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sábado, 5 de setembro de 2020

Fenomenologia do Espírito (Volume 2, Parte II), de G. W. F. Hegel

Editora: Vozes
ISBN: 85-326-0772-1
Tradução: Paulo Meneses
Opinião: ★★★☆☆
Sinopse: Ver Parte I

“Sobre o ser-em-si-e-para-si do útil como objeto, a consciência sabe de certo que seu ser-em-si é essencialmente ser para Outro; o ser-em-si como o carente-de-si é na verdade o passivo, ou o que é para um outro Si. Mas o objeto é para a consciência nessa forma abstrata do puro ser-em-si, pois é puro ato de intelecção cujas diferenças estão na pura forma dos conceitos.
No entanto o ser-para-si ao qual retorna o ser para Outro - o Si - não é um Si diverso do Eu, um Si próprio daquilo que se chama objeto; porque a consciência, como pura inteligência, não é um Si singular ao qual o objeto igualmente se contraponha como Si próprio; senão que é o puro conceito, - o contemplar-se do Si no Si, o absoluto ver-se a si mesmo em dobro. A certeza de si é o sujeito universal, e seu conceito que-sabe é a essência de toda a efetividade.
Assim, se o útil era só a alternância dos momentos que não retornavam à sua própria unidade, e por isso era ainda objeto para o saber, agora deixa de ser isso: pois o saber mesmo é o movimento daqueles momentos abstratos: - é o Si universal, tanto o seu Si como o Si do objeto; e, enquanto universal, é a unidade, que a si retorna, desse movimento.
584 O espírito assim está presente como liberdade absoluta; é a consciência-de-si que se compreende de modo que sua certeza de si mesma é a essência de todas as massas espirituais, quer do mundo real, quer do suprassensível; ou, inversamente, de modo que a essência e a efetividade são o saber da consciência sobre si mesma. Ela é consciente de sua pura personalidade, e nela de toda a realidade espiritual: e toda a realidade é só espiritual. Para ela, o mundo é simplesmente sua vontade, e essa é vontade universal. E, sem dúvida, não é o pensamento vazio da vontade que se põe no assentimento tácito ou representado, mas é a vontade realmente universal, vontade de todos os Singulares enquanto tais.
Com efeito, a vontade é em si a consciência da personalidade, ou de um Cada qual, e deve ser como esta vontade efetiva autêntica, como essência consciente-de-si, de toda e cada uma personalidade, de modo que cada uma sempre indivisamente faça tudo; e o que surge como o agir do todo é o agir imediato e consciente de um cada qual.
585 Essa substância indivisa da liberdade absoluta se eleva ao trono do mundo sem que poder algum lhe possa opor resistência. Por ser só a consciência, na verdade, o elemento em que as essências espirituais ou potências têm sua substância, colapsou todo o seu sistema que se organizava e mantinha pela repartição em massas enquanto a consciência singular compreende o objeto de modo a não ter outra essência que a própria consciência-de-si, ou seja, enquanto compreende que o objeto é absolutamente o conceito.
Ora, o que fazia do conceito um objeto essente era sua diferenciação em massas subsistentes separadas; quando porém o objeto se torna conceito, nada mais de subsistente nele existe: a negatividade penetrou todos os seus momentos. Ele entra na existência de modo que cada consciência singular se eleva da esfera à qual era alocada, não encontra mais nessa massa particular sua essência e sua obra; ao contrário, compreende seu Si como o conceito da vontade, e todas as massas como essência dessa vontade; e, por conseguinte, também só pode efetivar-se em um trabalho que seja trabalho total.
Nessa liberdade absoluta são assim eliminados todos os estados que são as potências espirituais, em que o todo se organiza. A consciência singular, que pertencia a algum órgão desses, e no seu âmbito queria e realizava, suprimiu suas barreiras: seu fim, é o fim universal; sua linguagem, a lei universal; sua obra, a obra universal.
586 O objeto e a diferença perderam aqui a significação da utilidade, que era o predicado de todo o ser real. A consciência não inicia seu movimento no objeto como em algo estranho, do qual retornasse a si mesma, mas para ela o objeto é a consciência mesma; assim a oposição consiste só na diferença entre a consciência singular e a universal. Ora, a consciência singular é imediatamente para si aquilo mesmo que de oposição tinha apenas a aparência: é consciência e vontade universal. O além dessa sua efetividade adeja sobre o cadáver da independência desvanecida do ser real ou do ser acreditado pela fé, apenas como a exalação de um gás insípido, do vazio ser supremo.
587 Depois da suprassunção das massas espirituais distintas e da vida limitada dos indivíduos, como de seus dois mundos, só se acha presente, portanto, o movimento da consciência de si universal dentro de si mesma, como uma ação recíproca da consciência na forma da universalidade, e da consciência pessoal. A vontade universal se adentra em si, e é a vontade singular, a que se contrapõe a lei e obra universal. Mas essa consciência singular é, por igual, imediatamente cônscia de si mesma como vontade universal: é consciente de que seu objeto é lei dada por ela, e obra por ela realizada. Assim, ao passar à atividade e ao criar objetividade, nada faz de singular mas somente leis e atos de Estado.


“589 Como nessa obra universal da liberdade absoluta a consciência-de-si singular não se encontra enquanto substância aí-essente, tampouco ela se encontra nos atos peculiares e nas ações individuais de sua vontade. Para que o universal chegue a um ato, precisa que se concentre no uno da individualidade, e ponha no topo uma consciência-de-si singular; pois a vontade universal só é uma vontade efetiva em um Si que é uno. Mas dessa maneira, todos os outros singulares estão excluídos da totalidade desse ato, e nele só têm uma participação limitada; de modo que o ato não seria ato da efetiva consciência-de-si universal. Assim a liberdade universal não pode produzir nenhuma obra nem ato positivo; resta-lhe somente o agir negativo; é apenas a fúria do desvanecer.
590 Mas a efetividade suprema, e a mais oposta à liberdade universal, ou melhor, o único objeto que ainda vem-a-ser para ela, é a liberdade e singularidade da própria consciência de si efetiva. Com efeito, essa universalidade que não se deixa chegar à realidade da articulação orgânica, e que tem por fim manter-se na continuidade indivisa, ao mesmo tempo se distingue dentro de si por ser movimento ou consciência em geral. De certo, em virtude de sua própria abstração, divide-se em extremos igualmente abstratos: na universalidade fria, simples e inflexível, e na rigidez dura, discreta e absoluta, e pontilhismo egoísta, da consciência de si efetiva. Depois que levou a cabo a destruição da organização real, e agora subsiste para si, é isso seu único objeto, - um objeto que não tem nenhum outro conteúdo, posse, ser-aí e expansão exterior, mas que é somente este saber de si como um Si singular, absolutamente puro e livre. Esse objeto, no que pode ser captado, é só seu ser-aí abstrato em geral.”


“597 O saber da consciência-de-si é portanto, para ela, a substância mesma. Para ela, a substância é em uma unidade indivisível tanto imediata, quanto absolutamente mediatizada. E imediata: como consciência ética, sabe e cumpre ela mesma o dever, e lhe pertence como à sua natureza. Mas não é caráter como a consciência ética, que em razão de sua imediatez é um espírito determinado, só pertence a uma das essencialidades éticas, e tem o lado de não saber. E mediação absoluta, como a consciência que se cultiva e a consciência crente; pois é essencialmente o movimento do Si: suprassumir a abstração do ser-aí imediato, e tornar-se algo universal; mas isso não se dá nem por meio da pura alienação e pelo dilaceramento de seu Si e da efetividade, nem pela sua fuga. Ao contrário, essa consciência está imediatamente presente em sua substância, pois ela é seu saber, é a pura certeza intuída de si mesma; e justamente essa imediatez, que é sua própria efetividade, é toda a efetividade; porque o imediato é o ser mesmo; e enquanto pura imediatez, clarificada pela negatividade absoluta, é o puro ser, é o ser em geral ou todo o ser.
598 A essência absoluta não se esgota, pois, na determinação de ser a simples essência do pensar, mas é toda a efetividade; e essa efetividade só existe como saber. O que a consciência não soubesse, não teria sentido; nem pode ser um poder para ela. Na sua vontade sabedora, recolheu-se toda a objetividade, e todo o mundo. E absolutamente livre porque sabe sua liberdade, e precisamente esse saber de sua liberdade é sua substância e fim e conteúdo único.”


“A essência absoluta é precisamente esse ser pensado e postulado além da efetividade; é pois o pensamento no qual o saber e querer moralmente imperfeitos contam como perfeitos; e por isso também, ao tomá-los como plenamente válidos, outorga a felicidade conforme a dignidade, quer dizer, conforme o mérito que lhes é atribuído.


“611 (...) A consciência moral só sabe a pura essência, ou o objeto, na medida em que é dever, na medida em que é objeto abstrato de sua consciência pura, como puro saber ou como si mesma. Comporta-se assim só pensando, e não conceituando. Por isso ainda não lhe é transparente o objeto de sua consciência efetiva; ainda não é o conceito absoluto, o único que compreende o ser-outro como tal, ou que compreende seu contrário absoluto como a si mesmo.
Para a consciência moral, sua efetividade própria, assim como toda a efetividade objetiva, na verdade conta como o inessencial; mas sua liberdade é a liberdade do puro pensar, e ao mesmo tempo, em contraposição com ela, surgiu a natureza como algo igualmente livre. Como na consciência moral estão da mesma maneira as duas coisas, - a liberdade do ser e a inclusão desse ser na consciência, seu objeto vem-a-ser como um objeto essente, que ao mesmo tempo é apenas pensado. Na última parte de sua cosmovisão, o conteúdo é essencialmente posto de modo que seu ser é um ser representado, e essa união do ser e do pensamento é enunciada como o que ela é de fato: como o representar.


632 A antinomia da cosmovisão moral - de que há uma consciência moral, e de que não há; ou de que a vigência do dever está além da consciência, e inversamente, que só nela tem lugar, - essa antinomia se condensava na representação de que a consciência não-moral vale por consciência moral, seu saber e querer contingentes são aceitos como ponderáveis, e a felicidade é concedida à consciência por uma graça. Essa representação que a si mesma contradiz, a consciência-de-si moral não a tomava sobre si, mas a transferia para uma outra essência que ela. Mas esse transpor-para-fora de si mesma, daquilo que deve pensar como necessário, é tanto a contradição segundo a forma, quanto a primeira é a contradição segundo o conteúdo.
Entretanto, porque o que se manifesta como contraditório - e em cuja separação e dissolução reiterada se debate a cosmovisão moral - é em si exatamente o mesmo, a saber, o dever puro como o puro saber não é outra coisa que o Si da consciência, e o Si da consciência é o ser e a efetividade. Igualmente, o que deve ser além da consciência efetiva, não é outra coisa que o puro pensar; é assim, de fato, o Si. Desse modo, para nós ou em si, a consciência de si retorna a si, e sabe como a si mesma aquela essência na qual o efetivo é ao mesmo tempo saber puro e dever puro. A consciência é para si mesma o que é plenamente-válido em sua contingência, o que sabe sua singularidade como puro saber e agir, como a verdadeira efetividade e harmonia.
633 Esse Si da boa-consciência, o espírito imediatamente certo de si mesmo como da verdade absoluta e do ser, é o terceiro Si, que para nós veio-a-ser a partir do terceiro mundo do espírito. Deve ser comparado brevemente com os anteriores.
1º - A totalidade ou efetividade, que se apresenta como a verdade do mundo ético, é o Si da pessoa. Seu ser-aí é o ser-reconhecido. Como a pessoa é o Si vazio-de-substância, esse seu ser-aí é igualmente a efetividade abstrata: a pessoa vale e de certo, imediatamente; o Si é o ponto que repousa imediatamente no elemento do seu ser. Não se separa de sua universalidade; por isso, a universalidade e o Si não estão mutuamente em movimento e relação. No Si, o universal está sem diferenciação: nem é conteúdo do Si, nem é o Si preenchido por si mesmo.
2º - O segundo Si é o mundo da cultura, chegado à sua verdade, ou o espírito da cisão restituído a si mesmo: a liberdade absoluta. Nesse Si dissocia-se aquela primeira unidade imediata da singularidade e da universalidade. O universal, que igualmente permanece essência puramente espiritual - o ser-reconhecido, ou universal vontade e saber - é objeto e conteúdo do Si e sua efetividade universal. Contudo, ele não tem a forma do ser-aí que está livre do Si. Nesse Si, o universal não chega, pois, a nenhuma implementação e a nenhum conteúdo positivo; não chega a mundo algum.
3º - A consciência-de-si moral deixa livre certamente sua universalidade, de modo a tornar-se uma natureza própria, e igualmente a retém dentro de si como suprassumida. Mas ela é somente o jogo distorcido da alternância dessas duas determinações. É como boa-consciência que tem primeiro em sua certeza de si mesma o conteúdo para o dever anteriormente vazio, assim como para o direito vazio e para a vazia vontade universal; e como essa certeza-de-si é igualmente o imediato, nela, a consciência-de-si moral tem o ser-aí mesmo.”


“638 Se for considerada mais de perto em sua unidade e na significação dos momentos, vemos que a consciência moral só se apreendeu como o Em-si ou essência; mas como boa-consciência apreende seu ser-para-si ou o seu Si. A contradição da cosmovisão moral se dissolve; isto é, a diferença, que lhe serve de base, se revela não ser diferença alguma, e colapsa na pura negatividade. Ora, essa negatividade é justamente o Si; um simples Si que tanto é saber puro quanto é saber de si como desta consciência singular. Esse Si constitui portanto o conteúdo da essência antes vazia, pois é o Si efetivo, que não tem mais a significação de ser uma natureza estranha à essência e independente nas leis próprias. Como o negativo, é a diferença da pura essência, - um conteúdo, e na verdade um conteúdo que é válido em si e para si.
639 Além do mais, esse Si - como puro saber igual a si mesmo, - é algo pura e simplesmente universal, de modo que precisamente esse saber, como seu próprio saber, como convicção, é o dever. O dever já não é o universal que se contrapõe ao Si; ao contrário, é cônscio de não ter nenhuma validade nessa separação. Agora é a lei que é por causa do Si, e não o Si por causa da lei. Contudo a lei e o dever têm, por isso, não só a significação do ser-para-si, mas também a do ser-em-si: pois esse saber, em razão de sua igualdade-consigo-mesmo, é justamente o Em-si. Dentro da consciência, esse Em-si se separa também daquela unidade imediata com o ser-para-si; contrapondo-se assim, ele é ser, ser para Outro.
Agora o dever justamente se torna, como dever abandonado pelo Si, sabedor de que é um momento apenas. De sua significação, que era ser a essência absoluta, decaiu até o ponto do ser que não é Si, nem é para si, e portanto é ser para Outro. Mas esse ser para Outro permanece, por isso mesmo, momento essencial; porque o Si, como consciência, constitui a oposição do ser-para-si e do ser para Outro, e agora o dever é nele algo imediatamente efetivo, e não mais simplesmente a pura consciência abstrata.
640 Esse ser para Outro é assim a substância em-si-essente, distinta do Si. A boa-consciência não abandonou o dever puro ou o Em-si abstrato, mas o dever puro é o momento essencial, o de relacionar-se, como universalidade, com os outros. A boa-consciência é o elemento comum da consciência; elemento que é a substância em que o ato tem subsistência e efetividade: o momento do tornar-se reconhecido pelos outros. A consciência-de-si moral não tem esse momento do ser-reconhecido, da consciência pura que é-aí; e por isso, em geral não é operante, não é efetivante. Para a consciência-de-si moral seu Em-si, ou é a essência inefetiva abstrata, ou é o ser como uma efetividade, que não é espiritual. Ao contrário, a efetividade essente da boa-consciência é uma efetividade que é um Si, quer dizer, um ser-aí consciente de si, o elemento espiritual do tornar-se-reconhecido.
Portanto, o agir é somente o trasladar de seu conteúdo singular para o elemento objetivo, onde o conteúdo é universal e reconhecido: e isso justamente - o fato de ser reconhecido - faz que a ação seja efetividade. Reconhecida, e portanto efetiva, é a ação porque a efetividade aí-essente se vincula imediatamente com a convicção ou com o saber; ou seja, o saber de seu fim é imediatamente o elemento do ser-aí, o universal reconhecer. Com efeito, a essência da ação, o dever, consiste na convicção da boa-consciência a seu respeito: essa convicção é justamente o próprio Em-si: é a consciência-de-si, em si universal, ou o ser-reconhecido e por conseguinte, a efetividade. O que-é-feito com a convicção do dever é assim imediatamente algo que tem consistência e ser-aí.
Assim, não se fala mais aqui de uma boa intenção que não se efetua, ou de que as coisas vão mal para quem é bom. Ao contrário, o que é sabido como dever se cumpre e chega à efetividade, pois justamente o que-é-conforme-ao-dever é o universal de todas as consciências-de-si: o reconhecido, e portanto o essente. Mas tomado isoladamente e só, sem o conteúdo do Si, esse dever é o ser-para-outro, o transparente, que tem só a significação da essencialidade carente-de-conteúdo em geral.”


“Consideremos a boa-consciência em relação às determinações singulares da oposição que se manifesta no agir, e sua consciência sobre a natureza dessas determinações. Primeiro, ela se comporta como sabedora em relação à efetividade do caso em que se tem de agir. Na medida em que o momento da universalidade pertence a esse saber, compete ao saber do agir consciencioso abarcar de maneira irrestrita a efetividade que tem diante, e assim conhecer exatamente e ponderar as circunstâncias do caso. Ora, esse saber, porque conhece a universalidade como um momento, é um saber dessas circunstâncias que é consciente de não abarcá-las; ou seja, de não ser consciencioso neste ponto.
A relação verdadeiramente universal e pura do saber seria uma relação com algo não oposto, uma relação consigo mesmo; mas o agir, pela oposição que nele é essencial, relaciona-se com um Negativo da consciência, com uma efetividade em si essente. Em contraste com a simplicidade da consciência pura, com o Outro absoluto ou a variedade multiforme em si, essa efetividade é uma pluralidade absoluta de circunstâncias que se divide e estende até o infinito: - para trás em suas condições, para o lado em seus concomitantes, para a frente, em suas consequências.
A consciência conscienciosa é consciente dessa natureza da Coisa, e de sua relação com ela; sabe que não conhece, conforme essa universalidade exigida, o caso em que opera, e que é nula sua pretensão de ter essa ponderação conscienciosa de todas as circunstâncias. No entanto, não está de todo ausente esse conhecimento e avaliação de todas as circunstâncias; mas só está presente como momento, como algo que só é para outros; e seu saber imperfeito, porque é seu saber, é valorizado como saber suficiente completo.”


“651 O Si entra no ser-aí como Si; o espírito certo de si mesmo existe, como tal, para outros: não é sua ação imediata o que é válido e efetivo; não é o determinado nem o em-si-essente que é reconhecido; mas só o Si que-se-sabe, como tal. O elemento da subsistência é a consciência-de-si universal; o que entra nesse elemento não pode ser o efeito da ação, pois a ação aí não se sustem, nem ganha permanência. Ao contrário, é somente a consciência-de-si que é o reconhecido e que ganha a efetividade.
652 Vemos assim a linguagem novamente como o ser-aí do espírito. A linguagem é a consciência-de-si essente para outros, que está imediatamente presente como tal e que é universal como esta consciência-de-Si. É o Si separando-se de si mesmo que como puro Eu = Eu se torna objetivo e nessa objetividade tanto se mantém como este Si quanto se aglutina imediatamente com os outros e é a consciência-de-si deles. Tanto se percebe como é percebido pelos outros, e o perceber é justamente o ser-aí que se-tornou Si.
653 O conteúdo, que a linguagem aqui adquiriu, não é mais o Si perverso e pervertedor e dilacerado do mundo da cultura; mas é o espírito que retomou a si, certo de si e certo de sua verdade em seu Si - ou do seu reconhecer - e reconhecido como esse saber.
A linguagem do espírito ético é a lei e o simples mandamento, e a lamentação que é mais uma lágrima derramada sobre a necessidade. Ao contrário, a consciência moral é ainda muda, fechada em si no seu íntimo, pois nela o Si não tem ainda ser-aí, mas o ser-aí e o Si estão somente em relação exterior recíproca. No entanto, a linguagem surge apenas como o meio-termo entre consciências de si independentes e reconhecidas; o Si aí-essente é o ser-reconhecido, imediatamente universal, múltiplo e contudo simples nessa multiplicidade. O conteúdo da linguagem da boa-consciência é o Si, sabedor de si como essência. A linguagem exprime somente isso; e esse exprimir é a verdadeira efetividade do agir e a validade da ação.
A consciência exprime sua convicção: é só nessa convicção que a ação é dever. Também só vale como dever porque a convicção é expressa. Com efeito, a consciência-de-si universal é livre da ação determinada apenas essente; esta, como ser-aí, não vale para a consciência-de-si, e sim, a convicção de que a mesma ação é dever, e essa convicção é efetiva na linguagem. Efetivar a ação não significa, aqui, trasladar seu conteúdo da forma do fim ou do ser-para-si para a forma da efetividade abstrata; mas da forma da imediata certeza de si mesmo - que sabe como essência seu saber ou ser-para-si - para a forma da asseveração de que a consciência está convencida do dever e sabe, de si mesma, como boa-consciência, o dever. Assim essa asseveração assevera que a consciência está convencida que sua convicção é a essência.”


“Assim, a boa consciência, na majestade de sua elevação sobre a lei determinada e sobre qualquer conteúdo do dever, põe o conteúdo que lhe apraz em seu saber e querer: é a genialidade moral, que sabe a voz interior de seu saber imediato como sendo a voz divina, e enquanto nesse saber sabe de modo igualmente imediato o ser-aí: é a criatividade divina, que tem em seu conceito a vitalidade. É igualmente serviço divino em si mesma, porque seu agir é o contemplar dessa sua própria divindade.”


“656 Esse serviço divino solitário é ao mesmo tempo essencialmente o serviço divino de uma comunidade, e o puro interior saber-se e perceber-se a si mesmo passa a ser momento da consciência. A contemplação de si é seu ser-aí objetivo, e esse elemento objetivo é o enunciar de seu saber-e-querer, como de um universal. Por meio desse enunciar, o Si se torna algo vigente, e a ação toma-se ato efetuante. A efetividade e a subsistência de seu agir são a consciência-de-si universal; mas o enunciar da boa-consciência põe a certeza de si mesma como Si puro e por isso, como Si universal. Os outros valorizam a ação por causa desse discurso, no qual o Si é expresso e reconhecido como a essência.
Assim, o espírito e a substância de sua união é mútua asseveração de sua conscienciosidade, de suas boas intenções, o jubilar-se por essa pureza recíproca e o deleitar-se com a sublimidade do saber e enunciar, do guardar e cultivar tal excelência. Na medida em que essa boa-consciência ainda distingue sua consciência abstrata de sua consciência-de-si, tem sua vida somente recôndita em Deus. Na verdade, Deus está imediatamente presente ao seu espírito e coração, ao seu Si: mas o revelado, sua consciência efetiva e o movimento mediatizante da mesma, são para ela uma outra coisa que aquele Interior recôndito e a imediatez da essência presente.
Contudo, na realização plena da boa-consciência, suprassume-se a diferença entre sua consciência abstrata e sua consciência-de-si. Ela sabe que a consciência abstrata é precisamente este Si, este ser-para-si certo de si; sabe que na imediatez da relação do Si com o Em-si - o qual posto fora do Si é a essência abstrata e o recôndito para ela - é suprassumida justamente a diversidade. Com efeito, aquela relação em que os termos relacionados não são, um para o Outro, uma só e a mesma coisa, mas um Outro, e somente são Um em um terceiro, - é uma relação mediatizante. Ao contrário, a relação imediata de fato não significa outra coisa que a unidade. A consciência, elevada acima da carência-de-pensamento - que é manter ainda como diferenças essas diferenças que não são tais - sabe a imediatez da presença da essência como sendo nela unidade da essência e do seu Si. Assim, sabe o seu Si como o Em-si vivente, e sabe esse seu saber como a religião. A religião, como saber intuído ou aí-essente, é o falar da comunidade sobre o seu espírito.
657 Vemos assim aqui a consciência-de-si retomada ao seu mais íntimo, para o qual desvanece toda a exterioridade como tal; retornada à intuição do Eu = Eu, em que esse Eu é toda a essencialidade e ser-aí. A consciência-de-si afunda nesse conceito de si mesma, por ser impelida ao ápice de seus extremos. Sem dúvida isso se dá de modo que os diversos momentos, pelos quais ela é real, ou é ainda consciência, não são para nós esses puros extremos; ao contrário, o que ela é para si, e o que para ela é em si, e o que para ela é ser-aí, se volatiliza em abstrações, que para a consciência não têm mais nenhuma firmeza, nenhuma substância; e tudo o que até agora era essência para a consciência, retrocedeu nessas abstrações.
A consciência, refinada até essa pureza, é a sua figura mais pobre; e a pobreza, que constitui seu único patrimônio, ela mesma é um desvanecer; essa absoluta certeza em que a substância se dissolveu, é a absoluta inverdade, que colapsa dentro de si; é a consciência-de-si absoluta em que a consciência afunda.
658 Considerando esse afundar dentro de si mesma, vê-se que a substância em-si-essente é para a consciência o saber como seu saber. Como consciência, está dividida na oposição de si e do objeto que para ela é a essência; mas esse objeto é, a rigor, o perfeitamente translúcido, - é o seu Si, e sua consciência é apenas o saber de si. Toda a vida, toda a essencialidade espiritual retornaram a esse Si, e perderam sua diversidade em relação ao Eu-Mesmo. Os momentos da consciência são, pois, essas abstrações extremas. Nenhuma delas fica estável, mas cada uma se perde na outra e a engendra. É a alternância da consciência infeliz consigo, mas que ocorre agora para a consciência mesma no interior de si; e está consciente de ser o conceito da razão, que a consciência infeliz é somente em si. A certeza absoluta de si mesma muda-se assim para ela, como consciência, imediatamente em um som que esmaece na objetividade do seu ser-para-si. Mas esse mundo criado é sua fala, que ela escutou de modo igualmente imediato, e cujo eco apenas lhe retorna.”


“665 (...) Como toda a ação é susceptível de ser considerada em sua conformidade-com-o-dever, assim também é susceptível dessa outra consideração da particularidade; porque, como ação, é a efetividade do indivíduo. Esse juízo coloca pois a ação fora de seu ser-aí, e a reflete no interior ou na forma da particularidade própria. Se a ação vai acompanhada pela fama, o juízo sabe esse interior como ambição de glória, etc. Se a ação se ajustar, em geral, à condição do indivíduo sem ir além dela, e for de tal modo constituída que a individualidade não assuma o status como uma determinação externa, suspensa a ela, mas preencha por si mesma essa universalidade mostrando-se, por isso mesmo, capaz de algo mais elevado, - então o juízo saberá o interior dela como cobiça da honra, etc. Como na ação, em geral, o operante alcança a intuição de si mesmo na objetividade, ou o sentimento de si mesmo em seu ser-aí, e assim chega ao gozo, - do mesmo modo o juízo sabe o interior como impulso para a felicidade própria, mesmo que ela só consista na vaidade moral interior, no gozo da consciência da própria excelência, e na prelibação da esperança de uma felicidade futura. Nenhuma ação pode escapar a tal julgar, porque o dever pelo dever - esse fim puro - é o inefetivo; no agir da individualidade é que tem sua efetividade, e por isso a ação possui nela o lado da particularidade. Ninguém é herói para seu criado-de-quarto; não porque o herói não seja um herói, mas porque o criado-de-quarto é criado-de-quarto, com quem o herói nada tem a ver enquanto herói, mas só enquanto homem que come, bebe e se veste; quer dizer, em geral, como homem privado, na singularidade da necessidade e da representação. Do mesmo modo, para o julgamento não há ação em que ele não possa contrapor o lado da singularidade e da individualidade, ao lado universal da ação, e desempenhar para com aquele-que-age o papel de criado-de-quarto da moralidade.
666 Essa consciência judicante é, ela mesma, vil, porque divide a ação, produz e fixa sua desigualdade consigo mesma. Além disso, é hipocrisia, porque não faz passar tal julgar por uma outra maneira de ser mau, e sim pela consciência reta da ação. Nessa sua inefetividade e vaidade do saber-bem e saber-melhor, coloca-se a si mesma acima dos fatos desdenhados, e quer que suas palavras inoperantes sejam tomadas por uma efetividade excelente.”

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