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sábado, 25 de junho de 2022

Teologia da Libertação: perspectivas (Parte II), de Gustavo Gutiérrez

Editora: Vozes

Tradução: Jorge Soares

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 276

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Sinopse: Ver Parte I



“II. DECLARAÇÕES E TENTATIVAS DE REFLEXÃO

Os compromissos que rapidamente recordamos suscitaram textos que os explicitam e esboçam uma reflexão teológico-pastoral sobre eles.23

Assistimos nos três últimos anos a inúmeras declarações públicas, provindas de movimentos laicos, de grupos de sacerdotes e bispos, ou de todo Episcopado. O mais importante — no aspecto da autoridade doutrinal e do impacto — dos textos que vamos citar é, naturalmente, o da Conferência: Episcopal de Medellín (1968). De certo modo, os outros se afinam por ele. Mas sem eles não se compreenderia bem, nem o processo que levou a Medellín, nem suas posteriores repercussões. Não obstante, esses textos vão mais longe que Medellín. Suas opções são mais nítidas, menos reabsorvíveis pelo sistema; são também mais chegadas a compromissos concretos. Mais. São a voz de amplos setores do povo de Deus, voz ainda contida e que, apesar de tudo, não vem do povo oprimido — sujeito a longo silêncio — mas através de muita crivagem. É, pelo menos, uma primeira tentativa de expressão.

Sempre na linha da questão que nos interessa, podemos dizer que esses textos transitam por duas rotas forçosamente divergentes: a transformação da realidade latino-americana e a busca de novas formas de presença da Igreja.

 

1.     Para uma transformação da realidade
latino-americana

A primeira e persistente ideia nesses documentos, e que reflete uma atitude geral da Igreja, é o reconhecimento da solidariedade da Igreja com a realidade latino-americana. A Igreja evita situar-se acima dela e procura antes assumir a responsabilidade que lhe cabe na atual situação de injustiça, para cuja manutenção contribuiu por sua vinculação com a ordem estabelecida, como por seu silêncio ante os males que esta acarreta.

Reconhecemos antes de tudo — dizem os bispos peruanos — que os cristãos, por falta de fidelidade ao evangelho, temos contribuído com nossas palavras e atitudes, com nosso silêncio e omissões para a atual situação de injustiça.26 Nossa Igreja — dizem mais de duzentos leigos, padres e bispos salvadorenhos — não atuou eficientemente na libertação e promoção do homem salvadorenho. Deve-se isso em parte ao já mencionado conceito incompleto da salvação do homem e da missão da Igreja, e em parte ao medo de perder privilégios ou sofrer perseguição.27

Quanto à visão da realidade, a miséria e exploração do homem pelo homem vivida na América Latina é descrita como uma situação “de injustiça que se pode chamar de violência institucionalizada,28 causadora da morte de milhares de inocentes.29 Isso permite colocar os complicados problemas da contraviolência sem cair numa moral de dois pesos e duas medidas, que pretende ser a violência aceitável quando utilizada pelo opressor para manter a “ordem”, e má quando para ela apelam os oprimidos para mudar a ordem. A violência institucionalizada viola tão fortemente direitos fundamentais que os bispos latino-americanos advertiram que “não se pode abusar da paciência de um povo que suporta durante anos uma condição que dificilmente aceitariam os que têm maior consciência dos direitos humanos”.30 Ainda mais. Um setor importante do clero latino-americano pede “que na consideração do problema da violência se evite por todos os meios equiparar ou confundir a violência injusta dos opressores que sustentam este “nefasto sistema” com a justa violência dos oprimidos que se veem obrigados a recorrer a ela para alcançar a própria libertação”.31 Teologicamente, essa situação de injustiça e opressão é qualificada como uma “situação de pecado, pois “lá onde se encontram injustas desigualdades sociais, políticas, econômicas e culturais, repele-se o dom da paz do Senhor; e ainda mais, o próprio Senhor”.32 Tomando consciência disso, declara importante grupo de sacerdotes:

Consideramos um direito e um dever denunciar como sinais do mal e do pecado a injustiça salarial, as privações do pão cotidiano, a exploração do pobre e da nação, a opressão da liberdade...33

A realidade assim descrita é percebida cada vez mais nitidamente como o resultado de uma situação de dependência, em que os centros de decisão se acham fora do subcontinente; daí poder afirmar-se que os países latino-americanos são mantidos em estado neocolonial.34 Falando do subdesenvolvimento afirma-se que “este só se compreende em sua relação de dependência do mundo desenvolvido. O subdesenvolvimento da América Latina é, em grande parte, um subproduto do desenvolvimento capitalista do mundo ocidental”.35 A interpretação da realidade latino-americana em termos de dependência é adotada e considerada válida “porquanto nos permite procurar uma explicação causal, denunciar a dominação e lutar por superá-la com um compromisso em prol da libertação que nos leve a uma nova sociedade”.36 Esta perspectiva é claramente adotada também por um seminário sobre os problemas da juventude convocado pelo Departamento de educação do CELAM, que sublinha ainda que “a dependência latino-americana não é apenas econômica e política, mas também cultural”.37

Com efeito, nos textos, de origem e autoridade diferentes, da Igreja latino-americana, opera-se nos últimos anos um significativo — conquanto não de todo coerente — deslocamento do tema do desenvolvimento38 para o da libertação.39 O termo e o conceito exprimem a aspiração por sacudir a dependência; a mensagem dos bispos do terceiro mundo constata que “um impulso irresistível leva estes povos pobres à sua promoção a fim de se libertarem de todas as forças de opressão”:40

Notamos — dizem os sacerdotes bolivianos — em nosso povo anseios de libertação e um movimento de luta pela justiça, não somente para obter melhor nível de vida, mas também para poder participar nos bens socioeconômicos e nas decisões; do país.41

Mas o sentido mais profundo destas expressões está em insistirem na necessidade de os povos oprimidos da América Latina tomarem as rédeas de seu próprio destino; Medellín propugna pois uma “educação libertadora, que, citando a Populorum Progressio, é vista como o meio-chave para libertar os povos de toda servidão e fazê-los subir “de condições de vida menos humanas”, tendo em vista que o homem é o responsável e o “artífice principal de seu êxito ou de seu malogro”.42 A libertação das atuais servidões é considerada, além disso, em importante texto de Medellín, como uma manifestação da libertação do pecado, trazida por Cristo:

O mesmo Deus que, na plenitude dos tempos, envia o seu Filho para que, feito carne, venha libertar todos os homens, de todas as escravidões a que os sujeita o pecado, a ignorância, a fome, a miséria e a opressão, numa palavra, a injustiça e o ódio que têm sua origem no egoísmo humano.43

A Igreja quer compartilhar esta aspiração dos povos latino-americanos; os bispos definem-se a si mesmos em Medellín como “homens de um povo que começa a descobrir, na encruzilhada das nações, sua própria consciência, sua própria tarefa”.44 “Estamos vitalmente conscientes da revolução social que está em andamento. Com ela nos identificamos”.45 Sacerdotes e leigos argentinos também exprimem seu total compromisso com o processo de libertação:

Desejamos manifestar nosso compromisso total com a libertação dos oprimidos e com a classe operária, e com a busca de uma ordem social radicalmente diferente da atual, que procure realizar mais adequadamente a justiça e a solidariedade evangélicas.46

Ante a urgência da situação latino-americana, a Igreja denuncia como insuficientes as medidas que, por serem parciais e limitadas, não passam de paliativo que tende a consolidar um sistema de exploração. Assim se criticam as obras assistenciais na medida em que, por sua superficialidade, criam miragens e dilações.47 Mais profundamente, considerando que os problemas têm raízes nas estruturas da sociedade capitalista que originam uma situação de dependência, declara-se “imprescindível ir até a transformação das próprias bases do sistema”48, pois “não se encontrará verdadeira solução para os problemas... senão dentro do contexto de uma transformação global que substitua as atuais estruturas”.49 Daí a crítica ao “desenvolvimentismo” que propõe como solução um modelo capitalista50 e os chamamentos à radicalização das reformas, que de outra sorte “só serviriam afinal para a consolidação de novas formas de articulação ao sistema capitalista mediante novos tipos de dependência, menos aparentes mas não menos reais”;51 daí também aparecer cada vez com mais frequência e menos resistências o termo “revolução social”.52

Para alguns, ter parte nesse processo de libertação significa não se deixar intimidar pela acusação de “comunista”53 e, inclusive, mais afirmativamente, tomar o rumo do socialismo.

A enérgica reprovação que proferimos — afirma um grupo de sacerdotes colombianos — do capitalismo neocolonial, incapaz de resolver os agudos problemas que afligem nosso povo, leva-nos a orientar nossas ações e esforços com vistas a conseguir a instauração de uma organização da sociedade de tipo socialista que permita a eliminação de todas as formas de exploração do homem pelo homem e responda às tendências históricas de nosso tempo e à idiossincrasia do homem colombiano.54

Este socialismo será — afirmam os sacerdotes argentinos do terceiro mundo — “um socialismo latino-americano que promova o advento do homem novo”.55 Uma das figuras mais influentes da Igreja mexicana, Dom Sérgio Méndez, declarava em conferência asperamente discutida e atacada:

Só o socialismo poderá dar à América Latina o verdadeiro desenvolvimento... Acho que um sistema socialista é mais conforme com os princípios cristãos de verdadeira fraternidade, justiça e paz... Não sei que forma de socialismo, porém é esta a linha que deve seguir a América Latina. Por minha parte, creio que deve ser um socialismo democrático.56

Velhos preconceitos, inevitáveis elementos ideológicos e também as ambivalências do termo socialismo, fazem com que se empregue linguagem cautelosa, que se proponham distinções, e igualmente que as afirmações a esse respeito sejam entendidas de formas diversas.57 Por isso é importante ligar a este tema outro que contribui — pelo menos em um aspecto — para precisá-lo inequivocamente. Trata-se da progressiva radicalização do debate sobre a propriedade privada. Repetidas vezes se assinalou sua subordinação ao bem social.58 Mas as dificuldades para conseguir uma conciliação entre a justiça e a propriedade privada levaram muitos à convicção de que “a propriedade privada do capital conduz de fato à diferenciação entre capital e trabalho, ao predomínio do capitalista sobre o trabalhador, à exploração do homem pelo homem... A história da propriedade privada dos meios de produção põe em evidência a necessidade de sua diminuição ou supressão em favor do bem social. Dever-se-á, pois, optar pela propriedade social dos meios de produção”.59

O caso do Chile apresenta hoje, a este respeito, um interesse muito especial. A chegada ao poder, por via eleitoral, de um governo socialista cria para os cristãos chilenos um repto decisivo e carregado de fecundas possibilidades. As primeiras reações começam a surgir, mas têm suas raízes fincadas — cumpre não esquecê-lo — em longos anos de participação de certos grupos na luta pela libertação dos setores oprimidos.

O sistema capitalista — escreve um grupo de sacerdotes ligado à paróquia universitária de Santiago — mostra uma série de elementos contra o homem... O socialismo, muito embora não se livre das injustiças precedentes de atitudes pessoais, da ambiguidade inerente a todo sistema, oferece mediante uma mudança nas relações de produção uma igualdade fundamental de oportunidades, a dignificação do trabalho, porque o trabalhador, além de humanizar a natureza, faz-se ele próprio mais homem; o desenvolvimento conjunto do país em benefício de todos, especialmente dos mais desfavorecidos, a valorização das motivações morais e solidárias acima do interesse individual, etc.

A transformação do homem aparece como uma tarefa simultânea:

Tudo isso é possível se, juntamente com transformar a estrutura econômica, se trabalhar com o mesmo ardor em transformar o homem. Não cremos que o homem se torne automaticamente menos egoísta, porém dizemos que, estabelecido um fundamento econômico-social de igualdade, é possível trabalhar mais seriamente pela solidariedade humana do que numa sociedade desgarrada pelas desigualdades.

A atitude dos cristãos estará baseada em que, para eles, a aceitação do reino passa pela construção de uma sociedade justa:

Se nosso país dá um grande combate à miséria, os cristãos, que devem estar nisso de cheio, sentirão que o que se vier a conseguir já é uma primeira realização do reino proclamado por Jesus. Por outras palavras, que hoje o evangelho de Cristo passa pelo esforço de muitos homens e nele se encarna para fazer justiça.60

Por seu lado, o MOAC (Movimento Operário de Ação Católica) declara a propósito do novo regime chileno:

Este fato constitui uma grande esperança e uma grande responsabilidade para todos os trabalhadores e suas organizações: colaboração ativa e vigilante para que tornemos realidade uma sociedade mais justa que permita a libertação integral dos oprimidos por um sistema desumano e anticristão, como é o capitalismo.61

Mais recentemente, numeroso grupo de sacerdotes fez clara opção pelo processo socialista que se vive no Chile:

O socialismo, caracterizado pela apropriação social dos meios de produção, abre caminho a uma nova economia que possibilita um desenvolvimento autônomo e mais acelerado, superando assim a divisão da sociedade em classes antagônicas. Entretanto, o socialismo não é só uma nova economia: deve também gerar novos valores que possibilitem o surgimento de uma sociedade mais solidária e fraterna, na qual o trabalhador assuma com dignidade o papel que lhe compete. Sentimo-nos comprometidos neste processo em andamento e queremos contribuir para seu êxito. A razão profunda deste compromisso é nossa fé em Jesus Cristo, que se aprofunda, renova e toma corpo segundo as circunstâncias históricas. Ser cristão é ser solidário. Ser solidário neste momento no Chile é participar no projeto histórico traçado por seu próprio povo.62

De forma muito significativa, os bispos peruanos, “ante o surgimento de governos que pretendem implantar em seus países sociedades mais justas e humanas”, propunham em documento dirigido ao Sínodo dos bispos, “que a Igreja se comprometa em lhes dar apoio, contribuindo para derribar preconceitos, reconhecendo suas aspirações e alimentando-os na busca de um caminho próprio para uma sociedade socialista”.63

Finalmente, o processo de libertação requer a participação ativa dos oprimidos. Este é, por certo, um dos mais importantes temas nos textos da Igreja latino-americana. A partir da verificação da aspiração, geralmente frustrada, das classes populares a participarem das decisões que afetam a sociedade global64, chega-se a compreender que aos pobres é que toca o papel de protagonista em sua própria libertação: “primeiro aos povos pobres e aos pobres do povo é que compete realizar sua própria promoção”65. Repelindo todo tipo de paternalismo, afirma-se que “a transformação social não é mera revolução para o povo, mas o próprio povo — mormente os setores camponeses e operários, explorados e injustamente marginalizados — é que deve ser agente de sua própria libertação”.66 Essa participação exige tomada de consciência, por parte dos oprimidos, da situação de injustiça.

A justiça e, consequentemente, a paz — declaram os bispos latino-americanos — são conquistadas por uma ação dinâmica de conscientização e de organização dos setores populares, capaz de urgir todos os poderes públicos muitas vezes impotentes em seus projetos sociais por falta de apoio popular.67

Entretanto, as estruturas atuais impedem a participação popular e geram a marginalização das grandes maiorias, que não encontram tampouco meios de expressão para suas reivindicações.68 Em consequência, sente-se instada a Igreja a dirigir-se diretamente aos oprimidos — em vez de apelar para os opressores —, convocando-os a tomarem as rédeas de seu próprio destino, comprometendo-se a apoiá-los em suas reivindicações, dando-lhes oportunidade de expressá-las e expressando-as ela própria.69 Em Medellín foi aprovado precisamente , como linha pastoral, “alentar e favorecer todos os esforços do povo por criar e desenvolver suas próprias organizações de base, pela reivindicação e consolidação de seus direitos e pela busca de uma verdadeira justiça”.70

23 É notório o caso de excomunhão de três altos funcionários do governo paraguaio (um ministro e dois chefes de polícia) pelo episcopado desse país. Ato insólito em nossos dias. O que, porém, ainda é mais insólito é que haja sido feito em detrimento dos que estão no poder e pretendem defender a civilização “ocidental e cristã”: Los sucesos de octubre en Assunción: Spes (Montevidéu) 3 (1969) 6-9; e Paraguay: conflicto iglesia-estado. Informe especial. Centro de documentación MIEC-JECI, Montevidéu 1969 (mimeo).

24 Norman Gali relata alguns destes casos em La reforma católica: Mundo nuevo (Junho 1970) 2o-43.

25 Bom número desses textos foram recolhidos em Signo de renovación. Lima 1969. Consultar também os Documentos publicados em Medellín: la iglesia nueva: Cuadernos de marcha, Montevidéu (setembro 1968), e numa publicação mais recente Iglesia latino-americana, protesta o profecia? Buenos Aires 1969; e também Los católicos postconciliares en la Argentina. Buenos Aires 1970. Utilizaremos apenas os textos dos três últimos anos.

26 XXXVI Asamblea episcopal del Peru, 1969, em Signos de renovación (daqui por diante citaremos Signos), 258. A mesma ideia em Mensaje a los pueblos de América latina, em II Conferencia geral del episcopado latino-americano: La iglesia en in actual transformación de América latina a la luz del concilio Vaticano II, Bogotá, 1968, 33 (daqui diante citaremos Medellín) e no discurso de D. Helder Câmara na X Reunião do CELAM (1966) em Signos, 48ª. Ver também Los cristianos y el poder: documento de laicos y sacerdotes de Santa Fe. Argentina, 1968, em Iglesia latinoamericana, protesta o profecia?, 121-122 (citaremos apenas Iglesia latinoamericana); Carta de sacerdotes tucumanos al arzobispo de Buenos Aires, 1969, em op. cit., 137; La iglesia en el proceso de transformación: documento de laicos, sacerdotes, religiosos y obispos reunidos en Cochabamba, 1968, em op. cit., 154; Carta pastoral del episcopado mexicano sobre el desarrollo e integración del país, México, 1968, 9 e 12.

27 Conclusões da primeira semana de pastoral de conjunto em El Salvador (junho 1970), NADOC 174, 2. “A primeira coisa que a Igreja tem a fazer é confessar publicamente o seu pecado.” Declaração geral do Encuentro sobre el hombre nuevo do “Movimento estudantil cristão de Cuba”, Spes 4 (1969), 3.

28 Paz, em Medellín, 72; e é preciso sublinhar que não se trata de frase dita de passagem; todo o documento é construído sobre esse enfoque. Cf. também Mensaje de los obispos del tercer mundo, Signos, 28ª. Na Declaración del II Seminario de sacerdotes latino-americanos organizado por ILADES, 1970, denuncia-se que a injustiça “pôs a seu serviço a legalidade e a ordem”, NADOC 122, 3. “Pensemos na grande dose de violência que tal situação comporta para os que a sofrem, sobretudo se consideramos que, enquanto teoricamente se lhe reconhecem os direitos, na prática lhes são eles negados na atual ordenação econômica social”: Carta pastoral de adviento de monseñor Parteli y su presbterio, Montevidéu 1967, 11. Para um comentário ao texto de Medellín sobre a violência institucionalizada, consultar G. ARROYO, Violencia institucionalizada en América latina, Mensaje 175 (1968), 534-544. Cf. também P. BIGO, Enseñanza de la iglesia sobre la violencia, Mensaje 174 (1968), 574-578.

29 Em Carta ao presidente do Brasil, 1965, o bispo de Santo André e seu clero denunciam, entre outras coisas, que o desemprego “ameaça de morte, mesmo de morticínio, a milhares de trabalhadores”, em Iglesia latinoamericana, 174. Ver especialmente América Latina, continente de violencia, carta afirmada por mais de mil sacerdotes latino-americanos em Signos, 103s. Di-lo também um episcopado considerado moderado: Carta pastoral del episcopado mexicano... 1968, 10-21.

30 Paz, em Medellín, 72.

31 “América latina, continente de violencia”, Signos, 106a.

32 Paz em Medellín, 71; ver também ibid, 65. Cf. igualmente “Justicia”, em Medellín, 52, e H. CÂMARA, op. cit., Signos, 50a; Opresión social y silencio de los cristianos, declaração de sacerdotes de San Juan, Argentina 1969, em Iglesia latinoamericana, 141.

33 Declaración de 300 sacerdotes brasileños, 1967, em Signos, 156b, Cf. também Carta de 120 sacerdotes de Bolivia a su conferencia episcopal, 1970, em NADOC, 148, 2. Sobre a negação de Deus implicada na injustiça, ver Nordeste. Desenvolvimento sem justiça, Ação Católica operária, Secretariado regional do Nordeste, Recife, 1967, especialmente p. 78.

34 Paz, em Medellín, 65-69.

35 Presencia de la iglesia en el proceso de cambio en América latina. Departamento de Acción Social del CELAM, Itapoán 1968, em Signos, 37-40. Cf. Comunicado de 38 sacerdotes de América latina sobre la encíclica Populorum Progressio, Santiago do Chile 1967, em ibid., 91; Comentario sobre el documento de trabajo de la Camferencia episcopal latinoamericana de Medellín (Movimentos de apostolado leigo da América latina), 1968, em ibid., 218a; II Encuentro del grupo sacerdotal de Golconda (Colômbia), em ibid., 107; Los cristianos y el imperialismo, declaração de católicos e protestantes bolivianos, 1969, em Iglesia latinoamericana 167; II seminario de ILADES, 1970, em 122, 2 e 3; Conclusiones de la Comisión ecuatoriana de justicia y paz, dezembro 1970, em NADOC, 191 (1971).

36 Orientaciones del encuentro regional andino de justicia y paz (Peru), 1970, em NADOC, 147, 2 (ver todo o documento). A situação política de Cuba é muito diferente da dos outros países latino-americanos; é por isso interessante reproduzir o que nessa ordem de ideias dizem os bispos cubanos, depois de vários anos de silêncio, a propósito das dificuldades para o desenvolvimento. Afirmam: “Dificuldades internas, originadas na novidade da problemática e em sua complexidade técnica, enquanto produtos também das deficiências e pecados dos homens; porém, em não menor proporção, dificuldades externas, vinculadas à complexidade, que condicionam as estruturas contemporâneas das relações entre os povos, injustamente desvantajosas para os países fracos, pequenos, subdesenvolvidos — eis o caso do bloqueio econômico a que se viu submetido nosso povo, cujo prolongamento automático acumula graves inconvenientes a nossa pátria”: Comunicado da Conferência episcopal de Cuba, 10 de abril de 1969, em SEDOC (setembro 1969), 350.

37 Juventud y cristianismo en América latina, Bogotá, 1969, 23.

38 Presencia activa de la iglesia en el desarrollo y la integración de América latina (assembleia extraordinária do CELAM, Mar del Plata 1966), Bogotá, 1967.

39 Deslocamento muito bem observado por H. BORRAT, El gran impulso, Víspera 7 (1968), 9.

40 Mensaje de obispos del tercer mundo, 1967, em Signos, 19b.

41 Carta de 120 sacerdotes de Bolivia a su conferencia episcopal, 1970, em NADOC, 148, 2. “Desde há algum tempo, porém, está sendo gerado novo elemento neste panorama de miséria e injustiça. É o fato de uma rápida tomada de consciência de um povo explorado que intui e verifica as possibilidades reais de sua libertação. Para muitos, essa libertação é impossível sem uma mudança fundamental nas estruturas socioeconômicas de nosso continente. Não poucos consideram já esgotadas todas as possibilidades de alcançá-lo por meios puramente pacíficos”: América latina, continente de violencia, em Signos, 105b.

42 Educación, em Medellín, 94.

43 Justicia, em Medellín, 52. A noção de libertação acha-se com frequência também em outros documentos de Medellín (Mensaje, Introducción, pastoral de élites, pobreza etc.). Ver também XXXVI Asamblea episcopal del Perú, em Signos, 255-261; Comunicado de 38..., em ibid., 91 a; II Encuentro... Golconda, em ibid., 108a; Conclusiones del II Encuentro nacional de ONIS, em Movimiento sacerdotal ONIS: Declaraciones; Centro de estudos e publicações, Lima 1970, 29 (a partir daqui citaremos ONIS, Declaraciones). Esta é uma ideia constante nos documentos de ONIS.

44 Cardeal J. Landázuri, Discurso de clausura de la II Conferencia episcopal latinoamericana, em Signos, 249b.

45 Cardeal J. Landázuri, Discurso en la universidad de Notre Dame, 1966, em Signos, 81b.

46 Los cristianos y el poder, em Iglesia latinoamericana, 120; cf. Declaraciones de sacerdotes peruanos, 1968, em Signos, 101 b.

47 Encuentro regional andino de Justicia y paz, 1970, em NADOC, 42.

48El presente de la transformación nacional, em ONIS Declaraciones 42; ver todo o documento e também Declaración ante problemas laborales, em op. cit., 36. Sobre a rejeição do capitalismo ver também Carta pastoral adviento..., Montevidéu, 1967, 7-8.

49 Declaración ante problemas laborales, em ONIS Declaraciones, 37. Cf. Evangelio y exploración, Declaración de sacerdotes y laicos del Chaco, 1968, em Iglesia latinoamericana, 126; Hacia una sociedad más justa, Declaración de laicos y sacerdotes de Corrientes, 1968, em ibid., 116; ISAL en Bolivia; pronunciamiento ante las guerrillas de Teoponte, 1970, em NADOC, 157, 6-7.

50 “Se as políticas econômicas e sociais seguidas nos últimos quinze anos não permitiram resolver o problema da pobreza na América Latina, isto se deve à própria concepção do desenvolvimento em que se inspirou. Seu objetivo consistiu em fazer passar cada um dos países deste continente de um tipo de sociedade pré-industrial a um tipo capitalista, moderno. Assim, porém, limita-se o problema a mero aspecto técnico, deixa-se de lado sua dimensão humana, deixam-se intactas as fontes profundas da injustiça”: P. MUÑOZ VEGA, arcebispo de Quito, Hora del cambio de estructuras y justicia social (13 de setembro de 1970), em NADOC, 171, 5. Cf. II seminario de ILADES, em NADOC, 122, 5.

51 No reconstruyamos la injusticia, ONIS, declaração no jornal Expreso, Lima, 27 de julho de 1970, 8. Mais acima o documento refere-se à tenacidade da dominação e a seu recurso à modernização para manter-se.

52 Cf. Cardeal J. Landázuri, Discurso en la universidad de Notre Dame, 1966, em Signos, 81; Mensaje de los obispos..., em ibid., 20 a, Declaración de sacerdotes peruanos, 1968, em ibid. 99; Carta de 80 sacerdotes bolivianos, 1968, em ibid. 160. “É indubitavelmente impossível superar esta situação sem uma verdadeira revolução que produza o deslocamento das classes dirigentes de nosso país, por cujo intermédio se exerce a dependência exterior”: II Encuentro Golconda”, em op. cit., 108; Conclusiones del II Encuentro nacional de ONIS, outubro 1969, em ONIS Declaraciones, 29s.

53 “É facílimo agitar o comunismo contra os que, mesmo sem laço algum com o partido ou a ideologia marxista, ousam descobrir as raízes materialistas do capitalismo; que ousam observar que, a rigor, já não existe socialismo no singular, porém socialismos e capitalismos no plural”: H. Câmara, art. cit., em Signos, 53. “Surge também, em certos ambientes, o temor, a suspeita ou a acusação de ‘comunismo’. Parece-nos não ser o momento para nos dar ao luxo do comunismo no Peru. Efetivamente, quando a consciência social, ou a autêntica consciência nacional, é só patrimônio de alguns poucos, e quando a desigualdade econômica, a desintegração cultural e a exploração afetam a imensa maioria, é ingênuo ou imoral tachar de ‘comunismo’ certos esforços, certos êxitos ou certas tendências”: El presente de la transformacion nacional, em ONIS Declaraciones, 42 (ver todo o documento).

54 II Encuentro... Golconda, em Signos, 12 a.

55 Coincidencias básicas, em Sacerdotes para el tercer mundo, Buenos Aires 1970, 69. É também a opção de ISAL — Bolívia. Ver NADOC 147 (1970) 6, e Presentación de ISAL al ampliado COB, maio 1970 (mimeo), 1. “Um novo homem, uma nova sociedade não podem ser procurados por vias capitalistas, porque os móveis inerentes a todo tipo de capitalismo são o lucro privado e a propriedade privada para o lucro. Não se liberta o oprimido tornando-se capitalista. Um novo homem e uma nova sociedade somente serão possíveis quando o trabalho for efetivamente considerado a única fonte humana de utilidade, quando o incentivo fundamental da atividade econômica do homem for o interesse social, quando o capital for subordinado ao trabalho e, portanto, quando os meios de produção forem de propriedade social”: Propriedad privada y nueva sociedad, declaração de ONIS, Peru, no jornal Expreso, Lima, 17 de agosto de 1970. Ver também Mensaje de los obispos..., em Signos, 24a. “O homem verdadeiramente novo é aquele que se sente chamado à ação diária de criar um presente e um futuro melhores, que luta por eliminar a pobreza e a marca da injustiça, a discriminação, a exploração e todo ato de opressão, elementos característicos da sociedade capitalista”: Declaración del MEC de Cuba, Spes 4 (1969), 3.

56 Protección y transformación de la iglesia en Latinoamérica (conferência pronunciada a 17 de maio de 1970), em Confrontación de los obispos mexicanos: CIP-Documenta (Cuernavaca), 7 (1970) 4. No mesmo número apresentam-se as reações do arcebispo de Puebla e a polêmica produzida pela conferência do bispo de Cuernavaca. Cf. também as declarações de Mons. Gerardo Valencia à CENCOS (México) em 10 de fevereiro de 1970: “Definitivamente me proclamo, com meus companheiros de Golconda, revolucionário e socialista, porque não podemos permanecer indiferentes ante a estrutura capitalista que está levando a população da Colômbia e da América Latina à mais tremenda das frustrações e à injustiça”.

57 Cf. a esse respeito a posição matizada — abrindo porém a possibilidade de um interessante diálogo — de D. Jorge Manrique, arcebispo de La Paz, em El socialismo y la iglesia de Bolivia, exortação pastoral de 9 de outubro de 1970, NADOC, n. 175. Nas conclusões de seu terceiro encontro nacional ISAL-Bolívia, esclarece o que entende por socialismo e conclui: “Não há portanto terceiros caminhos para o socialismo que não sejam os do próprio governo socialista do povo” (23 de fevereiro 1971).

Como se sabe, Paulo VI iniciou uma atitude de abertura orientada a melhor compreender o socialismo, ao distinguir nele “diversos níveis de expressão: uma aspiração generosa e a busca de uma sociedade mais justa, os movimentos históricos que têm uma organização e um fim político, uma ideologia que pretende dar uma visão total e autônoma do homem”: Octogesima adveniens, n, 31.

58 Cf. por exemplo Mensaje de los obispos del tercer mundo, em Signos, 23. 24. O arcebispo de La Paz propugna uma nova ética cristã que deve “reconhecer que o trabalho é mais importante que a propriedade, no uso dos bens materiais... Assim, todo sistema de propriedade deve ser avaliado segundo sua capacidade de humanizar a vida e os labores do homem trabalhador”: Enfoque de la nueva ética cristiana (carta pastoral), CIDOC 224 (1970), 4.

59 Propriedad privada y nueva sociedad, declaração de ONIS, no jornal Expreso, 17 de agosto de 1970. Cf. também Declaración de ONIS sobre reforma agraria, em Iglesia latinoamericana, 335-336; em Sacerdotes para el tercer mundo, 70. Tudo isto redefine a chamada doutrina social da Igreja. Cf. Carta pastoral del episcopado mexicano, 1968, 21. Sobre o sentido que pode ter hoje a doutrina social, consultar as reflexões de A Manaranche, Y a-t-il une étique Paris, 1969; e L. Velaochaga, La doctrina social de la iglesia, Expreso, Lima, 16 de agosto de 1970.

60 El presente de Chile y el evangelio, Santiago do Chile 1970 (mimeo).

61 Em CIDOC 254 (1970). Cf. também o pronunciamento do bispo de Puerto Montt, D. Jorge Hourton, sobre o resultado da eleição presidencial, em CIDOC 251 (1970), e o comunicado da ação católica rural, em CIDOC 225 (1970).

62 Comunicado a la prensa de los sacerdotes participantes en las jornadas Participación de los cristianos en la construcción del socialismo en Chile no jomal El Mercurio, Santiago do Chile, 17 de abril de 1971.

63 Documento sobre la justicia en el mundo, de agosto de 1971, n. 11. Cf. sobre isto os artigos de Ricardo Antoneich no jornal Expreso, set.-out. 1971.

64 Cf. Presencia de la iglesia... Itapoán, 1968, em Signos, 45b.

65 Mensaje de los obispos..., em Signos, 26a; “Devem contar consigo mesmos e com as próprias forças antes que com a ajuda dos ricos”: op. cit., 26a: devem unir-se op. cit., 28a; e defender seu direito à vida: op. cit., 28b. Cf. também Conclusiones de la XXXVI Asamblea episcopal del Perú, 1969, em Signos, 257b; Declaración de ISAL, NADOC, 147, 7; Chile, voluntad de ser, Comitê permanente dos bispos do Chile 1968, 11 c.

66 Conclusiones del II Encuentro nacional de ONIS, em ONIS Declaraciones, 29; ver também op. cit., 24 (sobre a participação do camponês na reforma agrária), e No reconstruyamos la injusticia, declaração de ONIS no jornal Expreso, Lima, 27 de julho de 1970. Cf. Carta pastoral del episcopado mexicano... 1968, 22, 37, 49-50.

67 Paz, em Medellín, 73: ver também 66-67 e ONIS Declaraciones, 29-37.

68 Conclusiones de la XXXVI Asamblea episcopal del Perú, em Signos, 256b e também 257a. Cf. por exemplo Comunicado de 38 sacerdotes... em op. cit., 91b; e as Denuncias de laicos y sacerdotes de Santa Fe, em Iglesia latinoamericana, 121. “O fato de se haver recorrido a gestos como a tomada de igrejas como meio de expressão da classe trabalhadora evidencia ainda mais a orientação da imprensa e de outros órgãos de expressão, de propriedade dos grupos de poder econômico, e portanto porta-vozes de seus interesses; faz ver também como marginalizam as classes populares, calando-lhes as reivindicações, ocultando e silenciando seus reclamos, conflitos trabalhistas e outros acontecimentos”; Declaración de sacerdotes peruanos ante problemas laborales, em ONIS Declaraciones, 35. Ver também Carta pastoral del episcopado mexicano..., 1968, 12-14 e 35. O paternalismo e a marginalização dos pobres existem também na Igreja: cf. Declaraciones de laicos argentinos, 1968, em Iglesia latinoamericana, 109.

69 “Esperamos que a Igreja também se dirija aos que são vítimas das estruturas injustas e aos órgãos que os representam” (Declaración de laicos del Perú, 1968, em Signos, 178). “Aos nossos irmãos camponeses e trabalhadores dizemos que faremos tudo o que estiver a nosso alcance para alentar, promover e favorecer todos os seus esforços”. (XXXVI Asamblea episcopal del Perú, 1969, em Signos, 258).

70 Paz, em Medellín, 75.

 

 

“Uma segunda linha de força nos textos que examinamos é a exigência de uma evangelização conscientizadora.

A nós pastores da Igreja — declaram os bispos de Medellín — compete educar as consciências, inspirar, estimular e ajudar a orientar todas as iniciativas que contribuam para a formação do homem.82

Essa tomada de consciência de estar oprimido e ser dono do próprio destino, outra coisa não é mais que a consequência de uma evangelização bem entendida:

Reconhecendo que talvez a deficiente apresentação da mensagem cristã tenha criado a imagem de ser a religião o ópio do povo — declaram sacerdotes peruanos — sentir-nos-íamos agora culpados de grande traição ao desenvolvimento do Peru se calássemos a riqueza doutrinal do evangelho como uma mística revolucionária.83

Com efeito,

o Deus que conhecemos na Bíblia é um Deus libertador que destrói os mitos e as alienações. Um Deus que intervém na história para quebrar as estruturas de injustiça e suscita profetas para assinalar o caminho da justiça e da misericórdia. É o Deus que liberta os escravos (Êxodo), faz cair os impérios e levanta os oprimidos.84 Todo o clima do evangelho é uma reivindicação contínua pelo direito que têm os pobres de fazer ouvir sua voz, ser considerados com preferência na sociedade, e subordinar as razões econômicas às dos mais necessitados. Porventura a primeira pregação de Cristo não é para “proclamar a libertação dos oprimidos”?85

Ao mesmo tempo que o próprio conteúdo da mensagem, a urgência do processo de libertação na América Latina, e a exigência de participação do povo determina “a prioridade de uma evangelização conscientizadora que liberte, humanize e promova o homem... e (que) deverá apoiar-se na revalorização de uma fé viva e de compromisso com a sociedade humana”.86 A mesma ideia em outro texto importante:

Na atual situação da América Latina, a evangelização, no contexto dos movimentos de juventude, está intimamente ligada à conscientização, enquanto é entendida como análise da realidade, com Cristo no centro, em busca da libertação da pessoa.87

Os bispos tomaram em Medellín a resolução de “fazer que nossa pregação, catequese e liturgia, tenham em conta a dimensão social e comunitária do cristianismo, formando homens comprometidos na construção de um mundo de paz”88. Assinala-se que essa evangelização conscientizadora é uma forma de “serviço e compromisso para com os mais desprovidos; para esses precisamente deverá dirigir-se preferentemente a ação evangelizadora, não só pela necessidade de conhecê-los em sua vida, senão ainda para ajudá-los a tomarem consciência de sua própria missão, cooperando em sua libertação e desenvolvimento”;89 aos oprimidos, portanto, é que deve a Igreja dirigir-se, não tanto aos opressores; isto, aliás, dará um verdadeiro sentido ao testemunho de pobreza da Igreja; “a pobreza real da Igreja não será verdadeira se não atender à evangelização dos oprimidos como à primeira de suas obrigações”.90

82 Paz, em Medellín, 75.

83 Declaración de los sacerdotes peruanos”, 1968, em Signos, 95b. “A falta de uma autêntica evangelização faz que as atitudes religiosas do nosso povo constituam frequentemente um freio do dinamismo pessoal e do desenvolvimento integral. Urge por isso apresentar a fé como fator de mudança para uma sociedade mais justa e humana”: II Encuentro... Golconda, 1968, em Signos, 113b. Carta pastoral del episcopado mexicano.... 1968, 16-17.

84 Manifesto de la iglesia metodista de Bolivia, 1970, em NADOC, 140, 3. Esse mesmo documento assinala a necessidade de um trabalho de conscientização: “A formação de uma consciência crítica no povo boliviano... é parte da missão que Deus nos confiou”: ibid., 6. Na linha de libertação veem-se as possibilidades de um autêntico ecumenismo: “Cremos que as Igrejas cristãs podem dar uma mensagem comum nestes momentos decisivos, fazendo perceber o amor que vem de Deus sobre todos os homens a dignidade do ser humano, e convocando à luta por um Peru mais justo”: Llamado a las iglesias, do Comité Ecuménico de Igrejas de Lima, 1969, em NADOC, 59.

85 Evangelio y subversión, manifesto de 21 padres de Buenos Aires, 1967, em Iglesia latinoamericana, 106.

86 Documento de la Asamblea pastoral de la diócesis de Salto, Uruguai 1968, em Iglesia latinoamericana, 373. “A Comissão deve contribuir para despertar em todo o povo de Deus a consciência da gravidade e urgência do processo de libertação, de modo que a ação da Igreja seja orientada para essa mudança e sua participação ativa nela”: Orientaciones del encuentro regional andino de Justicia y Paz, Peru, 1970, 147, 4.

87 Juventud y cristianismo... (DEC), Bogotá 1969, 35. Cf. também Pastoral indigenista en México (Documento final primeiro encontro pastoral sobre a missão da Igreja nas culturas aborígenes, departamento de missões do (EAM, janeiro 1970), Bogotá, 1970, 40-42.

88 Paz, em Medellín, 75.

89 Asamblea pastoral... Salto, Uruguai 1968, em Iglesia latinoamericana, 374.

90 Op. cit., 377. Cf. Pobreza, em Medellín, 210.

 

 

“É impossível doravante não encarar os problemas que surgem de uma divisão entre cristãos que adquire estas dramáticas características. Os líricos apelos à união de todos os cristãos, sem levar em conta as causas profundas da atual situação e as condições reais de construção de uma sociedade justa, não passam de evasão. Encaminhamo-nos desta forma para nova concepção da unidade e comunhão na Igreja. Trata-se não de um fato adquirido de uma vez, mas de algo sempre em processo, algo que se conquista com valentia e liberdade de espírito, ao preço, muitas vezes, de dolorosos dilaceramentos. Para esses dilaceramentos devem todos estar preparados na América Latina.

Na América Latina, deve a Igreja situar-se num continente em processo revolucionário, onde está presente a violência de diferentes maneiras. Em face dele é que sua missão se define prática e teoricamente, pastoral e teologicamente. Vale dizer, mais pelo fato político contextual do que por problemas intraeclesiásticos, pois sua maior “omissão” consistiria exatamente em retrair-se em si mesma. As opções que — com as limitações assinaladas — vai fazendo a comunidade cristã colocam-na cada vez mais nitidamente ante a disjuntiva que se vive atualmente no continente: pró ou contra o sistema, ou, mais sutilmente, reforma ou revolução. São muitos os cristãos que resolutamente optaram pelo difícil caminho da revolução. Ante esta polarização, poderá a Igreja ir mais à frente sem sair do que é tradicionalmente considerado como sua missão específica?

Para a Igreja latino-americana, estar no mundo sem ser do mundo significa concretamente e cada vez mais claramente estar no sistema sem ser do sistema. É, com efeito, evidente que só um rompimento com a ordem injusta atual e um franco compromisso em prol de uma nova sociedade tornará crível aos homens da América Latina a mensagem de amor de que é portadora a comunidade cristã. Esta exigência deve levá-la a profunda revisão do modo de pregar a palavra, de viver e celebrar a fé.

Estreitamente unido ao problema anterior, há outro muito discutido: deve a Igreja arriscar sua influência social em favor da transformação social da América Latina? Muitos se preocupam com os que propugnam uma Igreja empenhada na obtenção das necessárias e urgentes mudanças.8 Teme-se que, após haver estado ligada à ordem reinante, se comprometa a Igreja com a seguinte, reputada mais justa. Teme-se também que este empenho termine em ruidoso malogro: o episcopado latino-americano não tem posição unânime nem dispõe dos meios necessários para orientar o conjunto dos cristãos em avançada linha social.9

Não se pode negar a pertinência de tal observação. Há de fato um grande risco. Mas a influência social da Igreja é um fato maciço. Não arriscá-la em favor dos oprimidos da América Latina é fazê-lo contra eles, e é difícil fixar de antemão os limites dessa ação. Não falar é constituir-se em outro tipo de Igreja do silêncio, silêncio em face da espoliação e exploração dos débeis pelos poderosos. Por outro lado, a melhor maneira para a Igreja romper seus laços com a ordem presente — e perder assim esse ambíguo prestígio social — não seria, exatamente, denunciar a injustiça fundamental em que está baseada? Só ela está em condições de erguer publicamente sua voz e seu protesto. Quando algumas igrejas começaram a fazê-lo foram hostilizadas pelos grupos dominantes e reprimidas pelo poder político.10 Para refletir sobre o que incumbe à Igreja latino-americana fazer, e atuar em consequência, é necessário ter em conta suas coordenadas históricas e sociais, seu aqui e agora. Omiti-lo é ficar no nível de uma teologia e um compromisso abstratos e a-históricos; ou talvez de uma teologia mais cuidadosa de não repetir erros passados que de ver a originalidade da presente situação e comprometer-se com o amanhã.”

8 Cf. as penetrantes análises de J. L. Segundo, Hacia uma iglesia de izquierda? e R. Cetrulo, Utilización política de la iglesia: PD (abril 1969) 35-39 e 40-44, respectivamente.

9 H. Borrat observa como as esperanças despertadas no papel da Igreja-instituição por Medellín começam a mudar-se em frustração desassossego, em La iglesia, para qué?; CS (1970, primeiro fascículo) 14.

10 C. Aguiar fala da possibilidade, na América Latina, de um estilo diferente de “Igreja subterrânea”, subterrânea diante do poder político, não do eclesiástico (como nas Igrejas de países opulentos), e prevê a necessidade de uma teologia da perseguição que pode fazer “reencontrar o sentido da cruz, perdido há tempos”: — Tendances et courants actuels du catholicisme latino-américain: IDOC-Internacional 30 (1970), 18. Isso, porém, não virá só da radicalidade do compromisso., H. Borrat afirma, com perspicácia e humor, que “a Igreja vai pagar um preço muito oneroso pelo noviciado revolucionário de alguns de seus membros... É fácil prever que durante os anos 70 nenhum grupo social aparecerá tão exposto quanto a Igreja ante os organismos repressivos. Poucos são ingenuamente obstinados, como certos grupos de vanguarda dentro dela, em publicar sua condição subversiva, em professar a violência antes de exercê-la, em entregar-se gratuitamente aos adversários políticos”: art. cit., 12.

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