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sábado, 5 de abril de 2025

De Martí a Fidel: a Revolução Cubana e a América Latina (Parte III), de Luiz Alberto Moniz Bandeira

Editora: Civilização Brasileira

ISBN: 978-85-200-0866-9

Opinião: ★★★★☆

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Páginas: 798

Sinopse: Ver Parte I



“(...) Tais gestões não puderam avançar. No dia 22 de novembro de 1963, enquanto em Cuba Fidel Castro almoçava com Jean Daniel, retomando a conversação (que se iniciara em 19 de novembro) sobre a possibilidade de reabrir o diálogo com os Estados Unidos, Desmond Fitzgerald, responsável pelas operações clandestinas, entregava a Rolando Cubela Secades, em Paris, uma caneta com um dardo envenenado para que fosse disparado contra ele. Entretanto, coincidentemente, foi Kennedy que, naquele dia, tombou em Dallas, assassinado.120 Segundo o jornalista Tad Szulc, o projeto AM/LASH fora tão sigilosamente mantido pela CIA, que nem mesmo Kennedy soubera de sua existência.121 E tanto Dean Ruk quanto McGeorge Bundy, ao prestarem, posteriormente, depoimento perante o Senado norte-americano, julgaram difícil que Kennedy autorizasse o uso de um estratagema para assassinar Fidel Castro, enquanto Attwood realizava gestões com o objetivo de normalizar as relações de Cuba com os Estados Unidos. Difícil, na verdade, não era. Pelo contrário. Não declarara o próprio Kennedy, quando a CIA articulava o golpe contra Leónidas Trujillo, na República Dominicana (1961), que os Estados Unidos, “as a matter of general policy, could not condone assassination”?122 Não autorizara o golpe de Estado contra Ngo Dinh Diem, presidente do Vietnã do Sul, assassinado em 2 de novembro, três semanas antes de sua própria morte, porque ele começara a estorvar os planos dos Estados Unidos e entrara em negociações secretas com o Vietnã do Norte?123 Por que não haveria de autorizar o assassinato de Castro? Se soubera e encorajara os entendimentos da CIA com Sam Giancana, John Rosseli e outros chefes da Máfia, por que não haveria de autorizar o complô com Rolando Cubela, que era um funcionário do governo cubano, seu representante na UNESCO e com acesso a Fidel Castro?124 Além do mais, muito provavelmente Desmond Fitzgerald não se apresentaria a Rolando Cubela como representante pessoal de Robert Kennedy, se este não o tivesse autorizado, o que significava o conhecimento do presidente. E tanto Kennedy não via incompatibilidade entre a via das negociações e o complô para matar Castro, que as incursões contra Cuba, a partir da Flórida, continuaram no mês de novembro, quando o governo cubano apresentou na televisão três invasores, que confessaram serem pagos, armados e dirigidos pela CIA, e as inundações, provocadas por um ciclone, permitiram a descoberta de grandes depósitos de armas no litoral.125 Assim, não obstante Castro haver revelado ao embaixador Luís Bastian Pinto que Kennedy, nas suas últimas semanas de vida, já demonstrara mudança de atitude em relação a Cuba, talvez porque reconhecesse que ela se tornara muito mais forte, política e economicamente, tanto ao nível interno quanto externo, o fato era que o ambiente de extrema tensão, lá, permanecera, em face dos frequentes desembarques de contrarrevolucionários, levando o governo a anunciar numerosos fuzilamentos de “agentes da CIA”.126

120. U.S. Senate — Alleged Assassination Plots Involving Foreign Leaders, pp. 173, 174 e 176.

121. Ibid., pp. 174-176.

122. U.S. Senate — Alleged Assassination Plots Involving Foreign Leaders, p. 205.

123. Ibid., pp. 217-223 e 261-262. Hersh, 1997, p. 412.

124. Rolando Cubela era um médico que chefiara o contingente guerrilheiro do Directorio Revolucionario nas montanhas da região central de Cuba durante a campanha contra Batista. Ele desfrutava da confiança do governo cubano e fora nomeado representante especial de Cuba junto à UNESCO, em Paris. Lá, a CIA o contatou. A conspiração prosseguiu mesmo após a morte de Kennedy. Szulc, 1987, pp. 59-60.

125. Telegrama nº 267, confidencial, da embaixada do Brasil em Havana (Bastian Pinto), 4-5/11/1963 — 12h30. Telegramas — Recebidos — Havana — 1962-1964. AHMRE-B.

126. Telegrama nº 273, confidencial-urgente, da embaixada do Brasil em Havana (Bastian Pinto), 12-13/11/1963. Telegramas— Recebidos — Havana — 1962-1964; Telegrama nº 295, secreto — urgente, da embaixada do Brasil em Havana (Bastian Pinto), 8-9/12/1963. CTs. — Telegramas — Recebidos — Havana — 1962-1964. Ibid.

 

 

Desde a visita de Castro a Moscou em abril de 1963, as relações de Cuba com a União Soviética desenvolveram-se com relativa tranquilidade, apesar das numerosas diferenças ideológicas e em questões de política internacional.1 A União Soviética, em posição defensiva diante da China e dos Estados Unidos, depois da crise dos mísseis, nada pôde fazer, senão aceitar a independência com que Castro e Guevara implementavam uma política própria, próxima da linha chinesa, ao fomentar a luta armada e os chamados movimentos de libertação nacional, não só na América Latina como na África. Cuba, porém, já lhe custava compromissos de crédito no valor de US$ 300 milhões, mais cerca de US$ 750 milhões de déficit no seu balanço de pagamentos, não lhe interessando, portanto, que outros regimes revolucionários se instalassem na América Latina.2 Assim, os dirigentes do Kremlin, a fim de isolar a China, instaram Castro a reunir-se com os partidos comunistas latino-americanos, que sempre funcionaram como cadeia de transmissão das diretrizes de política exterior da União Soviética, e alcançar um termo de compromisso que acomodasse o apoio à luta armada com a doutrina da coexistência e da via pacífica para o socialismo. A reunião ocorreu em Havana, entre novembro e dezembro de 1964, após a queda de Kruchev, e seu resultado foi profícuo tanto para a União Soviética como para Cuba. Castro obteve, de um lado, uma adesão mais explícita e consistente dos partidos comunistas ortodoxos, mas, por outro, comprometeu-se, a partir daí, a entregar-lhes a coordenação dos movimentos de inspiração castrista, emergentes em vários países da América Latina, com o objetivo de formar amplas frentes políticas e de amplitude continental. A reunião, demonstrando que, ideologicamente, tanto a União Soviética podia influenciar Cuba quanto Cuba tinha condições de modificar a atitude da União Soviética, em face do cisma dentro do chamado campo socialista, terminou então com a emissão de comunicado, de caráter conciliatório, que, embora admitisse a luta armada em seis países (Venezuela, Colômbia, Guatemala, Honduras, Paraguai e Haiti), reconhecia a possibilidade do caminho pacífico no resto da América Latina e condenava enfaticamente as “polêmicas públicas e atividades fracionalistas”, em clara alusão às dissidências que a China se empenhava em promover nos partidos comunistas.

Che Guevara estranhamente não participou da reunião, cujo objetivo, inter alia, foi conter Cuba, de um lado, e consolidar, do outro, uma frente única dos partidos comunistas latino-americanos contra a China, antes da conferência comunista internacional, a realizar-se em Moscou, em 1º de março de 1965. Ele, decerto, discordava daquele tipo de entendi­mento, que implicava o sacrifício de princípios doutrinários. Suas relações com os partidos comunistas latino-americanos, em virtude das divergências sobre a luta armada e do seu apoio a outras correntes revolucionárias não comunistas, tornaram-se extremamente tensas no curso de 1963 e 1964. A tentativa de implantar um foco de guerrilha em Salta, norte da Argentina, sob o comando do jornalista Jorge Massetti e com recrutas trotskistas,3 bem como a aliança com John William Cooke e a esquerda do peronismo antagonizaram-no com Vitório Codovilla e Rodolfo Ghioldi, dirigentes do Partido Comunista naquele país. Guevara também já se afastava das atividades tanto administrativas quanto políticas em Cuba. No início do ano, tivera de frear o esforço de industrialização, anunciando um plano de investimentos (US$ 180 milhões) inferior 18% ao do ano anterior, devido ao imenso déficit no balanço de pagamento com a União Soviética.4 Em julho, perdera o controle sobre a indústria do açúcar, o maior e mais importante segmento da economia cubana, para a qual Castro criou um ministério autônomo, e sua influência sobre a condução da economia, concomitantemente, diminuiu com a substituição de Regino Boti no Ministério da Economia pelo presidente Oswaldo Dorticós, que também assumira a direção da JUCEPLAN. E em novembro, às vésperas dos preparativos para a reunião dos partidos comunistas da América Latina, Guevara partira para Moscou, onde assistiu ao desfile do dia 7, comemorativo do 47º aniversário da revolução russa, na Praça Vermelha. Fora seu primeiro contato com os dirigentes do Kremlin depois da crise dos mísseis, mas sua percepção do socialismo real, tal como existente no Bloco Soviético, já se revelava profundamente crítica. Ele concluíra que os países da Europa Ocidental, apesar do que se dissesse, estavam a avançar em ritmo superior ao dos países da chamada democracia popular.5 E constatara que a fraqueza do soi-disant campo socialista decorria não apenas do magro potencial econômico, mas também da perversão do regime na União Soviética e nos países do Leste Europeu.6 No entender de Che Guevara, o pensamento na União Soviética, governada por uma gerontocracia, esclerosara-se, perdera o vigor intelectual e cultural.7La investigación marxista avanza en un camino peligroso”, Guevara certa vez observou, acrescentando: “Al dogmatismo intransigente da época de Stalin le ha sucedido un pragmatismo inconsistente. Y lo trágico es que lo mismo ocurre en todos los aspectos de los pueblos socialistas”.8 Guevara considerava também muito difícil a situação em Cuba, apesar da aparente pausa do sectarismo e a crise do Caribe.9 E, a contrastar com o otimismo de Castro, tinha uma visão bastante sombria da situação internacional e, em especial, da América Latina, onde, no dia em que embarcara para Moscou, um golpe de Estado derrubara o presidente Victor Paz Estenssoro e instalara uma junta militar, sob a presidência do general René Barrientos, homem vinculado à CIA desde 1960. Ele não via alternativa a não ser a luta armada para a libertação dos povos do Terceiro Mundo, mas se dava conta de que a União Soviética, não podendo dar a Cuba, um país pequeno, uma ajuda suficiente, não teria condições de sustentar um país como o Brasil, se ali uma revolução socialista ocorresse.10

Em Moscou, onde demonstrou alguns desacordos com os soviéticos, Guevara soube que o apontavam como trotskista.11Yo he expressado opiniones que pueden estar más cerca del lado chino (...) y también lo de trotskismo surge mezclado”, comentou e, aludindo sarcasticamente ao hábito de baeta amarela e verde que os réus da Inquisição vestiam pela cabeça, à moda de saco, nos autos-de-fé, aduziu que “dicen que los chinos son fraccionalislas y trotskistas y a mi también me meten el sambenito”.12 Segundo Kiva Maidanik, especialista em América Latina no PCUS, os dirigentes do Kremlin, sobretudo Brejnev, não simpatizavam com Che Guevara, não por ser ele favorável à linha chinesa, mas por seu suposto trotskismo, e molestavam-se com o “elemento antiburocrático vibrante” no seu pensamento.13 Como resultado de sua segunda viagem à União Soviética, de acordo com Paco Ignacio Taibo II, Guevara começou a modificar suas ideias sobre Trotski e o trotskismo, por entender que não se podiam destruir opiniões a pauladas, pois isso matava o desenvolvimento da inteligência, e que estava “claro que del pensamiento de Trotski se pueden sacar una série de cosas”.14 Que coisas, não disse. Mas o fato era que realmente as concepções de Guevara, quanto à permanência da revolução, seu caráter socialista e internacional, mesmo nos países atrasados e coloniais e semicoloniais, assemelhavam-se mais com as teorias de Trotski do que com as difundidas pelos partidos comunistas, que, modelados pelo stalinismo, defendiam a colaboração com a chamada burguesia progressista e o caminho pacífico para o socialismo, conforme as diretrizes da União Soviética, empenhada em sofrear a corrida armamentista e expandir suas relações comerciais, de modo a melhorar os níveis de vida do seu povo, e não em propagar qualquer tipo de revolução, quer na Europa, quer no Terceiro Mundo. Segundo D. Bruce Jackson, do Washington Center of Foreign Policy Research, da Johns Hopkins University, o segundo homem no movimento revolucionário de Castro, Che Guevara, foi, ao menos parcialmente, influenciado pelas ideias trotskistas e reivindicado como amigo pelos trotskistas em Cuba e no resto da América Latina.15 Mas, enquanto ele tendeu para o trotskismo, com a crença de que só seria possível promover e sustentar a construção do socialismo em Cuba mediante a abertura de novas frentes revolucionárias no Terceiro Mundo, Castro, concentrando-se nos problemas do país, orientou-se cada vez mais na direção da União Soviética.16

Àquela época, fins de 1964, Guevara, embora reconhecesse, por um lado, que fora um erro menosprezar a agricultura, rechaçava, por outro, a reconcentração dos esforços na produção de açúcar, tal como a União Soviética induzira Castro, e não se resignava com o abandono dos projetos industriais, entre os quais a instalação do complexo siderúrgico, nem com o fato de que a Cuba se reservasse o destino de país monoprodutor e especializado. Muito provável era que, desiludido, já então estivesse a amadurecer a ideia de abandonar o Ministério da Indústria para dirigir a luta revolucionária em outro país,17 talvez a Argentina, onde Jorge Ricardo Massetti, o comandante Segundo, a quem ele encarregara de instalar um foco de guerrilha, desaparecera, liquidado pelas forças de repressão. Tanto isto é certo que, depois de retornar da União Soviética, permaneceu menos de um mês em Cuba, onde, aparentemente, não participou da conferência dos 22 partidos comunistas latino-americanos e, na Província de Oriente, fez um discurso, exaltando a luta armada, ao ressaltar que Cuba demonstrara “como se hacer una revolución al lado, en las fauces del imperialismo yanqui, y, no solo hacer, declarar socialista la revolución, y no declararla de palabras, declararla expropiando a los explotadores”.18 Menos de 10 dias depois, em 9 de dezembro, ele voltou a viajar, desta vez para Nova York, como chefe da delegação cubana à 19ª Assembleia-Geral da ONU, evidenciando que, não obstante as concessões à União Soviética e aos partidos comunistas ortodoxos, Castro continuava solidário com a sua linha de pensamento, favorável a uma política revolucionária, mais agressiva, nos países do Terceiro Mundo. Lá, no dia 11 dezembro, Che Guevara perante o plenário, fez um pronunciamento, no qual declarou, peremptoriamente, que, “como marxistas, hemos mantenido que la coexistencia pacífica entre naciones no engloba la coexistencia pacífica entre exploradores y explotados, entre opresores y oprimidos”.19 E não apenas mostrou sua preocupação com as lutas no Vietnã, no Laos e no Congo, mostrando sua indignação com o massacre realizado em Stanleyville pelas tropas da Bélgica,20 como, ao responder ao representante da Nicarágua, revelou a intenção de prosseguir na luta, em qualquer parte do continente, dizendo:

He nacido en la Argentina; no es secreto para nadie. Soy cubano y también soy argentino y, si no se ofenden las ilustríssimas señorias de Latinoamérica, me siento tan patriota de Latinoamérica, de cualquier país de Latinoaméríca, como el que más e, en momento que fuera necesario, estaría dispuesto a entregar mi vida por la liberación de cualquiera de los países de Latinoamérica, sin pedirle nada a nadie, sin exigir nada, sin explotar a nadie.21

1. Erisman, Cuba’s International Relations, 1985, p. 27.

2. Duncan, The Soviet Union and Cuba, 1985, pp. 56-57.

3. Castañeda, La Vida en Rojo — Una Biografia del Che Guevara, 1997, p. 305. Anderson, Che Guevara — A Revolutionary Life, 1997, p. 596.

4. Taibo II, Ernesto Guevara, también conocido como el Che, 1997, p. 482.

5. Id., ibid., p. 497.

6. Cormier, Che Guevara (Nouvelle édition augmentée), 1997, p. 325.

7. Id., ibid., p. 325.

8. Apud Kalfon, Che — Ernesto Guevara, una leyenda de nuestro siglo, 1997, p. 419.

9. Castañeda, 1997, p. 306.

10. Cormier, 1997, p. 325.

11. Taibo II, 1997, p. 497. Anderson, 1997, p. 596. Castañeda, 1997, pp. 359-360.

12. Taibo II, 1997, p. 497. Kalfon, 1997, p. 421.

13. Gilbert, 1994, p. 60.

14. Taibo II, 1997, pp. 497-498.

15. Jackson, Castro: The Kremlin and Communism in Latin America,1969, p. 11. Embora, quando mais jovem, demonstrasse muitas vezes admiração por Stalin, Che Guevara contou a Luís Simón, universitário que passara algum tempo com ele na serra, durante 1948, que fora trotskista na Argentina. Castañeda, 1997.

16. Liss, Marxist Thought in Latin America, 1984, pp. 259-260.

17. Gambini, El Che Guevara, 1968, p. 419.

18. El 30 de Noviembre de 1956, discurso en homenage a la fecha al inaugurarse un combinado industrial en Santiago de Cuba, el 30 de noviembre de 1964, in Guevara, 1991, vol. 11, pp. 638-651.

19. En la XIX Asamblea General de las Naciones Unidas: Discurso y contrarréplica, in Guevara, 1991, vol. II, pp. 541-571.

20. Em 30 de junho de 1960, o Congo belga (Léopoldville) obteve sua independência, e Patrice Lumumba, nacionalista, assumiu o governo. Pouco tempo depois, o Exército amotinou-se e a Bélgica interveio, permitindo que um fantoche, Moise Tshombe, proclamasse, por sua conta, a independência de Katanga, região ao sul do país, onde a União Mineira, representante dos mais poderosos interesses belgas, estava instalada. As tropas da ONU, que lá intervieram, protegeram os interesses separatistas, que os Estados Unidos favoreciam. Em setembro de 1960, Mobutu, um antigo sargento elevado a coronel, prendeu Lumumba, o que levou alguns de seus ministros a formar um governo leal em Stanleyville, ao norte do país. Golpeado e torturado, Lumumba foi entregue, em 1961, a Tshombe, que mandou executá-lo, com a cumplicidade da CIA. Desde então a luta não cessou. Em 1963, Pierre Mulele, antigo ministro de Lumumba, iniciou uma guerra revolucionária em Kwilu, a oeste, e Gastóns Soumialot, em 1964, assumiu o controle desse país e organizou em Stanleyville a República Popular do Congo. Tshombe, nomeado primeiro-ministro por obra de Mobutu, lançou seus homens contra Stanleyville, contando com o apoio de aviões norte-americanos, pilotados por exilados cubanos, que a CIA treinara.

21. En la XIX Asamblea General de las Naciones Unidas: Discurso y contrarréplica, in Guevara, 1991, vol. II, p. 562.

 

 

“Os Estados Unidos atravessavam então gravíssima crise política e moral, em virtude não apenas da derrota na guerra do Vietnã, contra a qual, internamente, os mais intensos e disseminados protestos começaram a ocorrer desde que, em 1970, as tropas norte-americanas invadiram o Camboja. Também abalou os Estados Unidos o escândalo, que provocara a renúncia de Nixon (1974) em meio a um processo de impeachment em curso no Congresso, ao descobrir-se que alguns agentes da CIA invadiram o Hotel Watergate, sede do Partido Democrata em Washington, na campanha eleitoral de 1972 e que a Casa Branca utilizava as agências de segurança nacional e inteligência (FBI e CIA) na política interna. Esse episódio levou o Senado norte-americano a instaurar uma comissão de inquérito, sob a presidência do senador Frank Church (Idaho), para investigar as operações de inteligência do governo. Seus trabalhos revelaram não apenas que, desde 1970, a CIA, por ordem de Nixon, começara a organizar o golpe de Estado contra o governo do presidente Salvador Allende, considerado inaceitável para os Estados Unidos,6 como participara, ao tempo de Kennedy, dos assassinatos de Leónidas Trujillo (República Dominicana), de Patrice Lumumba (Congo), do general Ngo Dinh Diem e de seu irmão (Vietnã do Sul), bem como de pelo menos oito complôs para matar Fidel Castro, entre 1960 e 1965.7

6. A preparação do golpe militar começou em 1970, por instrução direta de Nixon a Richard Helms, diretor da CIA, visando a impedir a posse de Allende na Presidência do Chile, para a qual fora então eleito. O general René Schneider, comandante-em-chefe das Forças Armadas, opôs-se à conspiração e foi assassinado pela CIA. U.S. Senate, Alleged Assassination Plots Involving Foreign Leaders, pp. 225-254.

7. Em 1975, Castro entregou ao Senador George McGovern uma lista com 24 tentativas de assassiná-lo nas quais a CIA esteve envolvida. A CIA negou envolvimento em quinze. Ibid., p. 71n.

 

 

Cuba, àquela época, sofreu premente necessidade de divisas, não apenas porque sua dívida externa com os bancos privados internacionais, estabilizada em US$ 3,6 bilhões no início dos anos 1980, saltara para US$ 4,7 bilhões em 198664 e, com a União Soviética, atingira 7,5 bilhões de rublos, mas também porque a cotação do açúcar no mercado mundial, no qual vendia entre 10% e 40% de sua produção, despencara de 27 cents, em 1980, para 4 cents, no meio da década, e ela nem podia obter novos financiamentos e não dispunha senão de US$ 650 milhões, contra US$ 1,5 bilhão em 1984, para pagar as importações que fazia do Ocidente.65 Essa escassez de divisas provavelmente determinou a campanha de “rectificación de errores y tendencias negativas”, visando a obter mais austeridade interna e disciplina de trabalho, mas a escalada da dívida externa em divisas, cujo pagamento do serviço Cuba suspendera em 1986, continuou e atingiu o montante de US$ 6,2 bilhões.66 No começo de 1988, ela tinha atrasos acumulados no valor de 2,1 bilhões de pesos (o peso, sobrevalorizado, tinha oficialmente cotação ao par com o dólar) no principal e 360 milhões de pesos nos juros. Um adicional de 1,2 bilhão de pesos no principal e 505 milhões de pesos em juros somou-se àquele montante em 1988, quando o total das obrigações do serviço da dívida subiu para 4,18 bilhões de pesos, levando Cuba a requerer do Clube de Paris a extensão do prazo de pagamento para 15 anos, com cinco de carência.67 Entre 1986 e 1990, Cuba recebeu da União Soviética empréstimos no total de US$ 11,6 bilhões (US$ 8,2 para cobrir os déficits comerciais e US$ 3,4 bilhões em ajuda ao desenvolvimento) e sua dívida com os soviéticos subiu para US$ 24,5 bilhões.68 Entretanto, sem os recursos do Banco Mundial ou do Fundo Monetário Internacional, Cuba teve de cortar drasticamente suas importações em moeda forte, impor um programa de austeridade e reduzir o crescimento planejado de 5% para entre 1% e 1,5%,69 em 1988, com o que a disponibilidade de bens de consumo piorou cada vez mais.

A União Soviética estava a enfrentar o mesmo problema. Trotski, já em 1930, observara que o ponto fraco da economia soviética, além do atraso que herdara do passado, consistia no isolamento, dado que ela não podia aproveitar os recursos da economia mundial, nem de acordo com os princípios socialistas, nem mesmo de acordo com os princípios capitalistas, sob a forma de crédito internacional normal, de financiamento, cuja importância era decisiva para os países atrasados.70 As crises agudas que afetavam a economia soviética, Trotski advertira, lembravam que as forças produtivas criadas pelo capitalismo não podiam adaptar-se à moldura nacional e só podiam ser coordenadas e harmonizadas de forma socialista em um plano internacional. Essas crises, ele acrescentou, representavam “algo infinitamente mais grave do que as moléstias infantis ou de crescimento”: elas constituíam “severas advertências” do mercado internacional, ao qual a União Soviética estava subordinada e ligada e do qual não podia separar-se.71 Conforme sua previsão, se uma revolução política não ocorresse e a democracia, com plena liberdade dos sindicatos e dos partidos políticos, não fosse restabelecida na União Soviética, a restauração da propriedade privada dos meios de produção tornar-se-ia ali inevitável e a nova classe possuidora, para a qual as condições estavam criadas, encontraria seus servidores entre os burocratas, técnicos e dirigentes, em geral, do Partido Comunista.72

A Segunda Grande Guerra (1939-1945), não obstante os imensos danos que causara à União Soviética, aliviou-lhe de certo modo as dificuldades, ao possibilitar que incorporasse ao seu espaço econômico os países do Leste Europeu e se impusesse como potência política e militar, à frente do chamado Bloco Socialista. E o que a orientara, prevalecendo sobre quaisquer considerações revolucionárias e internacionalistas, fora seu próprio interesse nacional, o interesse do Estado soviético, racionalizado pela teoria do socialismo em um só país, segundo a qual tudo o que se fizesse para defendê-lo e fortificá-lo favoreceria a causa do proletariado mundial. O socialismo real, tal como existente na União Soviética e nos países do Leste Europeu, pretendia constituir não uma via de distribuição da riqueza, produzida pelo capitalismo de forma excludente e discriminatória, de acordo com a concepção de Marx, mas uma política de desenvolvimento, seduzindo mais os povos dos países atrasados do que o proletariado das potências industriais, em virtude do apelo nacionalista ou anti-imperialista de que se revestira. Contudo, a tentativa de implantar o socialismo, mediante a estatização dos meios de produção e a planificação da economia, em países atrasados, de escassa industrialização ou onde não havia riqueza para distribuir, estava, naturalmente, destinada ao fracasso, em consequência de suas contradições internas e externas. De um lado, a burocratização do sistema produtivo e a equalização social impediam a acumulação de capital necessário ao esforço de desenvolvimento econômico. Por outro, não obstante o estabelecimento de sua própria comunidade econômica — o CAME/COMECON —, com um sistema monetário internacional próprio e submetendo o comércio a acordos de longo prazo, conforme os planos quinquenais, a União Soviética e os países do chamado Bloco Socialista jamais se libertaram do mercado mundial, que não deixara de funcionar segundo as leis do capitalismo. Era inevitável, portanto, que suas economias sofressem igualmente as consequências da depressão que o abatera no início dos anos 1970, quando Nixon, diante das dificuldades enfrentadas pelos Estados Unidos, desvinculou o dólar do padrão-ouro, iniciando a demolição do sistema monetário que os acordos de Bretton Woods estabeleceram, e as regras para o manejo das taxas de câmbio foram abandonadas, no início de 1973.

Como resposta, os países exportadores de petróleo, agrupados desde 1960 na OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), quadruplicaram os preços do óleo cru, atingindo duramente a economia não apenas das potências industriais, mas, sobretudo, dos países em desenvolvimento, com graves reflexos sobre os países do Bloco Socialista, uma vez que, ao importar matérias-primas do Ocidente a custos cada vez mais elevados, eles não puderam manter o subsídio às exportações. Em tais circunstâncias, o abalo no comércio mundial afetou igualmente a União Sovié­tica, em 1974, compelindo-a tomar a iniciativa de reajustar os termos do comércio com os demais parceiros do CAME e a estabelecer o preço das exportações de acordo com a média do mercado mundial, a fim de evitar maior deterioração de sua economia, bastante comprometida, entre outros fatores, pelos gastos militares decorrentes da competição com os Estados Unidos. Desde então, a crise econômica carcomeu todo o Bloco Socialista e determinou sua desintegração, em 1989, bem como a da própria União Soviética, que retornou à economia de mercado, restaurando a propriedade privada dos meios de produção e integrando-se no sistema capitalista mundial, do qual, na verdade, nunca se libertara e sempre dependera.”

64. Zimbalist & Brundenius, The Cuban Economy — Measurement and Analysis of Socialist Performance, 1989, p. 154. Eckstein, 1994, p. 72.

65. Id., ibid., pp. 72 e 73. Zimbalist & Brundenius, 1989, pp. 156 e 157.

66. Mesa-Lago, Breve Historia Econômica de Cuba Socialista — Políticas, Resultados y Perspectivas, 1994, p. 168.

67. Zimbalist & Brundenius, 1989, p. 159.

68. Mesa-Lago estimou que o total da dívida exterior de Cuba (incluída tanto a parte em divisas como a não conversível) atingira em 1990 o montante de US$ 37 bilhões, a mais alta dívida per capita da América Latina. Mesa-Lago, 1994, pp. 166-168. Segundo Eliana Cardoso e Ann Helwege, em 1989, Cuba devia US$ 18 bilhões (em rublos) à União Soviética e aos países do Leste Europeu, e US$ 6 bilhões aos bancos comerciais do Ocidente. Cardoso & Helwege, 1992, p. 99.

69. Zimbalist & Brundenius, 1989, p. 159.

70. Eckstein, Back from the Future — Cuba under Castro, 1994, p. 11.

71. Id., ibid., p. 12.

72. Trotski, La Révolution Trahie, 1936, pp. 285, 286, 306, 324 e 325.

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