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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

1968: O ano que não terminou (Parte II), de Zuenir Ventura

Editora: Planeta

ISBN: 978-85-7665-361-5

Opinião: ★★★★☆

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Páginas: 286

Sinopse: Ver Parte I


 

“Se cada época tem o seu som, o de 68 vai ser encontrado nas ruas, em meio aos ruídos de bombas, cascos de cavalos, sirenes.”

 

 

“– O senhor se lembra daquela foto do Vladimir na Passeata dos 100 Mil publicada pela revista O Cruzeiro, cercado de seguranças? – diverte-se agora o general no seu apartamento na Tijuca. – Pois bem, pelo menos três deles eram sargentos nossos.

O general lamenta não ter, para mostrar, um pôster que durante muito tempo ornamentou o departamento por ele dirigido na época.

– Se o senhor quiser, traz aqui uma revista que eu mostro. Agora não tem mais perigo porque os três já estão mortos.

Não é por falta de orgulho que esse general se mantém no anonimato, e sim por recato e segurança. Na época ele era um poderoso coronel que ajudou a implantar um dos órgãos de informação das Forças Armadas. Suas convicções ideológicas hoje provocam riso pela extravagância da radicalidade – e porque estão em recesso. Ele é um general da reserva.

– Dizem que eu sou de direita, mas isso é uma injustiça. Nunca fui e não sou de direita. O seu rosto, habitualmente sisudo, começa a esboçar um sorriso que promete mais do que sua boca acaba de dizer. Uma demorada tragada protela o desfecho. Ele já deve ter testado antes o efeito desse suspense. Finalmente diz:

– Eu sou de extrema-direita.

O número é de fato irresistível. Num país onde é raríssimo alguém se confessar de direita, dizer-se orgulhosamente de extrema-direita não deixa de ser um feito inédito. A gargalhada que se ouve agora vai na certa anunciar outra atração:

– Eu estou à direita de Hitler, eu estou à direita de Gengis Khan.

Em fevereiro de 1988 essas declarações, como não têm consequências práticas, produzem hilaridade. Mas em fins da década de 60, começos de 70, a cabeça que defende essas ideias ajudava a pensar a estratégia da repressão.”

 

 

“A ocupação militar, causara um forte trauma na população da capital federal, especialmente entre os parlamentares. Protegidos por 200 soldados da PM, 100 agentes do DOPS haviam invadido o campus universitário para prender o estudante Honestino Guimarães, presidente da Federação dos Estudantes universitários de Brasília, e mais quatro colegas que estavam com prisão preventiva decretada. Foi uma operação de guerra utilizando metralhadoras, mosquetões, pistolas, cassetetes e vários tipos de bombas.

Ao ser arrastado pela polícia, Honestino pediu socorro, dizendo que estavam quebrando seu braço. O major José Leopoldino Silva, do Serviço Secreto da XI Região Militar não se comoveu: “Hoje é nosso dia!” gritou. Os colegas de Honestino reagiram com paus e pedras e se refugiaram no Instituto Central de Ciências. Eram cerca de 500 Estudantes resistindo ao cerco e à invasão dos soldados. A batalha durou 20 minutos. No final, o aluno Valdemar Alves da Silva Filho estava caído, ferido com um tiro na testa com risco de perder um olho. Após se renderem, os estudantes foram levados para a quadra de basquete.

Nessa altura, vários parlamentares já chegavam ao campus, ou para prestar solidariedade aos estudantes, ou à procura de filhos. Um dos primeiros a chegar foi o deputado Santili Sobrinho, acompanhado do filho, em busca da filha. Foi logo cercado por soldados e, enquanto se identificava, o cassetete descia sobre a cabeça do filho. Abraçou-se então ao rapaz para protegê-lo e passou a apanhar também. “Eu sou deputado”, apelou, e foi pior. “É por isso mesmo”, gritaram as dez vozes que brandiam os cassetetes. O deputado Davi Lerer teve um cano de metralhadora encostado no umbigo. “Senti o frio do aço”, revelou depois. Os seus colegas Mário Covas, Martins Rodrigues, Amaral Peixoto, entre outros, passaram por situações parecidas. Covas estava traumatizado: “Dessa vez ninguém me contou, eu vi tudo. Foi horrível”. Mais sintomática, porém, foi a reação do deputado Clóvis Stenzel, da Arena, conhecido por suas posições radicais. Estarrecido com o que estava assistindo, disse: “Eu, que sou identificado como homem da linha-dura, acho tudo isso uma barbaridade”.

Eram compreensíveis o clima de indignação e a violência dos discursos no Congresso nos dias que se seguiram àquelas cenas de guerra. Por isso, ao chegar a sua vez, Márcio Moreira Alves, o Marcito, se perguntava: “Que é que eu vou dizer?” Já caminhava em direção à tribuna quando lhe veio como inspiração a lembrança da peça Lisístrata. O discurso começou advertindo que estava próximo o 7 de Setembro e as “cúpulas militares”, certamente, iriam pedir aos colégios que desfilassem “junto aos algozes dos estudantes”. O orador chamava a atenção dos pais de que “a presença de seus filhos nesse desfile é um auxílio aos carrascos que os espancam e os metralham nas ruas”. E perguntava: “Até quando o Exército vai ser o valhacouto de torturadores?”. (...)

Por mais desastrado que tenha sido o pronunciamento de Marcito, costuma-se insistir, à direita e à esquerda, na injustiça de considerá-lo a causa da edição do AI-5 – e não apenas um pretexto. Nos últimos vinte anos, armazenaram-se dezenas de indícios comprovando que naquela altura do ano as forças radicais, cada vez mais fortes dentro do governo, não mais abririam mão das medidas de exceção. A própria invasão da UnB fazia parte desse plano de empurrar o país a um impasse cuja solução levasse ao endurecimento. Às sete horas da noite da quarta-feira, 28, véspera da invasão, o presidente Costa e Silva terminava o expediente acompanhado do seu chefe da Casa Civil, Rondon Pacheco, do chefe do SNI, general Garrastazu Médici. A outra pessoa presente, o secretário de Imprensa Heráclio Sales, descreve a cena: “Ele estava com o rosto sombrio e o sobrecenho caído, sintoma inconfundível de preocupação”. Antes de se retirar, Costa e Silva resolveu mandar chamar o chefe do Gabinete Militar:

– Portella, diga a essa gente que, contra a universidade, nada. Eu quero ir para casa tranquilo.

– Pois fique tranquilo, presidente, que eu tomo conta disso – respondeu Portella, enquanto pegava o telefone para transmitir a recomendação presidencial àquela “gente”, que eles sabiam de quem se tratava.

Só então Costa e Silva se dirigiu para o Alvorada.

Na manhã seguinte, ele seria surpreendido com a invasão e o espancamento de parlamentares, violências que, sem dúvida, estavam previstas na operação.

“Não é a primeira vez que isso acontece”, disse em editorial o Jornal do Brasil. “Tudo indica que os auxiliares diretos do presidente da República se desvelam para que ele seja o último a saber das ”.

“Nessa altura”, acredita Heráclio, “a situação já fugia do controle dele”.

No dia 30, uma sexta-feira, a “Coluna do Castello” informava:

Partiu do Ministro da Justiça, professor Gama e Silva, a ordem para a Polícia Federal invadir a UnB e retirar de lá estudantes que estavam com prisão preventiva decretada. Não se sabe se a operação correu ao gosto do professor, mas pode-se antecipar que os resultados políticos da agressão armada cobrem os notórios objetivos do ministro que mais pleiteia do presidente medidas de exceção. A ordem, executada com requinte, elimina as veleidades do governo de criar no país um clima de otimismo e repõe no ambiente aquela ansiedade pânica, que é a matéria-prima dos radicais.

O ministro Gama e Silva apressou-se em desmentir Castelinho, que manteve taxativamente o que havia escrito, resguardando no entanto a fonte – aliás, das melhores. Agora, o colunista pode revelar: Jarbas Passarinho. Ao ministro do Trabalho, aborrecido e preocupado com aquela violência, o boquirroto Gaminha havia confessado que ele mesmo ordenara a invasão. (...)

No dia seguinte ao discurso, Marcito comprou os principais jornais do país. Só em um, a Folha de S. Paulo, num canto de página, encontrou um pequeno registro do seu feito.

Em suas memórias desses tempos, o general Jayme Portella escreveu que o que mais irritara os militares fora o destaque dado pelos jornais: “O discurso daquele deputado havia sido publicado em toda a imprensa, servindo de manchetes”. Era uma completa inverdade.

A ausência de noticiário, porém, não impediu que os quartéis recebessem dezenas de cópias do texto e que, em seguida, o Gabinete Militar passasse a ser inundado por uma suspeita correspondência exigindo revanche.

“Foi como uma chuva sobre o Palácio”, conta Heráclio. “Uma chuva torrencial de telegramas de todas as guarnições militares, exigindo punição para o autor do discurso. Era, evidentemente, uma coisa organizada”.

Era setembro, a nossa primavera ia começar. Para a política, uma primavera às avessas.”

 

 

“No primeiro dia do mês, o deputado Maurílio Ferreira Lima, do MDB de Pernambuco, denunciava na Câmara um plano de policiais da Aeronáutica para desvirtuar as funções do Para-Sar, uma unidade de paraquedistas especializada em socorro e salvamento, principalmente na selva. O plano previa a sua utilização no sequestro de 40 líderes políticos, que seriam “lançados de avião a 40 quilômetros da costa, no oceano”, entre outras operações.

Na mesma edição em que o discurso do deputado era publicado, noticiava-se a exoneração do major-brigadeiro Itamar Rocha do cargo de diretor-geral de Rotas Aéreas do Ministério da Aeronáutica. A exoneração, seguida de uma prisão domiciliar por dois dias, era consequência do que ficou sendo conhecido como “Caso Para-Sar”. (...)

Começava a ser desvendado naquele inicio de mês um dos mais sinistros planos terroristas da nossa história contemporânea. Se tivesse tido sucesso, a operação provocaria não só a execução de personalidades políticas, mas também a morte de cerca de 100 mil habitantes do Rio, já que previa a explosão de um gasômetro no início da avenida Brasil, às 18 horas, isto é, na hora do rush, e a destruição da represa de Ribeirão das Lajes. A responsabilidade pelos atentados seria atribuída aos comunistas.

Para quem – como os radicais de direita – buscava um pretexto para dar início à caça às bruxas, nada mais diabolicamente perfeito.

Um militar, sem motivação ideológica ou partido político, impediu a sua execução: o capitão paraquedista Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, que, 20 anos depois, ainda sofre as consequências de seu ato heroico.

A resistência do capitão Sérgio levou um dia o lendário brigadeiro Eduardo Gomes, um dos “18 do Forte”, a escrever:

Foi a admirável ação de um simples capitão, verdadeiramente inspirado por Deus, que evitou outros rumos para a história do Brasil.

Que “admirável ação” seria essa, capaz de mudar os rumos de nossa história? O clímax desse script de horror, que o diretor Costa-Gavras quis filmar, pode ser situado numa reunião realizada as 13 horas do dia 14 de junho, no 11º andar do prédio do então Ministério da Aeronáutica, na avenida Churchill, centro do Rio. Eram mais de 40 as pessoas ali reunidas guardadas por uma dezena de soldados armados de metralhadoras – para ouvir a exposição do brigadeiro João Paulo Burnier, que respondia pela chefia de Gabinete do ministro da Aeronáutica.

Tenso, andando de um lado para o outro, esmurrando a própria mão, o orador passou a informar quais seriam as novas tarefas do Para-Sar:

1. No caso de uma guerra, ante a necessidade e resgatar um companheiro ou prisioneiro, a exemplo do que faz o Para-sar dos Estados Unidos no Vietnã, o Para-sar poderia matar para cumprir sua missão;

2. No caso de uma guerra civil, contrarrevolucionários compatriotas, estes teriam que ser eliminados pelos homens do Para-Sar:

3. No caso de paz, mas em agitações de rua, o para-sar também deveria desempenhar a mesma missão.

A Terceira hipótese vinha acompanhada com observações como estas:

Para cumprir missões de morte na guerra, é preciso matar na paz.

Matar com sangue frio, sem que a mão trema, como aconteceu com os companheiros do exército, os paraquedistas.

Figuras políticas como Carlos Lacerda, esse canalha, que alguns pensam que é meu amigo, já deveriam estar mortas, senão fosse a mão dos paraquedistas ter tremido, eles se perderam em considerações se a ordem era certa ou errada; ordens dessa natureza não comportam perguntas nem dúvidas, cumprem-se e não se fazem comentários posteriores;

Elementos indesejáveis serão lançados de navio, ou avião, a 40 quilômetros da costa.

Ao final da explanação, o brigadeiro dirigiu-se a alguns oficiais:

– Concorda comigo, major?

– Sim, senhor – respondeu o comandante da esquadrilha, major Gil Lessa de Carvalho.

– E o senhor, capitão Guaranys?

– Sim, senhor – disse o capitão Roberto Camara Lima Ipiranga dos Guaranys.

A mesma pergunta, seguida das mesmas respostas, foi feita ainda ao capitão Loris Areias Cordovil ( Bororó) e ao tenente João Batista Magalhães.

A essa altura, o capitão Sérgio já estava irritado, revela agora, “porque as perguntas tinham sido feitas justamente aos quatro pilantras que estavam na trama”.

– E o senhor, capitão Sérgio?

Burnier gritou essa pergunta com o rosto quase colado ao do interlocutor, de tal maneira que este teve a sensação de estar sendo cuspido, o que aumentou a sua irritação:

– Com as duas primeiras hipóteses, concordo. Mas não concordo com a terceira, que considero imoral, inadmissível a um militar de carreira. Enquanto eu estiver vivo isso não acontecerá neste país.

Olhos nos olhos, as armas a alguns centímetros das mãos, entre os dois só havia lugar para a espuma que saía junto com os gritos.

– Não se estenda em considerações – berrou o brigadeiro. – Cale a boca!

– Não me calo e o ministro será sabedor desses fatos – revidou no mesmo tom o capitão.

Os gritos provocaram uma perigosa movimentação na sala. De repente, os jovens portadores de metralhadoras se viram praticamente cercados pelos sargentos e cabos do Para-Sar. A tensão se espalhava. “Nós dois estávamos armados”, relembra Sérgio, “e ele deveria ter dado voz de prisão. Se desse, eu não acataria e tudo poderia ocorrer ali. Mas ele, que depois passaria à história como um emérito torturador, assassino, de vermelhão ficou lívido. Baixou a cabeça e se retirou da sala, acompanhado dos quatro pilantras”. (...)

Tempos depois, o capitão recebia uma mensagem de rádio, cifrada do Brigadeiro Burnier convocando-o para uma reunião. No dia 12 de junho Sérgio era recebido no gabinete do ministro da aeronáutica por Burnier e pelo Brigadeiro Hipólito da costa, recém-chegado da zona do canal do Panamá. (...)

– O senhor tem quatro medalhas por bravura, não tem? – perguntou Burnier.

Aos 37 anos, com seis mil horas de voo e 900 saltos em missão, Sérgio já tinha de fato recebido quatro “medalhas de sangue em tempos de paz”. O seu trabalho nas selvas, salvando índios e pacificando tribos, transformara-o numa legenda dentro do Para-Sar, que ajudou a fundar e tinha atraído a admiração de indianistas como os irmãos Vilas-Boas, o médico Noel Nutels e o antropólogo Darcy Ribeiro. Amigo de caciques como Raoni, Kremure, Kretire, Megaron e Krumari, entre outros, o “Nambiguá caraíba” (Homem branco amigo), como era conhecido pelos índios, chegara a evitar uma guerra entre os txucarramães e os jurunas e kaiabis, pulando de pára-quedas no meio dos guerreiros.

Sérgio limitou-se a responder “sim” ao seu superior.

– Pois a quinta – anunciou com orgulho Burnier –, quem vai colocar no seu peito sou eu.

As razões para essa prometida condecoração iriam deixar o capitão estarrecido. Ele chegou a achar que estava participando de uma sessão de humor negro. Não era possível ser verdade.

– Capitão, se o gasômetro da avenida Brasil explodir às seis horas da tarde, quantas pessoas morrem?

Sérgio quis ainda acreditar que a pergunta se referia à hipótese de um acidente.

– Nessa hora de movimento, umas 100 mil pessoas.

O comentário seguinte ainda não esclarecia tudo:

– É, vale a pena para livrar o Brasil do comunismo.

De repente, como num pesadelo, o horror ia ganhando forma. Aquilo era um plano, não havia mais dúvida, e previa várias missões, uma das quais seria o sequestro de 40 personalidades, a serem lançadas ao mar. E cinco já estavam até escaladas: Carlos Lacerda, Jânio Quadros, Juscelino Kubitschek, Dom Hélder Câmara e o general Olímpio Mourão Filho. As outras seriam anunciadas de cinco em cinco.

A primeira parte do plano programaria “pequenos incidentes”, já que a escalada terrorista deveria ser gradativa: cargas na porta da Sears, do Citybank, da Embaixada Americana, com pequeno número de mortes.

“Num dia X, que ele definiria, o clímax do processo: as explosões do gasômetro e de Ribeirão das Lages no mesmo instante, controladas por controle remoto”.

As cargas de efeito retardado, seriam colocadas pelo capitão Sergio, que ficaria de stand by no Campo dos Afonsos. “Quando aparecesse o clarão da direita, o do gasômetro, nós decolaríamos de helicópteros e aportaríamos no local da tragédia para dar socorro aos milhares de feridos e mortos”.

Como o ato seria atribuído aos comunistas, o capitão Sérgio, comandando a equipe de socorro e resgate surgiria naturalmente como herói – um herói capaz de receber sua quinta medalha. (...)

Punido logo com uma transferência para o Recife, julgado e absolvido pelo Superior Tribunal Militar, reformado pela Junta Militar em setembro de 69, o capitão Sérgio poderia ter sido anistiado, mas recusou a anistia.

“Anistia-se a quem cometeu alguma falta”, costuma dizer. “Eu não posso ser anistiado pelo crime que evitei”. (...)

Perseguido e discriminado, Sérgio teve que viver durante anos, da solidariedade moral e material de alguns amigos. Em 1970, necessitando de um tratamento da coluna, foi aconselhado a não se internar em hospital militar. Um médico da Aeronáutica avisou Eduardo Gomes: “A vida do Sérgio, se ele entrar em um hospital militar de qualquer das três armas, não vale 10 centavos”.

Graças ao jornalista Darwin Brandão, com o auxilio do médico Sérgio Carneiro, o oficial acabou sendo tratado clandestinamente no Hospital Miguel Couto. Um outro amigo, ex-capitão da Marinha e empresário, ajudou-o com 3 mil dólares. (...)

No começo de 88, ao prestar um depoimento para este livro, o ex-ministro da Aeronáutica Márcio de Souza Mello não deu a menor importância ao episódio: “O senhor conhece esse rapaz? Ele, sim, é que tinha esse plano”. Mesmo quando se alega o testemunho de 37 cabos e sargentos do próprio Para-Sar, o brigadeiro tem um argumento definitivo para quem está acostumado a hierarquizar o mundo, as coisas e até o valor das palavras de acordo com as patentes: “É a palavra de cabos e sargentos contra a palavra de oficiais”.

Num momento em que a insanidade ameaçou se transformar em norma, esse estranho no ninho pareceu de fato um louco. Mas foi graças ao seu não que hoje se conta essa história como se ela não tivesse passado de um pesadelo, desses que desaparecem com o amanhecer.

Ao recusar sua quinta medalha, escolhendo uma guerra perdida, o capitão Sérgio virou um personagem de Camus – um herói solitário, um herói ético, um homem revoltado pela própria consciência, só por ela.”

 

 

“O hoje coronel Aguiar ainda se lembra da expressão do presidente. “As olheiras profundas indicavam que ele não tinha dormido aquela noite”. Assim, quando o general Médici chegou para transmitir o seu relato da situação, Costa e Silva já tinha lido os jornais e ouvido o noticiário radiofônico – todos devidamente censurados. Faltava apenas ouvir o que o general Médici guardara para o final da sua exposição:

– O senhor não caiu durante a noite porque é o senhor. Outro no seu lugar teria caído.

Bondade do futuro ditador. Na verdade, Costa e Silva não caiu porque durante a noite, de maneira velada ou explícita, vazou a única informação que poderia aplacar a voracidade dos radicais (que exigiam a radicalização da ditadura): o presidente estava decidido a capitular.”

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