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sábado, 29 de fevereiro de 2020

Constituição histórica da educação no Brasil – Nadia Gaiofatto Gonçalves

Editora: InterSaberes
ISBN: 978-85-8212-127-6
Opinião: ★☆☆☆☆
Páginas: 188
Sinopse: Esta obra oferece subsídios para que o estudante ou profissional da educação desenvolva reflexões críticas sobre a educação brasileira em sua constituição histórica, sempre que possível, problematizando sua realidade local. Trata-se de uma abordagem desafiadora e crítica, que leva a repensar o papel da escola, do educador, das propostas curriculares e de outras questões que envolvem os atos de ensinar e de aprender.


“Para Burke (A escrita da história, 1992), os historiadores da contemporaneidade encontram diversas e distintas maneiras de contemplar as novas proposições. Ele apresenta seis pontos que permitem visualizar pressupostos da história conhecida como tradicional, em contraposição aos da nova proposta:
Quadro 1.1 — Diferenças entre a “antiga” e a “Nova” História
Paradigma Tradicional
Nova História
Interesse especial pelo tema política e pela história mundial, em detrimento da local e regional
Interesse por toda a atividade humana, daí a expressão história total, relacionada aos annales.
História compreendida como uma narrativa dos acontecimentos, factual e linear
Preocupa-se em realizar análise das estruturas que envolvem as permanências e transformações históricas, o que implica diálogo com outras áreas de conhecimento.
Volta-se aos grandes feitos de “grandes homens”, como políticos ou militares.
Busca compreender a vida, as experiências e o pensamento das pessoas comuns.
Valoriza somente documentos oficiais como fontes válidas para a história.
Aceita uma maior variedade de documentos e registros, escritos, visuais e orais, por exemplo, como fontes.
Restrita a questões objetivas: porque, como, o que levou a, buscando “a” resposta correta, e pressupondo que há uma única resposta correta.
Busca articular elementos individuais e coletivos, tendências e acontecimentos para a compreensão do evento, pressupondo que podem haver distintas versões sobre o mesmo evento histórico.
A história é objetiva, ou seja, o historiador deve apresentar os fatos como eles aconteceram.
Não é possível absoluta objetividade na construção da explicação histórica, tanto por parte dos sujeitos envolvidos no evento quanto do historiador.
Fonte: Elaborado a partir de Burke, 1992, p 10-16.
Como principal transformação nas prioridades e preocupações dos pesquisadores, podemos destacar a compreensão de que não devemos buscar uma verdade, ou “a” verdade em história, como se acreditava antes, considerando que os relatos sobre um evento histórico podem ser distintos e que os historiadores também são condicionados social, cultural e historicamente, ou seja, não há como serem absolutamente objetivos e neutros em suas pesquisas e explicações históricas.”


“Embora a legitimidade de cada campo de conhecimento e das produções nele geradas sejam sempre feitas, em última instância, pela comunidade acadêmica da área, há alguns elementos que indicam caminhos necessários para que a explicação histórica possa ser considerada científica. Por exemplo: deve haver um problema de pesquisa claramente enunciado, um método de seleção, organização e interpretação das fontes, e um referencial teórico que oriente a explicação, que deve ser coerente e decorrente do problema, das fontes e do referencial.”


“Uma importante mudança de perspectiva se refere à linearidade da história. Na perspectiva tradicional, ela é progressiva, factual e eurocêntrica, ou seja, atende a dois pressupostos: o de que há uma evolução necessária na história e o de que o ideal de civilização, bem como o centro de toda história mundial, estão na Europa. Na nova proposição, esses pressupostos são questionados, porque não necessariamente ocorre uma evolução — termo pelo qual se compreende que houve sempre uma melhora —, mas sim mudanças, permanências ou transformações, por exemplo. Também não se reconhece um ideal civilizatório, uma vez que cada sociedade tem sua trajetória e especificidades próprias, e não precisamos almejar semelhança com nenhuma outra sociedade. Assim, as noções de tempo e espaço são fundamentais para a compreensão de cada sociedade e cultura, e outras noções, além da de sucessão, como as de simultaneidade, de permanência, de mudança e de transformação, são valorizadas.”


“Dos problemas e questionamentos desenvolvidos pelos historiadores, decorre necessariamente um novo olhar sobre os documentos: “A diversidade dos testemunhos históricos é quase infinita. Tudo que o homem diz ou escreve, tudo que fabrica, tudo que toca pode e deve informar sobre ele” (Bloch, Apologia da história, 2001, p. 79). (...)
Podemos compreender o termo documento a partir da citação de Bloch, ou seja: documento é todo registro ou testemunho do passado humano, em suas diversas e distintas formas de materialização e suporte. O documento se torna fonte na medida em que alguém o seleciona e o interroga: ele será então fonte de informações — no caso, para o historiador. E dessa fonte ele buscará extrair informações específicas, de acordo com a pergunta que quer responder, o que implica que uma mesma fonte pode trazer diferentes informações e ser utilizada de diferentes formas, de acordo com a questão e o propósito para os quais foi selecionada.
Quando da utilização das fontes, lembramos que os documentos em geral são produzidos “por instituições ou indivíduos singulares, tendo em vista não uma utilização ulterior, e sim, na maioria das vezes, um objetivo imediato, espontâneo ou não, sem a consciência da historicidade, do caráter de ‘fonte’ que poderia[m] vir a assumir mais tarde” (Rousso, O arquivo ou o indício de uma falta, 1996, p. 87). Ou seja, devem ser indagados com base em suas condições de produção e de uso.
O documento não é inócuo. É, antes de mais nada, o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziu, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver; talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento [...] que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados, desmistificando-lhe o seu significado aparente. O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro — voluntária ou involuntariamente determinada imagem de si próprias. (Le Goff, História e memória, 2003, p. 537-538).
Ou seja, mesmo que o documento seja produzido sem consciência de seu uso posterior, como fonte, é importante que, entre as perguntas feitas, esteja essa: Por que esse registro foi guardado? Essa questão é relevante porque ajudará o pesquisador a compreender as informações que ele traz. Alguém ou alguma instituição fez com que aquele registro fosse preservado, enquanto muitos outros foram destruídos. Quem decidiu pela guarda ou descarte? Quais critérios foram utilizados para decidir quais documentos seriam guardados e quais seriam jogados fora? Essas são questões fundamentais para a história, hoje. Le Goff, quando afirma que o “documento é monumento”, remete às representações que uma pessoa, instituição ou sociedade querem deixar de seu passado — o que se relaciona aos critérios que estabeleceram a preservação de determinados documentos que trazem uma certa informação ou explicação sobre esse passado.
Um exemplo sobre essa afirmação: até pouco tempo atrás — quando não havia tantos recursos digitais que permitissem a alteração de uma imagem —, a fotografia era assumida como registro de uma realidade, ou seja, as pessoas pressupunham que o fotógrafo registrou a realidade, o que estava acontecendo.
A compreensão do historiador sobre esse tipo de fonte, atualmente, implica uma série de questionamentos, como: O fotógrafo criou uma aparente realidade ou escolheu uma parte da realidade para registrar? Pense no seguinte exemplo: enquanto um turista pode estar preocupado em fotografar os “cartões-postais” de uma cidade, outro fotógrafo — digamos, um repórter — pode priorizar a desigualdade social ou a pobreza ali encontradas, e isso somente mudando o ângulo e o foco da máquina. Assim, a escolha que o fotógrafo faz depende de quem ele é, de seus interesses — assim, sua escolha é intencional, embora não necessariamente esteja deliberadamente produzindo um documento com finalidade de registro histórico. Mas ele também pode estar fazendo isso, o que nos ajuda a compreender sua escolha e o uso que fará dela: se, onde, como, por que e quando essa fotografia será divulgada; como e para que ela será empregada, o que pode ultrapassar a intencionalidade ou o controle do fotógrafo. A mesma lógica pode ser aplicada a álbuns de fotos de família: tanto o momento em que a fotografia é tirada quanto a sua seleção em ser ou não tornada pública implicam representações que alguém pretende reforçar sobre aquele grupo. Pense: Quais são as fotografias que você escolheria para um álbum familiar? Quais critérios utilizaria? Muito provavelmente aqueles que fossem ao encontro da representação de família que você quer divulgar para seus descendentes e amigos uma família feliz, em bons momentos.”


“No caso de Roger Chartier (O mundo como representação, 1991, p. 178), podemos identificar várias dessas possibilidades de diálogo, por exemplo, com as proposições de campo e habitus, quando o autor estabelece duas hipóteses principais para sua pesquisa sobre leituras:
A primeira hipótese sustenta a operação de construção de sentido efetuada na leitura (ou na escuta) como um processo historicamente determinado cujos modos e modelos variam de acordo com os tempos, os lugares, as comunidades.
A segunda considera que as significações múltiplas e móveis de um texto dependem das formas por meio das quais é recebido por seus leitores (ou ouvintes).
Essa possibilidade também aparece quando o autor estabelece o sentido para a apropriação social dos discursos, ressaltando a necessidade de voltarmos a atenção “para as condições e os processos que, muito concretamente, sustentam as operações de produção do sentido” (Chartier, 1991, p. 180), ou seja, de que sempre consideremos a relação estrutura-agente-história, a fim de desvendar o sentido das crenças e práticas estabelecidas. Essa perspectiva pressupõe, segundo o autor, a superação dos
falsos debates em torno da divisão, dada como universal, entre as objetividades das estruturas [...] e a subjetividade das representações [...]. Tentar superá-la exige, a princípio, considerar os esquemas geradores dos sistemas de classificação e de percepção como verdadeiras “instituições sociais”, incorporando sob a forma de representações coletivas as divisões da organização social mas também considerar, corolariamente, estas representações coletivas como as matrizes de práticas construtoras do próprio mundo social [...] (Chartier, 1991, p. 182-183)
A superação dessa dicotomia também é contemplada por Edward Thompson. Embora esse autor não esteja indicado por Catani e Faria Filho (Um lugar de produção e a produção de um lugar, 2005), tem sido utilizado em pesquisas de história da educação, em especial por significar uma abordagem mais contemporânea do materialismo históricof.”
f Destacamos a contribuição de historiadores que utilizam fundamentação marxista, como Eric Hobsbawn e Edward P. Thompson, que fazem parte da nova esquerda inglesa.


“Todas as questões apresentadas neste capítulo contribuem para refletir sobre perguntas como: Qual a importância de buscarmos os fundamentos históricos da educação no Brasil? O que significam os termos educação e escolarização? Qual a abrangência da educação? E da escola? Quais suas funções na sociedade? Essas funções sempre foram as mesmas?
Há várias respostas possíveis, que variam conforme a sociedade, a cultura e o momento histórico que abrangem o processo e a ação educativa ou escolar que estão sendo discutidos. Nesse sentido é que, para compreender a questão educacional, é necessário observarmos como ela foi e é constituída no Brasil.
Em cada sociedade, as ideias, os valores, a cultura e o entendimento a respeito da educação e da escolarização vão sofrendo alterações de acordo com o contexto que os cercam. Essas práticas, por sua vez, são direcionadas, consciente ou inconscientemente, por uma determinada concepção, um ou vários entendimentos sobre o que deve ser a educação e a escolarização, entre outros fatores. O termo educação é amplo, abrangendo desde processos de socialização iniciais, como os do âmbito familiar, até aprendizagens mais formais, enquanto escolarização trata das orientações normativas, práticas, culturas e instituições escolares, mais especificamente. É certo que a escolarização faz parte de um processo educativo, que por sua vez, pode ser desenvolvido sem a escola.
Conforme enunciado, consideramos que a história é uma construção coletiva e individual, simultaneamente; as transformações que nela ocorrem se dão, em grande parte, lenta e gradualmente, principalmente no campo das ideias; por seu papel na sociedade, a educação e a escolarização nunca são neutras nem apolíticas, pois envolvem determinada intencionalidade. Essa é uma das razões pelas quais julgamos necessário compreender seus fundamentos: para que possamos pensar e agir criticamente, como agentes históricos conscientes de que fazemos parte desse processo e de que não devemos aceitar e compreender a realidade de forma naturalizada, como se sempre tivesse sido assim: toda realidade contemporânea foi construída historicamente, por meio de ações e de omissões, da mesma forma que o panorama futuro está também em construção, neste momento.”


“Do Renascimento podemos destacar algumas características principais:
·        uma forte crítica aos valores medievais;
·        a busca do poder da razão;
·        a crítica e a liberdade preconizadas contra a autoridade;
·        a crescente retomada e valorização da cultura greco-romana;
·        o enriquecimento da arte e da cultura;
·        o humanismo, ou seja, a preocupação com a compreensão do homem e de seu papel no mundo, em contraposição às explicações teológicas da Idade Média;
·        a ascensão da burguesia;
·        invenções significativas, como a bússola e a imprensa;
·        grandes transformações econômicas, como o mercantilismo, que vai sendo instituído, e as consequentes viagens marítimas, que levaram ao contato com novas culturas;
·        além da Reforma protestante e a Contrarreforma católica.
Mais fortemente, a partir da metade do século XVI, destacamos a criação e rápida multiplicação do número de colégios.”

2 comentários:

  1. Não gosto de comentar os livro, mas este – que deseja ter ares de pesquisa – falha de maneira dramática em pontos tão relevantes que não posso abdicar de comentar.

    Não é difícil colecionar argumentos válidos para criticar a Igreja Católica durante a Idade Média e Moderna. Entretanto, na ânsia desmesurada de criticar, o que a autora escreve é um acinte. Para dar um exemplo, na página 68:
    “Por mais de dois séculos a educação jesuítica predominou na colônia, uma vez que não havia interesse da metrópole em criar um sistema educacional no Brasil. Aos poucos, porém, os jesuítas começaram a ser vistos como um incômodo para Portugal, a partir da reflexão e do debate a respeito da educação não religiosa iniciados na Europa.”

    É um parágrafo falso, errático e manipulador em tantos níveis que é difícil até comentá-lo. Os jesuítas foram expulsos do Brasil porque atrapalhavam os planos da Metrópole de exploração econômica dos indígenas. Este motivo que a autora aponta é o mais absoluto delírio, não tem base factual alguma.
    Ademais, é incongruente com a explicação dada por ela mesma nas páginas 74-75 (que também não explicam corretamente a questão).
    Mas não é só isto.

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  2. O mesmo livro que em sua sinopse afirma estimular que o aluno desenvolva “reflexões críticas”, que tenha “abordagem desafiadora e crítica”, é o que contém nas páginas 142-43 o seguinte trecho:
    “Inicialmente, a ação militar do final de março e início de abril de 1964 não foi compreendida como golpe. Muitos registros evidenciam o sentimento coletivo de que algo precisava ser feito, e os militares tiveram apoio da população, de vários grupos sociais e de instituições, para restabelecer a ordem no país. Porém, a expectativa era a de que seria uma intervenção curta e transitória, até que ocorressem novas eleições. Aos poucos, ficaram claros os esforços da parte dos militares em permanecer no poder, e a supressão de direitos, a repressão e a censura passaram a ser utilizadas para esse fim. Foi a partir dessa percepção que iniciaram questionamentos a esse governo.”

    É até vergonhoso se deparar com um texto como este de alguém que julga fazer pesquisa.
    Vamos lá:
    “Inicialmente, a ação militar do final de março e início de abril de 1964 não foi compreendida como golpe.”

    Não foi compreendia por quem, Cara pálida? Quais fontes sérias dizem isto? A quem ela recorre para embasar este raciocínio grotesco? A apoiadores da ditadura civil-militar — como a rede Globo e afins?

    “Muitos registros evidenciam o sentimento coletivo de que algo precisava ser feito, e os militares tiveram apoio da população, de vários grupos sociais e de instituições, para restabelecer a ordem no país.”

    Apenas para contrapor cientificamente a fala dela, reproduzo trecho do livro “A ditadura militar no Brasil: a história em cima dos fatos”, da Caros Amigos:
    “E Jango estava bem no Ibope

    A pedido da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, o Ibope realizou pesquisa, durante os últimos dez dias antes do golpe, na maior cidade do país — aquela que, segundo os golpistas, saiu às ruas em peso para apoiar a deposição de Jango. Os índices colhidos entre 20 e 30 de março de 1964 mostravam, ao contrário, significativo apoio dos paulistanos ao governo.
    Mais de 80% dos quinhentos eleitores entrevistados sabia dos decretos de Jango: encampação das refinarias de petróleo; desapropriação de terras às margens de açudes, ferrovias e rodovias federais; e tabelamento de alugueis — medidas aprovadas por 64%.
    No dia 26 de março, o Ibope concluiu outra pesquisa: metade dos eleitores de oito capitais votariam em Jango à reeleição. Não há notícia de que tais pesquisas tenham sido publicadas na época.”


    Ademais, este “sentimento coletivo de que algo precisava ser feito” era em que sentido? Porque para a maior parte do país, como evidencia a pesquisa, o que precisava ser feito eram as reformas de base que Jango propunha — e não um golpe militar.
    Havia quem o defendesse? Claro que sim, como há ainda hoje. Mas não era — nem de longe — um sentimento majoritário.

    “Porém, a expectativa era a de que seria uma intervenção curta e transitória, até que ocorressem novas eleições. Aos poucos, ficaram claros os esforços da parte dos militares em permanecer no poder, e a supressão de direitos, a repressão e a censura passaram a ser utilizadas para esse fim. Foi a partir dessa percepção que iniciaram questionamentos a esse governo.”

    Esta fala é tão inocente, tão caricata, tão burlesca e tola que, profilaticamente, vou me eximir de comentá-la.

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