como entidade cívica e política a uma oferta de mão-de-obra servil.
Foi sempre nada menos que prodigiosa a capacidade dessa classe dominante para recrutar, desfazer e reformar gentes, aos milhões. Isso foi feito no curso de um empreendimento econômico secular, o mais próspero de seu tempo, em que o objetivo jamais foi criar um povo autônomo, mas cujo resultado principal foi fazer surgir como entidade étnica e configuração cultural um povo novo, destribalizando índios, desafricanizando negros, deseuropeizando brancos.
Ao desgarrá-los de suas matrizes, para cruzá-los racialmente e transfigurá-los culturalmente, o que se estava fazendo era gestar a nós brasileiros tal qual fomos e somos em essência. Uma classe dominante de caráter consular-gerencial, socialmente irresponsável, frente a um povo-massa tratado como escravaria, que produz o que não consome e só se exerce culturalmente como uma marginália, fora da civilização letrada em que esta imersa.
Entre aquela estreita cúpula e esta larga base, um contingente de escapados da miséria e da ignorância geral busca brechas institucionais em que se possa meter para fazer o Brasil a seu jeito. No princípio eram principalmente curas e militares subversivos, mesmo porque só eles eram alfabetizados e minimamente informados naquele submundo da opressão colonial.”


“No Brasil, vários processos já referidos, sobretudo o monopólio da terra e a monocultura, promovem a expulsão da população do campo. No nosso caso, as dimensões são espantosas, dada a magnitude da população e a quantidade imensa de gente que se vê compelida a transladar-se.
Conforme se vê, vivemos um dos mais violentos êxodos rurais, tanto mais grave porque nenhuma cidade brasileira estava em condições de receber esse contingente espantoso de população. Sua consequência foi a miserabilização da população urbana e uma pressão enorme na competição por empregos.
Embora haja variações regionais e São Paulo represente um grande percentual nesse translado, o fenômeno se deu em todo o país. Inchou as cidades, desabitou o campo sem prejuízo para a produção comercial da agricultura, que, mecanizada, passou a produzir mais e melhor. Se nosso programa fosse produzir só gêneros de exportação, isso seria admissível. Como a questão que a história nos põe é organizar toda a economia para que todos trabalhem e comam, esse translado astronômico, da ordem de 80%, gera enormes problemas.
No presente século, teve lugar uma urbanização caótica provocada menos pela atratividade da cidade do que pela evasão da população rural. Chegamos, assim, à loucura de ter algumas das maiores cidades do mundo, tais como São Paulo e Rio de Janeiro, com o dobro da população de Paris ou Roma, mas dez vezes menos dotadas de serviços urbanos e de oportunidades de trabalho. É um mistério inexplicado até agora como vive o povaréu do Recife, da Bahia, com aquela trêfega alegria, e, ultimamente, como sobrevivem sem trabalho milhões de paulistas e cariocas.
A própria população urbana, largada a seu destino, encontra soluções para seus maiores problemas. Soluções esdrúxulas é verdade, mas são as únicas que estão a seu alcance. Aprende a edificar favelas nas morrarias mais íngremes fora de todos os regulamentos urbanísticos, mas que lhe permitem viver junto aos seus locais de trabalho e conviver como comunidades humanas regulares, estruturando uma vida social intensa e orgulhosa de si. Em São Paulo, onde faltam morrarias, as favelas se assentam no chão liso de áreas de propriedade contestada e organizam-se socialmente como favelas. Resistem quanto podem a tentativas governamentais de desalojá-las e exterminá-las. Quem puder oferecer milhão de casas, terá direito de falar em erradicação de favelas.
Esse crescimento explosivo entra em crise em 1982, anunciando a impossibilidade de seguir crescendo economicamente sob o peso das constrições sociais que deformavam o desenvolvimento nacional. Primeiro, a estrutura agrária dominada pelo latifúndio que, incapaz de elevar a produção agrícola ao nível do crescimento da população, de ocupar e pagar as massas rurais, as expulsa em enormes contingentes do campo para as cidades, condenando a imensa maioria da população à marginalidade. Segundo, a espoliação estrangeira, que amparada pela política governamental fortalecera seu domínio, fazendo-se sócia da expansão industrial, jugulando a economia do país pela sucção de todas as riquezas produtivas.
O Brasil alcança, desse modo, uma extraordinária vida urbana, inaugurando, provavelmente, um novo modo de ser das metrópoles. Dentro delas geram-se pressões tremendas, porque a população deixada ao abandono mantém sua cultura arcaica, mas muito integrada e criativa. Dificulta, porém, uma verdadeira modernização, porque nenhum governo se ocupa efetivamente da educação popular e da sanidade.
Em nossos dias, o principal problema brasileiro é atender essa imensa massa urbana que, não podendo ser exportada, como fez a Europa, deve ser reassentada aqui. Está se alcançando, afinal, a consciência de que não é mais possível deixar a população morrendo de fome e se trucidando na violência, nem a infância entregue ao vício e à delinquência e à prostituição. O sentimento generalizado é de que precisamos tornar nossa sociedade responsável pelas crianças e anciãos. Isso só se alcançará através da garantia de pleno emprego, que supõe uma reestruturação agrária, porque ali é onde mais se pode multiplicar as oportunidades de trabalho produtivo.
Não há nenhum indício, porém, de que isso se alcance. A ordem social brasileira, fundada no latifúndio e no direito implícito de ter e manter a terra improdutiva, é tão fervorosamente defendida pela classe política e pelas instituições do governo que isso se torna impraticável. É provável que a União Democrática Ruralista (UDR), que representa os latifundiários no Congresso, seja o mais poderoso órgão do Parlamento. É impensável fazê-la admitir o princípio de que ninguém pode manter a terra improdutiva por força do direito de propriedade, a fim de devolver as terras desaproveitadas à União para programas de colonização.
A indústria, por sua vez, se orienta cada vez mais para sistemas produtivos poupadores de mão-de-obra, nos quais cada novo emprego exige altíssimos investimentos. Isso ocorre, aliás, em todo o mundo, mas de forma mais aguda no Brasil, em razão da massa de desocupados que juntou e dos efeitos desastrosos do desemprego sobre a sociedade.
A moderna industrialização brasileira teve o seu impulso inicial através de dois atos de guerra. Getúlio Vargas impôs aos aliados, como condição de dar seu apoio em tropas e matérias-primas, a construção da Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda e a devolução das jazidas de ferro de Minas Gerais. Surgiram, assim, imediatamente após a guerra, dois dínamos da modernização no Brasil. Volta Redonda foi a matriz da indústria naval e automobilística e de toda a indústria mecânica. A Vale do Rio Doce pôs nossas reservas minerais a serviço do Brasil, provendo delas o mercado mundial. Cresceu, assim, como uma das principais empresas de seu ramo. Além dessas empresas, o Estado criou várias outras com êxito menor, como a Fábrica Nacional de Motores e a Companhia Nacional de Alcalis.
Essa política de capitalismo de Estado e de industrialização de base provocou sempre a maior reação por parte dos privatistas e dos porta-vozes dos interesses estrangeiros. Assim é que, quando Getúlio Vargas se prepara para criar a Petrobrás e a Eletrobrás, uma campanha uníssona de toda a mídia levou seu governo a tal desmoralização que ele se viu na iminência de ser enxotado do Catete. Venceu pelo próprio suicídio, que acordou a nação para o caráter daquela campanha e para os interesses que estavam atrás dos inimigos do governo.
Em consequência, os líderes da direita não alcançaram o poder e o candidato de centro-esquerda, Juscelino Kubitschek, foi eleito presidente. Com ele, se desencadeia a industrialização substitutiva. Num mundo em que nem Dutra nem Getúlio conseguiam qualquer investimento, JK, abandonando a política de capitalismo de Estado, atrai numerosas empresas para implantar subsidiárias no Brasil, no campo da indústria automobilística, naval, química, mecânica etc. Para tanto, concedeu toda a sorte de subsídios, tais como terrenos, isenção de impostos, empréstimos e avais a empréstimos estrangeiros. O fez com tanta largueza, que muita indústria custou a seus donos menos de 20% de investimento real do seu capital (Maria da Conceição Tavares, 1964).
O fundamento dessa política, formulada pelo Centro de Estudos para a América Latina (CEPAL), era o de que, elevando as barreiras alfandegárias para reservar o mercado interno às indústrias que aqui se instalassem, se promoveria uma Revolução Industrial equivalente à que ocorreu originalmente em outros países. Os resultados foram, por um lado, altamente exitosos pela modernização que essas indústrias substitutivas das importações promoveram, dinamizando toda a economia nacional. Por outro lado, concentrou-se tanto em São Paulo, que fez desse estado um polo de colonização interna, crescendo exorbitantemente e coactando o desenvolvimento industrial de outros estados. Simultaneamente com esse processo, as metrópoles do Brasil absorveram imensas parcelas da população rural que, não tendo lugar no seu sistema de produção, se avolumaram como massa desempregada, gerando uma crise sem paralelo de violência urbana.
O Estado brasileiro não tem nenhum programa de reestruturação econômica que permita garantir pleno emprego a essas massas dentro de prazos previsíveis. Que fazer? Prosseguir o genocídio dos pioneiros, que nas terras de ninguém da Amazônia procuram seu pé-de-chão? Continuar castrando as mulheres de Goiás, por exemplo, para guardar espaço brasileiro não se sabe para quem? Insistir num liberalismo aloucado, que regeu a economia desde 64, enriquecendo os ricos e empobrecendo os pobres? Continuar imbuídos da ilusão de que o melhor para o Brasil é o espontaneísmo, regido pelo lucrismo dos banqueiros, que acabará por resolver nossos problemas? Até quando este país continuará sem seu projeto próprio de desenvolvimento autônomo e autossustentável?
Os tecnocratas dos últimos governos só veem saída na venda a qualquer preço das indústrias criadas no passado com tão grandes sacrifícios, seguida do mergulho da indústria brasileira no mercado global, confiante em que ele nos dará a prosperidade, se não para o povo trabalhador, ao menos para os que estão bem integrados no sistema econômico.
Se fôssemos uma pequena nação, seria uma fatalidade para nós a integração no Colosso. Sendo o que somos, não se pode adiar mais a formulação de um projeto próprio que nos insira no contexto mundial, guardando nossa autonomia econômica para um crescimento autônomo. O que nos falta hoje é maior indignação generalizada em face de tanto desemprego, tanta fome e tanta violência desnecessárias, porque perfeitamente sanáveis com alterações estratégicas na ordem econômica. Falta mais, ainda, competência política para usar o poder na realização de nossas potencialidades.
A história nos fez, pelo esforço de nossos antepassados, detentores de um território prodigiosamente rico e de uma massa humana metida no atraso, mas sedenta de modernidade e de progresso, que não podemos entregar ao espontaneísmo do mercado mundial. A tarefa das novas gerações de brasileiros é tomar este país em suas mãos para fazer dele o que há de ser, uma das nações mais progressistas, justas e prósperas da terra.”


“A questão hoje é mais grave. A luta dentro dessa massa urbana é ferocíssima. Os marginais não devem, porém, ser confundidos com a secular população favelada das grandes cidades, que de fato são suas principais vítimas.
O normal na marginália é uma agressividade em que cada um procura arrancar o seu, seja de quem for. Não há família, mas meros acasalamentos eventuais. A vida se assenta numa unidade matricêntrica de mulheres que parem filhos de vários homens.
Apesar de toda a miséria, essa heroica mãe defende seus filhos e, ainda que com fome, arranja alguma coisa para pôr em suas bocas. Não tendo outro recurso, se junta a eles na exploração do lixo e na mendicância nas ruas das cidades. É incrível que o Brasil, que gosta tanto de falar de sua família cristã, não tenha olhos para ver e admirar essa mulher extraordinária em que se assenta toda a vida da gente pobre.
A anomia frequentemente se instala, prostrando multidões no desânimo e no alcoolismo. Muitas vezes se deteriora, também, na anarquia, em gestos fugazes de revolta incontrolável.
Um corpo elementar de valores coparticipados a todos afeta, oriundos principalmente dos cultos afro-brasileiros, do futebol e do Carnaval, suas paixões. As circunstâncias fazem surgir, periodicamente, lideranças ferozes que a todos se impõem na divisão do despojo de saqueios. Essa situação é agravada por uma lúmpen-burguesia de microempresários que vivem da exploração dessa gente paupérrima e os controla através de matadores profissionais, recrutados entre fugidos da prisão e policiais expulsos de suas corporações.
O doloroso é que esses bandos se instalam no meio das populações faveladas e das periferias, impondo a mais dura opressão para impedir que escapem do seu domínio. Isso é o que desejam muitas famílias pobres, geralmente desajustadas. Paradoxalmente, confiam é no crime organizado, que costuma limpar a favela dos pequenos delinquentes mais irresponsáveis e violentos e põe cobro à caçada de crianças pelos matadores profissionais. Talvez, por isso, tanto se apeguem aos cultos evangélicos que salvam os homens do alcoolismo, as mulheres da pancadaria dos maridos bêbados, as crianças de toda sorte de violência e do incesto. Os cultos católicos, regidos por sacerdotes bem formados, raramente aparecem ali. Quem compete mais com os evangélicos são os cultos afro-brasileiros, que com sua hierarquia rígida e com sua liturgia apuradíssima abrem perspectivas de carreira religiosa e de vidas devotadas ao culto.
Ultimamente, a coisa se tornou mais complexa porque as instituições tradicionais estão perdendo todo o seu poder de controle e de doutrinação. A escola não ensina, a igreja não catequiza, os partidos não politizam. O que opera é um monstruoso sistema de comunicação de massa fazendo a cabeça das pessoas. Impondo-lhes padrões de consumo inatingíveis, desejabilidades inalcançáveis, aprofundando mais a marginalidade dessas populações e seu pendor à violência. Algo tem que ver a violência desencadeada nas ruas com o abandono dessa população entregue ao bombardeio de um rádio e de uma televisão social e moralmente irresponsáveis, para as quais é bom o que mais vende, refrigerantes ou sabonetes, sem se preocupar com o desarranjo mental e moral que provocam.”


CLASSE E PODER
Nossa tipologia das classes sociais vê na cúpula dois corpos conflitantes, mas mutuamente complementares. O patronato de empresários, cujo poder vem da riqueza através da exploração econômica; e o patriciado, cujo mando decorre do desempenho de cargos, tal como o general, o deputado, o bispo, o líder sindical e tantíssimos outros. Naturalmente, cada patrício enriquecido quer ser patrão e cada patrão aspira às glórias de um mandato que lhe dê, além de riqueza, o poder de determinar o destino alheio.
Nas últimas décadas surgiu e se expandiu um corpo estranho nessa cúpula. É o estamento gerencial das empresas estrangeiras, que passou a constituir o setor predominante das classes dominantes. Ele emprega os tecnocratas mais competentes e controla a mídia, conformando a opinião pública. Ele elege parlamentares e governantes. Ele manda, enfim, com desfaçatez cada vez mais desabrida.
Abaixo dessa cúpula ficam as classes intermediárias, feitas de pequenos oficiais, profissionais liberais, policiais, professores, o baixo-clero e similares. Todos eles propensos a prestar homenagem às classes dominantes, procurando tirar disso alguma vantagem. Dentro dessa classe, entre o clero e os raros intelectuais, é que surgiram mais subversivos em rebeldia contra a ordem. A insurgência mesmo foi encarnada por gente de seus estratos mais baixos. Por isso mesmo mais padres foram enforcados que qualquer outra categoria de gente.
Seguem-se as classes subalternas, formadas por um bolsão da aristocracia operária, que têm empregos estáveis, sobretudo os trabalhadores especializados, e por outro bolsão que é formado por pequenos proprietários, arrendatários, gerentes de grandes propriedades rurais etc.
Abaixo desses bolsões, formando a linha mais ampla do losango das classes sociais brasileiras, fica a grande massa das classes oprimidas dos chamados marginais, principalmente negros e mulatos, moradores das favelas e periferias da cidade. São os enxadeiros, os boias-frias, os empregados na limpeza, as empregadas domésticas, as pequenas prostitutas, quase todos analfabetos e incapazes de organizar-se para reivindicar. Seu desígnio histórico é entrar no sistema, o que sendo impraticável, os situa na condição da classe intrinsecamente oprimida, cuja luta terá de ser a de romper com a estrutura de classes. Desfazer a sociedade para refazê-la.
Essa estrutura de classes engloba e organiza todo o povo, operando como um sistema autoperpetuante da ordem social vigente. Seu comando natural são as classes dominantes. Seus setores mais dinâmicos são as classes intermédias. Seu núcleo mais combativo, as classes subalternas. E seu componente majoritário são as classes oprimidas, só capazes de explosões catárticas ou de expressão indireta de sua revolta. Geralmente estão resignadas com seu destino, apesar da miserabilidade em que vivem, e por sua incapacidade de organizar-se e enfrentar os donos do poder.
As classes dominantes, cujo número é insignificante, detêm, graças ao apoio das outras classes, o poder efetivo sobre toda a sociedade. Os setores intermédios funcionam como um atenuador ou agravador das tensões sociais e são levados mais vezes a operar no papel de mantenedores da ordem do que de ativistas de transformações.
As classes subalternas são formadas pelos que estão integrados regularmente na vida social, no sistema produtivo e no corpo de consumidores, geralmente sindicalizados. Seu pendor é mais para defender o que já têm e obter mais, do que para transformar a sociedade. O quarto estrato, formado pelas classes oprimidas, é o dos excluídos da vida social, que lutam por ingressar no sistema de produção e pelo acesso ao mercado. Na verdade, é a este último corpo, apesar de sua natureza inorgânica e cheia de antagonismos, que cabe o papel de renovador da sociedade como combatente da causa de todos os outros explorados e oprimidos. Isso porque só tem perspectivas de integrar a vida social rompendo toda estrutura de classes. Essa configuração de classes antagônicas, mas interdependentes organiza-se, de fato, para fazer oposição às classes oprimidas – ontem escravos, hoje subassalariados – em razão do pavor-pânico que infunde a todos a ameaça de uma insurreição social generalizada.”

Um comentário:

  1. Não pude citar tudo que gostaria (ou, mais bem dizendo, tudo que necessitaria), por questões de espaço. Em “O Povo Brasileiro” tive a mesma dificuldade de outras obras (“A Era dos Extremos” de Eric J. Hobsbawm e “João Goulart: uma biografia”, de Jorge Ferreira), em que havia tanto a citar que descaracterizaria uma postagem de um blog. Porém, diferentemente do que fiz nestes outros dois casos, resolvi cortar na carne e deixar pra trás trechos talvez tão importantes quanto os que acabaram sendo citados nas postagens. De toda forma, ao menos algumas partes deles puderam vir pra cá: eram demasiado preciosos para que ficassem escondidos.
    Dentre outros, cito, por exemplo, o fenomenal capítulo “Razões desencontradas” que acabou não sendo incluído aqui.
    De qualquer modo, fica a indicação (ou demanda, ou súplica): a leitura deste livro é essencial. Em sua integralidade.

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