Editora: Globo Livros
ISBN: 978-85-2505-790-7
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 760
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Sinopse: Ver Parte
I
“Em 1879 a Áustria-Hungria já mostrara quanto seria leal no longo prazo
ao assinar uma aliança com a Alemanha, cujo principal objetivo era conter a
Rússia. Os dois signatários se comprometiam a se ajudar mutuamente se a Rússia
atacasse um ou outro. Permaneceriam neutros, “benevolentemente,” se um terceiro
país atacasse um deles, a menos que esse terceiro fosse apoiado pela Rússia.
Nesse caso, interviria. O tratado, renovado de tempos em tempos, durou até o
fim da Grande Guerra. O outro pacto importante celebrado pela Áustria-Hungria
foi a Tríplice Aliança com Alemanha e Itália, assinado pela primeira vez em
1882 e que sobreviveu até a eclosão da guerra em 1914. Os signatários se
comprometiam a ajudar a Alemanha e a Itália se um dos dois países fosse atacado
pela França e se socorreriam mutuamente se um fosse atacado por duas ou mais
potências.
Embora
o preâmbulo descrevesse a Tríplice Aliança como “essencialmente conservadora e
defensiva,” o acordo contribuiu para a divisão da Europa tanto quanto, anos
mais tarde, a Tríplice Entente. Alianças, como armas, podem ser classificadas
como defensivas, mas na prática podem ser usadas em caráter ofensivo. A
Tríplice Aliança, como a Tríplice Entente, estimulou seus membros a trabalhar
em conjunto no cenário internacional e ao longo de incontáveis crises.
Estabeleceu laços de amizade e cooperação e criou a expectativa de apoio mútuo
no futuro. Além disso, criou condições para a execução de planejamentos e
estratégias comuns, particularmente no caso da Alemanha e Áustria-Hungria. Em
1914, os acordos sobre segurança pressionaram os membros a honrar seus
compromissos, permitindo que conflitos locais se generalizassem. A Itália, a
mais fraca das potências europeias, no fim foi a única disposta a ficar de fora
em 1914.
A
Itália aderiu à Tríplice Aliança em parte porque seu monarca, o Rei Umberto,
via com bons olhos o apoio conservador numa época em que seu país enfrentava
levantes sociais e políticos que muito lembravam revoluções e, por outro lado,
para se proteger da França. Os italianos não perdoavam os franceses por terem
se apossado do porto de Túnis que havia muito tempo era de seu interesse e por
terem exigido território italiano como compensação por seu apoio nas guerras
pela unificação da Itália. Além disso, integrar uma aliança com a Alemanha,
poder dominante no continente, satisfazia a antiga ambição da Itália de ser
vista entre as grandes potências.
No
entanto, a Tríplice Aliança juntou a Itália e a Áustria-Hungria, parceria que
nunca daria certo. Os dois lados sabiam perfeitamente que havia potencial para
um conflito ao longo de suas fronteiras. A Áustria-Hungria, que já perdera as
ricas províncias da Lombardia e Veneza para a Itália, suspeitava profundamente
das ambições italianas sobre seu território, que incluíam áreas no sul do Tirol
onde se falava italiano; o porto de Trieste no Adriático, que já pertencera a
Veneza, no extremo norte do Mar Adriático; a costa dálmata da Áustria-Hungria;
e também a região que os italianos consideravam “fronteiras naturais,” que se
estendiam até os mais altos picos dos Alpes. O declínio do Império Otomano
abriu novas possibilidades para a expansão italiana ao longo do Adriático. A
Albânia otomana e o estado independente de Montenegro dispunham do que a
Itália, como potência naval, precisava desesperadamente – portos. A natureza,
como os italianos costumavam reclamar, fizera a costa ocidental do Adriático
com águas rasas e turvas, poucos portos e sem defesas naturais, enquanto a
oriental era profunda, de águas claras e com bons ancoradouros naturais. Os
austríacos não gostaram quando a Itália autorizou a realização de um Congresso
Nacional Albanês em Nápoles, em 1903, quando o herdeiro do Rei Umberto casou
com uma das muitas filhas do Rei de Montenegro e quando o inventor italiano
Guglielmo Marconi lá instalou a primeira estação telegráfica.[47] Por seu lado, os italianos viam a Áustria-Hungria
como o inimigo que bloqueara a unificação e continuava criando obstáculos para
o prosseguimento do projeto nacional italiano, além de se opor às ambições da
Itália nos Balcãs. Alguns políticos italianos sustentavam que, apesar disso, a
Tríplice Aliança podia ser útil como instrumento de pressão sobre a
Áustria-Hungria para que cedesse mais territórios. Como disse alguém em 1910:
“Devemos unir esforços para preservar a aliança austríaca até o dia em que
estivermos prontos para a guerra. Esse dia ainda está muito longe.”[48] Estava mais perto do que se imaginava.
Para
a Áustria-Hungria, o relacionamento com a Alemanha era fundamental. O tempo
servira para atenuar a lembrança da derrota diante da Prússia na década de
1860, particularmente porque Bismarck sabiamente oferecera generosos termos de
paz. Nos dois lados a opinião pública mudara substancialmente e agora defendia
um relacionamento mais amistoso. Depois de 1905, à medida que crescia o poder
da Rússia, mais forte ficava o sentimento de que os teutônicos precisavam se
unir contra os eslavos. Nas camadas superiores da sociedade, a burocracia e o
corpo de oficiais eram dominados pelos de fala alemã, que tendiam a ter
afinidade com a Alemanha, e não com a Rússia. Franz Joseph e Franz Ferdinand
ambos davam-se bem com Wilhelm, e o último era particularmente grato ao Kaiser
por dispensar todas as honras à sua esposa Sophie. O velho Imperador gostara de
Wilhelm desde o começo porque demitira o detestado Bismarck, mas Wilhelm também
passou a considerá-lo como amigo, algo cada vez mais raro em sua vida. Wilhelm
ganhava pontos visitando Franz Joseph frequentemente – todos os anos antes da
Grande Guerra – e o monarca mais jovem era respeitoso e atencioso. Wilhelm fez
reiteradas declarações reafirmando sua amizade pela Áustria-Hungria. “Seja qual
for a razão para decretar mobilização,” assegurou a Franz Joseph e a seu Chefe
de Estado-Maior em 1889, “o dia de sua mobilização também será o dia em que
mobilizarei meu exército e os chanceleres poderão dizer o que quiserem.” Os
austríacos ficaram maravilhados, especialmente porque esperavam que os alemães
reafirmassem suas promessas em futuras crises. Franz Joseph às vezes se
preocupava com a impulsividade de Wilhelm, mas, como disse à filha após uma
visita em 1906, confiava em suas intenções pacíficas: “Fez-me bem apertar mais
uma vez a mão do Imperador. Nos dias atuais, pacíficos na superfície mas
internamente tempestuosos, não podemos nos reunir com muita frequência, olhos
nos olhos, para nos assegurarmos mutuamente que ambos desejamos a paz, somente
a paz. Para tanto, realmente podemos confiar na lealdade recíproca. Ele não
pensa em me abandonar, tanto quanto eu não pretendo deixá-lo desamparado.”[49]
Inevitavelmente,
ao longo dos anos houve tensões. Embora a Alemanha fosse o maior parceiro
comercial da Áustria-Hungria, as tarifas alemãs – por exemplo, as que protegiam
seus agricultores – prejudicavam os produtores do Império. Acresce que a
economia alemã era simplesmente mais expansiva e dinâmica; nos Balcãs, onde a
Áustria-Hungria se acostumara a ser a potência econômica predominante, a
concorrência alemã era cada vez mais acirrada. Quando jornais alemães atacavam
os tchecos, ou quando o governo prussiano tratava mal a minoria polonesa,
cresciam as repercussões em toda a fronteira na Áustria-Hungria. A forma como a
Alemanha conduzia sua política exterior também preocupava seu aliado.
Goluchwski revelou a visão predominante ao escrever, em 1903, ao embaixador
austro–húngaro em Berlim:
De
modo geral, a forma como vem sendo conduzida a política alemã realmente causa
grande preocupação. A arrogância cada vez mais acentuada, o desejo de bancar o
professor em toda parte e a falta de consideração tantas vezes demonstrada por
Berlim são coisas que criam um ambiente muito desconfortável nas relações
exteriores. Embora na prática isso venha acontecendo, não podemos conviver com
repercussões que prejudiquem nosso relacionamento com a Alemanha a longo prazo.[50]
A
longo prazo as relações continuaram sólidas porque cada um precisava do outro,
e, com o agravamento das divisões na Europa, cada vez mais seus líderes
perceberam que não havia alternativa.
Embora
a Áustria-Hungria continuasse a procurar a Rússia, membro da Tríplice Entente,
permitia que suas boas relações com a França e a Inglaterra atenuassem o fato.
Como disse um jovem diplomata, era como se uma boa esposa fosse tão fiel a
ponto de não sair para ver velhas amigas sem aprovação do marido. Para ser
justo, as velhas amigas nem sempre eram acolhedoras. A França e a
Áustria-Hungria tinham seguido caminhos politicamente diferentes desde que fora
instalada a Terceira República, em 1871. O regime em Viena, monárquico e
aristocrata, além de católico, não ficava satisfeito ao ver uma França dominada
por anticlericais, maçons e radicais. Em relações exteriores, a França estava
ligada à Rússia e nada faria que pudesse perturbar sua vital aliança. Por
conseguinte, o mercado financeiro francês estava fechado para a
Áustria-Hungria. Nos Balcãs, diplomatas da França tentavam aliciar a Sérvia e a
Romênia para integrarem a Tríplice Entente, enquanto os investimentos e os
negócios franceses murchavam nos mercados austro-húngaros. Para citar um
exemplo, Schneider, a empresa francesa de armamentos, na primeira década do
século XX estava fechando novos contratos nos Balcãs, enquanto empresas da
Áustria-Hungria os perdiam. De tempos em tempos, estadistas franceses, como
Delcassé, manifestavam-se apreensivos com a possibilidade de um futuro colapso
da Áustria-Hungria e o surgimento de um vasto estado alemão no coração da
Europa, mas nada faziam para melhorar as relações.[51]
Ao
longo dos anos, as relações da Áustria-Hungria com a Inglaterra tinham sido
mais próximas e cordiais do que com a França. Embora a Inglaterra tivesse suas
próprias tradições radicais, era vista por Viena como uma sociedade mais
estável e conservadora do que a França e onde havia uma aristocracia que,
convenientemente, ainda dominava a política e o serviço público. A nomeação do
conde Albert Mensdorff para embaixador austro-húngaro, em 1904, foi encarada
como uma iniciativa inteligente, por ser muito bem relacionado com a família
real inglesa e bem-vindo nos círculos aristocratas ingleses. Ademais, não havia
rivalidades em questões de colônias, como, por exemplo, as existentes entre
Inglaterra e Rússia, que fossem capazes de separar ingleses e austro-húngaros.
Mesmo no Mediterrâneo, onde os dois países eram potências navais,
compartilhavam o interesse em preservar a calma na região, especialmente na
extremidade oriental. Para ambos, o outro era um contrapeso conveniente contra
a Rússia. Durante a Guerra dos Bôeres, a Áustria-Hungria foi um dos poucos
países que apoiou a Inglaterra. “Dans cette guerre je suis complètement
anglais,” disse Franz Joseph em 1900 ao embaixador inglês ao alcance do
ouvido dos embaixadores francês e russo.[52]
Não
obstante, aos poucos as relações foram esfriando. Os acordos destinados a
manter o statu quo no Mediterrâneo, em parte para bloquear o controle
russo sobre os Estreitos entre o Mar Negro e o Mediterrâneo, de fato já não
vigoravam em 1903, quando as duas nações já tinham adotado medidas de
aproximação com a Rússia. Em Londres, a Áustria-Hungria era cada vez mais vista
como se estivesse sob o domínio alemão. Quando a corrida naval esquentou, os
ingleses temeram que cada navio construído pela Áustria-Hungria fosse
simplesmente acrescentado ao poder naval alemão. Em 1907, uma vez alcançado um
entendimento com a Rússia, a Inglaterra se esforçou para evitar qualquer
iniciativa, como, por exemplo, apoiar os austro-húngaros nos Balcãs ou no
Mediterrâneo, que pudesse comprometer um importante relacionamento. À medida
que as relações da Áustria-Hungria com a Rússia ficavam desgastadas, suas
relações com a Inglaterra esfriavam ainda mais.[53]
Com o
progressivo afastamento entre Alemanha e Rússia, ficava cada vez mais difícil
para a Áustria-Hungria manter boas relações com esses dois países. Embora Franz
Joseph e seus ministros do Exterior lamentassem essa tendência, a
Áustria-Hungria percebia que suas relações com a Rússia estavam mais difíceis
do que com a Alemanha. O despertar do nacionalismo eslavo no Império
Austro-Húngaro estimulou o interesse e a simpatia dos russos, mas, para o
Império, serviu apenas para aumentar a complexidade de seus problemas internos.
Mesmo que a Rússia não se intitulasse protetora dos eslavos da Europa, sua
existência era suficiente para que seu vizinho ficasse atento a suas intenções.
As
mudanças nos Balcãs trouxeram novas preocupações para a Áustria-Hungria. Com a
retirada, contra sua vontade, do Império Otomano da Europa, os novos estados –
Grécia, Sérvia, Montenegro, Bulgária e Romênia – passaram a ser vistos como
amigos potenciais da Rússia. Tratava-se predominantemente de populações eslavas
(embora romenos e gregos insistissem em afirmar que eram diferentes) que em
grande parte compartilhavam com a Rússia a religião ortodoxa. E quanto aos
territórios do Império Otomano que restavam na Europa, como Albânia, Macedônia
e Trácia? Seriam alvo de intrigas, rivalidades e guerras? Em 1877, o ministro
do Exterior da Monarquia Dual, Julius Andrassy comentou que Áustria e Rússia
“são vizinhos próximos e devem caminhar juntos, seja na paz, seja na guerra.
Uma guerra entre os dois impérios (...) possivelmente só terminaria com a
destruição ou o colapso de um dos beligerantes.”[54]
No
fim do século XIX a Rússia também percebeu os perigos da desintegração do
Império Otomano. Como já não podia contar com a amizade da Alemanha diante da
não renovação do Tratado de Ressegurança e estava voltando sua atenção para o
Extremo Oriente, seus dirigentes viam com bons olhos uma détente com a
Áustria-Hungria nos Balcãs. Em abril de 1897, Franz Joseph e Goluchowski, seu
ministro do Exterior, foram calorosamente recebidos em São Petersburgo.
Enquanto bandas militares tocavam o hino austríaco e a bandeira preta e amarela
da Áustria e a vermelha, branca e verde da Hungria tremulavam ao sabor da brisa
primaveril ao lado da russa, o Czar e seus convidados desfilavam em carruagens
abertas ao longo da Nevsky Prospekt. Naquela noite, os dois imperadores
trocaram calorosos brindes em um banquete oficial e manifestaram suas
esperanças de paz. Em conversas subsequentes, os dois lados concordaram em
trabalhar juntos para assegurar a integridade do Império Otomano e deixaram
claro que as nações independentes dos Balcãs não mais poderiam jogar uma contra
a outra. Como provavelmente os otomanos perderiam o controle que exerciam no
que restava de seu território nos Balcãs, Rússia e Áustria-Hungria trabalhariam
em conjunto na divisão dos Balcãs, apresentando-se diante das outras potências
como uma frente única. A Rússia conseguiu a promessa de que, acontecesse o que
acontecesse, os Estreitos permaneceriam fechados para a passagem de navios de
guerra estrangeiros rumo ao Mar Negro. Já a Áustria-Hungria conseguiu – ou
julgava ter conseguido – um entendimento de que, em data futura, poderia anexar
o território da Bósnia e Herzegovina que fora ocupado por suas forças desde
1878. Todavia, depois os russos enviaram uma nota dizendo que a anexação
“levantaria uma questão mais ampla que poderia requerer um escrutínio especial,
em local e momento convenientes.”[55] De fato a
questão foi levantada em 1908 e de forma bastante prejudicial.
—
Nos
anos seguintes, porém, as relações entre Rússia e Áustria-Hungria permaneceram
em nível relativamente bom. No outono de 1903, o Czar visitou Franz Joseph em
um de seus pavilhões de caça, e os dois discutiram a situação que se
deteriorava na Macedônia, onde a população cristã se revoltara abertamente
contra os dirigentes otomanos (ocupando-se também em matar uns aos outros
quando professavam correntes diferentes do cristianismo). Concordaram em formar
uma frente única para propor ao governo otomano em Constantinopla as reformas
necessárias. No ano seguinte, Áustria-Hungria e Rússia assinaram um Tratado de
Neutralidade, e foram realizadas negociações para reviver a Liga dos Três
Imperadores com a Alemanha, mas deram em nada.
Todavia,
nem tudo estava bem nas relações. Nenhum lado confiava inteiramente no outro,
especialmente no pertinente aos Balcãs. Se o Império Otomano tivesse que
desaparecer, e isso era cada vez mais provável, cada país queria assegurar a
proteção de seus interesses. A Áustria-Hungria queria que emergisse uma Albânia
forte, capaz de bloquear o acesso dos eslavos do sul ao Adriático (por sorte,
os albaneses não eram eslavos), mas a Rússia se opunha. Serena e às vezes
ostensivamente, os dois competiam pela esfera de influência na Sérvia, em
Montenegro e na Bulgária. Após a derrota na Guerra Russo-Japonesa, quando a
Rússia voltou suas atenções para o Ocidente, a possibilidade de um confronto
nos Balcãs cresceu acentuadamente. Ademais, uma vez acertadas em 1907 suas
relações com a Inglaterra, a Rússia já não precisava tanto confiar no apoio do
Império Austro-Húngaro no Mediterrâneo e nas conversas com o Império Otomano.
Além disso, em 1906 ocorrera crucial mudança na liderança da Monarquia Dual.
Conrad se tornara Chefe do Estado-Maior, e Aehrenthal, mais do que Goluchowski,
a favor de uma política exterior mais proativa, passou a ser primeiro-ministro.
Enquanto a Europa mergulhava em uma série de crises, as duas grandes potências
conservadoras se afastavam cada vez mais, perigosamente divergentes nos
conturbados Balcãs espremidos entre elas.”
[47] Bridge, F.R., From Sadowa to Sarajevo: The Foreign Policy
of Austria-Hungary, 1866-1914
(Londres, 1972), 267.
[48] Bosworth, R., Italy and the Approach of the First World War (Londres, 1983), 55-7.
[49] Herwig, H., ‘Disjointed Allies: Coalition
Warfare in Berlin and Vienna, 1914,’ Journal of Military History, vol. 54,
nº 3 (1990), 265-80, p. 271; Angelow, J., ‘Der Zweibund zwischen Politischer auf-und
militärischer Abwertung,’ Mitteilungen des Österreichischen Staatsarchivs,
vol. 44 (1996), 25-74, p. 34; Margutti, A., The Emperor Francis Joseph and
His Times (Londres, 1921), 220-28; Williamson, S.R.J., Austria-Hungary and
the Origins of the First World War (Basingstoke, 1991), 36.
[50] Bridge, From Sadowa to
Sarajevo, 254-5, 427-8; Margutti, The Emperor Francis
Joseph, 127, 228.
[51] Musulin, Das Haus am
Ballplatz, 80; Stevenson, Armaments, 38-9; Williamson, Austria-Hungary,
114.
[52] Bridge, ‘Austria-Hungary and
the Boer War,’ 79.
[53] Bridge, From Sadowa to
Sarajevo, 260; Steiner, Z., The Foreign
Office and Foreign Policy, 1898-1914 (Cambridge, 1969), 182-3; Williamson, Austria-Hungary,
112.
[54] Wank, ‘Foreign Policy and
the Nationality Problem in Austria-Hungary,’ 45.
[55] Bridge, From Sadowa to
Sarajevo, 232-4; Jelavich,
B., Russia’s Balkan Entanglements 1806-1914 (Cambridge, 1991), 212-13.
“O
que Kessler também apanhou em seu diário foi a compreensão que dominava os
artistas, intelectuais e a elite política de que a Europa se transformava
rapidamente e nem sempre seguia o caminho que desejavam. Muitas vezes os
líderes europeus sentiam certo desconforto com sua própria sociedade.
Industrialização, revoluções tecnológicas, surgimento de novas ideias e
atitudes estavam abalando as sociedades em toda a Europa, pondo em xeque
antigas práticas e valores estabelecidos havia muito tempo. A Europa era um
continente ao mesmo tempo poderoso e atormentado. Todas as principais potências
enfrentaram longas e graves crises políticas antes da guerra, como a questão
irlandesa na Inglaterra, o caso Dreyfus na França, o impasse entre a Coroa e o
Parlamento na Alemanha, os conflitos nacionalistas na Áustria-Hungria ou a
quase revolução na Rússia. Às vezes, a guerra era vista como forma de superar
divisões e antagonismos, e talvez realmente fosse. Em 1914, em todas as nações
beligerantes se falava em nação em armas, união sagrada, santa união, em que
divisões de classe, regionais, étnicas e religiosas eram esquecidas e a nação
se aglutinava, movida pelo espírito de união e sacrifício.”
“O crescente interesse na paz também refletia uma mudança no que se
pensava sobre relações internacionais a partir do século XVIII. Não era mais um
jogo em que um ganha e o outro perde. No século XIX se falava em uma ordem
internacional em que todos podiam se beneficiar da paz, e a história desse
século vinha demonstrando que estava emergindo uma ordem nova e melhor. Desde o
fim das Guerras Napoleônicas em 1815, a Europa, com breves interrupções,
desfrutou longo período de paz e extraordinário progresso. Logicamente esses
dois elementos estavam ligados. Além disso, cada vez havia maior concordância e
aceitação de padrões internacionais de comportamento dos estados. Sem dúvida,
no devido tempo um conjunto de leis e novas instituições internacionais
deveriam surgir, na mesma medida em que isso ocorria internamente nas nações. O
crescente uso de arbitragem para solucionar disputas entre nações e as
frequentes ocasiões ao longo do século em que as grandes potências europeias se
juntaram para enfrentar, por exemplo, crises como a do Império Otomano, levavam
a crer que, passo a passo, estavam sendo lançados os fundamentos de uma nova e
mais eficiente maneira de administrar as questões mundiais. A guerra era uma
forma ineficiente e custosa demais de resolver divergências.
Mais
uma prova de que a guerra estava ficando obsoleta no mundo civilizado era o
momento vivido na Europa. Os países europeus agora estavam de todo entrelaçados
economicamente, e o comércio e os investimentos extrapolavam as alianças. O
comércio entre a Inglaterra e a Alemanha crescia ano a ano antes da Grande
Guerra. Entre 1890 e 1913, as importações inglesas de produtos alemães
triplicaram, enquanto suas exportações para a Alemanha dobraram.[5] A França importava da Alemanha quase tanto quanto da
Inglaterra, enquanto a Alemanha, por seu lado, dependia de importações de
minério de ferro da França para suprir suas siderúrgicas. (Meio século mais
tarde, após duas guerras mundiais, França e Alemanha criariam a Comunidade
Europeia de Ferro e Aço, que foi a base para a formação da União Europeia.) A
Inglaterra era o centro financeiro mundial, e boa parte dos investimentos que
entravam e saíam da Europa era realizado por intermédio de Londres.
Portanto,
de modo geral os especialistas supunham, antes de 1914, que uma guerra entre as
potências levaria a um colapso nos mercados internacionais de capitais e à cessação
de comércio, que prejudicaria a todos e, na verdade, tornaria impossível
estender uma guerra por mais de algumas semanas. Os governos não conseguiriam
créditos, e seus povos ficariam impacientes à medida que faltassem alimentos.
Mesmo em tempo de paz, com a corrida armamentista cada vez mais acelerada, os
governos se endividariam ou elevariam impostos – ou ambas as hipóteses – o que,
por sua vez, geraria intranquilidade pública. Países que tinham se tornado
potências mais recentemente, sobretudo Japão e Estados Unidos, que não
enfrentavam os mesmos problemas e cuja carga tributária era menor, ficariam
muito mais competitivos. Haveria sério risco, como alertaram destacados
especialistas em relações internacionais, de a Europa perder terreno e até mesmo
sua liderança mundial.[6]”
[5] Kennedy, Rise of the
Anglo-German Antagonism, 293.
[6] Rotte, ‘Global Warfare,’
483-5.
“Se havia uns poucos que, como Conrad, antes de 1914 desejavam a guerra,
por outro lado a grande maioria reconhecia na guerra um instrumento que podia
ser empregado, mas a ser mantido sob controle. À medida que a Europa sofreu uma
sucessão de crises na década anterior a 1914 e as alianças se fortaleceram,
seus líderes e os respectivos povos se acostumaram à ideia de que a guerra
podia ocorrer a qualquer momento. Os membros da Tríplice Entente – França,
Rússia e Inglaterra – e os da Tríplice Aliança – Alemanha, Áustria-Hungria e
Itália – ficaram na expectativa do surgimento de um conflito entre duas
potências, provavelmente arrastaria seus parceiros. Dentro do sistema de
alianças, surgiam as promessas, visitas recíprocas eram realizadas, e planos
eram elaborados. Assim, eram criadas expectativas difíceis de ser desapontadas
em um momento de crise. Já se começava a pensar em uma guerra geral travada no
coração da Europa. O impacto das crises ajudou tanto o militarismo quanto o
nacionalismo a preparar psicologicamente os europeus para a Grande Guerra.
Em
sua maior parte, acreditavam estar a defender-se de forças que os destruiriam.
Na Alemanha temiam o cerco, na Áustria-Hungria tratava-se de se prevenir contra
o nacionalismo eslavo, na França o temor era a Alemanha, a Rússia temia seus
vizinhos Áustria-Hungria e Alemanha, e na Inglaterra o medo era da Alemanha. Os
sistemas de aliança e cada uma delas só exigiam apoio no caso de ataque a um
parceiro. Em uma época em que a solidariedade da opinião pública era importante,
os líderes civis e militares se preocupavam em ter certeza de que seus países
fossem vistos como partes inocentes em qualquer eclosão de hostilidades.
Não
obstante, quando a guerra acontecesse, as potências queriam estar preparadas
para atacar em defesa própria. Quase todos os planos militares elaborados pelos
estados-maiores europeus antes de 1914 eram ofensivos, levando a guerra ao
território inimigo e procurando obter uma vitória rápida e esmagadora. Por
outro lado, as crises cada vez mais frequentes induziam os tomadores de
decisões a ir à guerra e agir com rapidez para contar com a vantagem da
iniciativa. Segundo o plano de guerra alemão de 1914, era indispensável lançar
forças no interior de Luxemburgo e da Bélgica antes da declaração de guerra, e
isso realmente aconteceu.[53] Os próprios planos
contribuíram para a tensão internacional ao obrigarem as tropas a se manterem
em condições de pronto emprego e estimular a corrida armamentista. O que
parecia ser uma forma razoável de autodefesa pode ser vista sob ângulo bem
diferente do outro lado da fronteira.”
[53] Mombauer, ‘German War Plans,’
59.
“Em 18 de outubro, o Império Austro-Húngaro expediu um ultimato à Sérvia
e deu oito dias para que anuísse. Entre as grandes potências, apenas a Itália e
a Alemanha foram previamente informadas, mais um sinal de que o Concerto da
Europa findava. Nos meses seguintes, a Tríplice Entente e a Tríplice Aliança
passaram cada vez mais a operar separadamente a respeito de assuntos
balcânicos.[104] Nenhum de seus aliados se opôs à
iniciativa austro-húngara e a Alemanha foi mais além, assegurando-lhe firme
apoio. O Kaiser foi particularmente veemente: “Agora ou nunca!” – escreveu em
carta de agradecimento a Berchtold. “Em algum momento, nova paz e nova ordem
devem ser implantadas lá.”[105] Em 25 de outubro, a
Sérvia capitulou e retirou suas tropas da Albânia. No dia seguinte, o Kaiser,
que estava visitando Viena, tomou chá com Berchtold e disse-lhe que a
Áustria-Hungria devia continuar agindo com firmeza: “Quando Sua Majestade o
Imperador Franz Joseph exige alguma coisa, o governo sérvio deve ceder e, se
não o fizer, Belgrado será bombardeada e ocupada até que a vontade de Sua
Majestade seja satisfeita.” Fazendo um gesto de empunhar o sabre, Wilhelm
prometeu que a Alemanha estaria sempre pronta para apoiar seu aliado.[106]
O ano
de crise nos Balcãs terminou pacificamente, mas deixou para trás o rastro de
uma nova safra de ressentimentos e lições perigosas. A Sérvia claramente fora a
vencedora e, em 7 de novembro, adquiriu mais território quando assinou um
acordo com Montenegro dividindo o Sanjak de Novi Bazar. Mesmo assim, o projeto
nacional da Sérvia estava incompleto. Falava-se em uma união com Montenegro e
na formação de nova Liga Balcânica.[107] O governo
sérvio era incapaz e na verdade não desejava reinar se sobrepondo às diversas
organizações nacionalistas a promover dentro do país agitações entre os eslavos
do sul que viviam na Áustria-Hungria. Na primavera de 1914, durante a
celebração da Páscoa, sempre uma grande festa na Igreja Ortodoxa, a imprensa
sérvia estava coberta de referências à ressureição do país. Seus camaradas
sérvios, disse um jornal famoso, definhavam dentro do Império Austro-Húngaro,
aspirando à liberdade que somente as baionetas da Sérvia poderiam lhes
assegurar. “Portanto, vamos nos unir ainda mais e ajudar aqueles que não podem
compartilhar nossa alegria nesta festa anual da ressureição.”[108] Os dirigentes russos estavam preocupados com seus
obstinados aliados, mas não se mostravam propensos a contê-los.
Na
Áustria-Hungria, todos ficaram satisfeitos por finalmente o governo ter agido
contra a Sérvia. Berchtold assim se pronunciou ao escrever para Franz Ferdinand
logo após a Sérvia atender ao ultimato: “A Europa hoje reconhece que nós, sem
sermos tutelados por ninguém, podemos agir com independência quando nossos
interesses são ameaçados e nossos aliados permanecem firmes a nosso lado.”[109] O embaixador alemão em Viena notou, porém, “o
sentimento de vergonha, de raiva contida, de estar sendo feito de bobo pela
Rússia e por seus próprios amigos.”[110] Houve
alívio quando se constatou que a Alemanha finalmente permanecia fiel à aliança,
mas também ressentimento pela crescente dependência austro-húngara. Conrad
reclamou: “Hoje em dia, não passamos de satélite da Alemanha.”[111] No sul, uma Sérvia independente e agora mais
poderosa que nunca fazia lembrar os fracassos do Império Austro-Húngaro nos
Balcãs. Berchtold foi muito criticado por sua fraqueza pelos representantes
políticos da Áustria e da Hungria, e também pela imprensa. Quando ofereceu sua
renúncia no fim de 1913, Franz Joseph não concordou: “Não há razão, não faz
sentido capitular por causa de um pequeno grupo de delegados e de um jornal.
Além disso, você não tem um sucessor.”[112] (...)
No
ano decorrido entre a eclosão da Primeira Guerra dos Balcãs e o outono de 1913,
em várias ocasiões Rússia e Áustria-Hungria estiveram perto de uma guerra e a
sombra de um conflito generalizado cobriu toda a Europa, enquanto seus aliados
permaneciam nas coxias. Embora finalmente as potências tivessem aprendido a
gerenciar crises, seus povos e líderes tinham se acostumado com a ideia da
guerra como algo que aconteceria mais cedo ou mais tarde. Quando Conrad ameaçou
renunciar por achar que estava sendo desprestigiado por Franz Ferdinand, Moltke
implorou-lhe para reconsiderar a decisão: “Agora que rumamos para um conflito,
você não pode sair.”[116] Rússia e Áustria-Hungria
tinham se preparado para a guerra com o objetivo de dissuadir, especialmente
pela mobilização, mas também para pressionar o oponente e, no caso do Império
Austro-Húngaro, a Sérvia. Nessa oportunidade as ameaças surtiram efeito, porque
nenhum dos três países estava disposto a pagar para ver e porque, por fim, as
vozes que defendiam a paz se mostraram mais fortes do que as da guerra. O que
constituía perigo para o futuro era o fato de tanto a Áustria-Hungria quanto a
Rússia acharem que tais ameaças podiam funcionar outra vez. Ou – algo
igualmente perigoso – resolverem que na próxima vez não recuariam.
As
grandes potências se sentiram até certo ponto aliviadas por terem mais uma vez
conseguido alcançar seus objetivos. Durante os últimos oito anos, a primeira e
a segunda crise do Marrocos, a da Bósnia e, agora, as duas Guerras Balcânicas
tinham ameaçado provocar uma guerra geral, mas a diplomacia sempre a evitara.
Nos meses mais recentes de tensão, o Concerto da Europa de alguma maneira
sobrevivera, e a Inglaterra e a Alemanha tinham trabalhado em conjunto para
chegar a acordos e conter seus parceiros de aliança. Quando, no verão de 1914,
ocorreu a crise seguinte nos Balcãs, Grey esperava que, no mínimo, acontecesse
o mesmo.[117]”
[104] Crampton, ‘The Decline,’
417-19.
[105] Albertini, The Origins
of the War, vol. I, 483-4.
[106] Helmreich, The Diplomacy,
428.
[107] Bridge, From Sadowa to
Sarajevo, 366-7.
[108] Ibid., 442.
[109] Williamson, Austria-Hungary,
154-5.
[110] Afflerbach, Der Dreibund,
748.
[111] Sondhaus, Franz Conrad
von Hötzendorf, 129.
[112] Hantsch, Leopold Graf
Berchtold, 513.
[116] Albertini, The Origins
of the War, vol. I, 483-4.
[117] Crampton, The Hollow
Detente, 172.
“No fim daquele período de paz a Europa ainda tinha escolhas. É verdade
que havia muitos problemas afetando os países em 1913: medo de perder
território, medo de ser superado pelos vizinhos em efetivos militares e
armamentos, medo de intranquilidade interna e de revolução e medo dos efeitos
de uma guerra. Tais temores podiam ser aproveitados de outra forma, tornando as
nações mais cautelosas e dispostas a barganhar com a possibilidade de uma
guerra. Porém, embora pudessem optar contra a guerra, os líderes europeus cada
vez mais tendiam a agir ao contrário. A competição naval entre Inglaterra e
Alemanha, a rivalidade entre Áustria-Hungria e Rússia nos Balcãs, as
divergências entre Rússia e Alemanha e a apreensão dos franceses quanto às
intenções dos alemães tinham separado nações com muito a ganhar trabalhando em
harmonia. Em cerca de doze anos anteriores tinham acumulado desconfianças, e as
lembranças pesavam muito na mente dos que tomavam as decisões e de seus povos.
Fosse a derrota e o isolamento pela Alemanha para a França; a Guerra dos Bôeres
para a Inglaterra; as crises do Marrocos para a Alemanha; a Guerra
Russo-Japonesa e a Bósnia para a Rússia; e as guerras dos Balcãs para a
Áustria-Hungria, cada potência tivera sua fatia de experiências amargas, que
nenhuma delas queria repetir. Mostrar que é uma grande potência e evitar
humilhações são forças poderosas em relações internacionais, tal como acontece
hoje para os Estados Unidos, a Rússia e a China, e ocorreu com as potências
europeias um século atrás. Se a Alemanha e a Itália aspiravam a um lugar ao
sol, a Inglaterra esperava evitar a decadência de seu gigantesco Império e
preservá-lo. Rússia e França queriam recuperar a estatura que julgavam merecer,
enquanto a Áustria-Hungria lutava para sobreviver. Força militar era uma opção
que todos os países consideravam, mas, apesar de todas as tensões, de alguma
forma a Europa sempre conseguira recuar em tempo. Em 1905, 1908, 1911, 1912 e
1913 o Concerto da Europa, embora bastante enfraquecido, funcionara.
Entretanto, momentos perigosos se aproximavam e, em 1914, no mundo que ficara
perigosamente acostumado a crises, os líderes europeus mais uma vez teriam de
optar entre guerra e paz.”
“Felizmente
para a Europa, o problema foi contornado. Russos e alemães não queriam forçar
uma confrontação, e os Jovens Turcos, assustados com a repercussão do assunto,
também, queriam que se chegasse a um acordo. Em janeiro, em manobra salvadora,
Liman foi promovido e agora era antigo demais para comandar um
corpo-de-exército. (Permaneceria no Império Otomano até sua derrota em 1918.
Uma de suas heranças duradouras foi impulsionar a carreira de um promissor
oficial turco, Mustafa Kemal Ataturk.) A questão serviu para aumentar ainda
mais as suspeitas da Entente em relação à Alemanha e aprofundar a
separação entre a Alemanha e a Rússia. O governo russo, especialmente após a
queda de Kokovtsov em janeiro de 1914, passou a aceitar a ideia de que a
Alemanha planejava uma guerra. Em entrevista naquele mês com Delcassé, Nicholas
conversou calmamente com o embaixador francês sobre o conflito que se
aproximava. “Não vamos deixar que nos atropelem e, desta vez, não será como na
guerra no Extremo Oriente. A vontade nacional nos apoiará.”[79] Em fevereiro de 1914, o Estado-Maior russo mostrou
ao governo dois memorandos secretos interceptados por espiões em que os alemães
mencionavam uma guerra em duas frentes e como a opinião pública alemã precisava
ser antecipadamente preparada. No mesmo mês o Czar aprovou os preparativos para
um ataque ao Império Otomano, em caso de guerra geral.[80]
Não
obstante, o sucesso na conclusão do caso Liman von Sanders e na administração
internacional das crises nos Balcãs em 1912 e 1913 parecia mostrar que a Europa
ainda podia preservar a paz e que algo como o velho Concerto da Europa, em que
as grandes potências se reuniam para intermediar e impor acordos, ainda podia
dar certo. De fato, muitos observadores sentiam que em 1914 o clima na Europa
estava melhor do que algum tempo atrás. Churchill, em sua história da Grande
Guerra, fala sobre a “excepcional tranquilidade” daqueles últimos meses de paz,
e Grey, mais uma vez escrevendo sobre o passado, comentou: “Nos primeiros meses
de 1914, o céu internacional parecia mais límpido do que já fora. As nuvens dos
Balcãs tinham desaparecido. Após ameaçadores períodos em 1911, 1912 e 1913,
havia a probabilidade de um pouco de calma, que na verdade era necessária.”[81] Em junho de 1914, a Universidade de Oxford
concedeu títulos honorários ao Príncipe Lichnowsky, embaixador alemão, e ao
compositor Richard Strauss.
É
verdade que a Europa estava dividida em dois sistemas de aliança e depois da
Grande Guerra isso foi visto como uma das causas principais da guerra,
considerando que um conflito entre duas potências quaisquer corria o risco de
arrastar os aliados. Pode ser alegado, entretanto, que, como era na época e
continua sendo hoje, alianças defensivas como as de então agem como instrumento
de dissuasão contra agressões e podem se constituir em fator de estabilidade. A
OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e o Pacto de Varsóvia em
última análise produziram equilíbrio de forças e preservaram a paz na Europa
durante a Guerra Fria. Como disse Grey em tom de aprovação na Câmara dos
Comuns, em 1912, as potências estavam divididas em “blocos separados, mas não
opostos,” e muitos europeus, entre os quais Poincaré, concordavam com ele. Em
suas memórias, escritas depois da Grande Guerra, Grey continuou exaltando o
valor das alianças: “Queríamos que a Entente e a Tríplice Aliança da
Alemanha convivessem lado a lado, em ambiente amistoso. Era o melhor que se
podia fazer.”[82] Enquanto França e Rússia na
primeira e Alemanha, Áustria-Hungria e Itália na última tinham assinado os
tratados das alianças, a Inglaterra ainda se recusava a fazê-lo a fim de,
salientava Grey, manter liberdade de ação. Realmente, em 1911 Arthur Nicolson,
então subsecretário permanente do Foreign Office, reclamou que a Inglaterra
ainda não se comprometera suficientemente com a Tríplice Entente: “Não creio
estarem percebendo que, se pretendemos ajudar na preservação da paz e do statu
quo, precisamos assumir nossas responsabilidades e ficar em condições de,
em caso de necessidade, de alguma forma proporcionar a nossos amigos e aliados
ajuda de natureza material e mais eficiente do que estamos dispostos a fazer
presentemente.”[83]
Na
verdade, por mais defensivas que as alianças pudessem ser e por mais que a
Inglaterra se sentisse livre para seguir seu próprio rumo, ao longo dos anos a
divisão da Europa passou a ser considerada fato consumado. Isso se refletia até
nas palavras dos estadistas que sempre eram cautelosos em se identificar com
muita clareza com um dos lados. Em 1913, Sazonov, que apenas um ano antes dissera
ao embaixador alemão em São Petersburgo que se recusava a usar o termo, agora
falava em Tríplice Entente. Grey, que compartilhava a relutância de Sazonov, no
ano seguinte admitiu que era tão difícil evitar o termo quanto se livrar dos
infinitivos. De qualquer modo, argumentava, a Entente convinha à
Inglaterra: “As alternativas são uma política de completo isolamento na Europa,
ou outra de aliança definida com um dos dois blocos de potências europeias...”[84]
Inevitavelmente
as expectativas e os acordos sobre apoio mútuo se acumularam nas duas alianças,
e os militares e diplomatas cada vez mais se acostumaram a trabalhar em
conjunto. Os parceiros também concluíram que precisavam dar garantias recíprocas
ou correr o risco de perder um aliado. Mesmo não tendo interesses vitais nos
Balcãs, para a Alemanha ficou cada vez mais difícil deixar de apoiar a
Áustria-Hungria nessa região. Para a França, a aliança com a Rússia era crucial
para manter seu status de grande potência, embora temesse que, uma vez
recuperado todo seu poder, a Rússia novamente deixasse de precisar de seu
apoio, o que poderia ocasionar o retorno à aliança mais antiga, com a Alemanha.[85] Isso forçava a França a apoiar os objetivos russos
mesmo sentindo que eram perigosos. Aparentemente Poincaré deu à Rússia a
impressão de que a França entraria em uma guerra entre Rússia e
Áustria--Hungria, mesmo envolvendo a Sérvia. “O ponto essencial,” disse para
Izvolsky em Paris, em 1912, “é que tudo deságua no mesmo lugar, isto é, na
questão se a Alemanha apoiará ou não a Áustria.”[86]
Embora o tratado entre França e Rússia fosse defensivo e só entrasse em vigor
se um dos signatários fosse atacado, Poincaré foi além, sugerindo que a França
se sentiria na obrigação de entrar na guerra mesmo em caso unicamente de
mobilização na Alemanha. Em 1914, as alianças, em vez de agirem como freios
para seus membros, muitas vezes pisavam no acelerador.”
[79] McLean, Royalty and
Diplomacy, 67-8.
[80] Shatsillo, Ot
Portsmutskogo, 272-4; Stevenson, Armaments, 343-9.
[81] Churchill, The World
Crisis, vol. I, 178; Grey, Twenty- Five Years, vol. I, 269.
[82] Grey, Twenty-Five Years,
vol. I, 195.
[83] Wilson, The Policy of the
Entente, 68.
[84] Spring, ‘Russia and the
Franco-Russian Alliance,’ 584; Robbins, Sir Edward Grey, 271.
[85] Schmidt, Frankreichs
Aussenpolitik, 266-76.
[86] Ibid., 252-3, 258-9.
“O que tornou a divisão da Europa ainda mais perigosa foi a
intensificação da corrida armamentista. Embora nenhuma grande potência, com
exceção da Itália, tivesse se envolvido em uma guerra entre 1908 e 1914, a soma
de suas despesas com defesa subiu em 50%. (Os Estados Unidos também estavam
aumentando esses dispêndios, mas em grau muito menor.)[102]
Entre 1912 e 1914, as Guerras Balcânicas contribuíram para desencadear nova
rodada de despesas à medida que as nações balcânicas e as potências expandiam
suas forças armadas, investiam em armas mais perfeiçoadas e em outras novas,
como submarinos, metralhadoras e aviões que as maravilhas da ciência e
tecnologia da Europa produziam. Entre as grandes potências, Alemanha e Rússia
se destacaram. O orçamento de defesa alemão saltou de 88 milhões de libras em
1911 para quase 118 milhões em 1913, enquanto o da Rússia subiu de 74 milhões
de libras para quase 111 milhões no mesmo período.[103]
Ministros das Finanças e outros membros dos Gabinetes se preocupavam com
despesas tão elevadas, que cresciam tão aceleradamente e que não eram
sustentáveis, o que acabaria gerando intranquilidade popular. Cada vez mais,
porém, sua opinião era descartada por estadistas e generais inquietos, tomados
todos de medo crescente de o país ficar para trás num mundo de inimigos
empenhados em aumentar suas forças armadas. A inteligência do exército em Viena
informou no começo de 1914: “A Grécia está triplicando os gastos com defesa, a
Sérvia, dobrando, enquanto Romênia, Bulgária e Montenegro estão igualmente
reforçando seus exércitos com despesas significativas.”[104]
A Áustria-Hungria reagiu com um novo orçamento para o exército que permitia
aumentar seu efetivo (embora muito menos do que Alemanha e Rússia). As leis
alemãs para o exército e a marinha, a Lei dos Três Anos francesa, o Grande
Programa russo e a crescente despesa naval inglesa eram igualmente reações a
ameaças potenciais, mas não vistas dessa forma pelos outros. O que parecia
defensivo por uma perspectiva era uma ameaça por outra. Ademais, sempre havia lobbies
internos e a imprensa, algumas vezes bancados por industriais, para elevar o
fantasma da nação em perigo. Tirpitz, sempre criativo quando se tratava de
lutar por mais recursos para sua marinha, apresentou nova justificativa para a
nova Lei da Marinha em 1912: a Alemanha não podia desperdiçar os investimentos
já realizados. “Sem uma chance adequada de nos defendermos de um ataque inglês,
nossa política tem de mostrar sempre que leva em conta a Inglaterra ou todos os
sacrifícios que já fizemos seriam em vão.”[105]
Os
liberais e a esquerda, como também o movimento pela paz, atacavam a corrida
armamentista. Os “mercadores da morte’, naquela época e após a Grande Guerra,
foram apontados como um dos principais fatores, talvez o fundamental, para que
a catástrofe acontecesse. Foi uma ideia que ganhou ressonância especial nas
décadas de 1920 e 1930 nos Estados Unidos, quando cresceu a desilusão sobre a
entrada americana na guerra. Em 1934, o senador Gerald Nye, de Dakota do Norte,
presidiu uma comissão especial do Senado para investigar o papel dos
fabricantes de armas na eclosão da Grande Guerra, prometendo mostrar que “a
guerra e seu preparo não são questão de honra e orgulho nacionais, mas mera
questão de lucro para uma minoria.” A comissão ouviu dezenas de testemunhas,
mas, como era de esperar, nada conseguiu provar. A Grande Guerra não resultou
de uma causa isolada, e sim de uma combinação delas, e, por fim, de decisões
humanas. O que a corrida armamentista provocou foi a elevação do nível de
tensões na Europa e a pressão exercida sobre quem tinha a responsabilidade de
decidir para apertar o gatilho antes que o inimigo o fizesse.
Ironicamente,
em retrospecto, os decisores daquela época tendiam a ver preparativos militares
como fator confiável de dissuasão. Em 1913, o embaixador inglês em Paris teve
uma audiência com George V. “Lembro ao Rei que a melhor garantia de paz entre
as grandes potências é o medo que têm umas das outras.”[106]
Como a dissuasão só funciona se o outro lado achar que você está disposto a
usar a força, sempre existe a possibilidade de ir longe demais e começar um
conflito acidentalmente – ou de perder a credibilidade não cumprindo uma
ameaça. A honra, como as nações diziam então (hoje podemos dizer prestígio)
fazia parte desse cálculo. As grandes potências tinham consciência de seu
status tanto quanto de seus interesses, e dispor-se a fazer muitas concessões
ou parecer tímida poderia ser prejudicial a eles. Os eventos na década anterior
a 1914 pareciam mostrar que dissuasão funciona, quer fosse quando Inglaterra e
França forçaram a Alemanha a recuar na questão do Marrocos, quer quando a
mobilização na Rússia pressionou a Áustria-Hungria a não atacar a Sérvia
durante as Guerras Balcânicas. Uma palavra inglesa muito usada naqueles dias
entrou para a língua alemã como der Bluff. Mas que fazer quando pagam
para ver seu blefe?”
[102] Stevenson, Armaments,
2-9.
[103] Ibid., 4.
[104] Herrmann, The Arming of
Europe, 207.
[105] Epkenhans, Tirpitz,
versão Kindle, loc. 862.
[106] Kieβling, Gegen den
‘Großen Krieg’?, 67-8.
“Logo
ficou evidente que na verdade os dois lados estavam muito distanciados. Os ingleses
queriam o fim da corrida naval; os alemães queriam a garantia de que a
Inglaterra permaneceria neutra em qualquer guerra no Continente. Obviamente
isso daria à Alemanha liberdade de ação para resolver suas divergências com a
Rússia e a França. O máximo que a Alemanha se dispunha a fazer era diminuir o
ritmo de construção, desde que tivesse a garantia pedida aos ingleses, enquanto
o máximo que estes prometiam era permanecer neutros se a Alemanha fosse atacada
e, portanto, fosse a vítima. Wilhelm ficou furioso com o que considerou a
insolência britânica: “Devo, como Kaiser, em nome do Império Alemão e na
qualidade de comandante em chefe de minhas forças armadas, rejeitar
totalmente tal proposta, por julgá-la incompatível com nossa honra.”[120] Embora as negociações prosseguissem depois do
retorno de Haldane a Londres, ficou claro que não chegariam a lugar nenhum.[121] Em 12 de março, o Kaiser aprovou a nova lei da
marinha depois que a Imperatriz, que odiava radicalmente os ingleses, lhe disse
para parar de ser subserviente com a Inglaterra. Tirpitz, que desde o começo se
opusera firmemente às negociações, beijou a mão da Imperatriz em nome do povo
alemão.[122] Bethmann, que não fora consultado,
tentou apresentar sua renúncia, mas Wilhelm aborrecido o acusou de covarde e
recusou-se a recebê-lo. Lealmente, Bethmann continuou no cargo. Mais tarde
disse com tristeza que teria conseguido um acordo com a Inglaterra, bastando
que Wilhelm não ficasse interferindo.[123]”
[120] Cecil, Wilhelm II,
172.
[121] Cecil, Albert Ballin,
182-96.
[122] Hopman, Das
ereignisreiche Leben, 209-10.
[123] Cecil, Wilhelm II,
172-3.
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