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sábado, 5 de setembro de 2020

Fenomenologia do Espírito (Volume 2, Parte IV), de G. W. F. Hegel

Editora: Vozes
ISBN: 85-326-0772-1
Tradução: Paulo Meneses
Opinião: ★★★☆☆
Sinopse: Ver Parte I

769 O espírito, representado primeiro como substância no elemento do puro pensar, é por isso, imediatamente, a essência eterna, simples e igual a si mesma, mas que não tem essa significação abstrata da essência, e sim a significação do espírito absoluto. Porém o espírito consiste em ser, não significação, não o interior, mas o efetivo. Portanto, a eterna essência simples seria espírito somente segundo uma palavra vazia, se permanecesse na representação e na expressão da eterna essência simples. Mas a essência simples, por ser a abstração, de fato é o negativo em si mesmo, e na verdade, a negatividade do pensar, ou a negatividade como ela é em si na essência. Quer dizer: a essência simples é a diferença absoluta de si, ou seu puro tomar-se-Outro. Como essência, é somente em-si ou para nós; mas enquanto essa pureza é precisamente a abstração ou a negatividade, ela é para si mesma, ou seja, é o Si, o conceito.
A essência eterna é portanto objetiva: e enquanto a representação apreende e exprime como um acontecer a necessidade, acima mencionada, do conceito, - deve dizer-se que a essência eterna engendra para si um Outro. Contudo, nesse ser-outro retorna também imediatamente a si; porque a diferença é a diferença em si; isto é, ela imediatamente é diferente só de si mesma, e assim, é a unidade que a si mesma retornou.
Portanto, distinguem-se os três momentos: [1] - o da essência; [2] - o do ser-para-si que é o ser-outro da essência, e para o qual é a essência; [3] - o do ser-para-si, ou do saber a si mesmo no Outro. A essência só contempla a si mesma em seu ser-para-si; nessa extrusão está somente junto de si. O ser-para-si que se exclui da essência é o saber de si mesma da essência; é o Verbo que, pronunciado, deixa atrás o pronunciante extrusado e esvaziado; mas também é ouvido de modo não menos imediato; e o ser-aí do Verbo é somente esse ouvir-se a si mesmo. Assim as diferenças que se fazem dissolvem-se tão imediatamente quanto são feitas, e tão imediatamente se fazem quanto se dissolvem. O verdadeiro e efetivo é justamente esse movimento que gira dentro de si.
771 Esse movimento dentro de si mesmo exprime a essência absoluta como espírito; a essência absoluta, que não é apreendida como espírito, é só o vazio abstrato; - assim como o espírito que não é compreendido como esse movimento, é apenas uma palavra vazia. Enquanto seus momentos são captados em sua pureza, são os conceitos sem-repouso, que somente são, sendo seu contrário em si mesmos, e tendo seu repouso no todo.”


“O espírito absoluto, representado na pura essência, não é de certo a pura essência abstrata; mas antes, essa, justamente por ser só um momento do espírito, afundou até o nível de elemento. Porém a apresentação do espírito nesse elemento tem em si, quanto à forma, o mesmo defeito que a essência como essência. A essência é o abstrato, e por isso, o negativo da sua simplicidade: é um Outro. Igualmente, o espírito no elemento da essência é a forma da unidade simples, que por isso, também essencialmente, é um vir-a-ser-Outro. Ou, o que é o mesmo, a relação da essência eterna com seu ser-para-si é a relação imediatamente simples do puro pensar. Nesse simples contemplar a si mesmo no Outro, portanto, não é posto o ser-outro, como tal; ele é a diferença que no pensar puro imediatamente não é diferença alguma: é um reconhecer do amor, em que os dois não se opõem segundo sua essência. O espírito que é enunciado no elemento do puro pensar, é ele mesmo essencialmente isto: não estar só nesse elemento, mas ser Efetivo, pois em seu conceito reside o próprio ser-outro; quer dizer, o suprassumir do puro conceito somente pensado.
773 O elemento do puro pensar, porque é o elemento abstrato, é ele mesmo antes o Outro de sua simplicidade, e portanto passa para o elemento particular do representar; - o elemento em que os momentos do conceito puro tanto adquirem um em relação ao outro, um ser-aí substancial, como são sujeitos, que tem para um terceiro a indiferença recíproca do ser; mas refletidos sobre si mesmos, se separam e se contrapõem, um em relação ao outro.
774 Assim, o espírito somente eterno ou abstrato torna-se para si um Outro, ou seja, entra no ser-aí e entra imediatamente no ser-aí imediato. Cria, portanto, um mundo. Esse criar é a palavra da representação para o conceito mesmo, segundo o seu movimento absoluto, ou para significar que o Simples enunciado como absoluto, ou o pensar puro, por ser o abstrato, é antes o negativo; e assim é o oposto a si, ou Outro. Ou então, para dizer o mesmo ainda de outra forma, porque o que é posto como essência, é a imediatez simples ou o ser; porém como imediatez ou ser carece do Si, e assim privado de interioridade é passivo ou ser para Outro.
Esse ser para Outro ao mesmo tempo é um mundo: o espírito na determinação do ser para Outro é a tranquila subsistência dos momentos antes incluídos no pensar puro, portanto a dissolução de sua universalidade simples e dissociação dela em sua própria particularidade.
775 Entretanto, o mundo não é apenas esse espírito jogado fora e disperso na totalidade e na respectiva ordem exterior; mas, por ser essencialmente o Si simples, está igualmente esse Si presente no mundo: o espírito aí-essente, que é o Si singular, que possui a consciência, e se distingue de si como Outro ou como mundo. Como esse Si singular só foi posto imediatamente, ainda não é o espírito para si; portanto, não é como espírito; pode chamar-se inocente, mas bom mesmo, não pode. Para que de fato seja Si e espírito, deve também, antes de tudo, tornar-se primeiro para si mesmo um Outro, assim como a essência eterna se apresenta como o movimento de ser igual a si mesma no seu ser-outro. Por ser determinado esse espírito como só imediatamente aí-essente, ou como disperso na variedade de sua consciência, seu tornar-se-Outro é o adentrar-se-em-si do saber em geral.”


778 A alienação da essência divina se coloca, pois, em sua dupla modalidade: o Si do espírito e seu pensamento simples são os dois momentos cuja unidade absoluta é o espírito mesmo; sua alienação consiste em se dissociarem esses momentos e em terem um valor desigual, um em relação ao outro. Tal desigualdade é por isso desigualdade dupla: e surgem duas uniões, cujos momentos comuns são os indicados. Em uma delas a essência divina conta como o essencial, enquanto o ser-aí natural e o Si contam como o inessencial e o que se-deve-suprassumir. Ao contrário, na outra união, o ser-para-si conta como o essencial, e o Divino simples como o inessencial. Seu meio-termo, ainda vazio, é o ser-aí em geral, a simples comunidade de seus dois momentos.
779 A solução dessa oposição não sucede pela luta desses dois momentos que são representados como essências separadas e independentes. Em sua independência se baseia que em si, mediante seu conceito, cada um deva dissolver-se nele mesmo. A luta só recai onde os dois deixam de ser essa combinação de pensamento e de ser-aí independente; e onde se contrapõem, um ao outro, somente como pensamentos. Pois só então, como conceitos determinados, estão essencialmente só na relação de opostos; ao contrário, como independentes, têm sua essencialidade fora da oposição: seu movimento é, assim, o movimento próprio e livre, deles mesmos.
Como assim o movimento dos dois é o movimento em si, - porque neles mesmos tem de ser considerado - assim também o que começa o movimento é aquele que é determinado como o em-si essente, em contraste com o outro. Representa-se isso como um agir voluntário; mas a necessidade de sua extrusão se baseia no conceito de que o em-si-essente - que só na oposição é assim determinado - por isso mesmo não tem subsistência verdadeira. Por conseguinte, o momento para o qual conta como essência, não o ser-para-si mas o simples, é o momento que se extrusa a si mesmo, vai à morte e por isso reconcilia a essência absoluta consigo mesmo.
Com efeito, nesse movimento ele se apresenta como espírito. A essência abstrata se alienou, tem ser-aí natural e efetividade própria-do-Si. Esse seu ser-outro - ou sua presença sensível - se retoma por meio do segundo tomar-se-outro, e é posto como suprassumido, como universal. Mediante isso, a essência veio-a-ser para si mesma nessa presença sensível; o ser-aí imediato da efetividade deixou de ser estranho ou exterior a ela, por ser suprassumido, universal. Esta sua morte é portanto seu ressurgir como espírito.
780 A presença imediata suprassumida da essência consciente-de-si é essa essência como consciência-de-si universal. Esse conceito do Si singular suprassumido - que é a essência absoluta - exprime por isso, imediatamente, a constituição de uma comunidade que, tendo-se demorado até então no representar, agora a si retoma como ao Si; e o espírito passa assim do segundo elemento de sua determinação - do representar - ao terceiro, que é a consciência-de-si como tal.”


786 O espírito é, desse modo, o espírito que se sabe a si mesmo: ele se sabe; o que para ele é objeto, é. Ou seja, sua representação é o verdadeiro conteúdo absoluto; exprime, como vimos, o espírito mesmo. Ao mesmo tempo, não é somente conteúdo da consciência-de-si, nem é somente objeto para ela, mas é também espírito efetivo. O espírito é isso, ao percorrer os três elementos de sua natureza, - esse movimento através de si mesmo que constitui sua efetividade; [1] o que se move é ele: [2] ele é o sujeito do movimento, e [3] ele é igualmente o mover mesmo, ou a substância através da qual passa o sujeito.”


“Essa superação do objeto da consciência não se deve tomar como algo unilateral, em que o objeto se mostrasse como retornado ao Si; mas, de modo mais determinado, em que o objeto como tal se mostrasse ao Si como evanescente. Melhor ainda, toma-se de modo que é a extrusão da consciência-de-si que põe a coisidade, e que essa extrusão não tem só a significação negativa, mas a positiva; não só para nós ou em si, mas para ela mesma. Para a consciência-de-si, o negativo do objeto, ou o suprassumir do objeto a si mesmo, tem significação positiva; ou seja, ela sabe essa nulidade do objeto, de uma parte, porque se extrusa a si mesma, pois nessa extrusão se põe como objeto, ou põe o objeto como a si mesma em razão da inseparável unidade do ser-para-si. De outra parte, aí reside ao mesmo tempo esse outro momento, que a consciência-de-si também tenha igualmente suprassumido e recuperado dentro de si essa extrusão e objetividade: assim está junto de si no seu ser-outro como tal.
E isso o movimento da consciência, e nesse movimento ela é a totalidade de seus momentos. A consciência deve igualmente relacionar-se com o objeto segundo a totalidade de suas determinações, e deve tê-lo apreendido conforme cada uma delas. Essa totalidade de suas determinações faz do objeto em si a essência espiritual; e isso ele se torna em verdade para a consciência, mediante o apreender de cada determinação sua singular como o Si, ou pelo relacionamento espiritual para com elas, acima relacionado.
789 O objeto é assim, de uma parte, ser imediato, ou uma coisa em geral, - o que corresponde à consciência imediata. De outra parte é um tornar-se outro de si, sua relação ou ser para outro e ser-para-si: a determinidade - o que corresponde à percepção. E ainda por outra parte, é essência ou é como universal, - o que corresponde ao entendimento. Enquanto todo, o objeto é silogismo ou o movimento do universal, através da determinação, para a singularidade, - como é também o movimento inverso da singularidade, através da singularidade como suprassumida, ou da determinação, para o universal.
A consciência, portanto, deve saber o objeto como a si mesma, segundo essas três determinações. Contudo, não se fala aqui do saber como conceituar puro do objeto, mas esse saber deve ser indicado somente em seu vir-a-ser ou em seus momentos, - segundo o lado que pertence à consciência como tal; e os momentos do conceito propriamente dito, ou do saber puro, devem ser indicados na forma de figurações da consciência. Por isso, na consciência como tal, ainda não aparece o objeto como a essencialidade espiritual, do modo como acima foi expressa por nós; e o comportar-se da consciência para com ele não é a consideração do objeto nessa totalidade; como tal, nem em sua pura forma-de-conceito; mas é, de uma parte, a figura da consciência em geral, e de outra, um certo número de tais figuras, que nós reunimos, e nas quais a totalidade dos momentos do objeto e do comportamento da consciência só se pode mostrar dissolvida nos momentos dessa totalidade.”


A coisa é Eu: de fato, nesse juízo infinito a coisa está suprassumida: a coisa nada é em si; só tem significação na relação, somente mediante o Eu, e mediante sua referência ao Eu. Para a consciência, apresentou-se esse momento na pura inteligência e no Iluminismo. As coisas são pura e simplesmente úteis, e só segundo sua utilidade há que considerá-las. A consciência-de-si cultivada, - que percorreu o mundo do espírito alienado de si, produziu por sua extrusão a coisa como a si mesma: portanto, conserva-se ainda a si mesma na coisa e sabe a falta-de-independência da coisa, ou sabe que a coisa é essencialmente apenas ser-para-outro; ou, para exprimir perfeitamente a relação - isto é, o que constitui aqui somente a natureza do objeto - a coisa para ela vale como algo para-si-essente. Ela enuncia a certeza sensível como verdade absoluta, mas esse mesmo ser-para-si como momento que apenas desvanece e passa ao seu contrário: ao ser que ao outro se abandona.
792 Mas a essa altura, o saber da coisa ainda não chegou à perfeição: a coisa deve ser conhecida não somente segundo a imediatez do ser e segundo a determinidade, mas também como essência ou interior: como o Si. Isso está presente na consiência-de-si moral. Ela sabe seu saber como a absoluta essencialidade, ou seja, sabe o ser pura e simplesmente como a pura verdade ou o puro saber, e nada mais é que essa vontade e saber somente. A uma outra consciência que não à consciência moral compete só o ser inessencial, isto é, não essente-em-si; só sua casca vazia. A consciência moral, enquanto em sua representação-do-mundo, desprende do Si o ser-aí, ela igualmente o recupera dentro de si mesma. Como boa-consciência, enfim, não é mais esse colocar e deslocar, alternadamente, do ser-aí e do Si; mas sabe que seu ser-aí, como tal, é a pura certeza de si mesma: o elemento objetivo, para o qual se traslada enquanto operante, não é outra coisa que o puro saber do Si sobre si mesmo.”


“Esse conceito já está também presente no lado da própria consciência-de-si; mas tal como se apresentou no que precede, tem, como todos os demais momentos, a forma de ser uma figura particular da consciência. E assim aquela parte da figura do espírito certo de si mesmo, que permanece firme dentro de seu conceito, e que se chama a bela alma. É que a bela alma é seu saber sobre si mesma, em sua pura unidade translúcida; é a consciência-de-si que sabe como sendo o espírito esse puro saber sobre o puro ser-dentro-de-si; não é somente a intuição do divino, mas a auto-intuição do divino. Enquanto esse conceito se mantém oposto à sua realização, ele é a figura unilateral, cujo desvanecer em névoa vazia nós vimos; mas também vimos sua extrusão positiva e movimento para a frente.
Graças a essa realização, suprassume-se o obstinar-se em si dessa consciência-de-si carente-de-objeto, a determinidade do conceito contra sua implementação. Sua consciência-de-si ganha a forma da universalidade, e o que lhe resta é seu conceito verdadeiro, ou o conceito que ganhou sua realização. E o conceito em sua verdade, isto é, na unidade com sua extrusão: - o saber do saber puro, não como essência abstrata, que é o dever, - mas do saber puro como essência que é este saber, esta consciência-de-si pura, que assim ao mesmo tempo é o verdadeiro objeto, pois é o Si para-si-essente.”


“796 (...) Em verdade, aquele Em-si do começo é igualmente como negatividade o Em-si mediatizado. Agora se põe tal como é em verdade; e o negativo é como determinidade de cada um para com o outro, e é em si o que suprassume a si mesmo. Uma das duas partes da oposição é a desigualdade do ser-dentro-de-si em sua singularidade, em contraste com a universalidade; a outra, é a desigualdade de sua universalidade abstrata em contraste com o Si. O primeiro Em-si morre ao seu ser-para-si, se extrusa e se confessa; este outro renuncia à dureza de sua universalidade abstrata, e morre ao seu Si sem-vida e à universalidade inconcussa; de modo que assim o primeiro Em-si se completou através do momento da universalidade que é a essência, e o segundo, através da universalidade que é o Si. Mediante esse movimento do agir, o espírito - que só é espírito porque é-aí porque eleva seu ser-aí ao pensamento e por isso à oposição absoluta, e desta, por ela e nela mesma retorna; - o espírito surgiu como pura universalidade do saber, que é consciência-de-si. Como consciência-de-si, é a unidade simples do saber.
797 Por conseguinte, o que na religião era conteúdo ou forma do representar de um outro, isso mesmo é aqui agir próprio do Si: o conceito o obriga a que o conteúdo seja o agir próprio do Si; pois esse conceito é, como vemos, o saber do agir do Si dentro de si como saber de toda a essencialidade e de todo o ser-aí: o saber sobre este sujeito como sendo a substância, e da substância como sendo este saber de seu agir. O que aqui acrescentamos é, de uma parte, somente a reunião dos momentos singulares, cada um dos quais apresenta em seu princípio a vida do espírito todo; e de outra parte, o manter-se firme do conceito na forma do conceito, cujo conteúdo já havia resultado naqueles momentos, e na forma de uma figura da consciência.
798 Essa última figura do espírito - o espírito que ao mesmo tempo dá ao seu conteúdo perfeito e verdadeiro a forma do Si, e por isso tanto realiza seu conceito quanto permanece em seu conceito nessa realização - é o saber absoluto. O saber absoluto é o espírito que se sabe em figura-deespírito, ou seja: é o saber conceituante. A verdade não é só em si perfeitamente igual à certeza, mas tem também a figura da certeza de si mesma: ou seja, é no seu ser-aí, quer dizer, para o espírito que sabe, na forma do saber de si mesmo. A verdade é o conteúdo que na religião é ainda desigual à sua certeza. Ora, essa igualdade consiste em que o conteúdo recebeu a figura do Si. Por isso, o que a essência mesma, a saber, o conceito, se converteu no elemento do ser-aí, ou na forma da objetividade para a consciência. O espírito, manifestando-se à consciência nesse elemento, ou, o que é o mesmo, produzido por ela nesse elemento, é a ciência.
799 A natureza, os momentos e o movimento desse saber se mostram, pois, de modo que esse saber é o puro ser-para-si da consciência-de-si; o saber é o Eu, que é este e nenhum outro Eu, e que é igualmente o Eu universal, imediatamente mediatizado ou suprassumido. Tem um conteúdo que distingue de si, pois é a negatividade pura ou o cindir-se: o Eu é consciência. Esse conteúdo é, em sua diferença mesma, o Eu, por ser o movimento do suprassumir-a-si-mesmo; ou essa mesma negatividade pura que é o Eu. O Eu está no conteúdo como diferenciado, refletido sobre si: o conteúdo é conceituado somente porque em seu ser outro está junto de si mesmo. Esse conteúdo, determinado com mais rigor, não é outra coisa que o movimento mesmo que acabamos de expor: pois é o espírito que se percorre a si mesmo, e certamente o faz para si como espírito, porque tem a figura do conceito na sua objetividade.”


“801 (...) No conceito que se sabe como conceito, os momentos se apresentam, pois, anteriormente ao todo implementado, cujo vir-a-ser é o movimento desses momentos. Na consciência, ao contrário, é anterior a esses momentos o todo, mas o todo não-conceituado. O tempo é o conceito mesmo, que é-aí, e que se faz presente à consciência como intuição vazia. Por esse motivo, o espírito se manifesta necessariamente no tempo; e manifesta-se no tempo enquanto não apreende seu conceito puro; quer dizer, enquanto não elimina o tempo. O tempo é o puro Si exterior intuído mas não compreendido pelo Si: é o conceito apenas intuído. Enquanto compreende a si mesmo, o conceito suprassume sua forma-de-tempo, conceitua o intuir, e é o intuir concebido e conceituante.
O tempo se manifesta, portanto, como o destino e a necessidade do espírito, que ainda não está consumado dentro de si mesmo; como a necessidade de enriquecer a participação que a consciência-de-si tem na consciência, e de pôr em movimento a imediatez do Em-si - a forma em que está a substância na consciência. Ou, inversamente - tomando o Em-si como o interior - como a necessidade de realizar e de revelar o que é somente interior; isto é, de reivindicá-lo para a certeza de si mesmo.
802 Por essa razão deve-se dizer que nada é sabido que não esteja na experiência; - ou, como também se exprime a mesma coisa - que não esteja presente como verdade sentida, como Eterno interiormente revelado, como o sagrado em que se crê, ou quaisquer outras expressões que sejam empregadas. Com efeito, a experiência é exatamente isto: que o conteúdo - e ele é o espírito - seja em si substância, e assim, objeto da consciência. Mas essa substância, que é o espírito, é o seu vir-a-ser para ser o que é em si; e só como esse vir-a-ser refletindo-se sobre si mesmo ele é em si, em verdade, o espírito. O espírito é em si o movimento que é o conhecer, - a transformação desse Em-si no Para-si; da substância no sujeito; do objeto da consciência em objeto da consciência-de-si; isto é, em objeto igualmente suprassumido, ou seja, no conceito.
Esse movimento é o círculo que retorna sobre si, que pressupõe seu começo e que só o atinge no fim. Assim, pois, enquanto o espírito é necessariamente esse diferenciar dentro de si, seu todo intuído se contrapõe à sua consciência-de-si simples. E já que esse todo é o diferenciado, diferencia-se em seu conceito puro: no tempo, e no conteúdo, - ou no Em-si. A substância, como sujeito, tem nela a necessidade, inicialmente interior, de apresentar-se nela mesma como o que ela é em si, como espírito. Só a exposição completa e objetiva é, ao mesmo tempo, a reflexão da substância, ou seu converter-se em Si. Portanto, o espírito não pode atingir sua perfeição como espírito consciente-de-si antes de ter-se consumado em-si, antes de ter-se consumado como espírito do mundo. Por isso o conteúdo da religião proclama no tempo, mais cedo que a ciência, o que é o espírito; mas só a ciência é o verdadeiro saber do espírito sobre si mesmo.
803 O movimento, que faz surgir a forma de seu saber de si, é o trabalho que o espírito executa como história efetiva.”


“804 (...) O espírito é esse movimento do Si, que se extrusa de si mesmo e se submerge em sua substância, e que tanto saiu dessa substância como sujeito, e se adentrou em si, convertendo-a em objeto e conteúdo, - quanto suprassume essa diferença entre a objetividade e o conteúdo. Aquela primeira reflexão, que parte da imediatez, é o diferenciar-se do sujeito em relação à sua substância, ou o conceito que se cinde: - o adentrar-se em si e o vir-a-ser do puro Eu. Enquanto essa diferença é o agir puro do Eu = Eu, o conceito é a necessidade e o eclodir do ser-aí, que tem a substância por sua essência, e subsiste para si.
Ora, o subsistir do ser-aí para si é o conceito posto na determinidade, e por isso é igualmente seu movimento, nele mesmo, de ir mais fundo dentro da substância simples, que só é sujeito enquanto é esta negatividade e movimento. O eu tampouco tem que aferrar-se à forma da consciência-de-si, contra a forma da substancialidade e objetividade, como se tivesse pavor de sua extrusão. A força do espírito consiste, antes, em permanecer igual a si mesmo em sua extrusão, e como o essente-em-si e para-si, em pôr tanto o ser-para-si quanto o ser-em-si apenas como momento. O Eu também não é um terceiro termo que rejeite as diferenças, lançando-as no abismo do absoluto, e que proclame sua igualdade dentro desse abismo. Ao contrário: o saber consiste muito mais nessa aparente inatividade que só contempla como é que o diferente se move nele mesmo, e retorna à sua unidade.
805 No saber, portanto, o espírito concluiu o movimento de seu configurar-se enquanto esse configurar-se é afetado pela diferença não-superada da consciência. O espírito ganhou o puro elemento do seu ser-aí, - o conceito. O conteúdo é, segundo a liberdade de seu ser, o Si que se extrusa, ou a unidade imediata do saber-se a si mesmo. O puro movimento dessa extrusão, considerado no conteúdo, constitui a necessidade desse mesmo conteúdo. O conteúdo diversificado está como determinado na relação; não é em si. Sua inquietude é suprassumir-se a si mesmo, ou a negatividade: assim é a necessidade ou a diversidade; é tanto o si quanto é o ser livre; e nessa forma de-Si, em que o ser-aí é imediatamente pensamento, - o conteúdo é conceito.
Quando, pois, o espírito ganhou o conceito, desenvolve o ser-aí e o movimento nesse éter de sua vida, e é ciência. Os momentos de seu movimento já não se apresentam na ciência como figuras determinadas da consciência, mas, por ter retornado ao Si a diferença da consciência, apresentam-se como conceitos determinados, e como seu movimento orgânico, fundado em si mesmo. Se na fenomenologia do espírito cada momento é a diferença entre o saber e a verdade, e é o movimento em que essa diferença se suprassume; - ao contrário, a ciência não contém essa diferença e o respectivo suprassumir; mas, enquanto o momento tem a forma do conceito, reúne em unidade imediata a forma objetiva da verdade e a forma do Si que-sabe. O momento não surge mais como esse movimento de ir e vir da consciência ou da representação para a consciência-de-si e vice-versa; mas sua figura pura, liberta de sua manifestação na consciência - o conceito puro e seu movimento para diante - dependem somente de sua pura determinidade.
Inversamente, a cada momento abstrato da ciência corresponde em geral uma figura do espírito que-se-manifesta. Como o espírito aí-essente não é mais rico que a ciência, assim também não é mais pobre em seu conteúdo. Conhecer os conceitos puros da ciência, nessa forma de figuras da consciência, constitui o lado de sua realidade segundo o qual sua essência - o conceito - que nela está posto em sua simples mediação como pensar, dissocia um do outro os momentos dessa mediação, e se apresenta segundo a oposição interna.
806 A ciência contém, nela mesma, essa necessidade de extrusar-se própria da forma do puro conceito; e contém a passagem do conceito à consciência. Pois o espírito que se sabe a si mesmo, precisamente porque apreende o seu conceito, é a igualdade imediata consigo mesmo, a qual em sua diferença é a certeza do imediato, ou a consciência sensível, - o começo donde nós partimos. Esse desprender-se da forma de seu Si é a suprema liberdade e segurança de seu saber de si.
807 Essa extrusão, contudo, é ainda incompleta: exprime a relação da certeza de si mesmo com o objeto, que não ganhou sua perfeita liberdade, justamente porque está na relação. O saber conhece não só a si, mas também o negativo de si mesmo, ou seu limite. Saber seu limite significa saber sacrificar-se. Esse sacrifício é a extrusão, em que o espírito apresenta seu processo de vir-a-ser o espírito, na forma do livre acontecer contingente, intuindo seu puro Si como o tempo fora dele, e igualmente seu ser como espaço. Esse último vir-a-ser do espírito, a natureza, é seu vivo e imediato vir-a-ser. Ora, a natureza - o espírito extrusado - em seu ser-aí não é senão essa eterna extrusão de sua subsistência, e o movimento que restabelece o sujeito.
808 Mas o outro lado de seu vir-a-ser, a história, é o vir-a-ser que-sabe e que se mediatiza, - é o espírito extrusado no tempo. Mas essa extrusão é igualmente a extrusão dela mesma: o negativo é o negativo de si mesmo. Esse vir-a-ser apresenta um movimento lento e um suceder-se de espíritos, um ao outro; uma galeria de imagens, cada uma das quais, dotada com a riqueza total do espírito, desfila com tal lentidão justamente porque o Si tem de penetrar e de digerir toda essa riqueza de sua substância. Enquanto sua perfeição consiste em saber perfeitamente o que ele é - sua substância - esse saber é então seu adentrar-se em si, no qual o espírito abandona seu ser-aí e confia sua figura à recordação. No seu adentrar-se-em-si, o espírito submergiu na noite de sua consciência-de-si; mas nela se conserva seu ser-aí que desvaneceu; e esse ser-aí suprassumido - o mesmo de antes, mas recém-nascido agora do saber - é o novo ser-aí, um novo mundo e uma nova figura-de-espírito. Nessa figura o espírito tem de recomeçar igualmente, com espontaneidade em sua imediatez; e partindo dela, tornar-se grande de novo, - como se todo o anterior estivesse perdido para ele, e nada houvesse aprendido da experiência dos espíritos precedentes. Mas a recordação os conservou; a recordação é o interior, e de fato, a forma mais elevada da substância. Portanto, embora esse espírito recomece desde o princípio sua formação, parecendo partir somente de si, ao mesmo tempo é de um nível mais alto que recomeça.
“O reino-dos-espíritos, que desse modo se forma no ser-aí, constitui uma sucessão na qual um espírito sucedeu a um outro, e cada um assumiu de seu antecessor o reino do mundo. Sua meta é a revelação da profundeza, e essa é o conceito absoluto. Essa revelação é, por isso, o suprassumir da profundeza do conceito, ou seja, sua extensão, a negatividade desse Eu que-em-si-se-adentra: negatividade que é sua extrusão ou sua substância. Essa revelação é seu tempo, em que essa extrusão se extrusa nela mesma, e desse modo está, tanto em sua extensão quanto em sua profundeza, no Si. A meta - o saber absoluto, ou o espírito que se sabe como espírito - tem por seu caminho a recordação dos espíritos como são neles mesmos, e como desempenham a organização de seu reino. Sua conservação, segundo o lado de seu ser-aí livre que se manifesta na forma da contingência, é a história; mas segundo o lado de sua organização conceituai, é a ciência do saber que-se-manifesta. Os dois lados conjuntamente - a história conceituada - formam a recordação e o calvário do espírito absoluto; a efetividade, a verdade e a certeza de seu trono, sem o qual o espírito seria a solidão sem vida; somente
“do cálice desse reino dos espíritos
espuma até ele sua infinitude”.
Schiller”

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