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domingo, 22 de maio de 2022

Projeto nacional: o dever da esperança (Parte II), de Ciro Gomes

Editora: LeYa

ISBN: 978-65-5643-003-4

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 272

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Sinopse: Ver Parte I

 

Quando fui chamado por Itamar para assumir o Ministério da Fazenda, a inflação projetada para o mês estava em 3%, além de haver ágio estabelecido em certos setores e uma pressão generalizada de desabastecimento na economia brasileira. Nessas circunstâncias, com a capacidade instalada da produção brasileira 100% ocupada trabalhando algumas vezes a três turnos e a taxa de desemprego ao seu menor nível histórico, só havia uma chance de salvar a estabilização e não deixar o Plano Real morrer da mesma doença que matou o Plano Cruzado: um choque de oferta. Então o fiz, explicitamente garantindo que aquilo não era paradigma de política industrial e comércio exterior, apenas uma medida emergencial. Antecipei a vigência da tarifa externa comum do Mercosul e baixei as tarifas alfandegárias naqueles segmentos de produtos em que estava havendo ágio e desabastecimento, portanto, pressão inflacionária. Importando mais barato as mercadorias que o consumidor brasileiro queria comprar, acabamos com o jogo do ágio que quase enterrou o Real.

Recebi naquele momento o câmbio sobrevalorizado e os juros muito altos, que deveriam, como repeti exaustivamente na época, ser expedientes temporários em direção a um novo governo que fosse capaz de, para além do tratamento tópico da febre, que era a inflação, trabalhar a verdadeira infecção, que era o colapso do modelo econômico. Isso evidencia que não estou engessado por interdições ideológicas na gestão econômica que se sobreponham ao interesse nacional brasileiro. Tais expedientes foram, naquele momento, fundamentais para controlar os preços dos produtos afetados pelo dólar e garantir a moeda nascente através do fluxo de dólares para um país sem reservas. Os juros elevados naqueles primeiros meses tinham ainda outra função essencial: proteger o Brasil de uma crise bancária, compensando transitoriamente o inflado sistema bancário nacional, viciado em inflação, pela receita perdida com o antigo ganho inflacionário. Isso garantiria uma transição menos abrupta para o sistema. Sem esse “antibiótico” monetário e cambial, não teríamos conseguido nos livrar das pressões inflacionárias do câmbio e teríamos enfrentado uma crise bancária de consequências imprevisíveis. Poderíamos ter sido derrotados pela memória inflacionária.

Mas não fomos. Fizemos o que era preciso e fomos muito bem-sucedidos naquela missão histórica. A superinflação foi finalmente derrotada. Entreguei o comando da economia a Pedro Malan, o ministro da Fazenda de FHC, com inflação de um dígito e profunda saúde fiscal, tendo ajudado a consolidar o maior superávit primário da história, de 5,21% do PIB.14 Para alcançar este resultado, estados e municípios contribuíram com um superávit de somente 0,77% do PIB.15 O Brasil tinha então uma módica dívida interna de R$61,7 bilhões16 e uma dívida externa de US$119 bilhões.17 O total da dívida líquida consolidada do setor público (a soma das dívidas e dos créditos internos e externos do Estado) em relação ao PIB estava num dos níveis mais baixos dos últimos quarenta anos: 30,01% do PIB.18 Era chegada a hora da segunda fase do Plano, necessária para a estabilização: a limpeza das contas públicas e a elevação das receitas do Estado, que garantissem uma suave mas progressiva desvalorização do câmbio e a diminuição das taxas de juros, criando o círculo virtuoso de crescimento que caracteriza as economias saudáveis.

Porém, com o fim da ciranda inflacionária, a elite brasileira logo viu nas altas taxas de juros o novo imposto para continuar a tirar dos pobres para dar aos ricos: foi o início do vício do rentismo.

 

O Novo Rentismo

Os dois primeiros anos do Real geraram uma bolha de consumo que sustentou a popularidade de FHC no início de seu governo. Com o fim do imposto inflacionário, a população que não tinha como se proteger da inflação experimentou um súbito aumento do poder de compra. Como toda essa “sobra” de dinheiro foi para o consumo, o aumento das importações gerou a necessidade de dólar e fez disparar o seu preço. Isso forneceu a desculpa que o sistema financeiro e a elite viciada em ganhos fáceis queriam para manter os juros mais altos do mundo: atrair dólares para ganhar com nossa dívida, e diminuir o crédito e o consumo para controlar a inflação.

Para minha grande decepção, o partido que eu tinha ajudado a fundar para implantar uma socialdemocracia no Brasil, o PSDB, e o plano econômico que tinha ajudado a consolidar, o Real, se desvirtuaram completamente durante o Governo FHC, se deixando corromper pelos interesses do novo rentismo e pela embriaguez eleitoreira de uma emenda de reeleição obtida por suborno. Logo após a posse, esses novos protagonistas da vida econômica passaram a comandar o governo e a submeter todas as outras frações do capitalismo nacional, cooptando a maioria da classe política. Ou seja, o Plano Real foi uma iniciativa muito séria, mas era como uma espécie de antipirético, um comprimido para febre. Melhor explicando: a inflação não era a doença; era, como as febres, um sintoma das doenças. É preciso tratar a febre alta, mas, controlada a febre, é preciso levar o paciente a identificar a infecção. Essa sim é a doença. A doença era o colapso do modelo e a febre era a inflação. FHC experimentou a popularidade extraordinária do fim da febre e em vez de levar o paciente para a terapia ou cirurgia, levou o paciente para o baile funk, se é possível tratar com bom humor com esse momento crítico de nossa história. (...)

Infelizmente, tudo se deu como denunciei. A estabilização seguiu ancorada nos juros escorchantes e câmbio sobrevalorizado, novos vícios destrutivos da elite nacional dos quais ela não se livrou até hoje. Quando FHC entregou o governo em 2002, o custo médio anual da dívida interna ainda era de 27,6%19 contra uma inflação de 12,53%, o que significava juros reais de cerca de 15%. Quando falo esses números em seminários internacionais, as audiências se recusam a acreditar. Já a política cambial foi, por quatro anos, uma dolarização disfarçada, que, acompanhada de reformas e abertura de mercado, devastou nossa indústria. Quanto ao processo de privatizações, não serviu ao objetivo de modernização ou ajuste das contas públicas, mas somente ao de entregar criminosamente metade do patrimônio público tão arduamente construído por nosso povo durante cinquenta anos em troca de preços irrisórios e títulos podres, que só estavam ali para mascarar a mais vergonhosa doação de riqueza pública. (...)

Ao fim desse período trágico, os números eram impressionantes e resistem a qualquer defesa. Quando FHC toma posse, lembre-se de que eu era ministro da Fazenda no dia anterior, os números eram: de Pedro Álvares Cabral a Itamar Franco, dívida interna bruta de 37% do PIB, com correspondência de financiamento de toda uma poderosa rede de infraestrutura e de estatais. Ativos privatizáveis superiores a US$100 bilhões em telefonia, mineração e distribuição de energia elétrica, por exemplo. Apenas oito anos depois, a dívida pública saltava para 76% do PIB. Nossa carga tributária havia sido elevada de 26% em 1995 para 32,1%,20 e metade de nosso patrimônio construído durante os períodos Vargas, JK e militar (inclusive Petrobras, que tem hoje quase metade de seu capital em posse de investidores nacionais e internacionais) vendida. Haviam achatado os salários do funcionalismo por oito anos e sucateado a infraestrutura do país sem a realização de uma única obra de vulto. Nossa dívida externa tinha saltado para US$220 bilhões,21 e a dívida interna decuplicara em termos nominais, de R$61,7 bilhões para R$623 bilhões,22 elevando a proporção dívida líquida/PIB de 30,01 para 59,93%.23

Naquele período, o país tinha quebrado três vezes e recorrido duas vezes a empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI). A cada vez que o fazia, entregava mais um naco de sua soberania e de seus legítimos interesses de desenvolvimento. Esse enorme aumento de carga tributária foi efetuado não para diminuir as taxas de juros, mas para pagá-las. E é esse governo que segundo parte de nossa imprensa governou com responsabilidade o país.

E isso não era tudo. Segundo estudo do Ipea de 2004, cerca de 20 mil clãs familiares, num país de mais de 200 milhões de habitantes, apropriavam-se de 70% dos juros que o governo pagava aos detentores de títulos da dívida pública.24 Desde então, rigorosamente nada foi feito para mudar esse descalabro moral inédito no mundo. Estava estabelecida uma plutocracia rentista que controlava o sistema político. Quando Lula assina a chamada “Carta aos brasileiros”, era então parte da esquerda brasileira que também se submetia ao modelo.”

14 Banco Central. Disponível em: https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries. Acessado em 18 de maio de 2018.

15 O superávit primário gerado somente pelo governo federal e Banco Central, excetuando-se o das empresas estatais, foi de 3,25% do PIB, também o maior da série histórica.

16 Isso, a valores de hoje, corrigidos pelo IGP-M, equivaleria a R$388,6 bilhões, menos do que o Brasil pagou só de juros em 2017. Ipeadata. Produto Interno Bruto (PIB); Dívida mobiliária interna federal. Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br

17 CERQUEIRA, Ceres Aires. Dívida externa brasileira. Banco Central do Brasil: Brasília, 2003. Disponível em: http://www.bcb.gov.br/htms/Infecon/DividaRevisada/03%20Publica%C3%A7%C3%A3o%20Completa.pdf

18 A dívida pública brasileira. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2005. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/altosestudos/pdf/Livro%20DIVIDA%20PUBLICA.pdf

19 Idem.

20 IBGE. Séries históricas e estatísticas. Carga tributária bruta. Disponível em: http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=SCN49

21 CERQUEIRA, Ceres Aires. Op. cit.

22 Ipeadata. Produto Interno Bruto (PIB); Dívida mobiliária interna federal. Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br

23 Ipeadata. Produto Interno Bruto (PIB); Dívida pública total (líquida). Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br/exibeserie.aspx?serid=38388

24 CAMPOS, A.; BARBOSA, A.; POCHMANN, M.; AMORIN, R.; SILVA, R. Atlas da exclusão social volume 3: Os ricos no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Cortez Editora, 2004.

 

 

“O Governo Lula tentou realizar uma inflexão suave na política econômica, sem abandonar a ortodoxia do chamado tripé macroeconômico (câmbio flutuante,25 metas de inflação e superávit primário). As taxas de juros iniciaram uma trajetória de queda consistente, com a taxa Selic chegando a 10,75% em dezembro de 2010.26 O resultado é que, ao contrário do Governo FHC, foram gerados sucessivos superávits primários, derrubando a relação dívida líquida/PIB para 38,48% no fim de 2010.27

Mas Lula não reverteu o rentismo (manteve as maiores taxas reais de juros do mundo na maior parte de seu governo) nem o processo de desnacionalização e desindustrialização da economia (embora tenha executado políticas importantes, como a de conteúdo nacional da Petrobras, investimentos em refinarias e a reativação da indústria naval). No entanto, Lula escapou não só da estagnação que tem sido o padrão desde 1980 como também da crise econômica de 2008. Por quê? Em minha opinião porque, além da relativa queda das taxas de juros e de políticas industriais setoriais, ele lidou bem com dois fenômenos que herdou:

1) O medo do Governo Lula fez, no fim do Governo FHC, a busca por dólar levar a moeda a ser negociada no dia 17 de outubro de 2002 a R$3,92 (o equivalente a R$11,01 em valores atuais). Seu governo entregou essa taxa, em 31 de dezembro de 2010, a R$1,66 no dólar comercial28 (R$2,49 em valores atuais29). Essa queda, possibilitada pelo grande afluxo de dólar com o valor das commodities e a compra de bônus da dívida pública, criou uma sensação de enriquecimento maior do que a lastreada no avanço do PIB, e uma bolha de consumo felicitante que, ao mesmo tempo, diminuía ainda mais a competitividade de nossa indústria.

2) O déficit crônico nas contas externas brasileiras foi mascarado por uma alta extemporânea do preço das commodities (minério de ferro, petróleo, grãos) no mercado mundial, que cobriu nosso déficit na conta de produtos manufaturados.

A bonança foi bem aproveitada pelo governo para melhorar o perfil da dívida interna e externa, acumular reservas recordes e financiar a retomada do crescimento. Paralelamente, políticas sociais exitosas, assim como o aumento real do salário mínimo, elevaram o poder de consumo de nosso mercado interno. Esse ciclo virtuoso foi interrompido com a maior crise do capitalismo neste século e uma das maiores de sua história, a crise econômica de 2008, da qual o Governo Lula pareceu se sair muito bem, com um choque de crédito governamental que supriu o desaparecimento do dinheiro do mercado causado pelo pânico da crise.

 

A Queda do Preço das Commodities

O início do mandato de Dilma foi marcado pela estagnação mundial causada pela crise econômica de 2008 e por uma série de ações moralizantes e medidas que tinham a intenção de melhorar a competitividade de nossa indústria. Na Petrobras, executou uma mudança completa nos quadros da diretoria, demitindo aqueles que depois viriam a ser denunciados na Operação Lava Jato, provocando a fúria da base fisiológica do Congresso, liderada por Eduardo Cunha.

Para aumentar a produtividade industrial, depois de uma alta nos seis primeiros meses, começou a baixar a taxa básica de juros até a Selic alcançar 7,25%.30 Paralelamente, para incentivar o consumo, pressionou o setor bancário a diminuir o spread31 com os créditos mais baratos oferecidos pelos bancos públicos. Obrigou as prestadoras de energia a baixarem suas tarifas e tentou, via renúncia fiscal, desonerar fiscalmente a indústria.

Esta última medida, além de completamente ineficaz, causou um buraco na arrecadação federal de R$342 bilhões32 entre 2011 e 2015. Esses recursos foram drenados pelas remessas de lucros das multinacionais, pressionadas por suas matrizes no momento agudo da crise, ou ainda diretamente para o bolso do empresariado nacional, que não investiu ou investirá neste país enquanto os juros pagos pelo governo remunerarem mais que a taxa de retorno médio dos negócios, e não tiver garantias da retomada dos investimentos do Estado para alavancar a economia.

No geral, a política econômica do início do primeiro mandato de Dilma fez o país crescer entre 2011 e 2013 a uma média de 3% ao ano, mesmo diante da recessão mundial. Mas então, no começo de 2013, a política de queda das taxas de juros foi abandonada rapidamente sob pressão da mídia e dos bancos, os maiores sócios do rentismo brasileiro, que fizeram uma feroz campanha sobre uma alta inexistente da inflação, a famosa “inflação do tomate”. Essa volta da alta dos juros, somada aos protestos de junho de 2013, selou o futuro do Governo Dilma, sendo uma das principais causas do desequilíbrio fiscal que se agravaria em 2014 e 2015, até chegar ao colapso no Governo Temer.

Como se não bastasse, então outra triste realidade, a da desindustrialização brasileira, novamente bateu à nossa porta. Já tivemos, em 1985, a indústria de transformação responsável por 21,8% do PIB nacional.33 Em 2016, a indústria de transformação respondeu por somente 11,7% do PIB.34 É verdade que a diminuição da participação da indústria no PIB é um fenômeno comum às economias avançadas. Entre 1970 e 2007, a participação da indústria no PIB dos países da Europa Ocidental e países de língua inglesa caiu de 25% para 15%. Mas nós não somos um país desenvolvido. Os apelos a uma economia “pós-industrial” ainda são nada mais que um luxo no discurso de nações altamente industrializadas. Nos países em desenvolvimento da Ásia (incluindo a China), a participação da indústria no PIB praticamente se manteve: foi de 32% em 1970 para 31% em 2007.35 Já nós, chegamos em 2017 a valores correlatos aos que alcançávamos em 1910.36

Enquanto a grande maioria da química fina usada em nossos medicamentos, componentes de nossos carros e computadores continuavam importados, o preço das commodities que sustentavam nosso padrão de consumo e comércio com o exterior despencou, voltando a níveis do início dos anos 2000. Para termos uma ideia, nos primeiros meses do Governo Dilma chegamos a vender nossa tonelada do minério de ferro a cerca de US$190. Em janeiro de 2016, às vésperas da derrubada de Dilma, o Brasil chegou a vendê-lo a US$38.37 O governo reagiu a isso com mais populismo cambial, mantendo nossa moeda sobrevalorizada para deter a inflação, e, diante do agravamento do desequilíbrio, em vez de esclarecer nossa nova situação à população, preferiu escondê-la para disputar as eleições.

Dilma cai com o mesmo filme de FHC em 1999: passadas as eleições de 2014 o Brasil começa a desvalorizar sua moeda, levando a cotação do dólar de cerca de R$2,40 para aproximadamente R$4 em somente um ano. Ou seja, desvaloriza sua moeda em cerca de 40%38 e atira a taxa de juros a 14,25%39 com o ministro Joaquim Levy na Fazenda. O país, que já vivia os impactos econômicos negativos das desonerações e consequente degradação do superávit primário, da crise política e da Operação Lava Jato (que, segundo a Consultoria Tendências,40 derrubou o PIB de 2015 em 2,5%), viveu uma tempestade perfeita.

Uma associação de gângsteres no Congresso, determinados a deter a Lava Jato e a recuperar os espaços para roubar, decidiu não mais deixar Dilma governar a partir da metade de 2015. No momento de crise mais aguda do orçamento, promoveram, com o apoio do então deputado Jair Bolsonaro, uma farra fiscal com uma série de reajustes enormes e irresponsáveis ao Judiciário e ao Legislativo, ao mesmo tempo que impediam o governo de gerar receitas para bancá-las. Isso, somado aos efeitos paralisantes da Lava Jato, à queda das commodities, ao rombo dos juros, ao aumento do desemprego, das recuperações judiciais e falências, nos jogou na mais aguda crise econômica de nossa história e criou as condições políticas para o golpe de Estado que encerrou o mais longo período de normalidade democrática da República e cujos efeitos radicalizantes sentimos até hoje.

Assim terminava no Brasil a era dos governos do PT, deixando um saldo medíocre, resultado de sua falta de projeto nacional de desenvolvimento e covardia em enfrentar os verdadeiros gargalos brasileiros. De um lado, a importante política de recuperação do salário mínimo e o Bolsa Família, que, apesar de ser um programa compensatório e não emancipatório, foi fundamental para que durante algum tempo eliminássemos a miséria absoluta. Do outro, a completa falta de reformas estruturais. O resumo do saldo dessa política pode ser vislumbrado em alguns números frios. O crescimento médio do PIB no Governo FHC foi de 2,3% ao ano, nos governos do PT, 2,6%. A fatia da indústria de transformação no PIB era de 16,9% em 2003, e em 2014, de 10,9%.41 Em 2003, o Brasil era o oitavo país mais desigual do mundo,42 e em 2016, o décimo.43 Segundo estudo de Thomas Piketty,44 concentramos renda entre 2001 e 2015. A fatia da renda nacional apropriada pelos 10% mais ricos da população subiu de 54,3% para 55,3%, enquanto a apropriada pelos 10% mais pobres subiu de 11,3% para 12,3%, e a apropriada pelos 40% intermediários caiu de 34,4% para 32,4%, o que indica que o discurso de um novo país de classe média nunca passou de mera ilusão.”

25 “Câmbio flutuante” é uma forma de se determinar o valor de troca da moeda nacional por outras moedas fundamentalmente na oferta e demanda do mercado. O governo influenciaria o mínimo possível a determinação desse valor, e para evitar flutuações mais bruscas neste lançaria mão de compra e venda de moeda nacional com os recursos de suas reservas internacionais.

26 Banco Central. Histórico das taxas de juros. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/Pec/Copom/Port/taxaSelic.asp

27 Banco Central. Portal de dados abertos. Disponível em: https://www3.bcb.gov.br/sgspub/consultarvalores/consultarValoresSeries.do?method=consultarGraficoPorId&hdOidSeriesSelecionadas=4536

28 Banco Central. Cotações e boletins. Disponível em: http://www4.bcb.gov.br/pec/taxas/port/ptaxnpesq.asp?id=txcotacao

29 Valores de abril de 2018 pelo IGP-M. Banco Central. Calculadora do cidadão. Disponível em: https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirFormCorrecaoValores&aba=1

30 Banco Central. Histórico das taxas de juros. Op. cit.

31 É a diferença entre o preço de compra e venda de uma ação, título ou transação monetária. Geralmente, se refere à diferença entre o juro que o banco paga para receber um capital e o juro que ele cobra para emprestar o mesmo capital, este último certamente maior.

32 Receita Federal. Desonerações instituídas. Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/renuncia-fiscal

33 Em série histórica com metodologia já em desuso e contabilizando a participação da indústria como um todo no PIB, chegou-se a 35,9% em 1980. Fiesp. Panorama da Indústria de Transformação brasileira, 18ª edição, 2019. Disponível em: https://www.fiesp.com.br/indices-pesquisas-e-publicacoes/panorama-da-industria-de-transformacao-brasileira/

34 Fiesp. Panorama da Indústria de Transformação brasileira, 14ª edição, 2017. Disponível em: https://www.fiesp.com.br/indices-pesquisas-e-publicacoes/panorama-da-industria-de-transformacao-brasileira/. Acessado em 18 de maio de 2018.

35 BONELLI, R. & PESSÔA, S. Desindustrialização no Brasil, um resumo da evidência. Rio de Janeiro: FGV, 2010. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/11689/Desindustrializa%C3%A7%C3%A3o%20no%20Brasil.pdf?sequence=1

36 BONELLI, R. & GONÇALVES, R. Para onde vai a estrutura industrial brasileira. Rio de Janeiro: Ipea, 1998. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=3806

37 Vale. Índices de minério de ferro. Disponível em: http://www.vale.com/mozambique/PT/business/mining/iron-ore-pellets/Paginas/Iron-Ore-Indices.aspx

38 Banco Central. Cotações e boletins. Op. cit.

39 Banco Central. Histórico das taxas de juros. Op. cit.

40 COSTAS, Ruth. “Escândalo da Petrobras ‘engoliu 2,5% da economia em 2015’.” BBC Brasil, dez. 2015. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/12/151201_lavajato_ru

41 IBGE. Escolho o ano de 2014 como parâmetro para não contaminar a avaliação com o efeito desindustrializante da Operação Lava Jato.

42 Pnud. Relatório de Desenvolvimento Humano 2005.

43 Pnud. Relatório de Desenvolvimento Humano 2017.

44 MÁXIMO, Wellton. “Desigualdade de renda no Brasil não caiu entre 2001 e 2015, revela estudo.” Agência Brasil, set. 2017. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-09/desigualdade-de-renda-no-brasil-nao-caiu-entre-2001-e-2015-revela-estudo

 

 

“Ainda gostaria de lembrar que a destruição econômica do país não é causada por esses desvios éticos, mas sim por nossa desindustrialização e escoamento de nossos recursos para os juros da dívida interna. Apesar do terrível impacto moral na sociedade, razão pela qual o combate à corrupção não deve ter tréguas, seu impacto no orçamento nacional é extremamente limitado, ao contrário do que a imprensa faz parecer. Mesmo porque a corrupção leva predominantemente um percentual dos recursos para investimento do Estado, e em 2017 os investimentos federais foram previstos em 1,4% do orçamento. Enquanto isso, perdemos quase 10% deles no pagamento de uma das taxas de juros mais altas do mundo.46 A corrupção, sendo uma distorção gravíssima porque destrói a confiança da população no sistema, não é a causa de nosso atraso econômico. Essa é uma narrativa falsa imposta por aqueles que não querem mudar o modelo que fracassa inapelavelmente desde os anos 1980, e que poderia ser perfeitamente chamado de corrupção institucionalizada, pois é o sequestro do Estado e de suas energias por uma minoria de poderosos barões do sistema financeiro. O aumento da corrupção é só mais um sintoma de nossa degradação como sociedade e da percepção generalizada de injustiça e impunidade.”

46 Projeto de Lei Orçamentária Anual – Ploa 2017. Disponível em: http://www.orcamentofederal.gov.br/clientes/portalsof/portalsof/orcamentos-anuais/orcamento-2017/p_ploa

 

 

“Outro componente básico da pior depressão de nossa história é a crise política causada pelo golpe de 2016. Remédio para governo ruim é pressão popular e, no limite, as eleições seguintes. Impeachment em nossa Constituição é um remédio extremo para retirar um presidente contra o qual haja provas de crime de responsabilidade dolosamente praticado no exercício do mandato. É um processo político, pois levado a cabo pelo Congresso Nacional, mas que não pode prescindir do elemento jurídico e legal: a comprovação do crime doloso de responsabilidade. E isso, evidentemente, não inclui uma manobra fiscal (a “pedalada fiscal”) aprovada por pareceres técnicos, executada por um membro do segundo escalão, que é feita todo ano desde FHC e que não envolve dolo ou desvio de recursos.

Não resta mais qualquer dúvida razoável hoje de que o Brasil sofreu um golpe. O uso de uma forma constitucional sem o conteúdo acusatório adequado não torna legal o processo. E hoje sabemos que o mesmo Congresso que se inflamou contra as pedaladas tornou-as legais dois dias depois de afastar a presidente legítima.47 Esse mesmo Congresso negou a autorização para investigação do golpista que ocupou a Presidência da República desonrando nosso país e nosso povo, mesmo diante de malas de dinheiro e confissões de crimes gravadas. O ex-presidente da Câmara e hoje condenado por corrupção Eduardo Cunha, que outrora me processou por tê-lo chamado de corrupto, aceitou e conduziu o pedido de impeachment. Alguns meses depois estava condenado por corrupção e preso na Papuda, e teria delatado, segundo a imprensa,48 deputados que teriam recebido dinheiro para votar pelo impeachment.

Julgo que esse golpe tinha basicamente três interesses poderosos que o levaram a cabo. O primeiro e o mais evidente hoje era o do sindicato dos corruptos que se articulavam em torno de Cunha, e queriam “parar a sangria” da Lava Jato e se livrar da cadeia. O segundo e menos evidente para a população eram os interesses da oligarquia rentista brasileira, que através dos bancos e da mídia queria, num momento agudo de crise econômica, garantir a geração de excedentes a qualquer custo para pagar os juros, o serviço da dívida. Por fim, o último dos interesses poderosos estava mais oculto, e não teríamos como falar abertamente dele hoje se não fossem os documentos revelados por Edward Snowden e Julian Assange, que mostraram, logo antes do início da Lava Jato, a espionagem norte-americana na Petrobras49 e na Presidência da República que foi denunciada por Dilma e Ângela Merkel na Organização das Nações Unidas (ONU).50 Esse interesse queria acabar com a Lei do Pré-sal, colocar a mão em nossas reservas de petróleo, tomar a base de Alcântara, permitir a construção de bases militares norte-americanas na América do Sul, acabar com o Brics e com o financiamento pelo BNDES das empresas brasileiras que atuam no exterior. Não surpreende, nem um pouco, que todos esses interesses tenham sido promessas de campanha do homem que atualmente ocupa a Presidência da República.”

47 “Após impeachment, Senado transforma pedaladas fiscais em lei.” Jornal do Brasil, set. 2016. Disponível em: https://www.jb.com.br/index.php?id=/acervo/materia.php&cd_matia=820982&dinamico=1&preview=1

48 “A lista de Eduardo Cunha.” O Globo, jul. 2017. Disponível em: http://noblat.oglobo.globo.com/meus-textos/noticia/2017/07/lista-de-eduardo-cunha.html. Acessado em 18 de maio de 2018.

49 “EUA espionaram Petrobras, dizem papéis vazados por Snowden.” BBC Brasil, set. 2013. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/09/130908_eua_snowden_petrobras_dilma_mm

50 CORRÊA, Alessandra. “ONU aprova resolução contraespionagem apresentada por Brasil e Alemanha.” BBC Brasil, dez. 2013. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/12/131218_onu_espionagem_ac

 

 

De Novo a Devastação do Neoliberalismo

O déficit público em 2014 inteiro, que motivou a campanha da mídia por um representante da banca na Fazenda, foi de R$17 bilhões. Diminuir em um ponto os juros médios teria provavelmente resolvido o problema. Mas Dilma cedeu e resolveu aplicar a maior parte do programa contra o qual se bateu e derrotou na eleição para que a banca e a mídia aplacassem a direita radicalizada. Promoveu um choque de juros e tarifas públicas assim que fechadas as urnas e nomeou Joaquim Levy, funcionário do Bradesco e egresso da Universidade de Chicago, para administrar a economia brasileira. Esse foi, certamente, um dos maiores estelionatos eleitorais a que pude assistir durante minha vida política. Seus efeitos deletérios para a crença na democracia representativa e a reputação da esquerda serão ainda sentidos por muitos anos. Como explicar agora à população que o que o PT aplicou de fato em 2015 foi o receituário neoliberal?

Com o Brasil em recessão, crise política e setores inteiros da indústria paralisados pela Lava Jato, Levy (que depois veio a se tornar presidente do BNDES no Governo Bolsonaro) jogou querosene para apagar o fogo da crise, cortando investimentos e mantendo os maiores juros reais do mundo. Ao fazê-lo, colapsou as contas de 2015, levando o setor público a comprometer assombrosos 8,4% do PIB nacional em pagamento de juros, ou R$501,8 bilhões, o recorde da história brasileira.51

Com o golpe consumado em abril de 2016, os golpistas dobraram a aposta no neoliberalismo nomeando Henrique Meirelles (que tinha sido por oito anos presidente do Banco Central do Governo Lula) ministro da Fazenda. O novo governo tentou acertar o rombo fiscal causado por queda de receita com mais corte de investimentos. O resultado está aí.

Em 2016, o serviço da dívida levou 44% do orçamento federal. Em 2017, levou cerca de 49% de um orçamento de R$3,5 trilhões, ou seja, R$1,72 trilhões.52 Em 2018 estima-se que tenha levado outros 52% de um orçamento de R$3,55 trilhões, ou seja, R$ 1,85 trilhão.53 O descontrole da dívida pública, sua apropriação do orçamento nacional foram galopantes sob o governo daqueles que a mídia trata como responsáveis fiscais.

Para termo de comparação, podemos lembrar que a Previdência, ao contrário da campanha difamatória, consumiu somente 16,8% (R$598,2 bilhões) do orçamento de 2018, os gastos com pessoal, 8,5% (R$301,3 bilhões, aí incluídos inativos e pensionistas da União54), e as despesas discricionárias, de onde saem os investimentos, tragicamente, somente 1,8% (R$65 bilhões).55

Enquanto isso, os juros (R$342,67 bilhões em 2018, ou 9,7% do orçamento56) e a sonegação (estimada em R$550 bilhões em 201857) destruíram as contas públicas.

Ao contrário da maciça propaganda positiva de nossos meios de comunicação, o colapso da nossa economia só se agravou. Em março de 2018, o déficit do governo central era de assombrosos R$25,53 bilhões,58 maior que o déficit de todo o ano de 2014 (de R$17 bilhões). Curiosamente, agora esse déficit é tratado como fruto de “responsabilidade fiscal” por grande parte de nossos “especialistas econômicos”.

Ao contrário da propaganda de gestão responsável da economia, o Governo Temer foi o maior desastre fiscal da história brasileira. Terminou seu mandato tendo como meta obter, em vez de um superávit primário, um déficit primário (!) de R$139 bilhões.59 Obteve R$120,3 bilhões, simplesmente, cerca de sete vezes maior que o de 2014.60

Um dos motivos para esse déficit foi a rápida degradação das contas da Previdência diante do desemprego e da informalidade crescentes. A crise atual dessas contas é fundamentalmente uma crise de receita, e não de despesa.

Com menos pessoas formalmente empregadas, a arrecadação previdenciária diminui. No primeiro trimestre de 2018, a taxa de desemprego no Brasil era de 13,1% da população ativa, o que equivalia a 13,7 milhões de brasileiros desempregados, contra os somente 6,5% registrados no último trimestre de 2014.61

A informalidade avançou a passos largos. O Brasil perde em média 1 milhão de empregos formais por ano desde 2015.62 Em 2017, pela primeira vez neste século, a quantidade de brasileiros trabalhando na informalidade superou a de brasileiros com emprego formal.

Já a reforma trabalhista que entrou em vigor veio complicar mais ainda esse quadro dramático. Prometendo 2 milhões de empregos63 novos, ela nada entregou diante de mais de 13 milhões de desempregados em fevereiro deste ano.64 O que ela veio de fato incentivar é a extinção progressiva do trabalho formal tradicional e a geração de postos de trabalho que não contribuem necessariamente com a Previdência, o que causa maior degradação nas contas públicas.

Depois do mandato de um governo federal que fez tudo o que a mídia e a banca mandaram, a dívida bruta já passou dos 66,7% do PIB – no mês em que Temer assumiu o governo – para incríveis 76,7% do PIB em dezembro de 2018.65 Essa disparada do endividamento ocorreu mesmo com a entrada dos recursos arrecadados com a repatriação de dinheiro de origem duvidosa evadido do país e com os recursos tomados da descapitalização do BNDES (o único banco que financiava nosso desenvolvimento). Ocorreu mesmo com os recursos da “venda” (com o barril de petróleo mais barato que uma latinha de Coca-Cola) de campos inteiros do nosso pré-sal a empresas estrangeiras, a maioria estatais, evidenciando a falácia neoliberal que prega a privatização da Petrobras.

Outra ilusão vendida pelo Governo Temer era sobre os juros efetivamente pagos pela dívida pública, nossa verdadeira taxa de juros reais. Juros reais são o rendimento do dinheiro investido descontada a inflação do período, ou seja, quanto efetivamente o credor ficou mais rico por emprestar o dinheiro.

Essa ilusão é possível devido à composição de nossa dívida interna. Temos quatro tipos básicos de títulos na dívida pública federal, cujos rendimentos possuem indexadores diferentes. O primeiro, correspondendo a somente 35,5% de nossa dívida em 2018,66 remunera o credor a taxas flutuantes. A maioria desses títulos é indexada à Selic. Temos, no entanto, ainda títulos com rentabilidade prefixada, vinculados a índice de preços e até ao câmbio. Ou seja, a Selic não é nossa taxa média de juros.

Para uma estimativa adequada dos juros reais pagos por nossa dívida interna, precisamos saber o custo médio efetivo dessa, que é uma composição das taxas efetivamente pagas por todos os tipos de títulos.

Portanto, enquanto a taxa Selic terminou o ano de 2018 em 6,5%, o custo médio efetivo de nossa dívida terminou em dezembro de 2018 em 9,86% nos últimos doze meses.67 Como a inflação de 2018 pelo IPCA fechou em 3,75%, a verdade é que, considerando a taxa de juros real passada (taxa ex-post), nossa taxa real em 2018 foi de aproximadamente 6,11%. Sob qualquer critério que se adote, estamos entre os seis países que pagaram juros reais mais altos do mundo em 2018, com a Argentina neoliberal de Macri liderando o ranking.

Se o governo paga por seus papéis, de forma segura, mais do que paga a taxa de retorno dos negócios no Brasil, não é preciso ser prêmio Nobel em economia para deduzir que ninguém vai pegar dinheiro emprestado para colocar num negócio que remunera menos que os juros bancários.

E o custo de tantos desastres econômicos é a volta do aumento da miséria em nosso país. Só em 2017, enquanto os órgãos de imprensa falavam de recuperação econômica, 1,5 milhão de brasileiras e brasileiros voltaram à extrema pobreza. Em 2018 eram 14,8 milhões de irmãs e irmãos, compatriotas, nessa desesperadora condição.68 Desde o golpe, estima-se que no mínimo 4 milhões de pessoas tenham voltado à extrema pobreza no Brasil.69

O desastre do aumento da miséria é agravado por outro desastre moral, que é o aumento da desigualdade no décimo país mais desigual do mundo. O neoliberalismo tem sido de fato nada mais que um aparato discursivo para justificar políticas de concentração de renda, e o que entrega é o aumento da riqueza em mãos dos super-ricos. Em 2016, o índice Gini (um dos parâmetros de desigualdade usados no mundo) calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) voltou a subir depois de 22 anos de queda.70 A mesma política econômica que atirou mais de 4 milhões de pessoas na extrema pobreza produziu, só em 2017, um aumento de 39% no número de bilionários brasileiros. O Brasil levou quinhentos anos para produzir 31 bilionários e somente o ano de 2017 para produzir mais doze deles. Enquanto o país agonizava, o patrimônio dessas pessoas cresceu, em média, 13% em 2017. Hoje, os cinco homens mais ricos do Brasil têm riqueza correlata à da metade da população mais pobre. Ou seja, cinco cidadãos têm no Brasil a riqueza equivalente a mais de 100 milhões de pessoas.71

O colapso social descrito aqui se reflete no aumento da violência que assombra nossas famílias. Em 2016 tivemos 57.549 assassinatos registrados, enquanto em 2017 tivemos mais de 60 mil.72 Contando com as mortes causadas por intervenção policial, tivemos cerca de 70.200 óbitos em 2016, o que equivaleu a 12,5% das mortes violentas em todo o planeta!73 Mais um título mundial terrível para nós: o país que mais mata no mundo. O Atlas da Violência de 2018 trouxe outra comparação alarmante. Nos últimos onze anos, por volta de 553 mil pessoas foram assassinadas no Brasil. Na Síria, em sete anos de guerra, a ONU estima cerca de 500 mil mortos. Ou seja, nos últimos onze anos, o Brasil teve mais assassinatos que um país em guerra civil há sete anos.

Infelizmente, o que nosso governo atual promete em relação a esse quadro é distribuir ainda mais armas, autorizar a posse e o porte, para que alunos torturados mentalmente possam facilmente transformar o Brasil numa filial dos assassinatos em massa típicos dos EUA.

A violência é um fenômeno de múltiplas causas. Mas todos os fatores que pressionam os índices de violência pioraram no Governo Temer: a miséria, a desigualdade, a sensação de impunidade e de injustiça, o mau exemplo das autoridades.

O país que temos hoje é, na medida das pioras descritas, um produto tanto do estelionato eleitoral do PT quanto do golpe, apoiado por Bolsonaro, que para derrubar uma presidente legítima ajudou a implodir a economia com uma série de pautas-bombas cujo objetivo era somente o de enfraquecê-la. A imagem da classe política se degradou terrivelmente em todo esse processo, a ponto de, em 2017, pesquisa da Latinobarômetro74 informar que, para 97% dos brasileiros, “o país está governado por alguns grupos poderosos em seu próprio benefício”.”

51 BARBOSA, Nelson. Op. cit.

52 Lei Orçamentária Anual – 2017. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/assuntos/orcamento-1/orcamentos-anuais/orcamento-anual-de-2017

53 Lei Orçamentária Anual – 2018. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/assuntos/orcamento-1/orcamentos-anuais/orcamento-anual-de-2018

54 O valor chega a R$323,7 bilhões se contabilizarmos os R$22,4 bilhões referentes à contribuição patronal ao regime próprio dos servidores.

55 Lei Orçamentária Anual – 2018. Op. cit.

56 Relatório anual da dívida pública federal – 2018. Receita Federal. Disponível em: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/relatorio-anual-da-divida

57 Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional. Sonegômetro. Disponível em: http://www.quantocustaobrasil.com.br/

58 “Dívida do governo bate novo recorde em março.” Estado de S. Paulo, abr. 2018. Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,setor-publico-tem-rombo-de-r-25-135-bilhoes-em-marco,70002289680

59 Orçamento anual de 2018. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/assuntos/orcamento-1/orcamentos-anuais/2018/orcamento-anual-de-2018

60 MÁXIMO, Wellton. “Déficit primário somou R$ 120,3 bilhões em 2018.” Agência Brasil, jan. 2019. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-01/deficit-primario-somou-r-1203-bilhoes-em-2018

61 IBGE. “Desemprego volta a crescer no primeiro trimestre de 2018.” Agência IBGE, abr. 2018. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20995-desemprego-volta-a-crescer-no-primeiro-trimestre-de-2018.html

62 IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Pnad Contínua. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/trabalho/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.html?=&t=series-historicas

63 AGUIAR, Adriana. “Reforma trabalhista não gerou volume de empregos esperado.” Valor Econômico, nov. 2018. Disponível em: https://www.valor.com.br/legislacao/5969407/reforma-trabalhista-nao-gerou-volume-de-empregos-esperado

64 PARADELLA, Rodrigo. “Desemprego sobe para 12,4% e população subutilizada é a maior desde 2012.” Agência IBGE, mar. 2019. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/24110-desemprego-sobe-para-12-4-e-populacao-subutilizada-e-a-maior-desde-2012

65 Relatório anual da dívida pública federal – 2018. Receita Federal. Op. cit.

66 Relatório anual da dívida pública federal – 2019. Receita Federal. Disponível em: http://sisweb.tesouro.gov.br/apex/cosis/thot/transparencia/arquivo/31542:1064336:inline:28082283733871

67 Tesouro Nacional. Séries temporais. Custo médio mensal da Dívida Pública Mobiliária Federal interna (DPMFi). Disponível em: https://sisstn.tesouro.gov.br/series-temporais-ext/#/

68 VILLAS BÔAS, Bruno. “Pobreza extrema aumenta 11% e atinge 14,8 milhões de pessoas.” Valor Econômico, abr. 2018. Disponível em: http://www.valor.com.br/brasil/5446455/pobreza-extrema-aumenta-11-e-atinge-148-milhoes-de-pessoas

69 PRENGAMAN, P.; DILORENZO, S.; TRIELLI, D.. “Em 2 anos, milhões ficam abaixo de pobre no Brasil e ganham menos de R$140.” Uol, 2017. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2017/10/24/pobreza-miseria-brasil-recessao.htm?cmpid=copiaecola

70 COSTA, D.; GONÇALVEZ, K.. “Com crise, desigualdade no país aumenta pela primeira vez em 22 anos.” O Globo, mar. 2017. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/com-crise-desigualdade-no-pais-aumenta-pela-primeira-vez-em-22-anos-21061992

71 “Super-ricos estão ficando com quase toda riqueza, às custas de bilhões de pessoas.” Oxfam Brasil, jan.2018. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/noticias/super-ricos-estao-ficando-com-quase-toda-riqueza-as-custas-de-bilhoes-de-pessoas

72 O número de 59.109 homicídios ainda não conta com os números completos de Tocantins e Minas Gerais e não leva em conta os mortos em decorrência de ação policial.
CAESAR, G.; REIS, T. “Brasil registra quase 60 mil pessoas assassinadas em 2017.” G1, mar. 2018. Disponível em:
https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/brasil-registra-quase-60-mil-pessoas-assassinadas-em-2017.ghtml

73 CHADE, Jamil. “Brasil tem maior número de mortes violentas do mundo.”Estado de S. Paulo, dez. 2017. Disponível em: http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-tem-maior-numero-de-mortes-violentas-no-mundo-diz-entidade,70002111415

74 Latinobarômetro 2017. Disponível em: http://www.latinobarometro.org/LATDocs/F00006433-InfLatinobarometro2017.pdf

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