Editora: Boitempo
ISBN: 978-85-7559-458-2
Tradução: Nélio Schneider
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 384
“A concepção materialista da história parte
da tese de que a produção, e junto com ela também a troca dos seus produtos, é
o fundamento de toda ordem social; de que, na sociedade historicamente atuante,
a distribuição dos produtos, e junto com ela a subdivisão em classes ou
estamentos, orienta-se por aquilo que é produzido, pelo modo como é produzido e
pela maneira como o produto é trocado. De acordo com isso, as causas últimas de
todas as mudanças sociais e revoluções políticas não devem ser buscadas na
mente dos seres humanos, em sua noção crescente da verdade e da justiça
eternas, mas nas mudanças que ocorrem no modo de produção e de troca; elas não
devem ser buscadas na filosofia, mas na economia do respectivo período. O
despertar da noção de que as instituições sociais existentes são irracionais e
injustas, de que “razão é contrassenso, o bem se torna injúria”[58] é apenas um indício de que, nos métodos de
produção e nas formas de troca, ocorreram mudanças totalmente silentes, com as
quais a ordem social moldada para as condições econômicas anteriores não
combina mais. Desse modo, foi dito simultaneamente que os meios para a
eliminação das mazelas descobertas também devem estar disponíveis nas condições
modificadas de produção – mais ou menos desenvolvidas. Portanto, não se pode,
por exemplo, inventar esses meios a
partir da própria cabeça, mas, usando a cabeça, descobri-los nos fatos materiais já existentes da produção.
Qual é, pois, a situação do socialismo
moderno nesse tocante?
A ordem social vigente – isso se admite agora
de modo quase universal fora da esfera de vigência do idealismo alemão – foi
criada pela classe ora dominante, pela burguesia. O modo de produção peculiar à
burguesia, desde Marx caracterizado como modo de produção capitalista, era
incompatível não só com os privilégios locais e estamentais, mas também com os
vínculos pessoais recíprocos da ordem feudal; a burguesia desmantelou a ordem
feudal e, sobre suas ruínas, erigiu a constituição burguesa da sociedade, o
império da livre concorrência, da liberalidade, da igualdade de direitos dos
possuidores de mercadorias e todas as demais maravilhas burguesas. O modo de
produção capitalista pôde, então, desdobrar-se livremente. As forças produtivas
elaboradas sob a liderança da burguesia desenvolveram-se com rapidez e em
escala até ali inauditas, a partir do momento em que o vapor e a nova
maquinaria instrumental transformaram a velha manufatura na grande indústria.
Porém, assim como a seu tempo, a manufatura e o trabalho manual que continuou a
desenvolver-se sob sua influência entraram em conflito com as amarras feudais
das guildas, a grande indústria em sua formação mais plena também entrou em
conflito com as barreiras com que o modo de produção capitalista a mantém
espremida. As novas forças produtivas já se sobrepuseram à forma burguesa de
sua espoliação; e esse conflito entre forças produtivas e modo de produção não
é um conflito que surgiu da cabeça das pessoas, como por exemplo o conflito do
pecado original humano com a justiça divina, mas ele existe nos fatos,
objetivamente, fora de nós, independentemente da vontade e da atividade
inclusive das pessoas que o acarretaram. O socialismo moderno nada mais é que o
reflexo ideal desse conflito factual, seu espelhamento ideal, em primeiro
lugar, na cabeça da classe que sofre diretamente por causa dele, da classe dos
trabalhadores.
Ora, em que consiste esse conflito?
Antes da produção capitalista, ou seja, na
Idade Média, existia, de modo geral, a pequena empresa, em que os trabalhadores
detinham a propriedade privada dos meios de produção: o cultivo agrícola dos
pequenos agricultores, livres ou em servidão, o trabalho manual das cidades. Os
meios de trabalho – terra, ferramentas agrícolas, oficina, ferramentas manuais
– eram do indivíduo, projetados apenas para uso individual e, portanto,
necessariamente reduzidos, nanicos, limitados. Mas, justamente por isso, eles
pertenciam, via de regra, ao próprio produtor. Concentrar e expandir esses
meios de produção estreitos e dispersos, transformá-los na alavanca produtiva
de efeitos poderosos da atualidade foi exatamente o papel histórico do modo de
produção capitalista e de sua portadora, a burguesia. O modo como ela efetuou
isso desde o século XV, em três fases – a da cooperação simples, a da
manufatura e a da grande indústria – foi descrito extensamente por Marx na
quarta seção de O capital[59]. A burguesia, como foi demonstrado ali, não
teria como transformar os meios de produção limitados em forças produtivas
poderosas sem arrancá-los de sua fragmentação e dispersão, sem concentrá-los,
sem convertê-los de meio de produção do indivíduo em meios de produção sociais,
que podem ser aplicados somente por uma totalidade de pessoas. A roda de fiar,
o tear antigo e o martelo do ferreiro foram substituídos pela máquina de fiar,
pelo tear mecânico e pelo martelo a vapor; o lugar da oficina individual foi ocupado
pela fábrica que demanda a ação simultânea de centenas e milhares de pessoas.
E, como ocorreu com os meios de produção, a própria produção também se
converteu de uma série de ações individuais numa série de ações coletivas,
enquanto os produtos se converteram de produtos de indivíduos em produtos
sociais. Essa revolução do modo de produção efetuou-se num meio social baseado
na divisão do trabalho no interior da sociedade. A divisão do trabalho na sociedade
transforma os produtos dos produtores individuais em mercadorias, cuja compra e venda cria o vínculo social entre esses
produtores.
O fio, o tecido, os objetos metálicos que
começaram a sair da fábrica eram o produto comum de muitos trabalhadores, por
cujas mãos tiveram de passar sucessivamente até ficarem prontos. Nenhum
indivíduo podia dizer deles: fui eu que fiz isto, este é o meu produto.
Porém, onde a divisão natural do trabalho no
interior da sociedade é a forma básica da produção, ela imprime nos produtos a
forma de mercadorias, cuja troca recíproca (compra e venda) deixa os produtores
individuais em condições de satisfazer suas múltiplas necessidades. E esse foi
o caso na Idade Média. O agricultor, por exemplo, vendia produtos agrícolas
para o artífice e comprava dele, em troca, produtos manufaturados.
Nessa sociedade de produtores individuais, de
produtores de mercadorias, imiscuiu-se o novo modo de produção.
Em meio à divisão natural do trabalho feita
sem planejamento, que predominava em toda a sociedade, ele posicionou a divisão
do trabalho feita com planejamento, ao modo como foi organizada na fábrica
individual; ao lado da produção
individual passou a existir a produção social.
Os produtos de ambas foram vendidos no mesmo mercado, ou seja, por preços pelo
menos aproximadamente iguais. Porém, a organização planejada foi mais poderosa
que a divisão natural do trabalho; as fábricas que trabalhavam socialmente
confeccionavam seus produtos a custos menores que os pequenos produtores
isolados. A produção individual foi derrotada em um campo após o outro, e a
produção social revolucionou todo o antigo modo de produção. Porém, esse seu
caráter revolucionário não foi reconhecido como tal, tanto é que ele, ao
contrário, foi introduzido como meio para alavancar e promover a produção de
mercadorias. Ele surgiu em conexão direta com certas alavancas já existentes da
produção de mercadorias e da troca de mercadorias: o capital mercantil, o
trabalho manual, o trabalho assalariado. Enquanto ele entrava em cena como uma
nova forma de produção de mercadorias, as formas de apropriação da produção de
mercadorias continuavam em pleno vigor.
Na produção de mercadorias desenvolvida na
Idade Média, nem havia como surgir a pergunta: a quem deve pertencer o produto
do trabalho? O produtor individual o havia confeccionado, via de regra, a partir
de matéria-prima que lhe pertencia e que, com frequência, era produzida por ele
mesmo, com seus próprios meios de trabalho e com o trabalho de suas próprias
mãos ou o de sua família. O produto nem precisava primeiro ser apropriado por
ele, pois lhe pertencia automaticamente. A propriedade dos produtos baseava-se,
portanto, no trabalho próprio. Até
mesmo quando se empregava o trabalho alheio, este permanecia secundário e,
geralmente, além do salário, recebia outra remuneração: o aprendiz e o artífice
trabalhavam não tanto por comida e salário, mas mais para conquistar sua
formação como mestres. Veio, então, a concentração dos meios de produção em
grandes oficinas e manufaturas, sua metamorfose em meios de produção realmente
sociais. Porém, os meios de produção e os produtos sociais foram tratados como
se continuassem sendo meios de produção e produtos de indivíduos. Eles foram
apropriados não por aqueles que realmente haviam posto os meios de produção em
movimento e de fato haviam confeccionado os produtos, mas por capitalistas.
Enquanto até ali o possuidor dos meios de
trabalho havia se apropriado do produto porque, via de regra, era seu próprio
produto e o trabalho alheio era exceção, agora o possuidor dos meios de
trabalho continuava a se apropriar do produto, mesmo ele não sendo mais o seu produto, mas exclusivamente produto do trabalho alheio. Dali por diante,
portanto, os produtos socialmente gerados passaram a ser apropriados não por
aqueles que realmente haviam posto os meios de produção em movimento e de fato
haviam confeccionado os produtos, mas por capitalistas.
Meios de produção e produção se tornaram
essencialmente sociais. Mas eles são submetidos a um modo de apropriação que
tem como pressuposto a produção privada de indivíduos, em que cada qual possui
seu próprio produto e o leva ao mercado. O modo de produção é submetido a esse
modo de apropriação, mesmo revogando o pressuposto desta{[a]}.
Nessa contradição, que empresta ao novo modo de produção seu caráter
capitalista, reside embrionariamente todo o embate da atualidade. Quanto mais o
novo modo de produção dominava todos os campos decisivos da produção e todos os
países economicamente determinantes – e, desse modo, relegava a produção
individual a resquícios insignificantes –, maior se tornava a nitidez com que necessariamente
veio à tona a incompatibilidade entre produção social e apropriação
capitalista.
Como dito anteriormente, os primeiros
capitalistas já depararam com a forma do trabalho assalariado. Só que era o
trabalho assalariado como exceção, como ocupação secundária, como recurso
extra, como ponto de passagem. O agricultor que ia trabalhar temporariamente
como diarista tinha seus poucos acres de terra própria, dos quais ele poderia
viver se necessário. Os estatutos das guildas cuidavam para que o artífice de
hoje se convertesse no mestre de amanhã. Porém, isso mudou assim que os meios
de produção foram transformados em meios sociais e concentrados nas mãos de
capitalistas.
Tanto o meio de produção como o produto do
pequeno produtor individual foram se desvalorizando cada vez mais, não lhe
restando alternativa a não ser recorrer ao capitalista em troca de salário.
O trabalho assalariado, que antes era exceção
e recurso extra, tornou-se a regra e a forma básica de toda a produção; o que antes
era ocupação secundária tornou-se agora atividade exclusiva do trabalhador. O
trabalhador assalariado passou de temporário a vitalício.
Ademais, a quantidade de trabalhadores
assalariados vitalícios se multiplicou de forma colossal, em virtude do desmoronamento
concomitante da ordem feudal, da dissolução dos séquitos dos senhores feudais,
da expulsão dos agricultores de suas propriedades rurais etc.
Efetuou-se a divisão entre os meios de
produção concentrados nas mãos dos capitalistas, de um lado, e o produtor
reduzido à posse de nada além de sua própria força de trabalho, de outro. A
contradição entre produção social e apropriação capitalista aflorou como
antagonismo entre proletariado e burguesia.
Vimos que o modo de produção capitalista se
imiscuiu numa sociedade de produtores de mercadorias, produtores individuais,
cujo vínculo social era mediado pela troca dos seus produtos. Porém, toda
sociedade baseada na produção de mercadorias possui a peculiaridade de que,
nela, os produtores perdem o domínio sobre suas relações sociais. Cada qual
produz para si com seus meios de produção contingentes e em prol de sua
necessidade individual de troca.
Nenhum deles sabe quanto do seu artigo chega
ao mercado, quanto dele de fato será utilizado; nenhum deles sabe se seu
produto individual vai ao encontro de uma demanda real, se ele conseguirá
cobrir seus custos ou até mesmo se o produto conseguirá ser vendido.
Reina a anarquia da produção social. Mas a
produção de mercadorias, como todas as demais formas de produção, possui suas
leis peculiares, inerentes, inseparáveis dela, e essas leis se impõem apesar da
anarquia, na anarquia e por meio dela. Elas se manifestam na única forma de
vínculo social que perdura, na troca, e passam a se impor aos produtores
individuais como leis obrigatórias da concorrência. Inicialmente, elas são
desconhecidas desses produtores e precisam primeiro ser descobertas por eles
pouco a pouco, por meio de demorada experiência. Elas se impõem, portanto, à
parte dos produtores e contra eles, como leis naturais de sua forma de produção
que agem cegamente. O produto domina os produtores. Na sociedade medieval,
sobretudo nos primeiros séculos, a produção era direcionada essencialmente para
uso próprio.
Ela satisfazia, preponderantemente, só as
necessidades do produtor e de sua família. Onde havia relações pessoais de
dependência, como no campo, ela também contribuía para a satisfação das
necessidades do senhor feudal. Nesse caso, portanto, não ocorria nenhuma troca
e, em consequência, os produtos não assumiam o caráter de mercadorias. A
família do agricultor produzia quase tudo de que necessitava: instrumentos e
roupas, tanto quanto meios de vida. Ela passou a produzir também mercadorias só
quando se tornou capaz de produzir um excedente além de sua própria demanda e
dos tributos em produtos naturais devidos ao senhor feudal; esse excedente,
lançado na troca social, posto à venda, converteu-se em mercadoria. Os
artífices citadinos, no entanto, tiveram que produzir logo de início para a
troca. Mas eles próprios produziam igualmente a maior parcela de sua própria
demanda; eles dispunham de hortas e pequenos campos; eles soltavam seu gado na
floresta comunitária, que também lhes fornecia madeira para construção e lenha
como combustível; as mulheres fiavam linho, algodão etc. A produção para fins
de troca, a produção de mercadorias, apenas estava surgindo. Em consequência,
troca limitada, mercado limitado, modo de produção estável, fechamento local
para fora, união local para dentro: a marca no campo, a guilda na cidade.
Porém, com a expansão da produção de mercadorias e principalmente com o
aparecimento do modo de produção capitalista, as leis da produção de
mercadorias, latentes até então, passaram a atuar de maneira mais aberta e com
mais força. As antigas corporações foram flexibilizadas, as velhas barreiras de
isolamento foram rompidas, os produtores foram transformados mais e mais em
produtores de mercadorias independentes e isolados. A anarquia da produção
social veio à tona e foi cada vez mais levada ao extremo. Mas o principal
instrumento com o qual o modo de produção capitalista incrementou essa anarquia
na produção social foi justamente o oposto da anarquia: a crescente organização
da produção como produção social em cada um dos estabelecimentos produtivos.
Com essa alavanca, ele pôs fim à velha estabilidade pacífica. No ramo da
indústria em que foi introduzida, ela não tolerou a presença de nenhum outro
método operacional mais antigo. Onde se apoderou do trabalho manual, ela
aniquilou o trabalho manual antigo. O campo de trabalho se converteu em campo
de batalha. As grandes descobertas geográficas e as colonizações delas
decorrentes multiplicaram as áreas de vendas, aceleraram a transformação do
trabalho manual em manufatura. A batalha não irrompeu só entre os produtores
locais individuais; as batalhas locais avolumaram-se em batalhas nacionais, nas
guerras comerciais dos séculos XVII e XVIII[60].
Por fim, a grande indústria e a instituição do mercado mundial universalizaram
a batalha e, ao mesmo tempo, conferiram-lhe uma veemência inaudita. O que
decidia sobre a existência tanto de capitalistas individuais como de indústrias
e países inteiros eram as condições de produção naturais ou criadas. O derrotado
é eliminado sem dó nem piedade. É a luta darwiniana pela existência individual
transposta da natureza para a sociedade com fúria potenciada. A posição natural
do animal aparece, assim, como ponto culminante do desenvolvimento humano. A
contradição entre produção social e apropriação capitalista se reproduz como
antagonismo entre a organização da produção na fábrica individual e a anarquia
da produção na sociedade toda.
É nessas duas formas de manifestação da
contradição imanente a ele por sua origem que se move o modo de produção
capitalista, descrevendo inevitavelmente aquela “circulação defeituosa” que
Fourier já descobrira. Todavia, o que Fourier ainda não podia ver no seu tempo
é que essa circulação se estreita gradativamente, que o movimento representa,
antes, uma espiral e que forçosamente terminará, como o dos planetas, colidindo
com o centro. É a força propulsora da anarquia social da produção que cada vez
mais transforma a grande maioria das pessoas em proletários, e serão as massas
de proletários que, por sua vez, acabarão pondo um fim na anarquia da produção.
É a força propulsora da anarquia social da produção que transformou a infinita
capacidade de aperfeiçoamento das máquinas da grande indústria num mandamento
para todos os capitalistas industriais, que são obrigados a aperfeiçoar cada
vez mais sua maquinaria sob pena de falir. Porém, aperfeiçoamento da maquinaria
significa tornar supérfluo o trabalho humano. Se a introdução e a multiplicação
da maquinaria significam a marginalização de milhões de trabalhadores braçais
por poucos operadores de máquinas, o melhoramento da maquinaria significa a
marginalização de um número cada vez maior dos próprios operadores de máquinas
e, em última instância, a geração de um contingente de trabalhadores
assalariados disponíveis que ultrapassa a necessidade média de ocupação do
capital, a geração de um exército de reserva completo para a indústria, como já
o designei no ano de 1845[b], disponível para
períodos em que ela trabalha sob muita pressão da demanda, jogado na rua pelas
falências que necessariamente decorrem daí, constituindo, em todas as épocas,
uma bola de chumbo amarrada às pernas da classe dos trabalhadores em sua luta
pela existência contra o capital, um regulador para manter o salário no baixo
nível adequado à necessidade capitalista. Advém daí que a maquinaria,
valendo-me de palavras de Marx, converte-se na arma mais poderosa do capital na
guerra contra a classe dos trabalhadores[61], que o
meio de trabalho continuamente tira da mão do trabalhador os meios de vida[62], que o próprio produto do trabalhador se
transforma numa ferramenta para escravizar o trabalhador. Advém daí que, de
saída, a economia dos meios de trabalho “consiste, ao mesmo tempo, no
desperdício mais inescrupuloso da força de trabalho e no roubo dos pressupostos
normais da função do trabalho” [63], que a
maquinaria, o meio mais poderoso de redução do tempo de trabalho, converte-se
no meio mais infalível de transformar o tempo de vida do trabalhador e da sua
família em tempo de trabalho disponível para a valorização do capital[64]. Advém daí que o sobretrabalho de uns se torna o
pressuposto para a falta de ocupação dos outros[65]
e que a grande indústria, que percorre todo o globo terrestre à caça de novos
consumidores, reduz em sua própria casa o consumo das massas a um mínimo para
matar a fome, solapando desse modo seu próprio mercado interno.
A lei que mantém a superpopulação relativa ou
o exército industrial de reserva em constante equilíbrio com o volume e o vigor
da acumulação de capital prende o trabalhador ao capital mais firmemente do que
as correntes de Hefesto prendiam Prometeu ao rochedo. Ela ocasiona uma
acumulação de miséria correspondente à acumulação de capital. Portanto, a
acumulação de riqueza num polo é, ao mesmo tempo, a acumulação de miséria, o
suplício do trabalho, a escravidão, a ignorância, a brutalização e a degradação
moral no polo oposto, isto é, no lado da classe que produz seu próprio produto
como capital. (Marx, Kapital, p. 671)[66]
E esperar do modo de produção capitalista
outra distribuição dos produtos seria o mesmo que querer que os elétrodos de
uma bateria deixassem de decompor a água enquanto estão em contato com essa
bateria, não desenvolvendo oxigênio no polo positivo nem hidrogênio no polo
negativo.
Vimos como a capacidade de aperfeiçoamento da
maquinaria moderna levada ao extremo se transforma, mediante a anarquia da
produção na sociedade, no mandamento, obrigatório para cada um dos capitalistas
industriais, de melhorar a maquinaria e aumentar constantemente a força
produtiva. Também se transforma em mandamento obrigatório para eles a mera
possibilidade fática de ampliar a esfera da produção. A enorme capacidade de
expansão da grande indústria, que em comparação com a dos gases é brincadeira
de criança, surge agora diante dos nossos olhos como necessidade qualitativa e
quantitativa de expansão que tripudia sobre qualquer resistência. A resistência
é formada pelo consumo, pela venda, pelos mercados para os produtos da grande
indústria. Porém, a capacidade de expansão dos mercados, tanto extensiva como
intensiva, é dominada por leis bem diferentes, muito menos vigorosas em sua
atuação. A expansão dos mercados não consegue acompanhar a expansão da
produção. O choque se torna inevitável e, visto que não se pode gerar uma
solução enquanto não explodir o próprio modo de produção capitalista, ele se
torna periódico. A produção capitalista gera uma nova “circulação defeituosa”.
De fato, desde 1825, quando irrompeu a
primeira crise generalizada, todo o mundo industrial e comercial, a produção e
a troca de todos os povos civilizados e seus penduricalhos mais ou menos
bárbaros, sai dos trilhos pelo menos uma vez a cada dez anos. O intercâmbio
fica paralisado, os mercados ficam abarrotados, massas de produtos invendíveis
ficam à disposição, o dinheiro vivo se torna invisível, o crédito desaparece,
as fábricas param, as massas trabalhadoras carecem de meios de vida por terem
produzido meios de vida em demasia, ocorre uma bancarrota atrás da outra, uma
liquidação após a outra. A paralisação dura anos, tanto forças produtivas como
produtos são maciçamente desperdiçados e destruídos até que as massas de
mercadorias acumuladas finalmente escoam mediante uma desvalorização maior ou
menor, até que aos poucos produção e troca retomam sua marcha. Gradativamente,
a marcha se acelera e passa para o trote, o trote industrial se converte em
galope e este se transforma na carreira desenfreada de uma verdadeira corrida
de obstáculos industrial, comercial, creditícia e especulativa, para, depois de
alguns saltos suicidas, acabar novamente na vala da falência. E assim
sucessivamente. Já vivenciamos isso cinco vezes desde 1825, e o estamos
vivenciando neste momento (1877) pela sexta vez[67].
O caráter dessas crises possui traços tão nítidos que Fourier caracterizou
todas elas com acerto ao dizer a respeito da primeira: crise pléthorique, crise causada por abundância[68].
Nas crises, a contradição entre produção
social e apropriação capitalista sofre uma erupção violenta. A circulação de
mercadorias fica momentaneamente aniquilada; o meio da circulação, o dinheiro,
torna-se impedimento da circulação; todas as leis da produção de mercadorias e
da circulação de mercadorias são viradas de cabeça para baixo. O choque econômico
atingiu seu ponto alto: o modo de produção se rebela contra o modo de troca, as forças produtivas se rebelam contra o
modo de produção do qual se originaram.
O fato de a organização social da produção no
interior da fábrica ter evoluído a ponto de tornar-se incompatível com a
anarquia da produção na sociedade, existente ao lado e acima dela, torna-se
palpável para os próprios capitalistas mediante a concentração violenta dos
capitais que se efetiva durante as crises, por meio da ruína de muitos grandes
capitalistas e de um número ainda maior de pequenos capitalistas. Todo o
mecanismo do modo de produção capitalista falha sob a pressão das forças
produtivas por ele mesmo produzidas. Ele não consegue mais transformar em
capital todas essas massas de meios de produção – elas se tornam ociosas e,
justamente por isso, o exército industrial de reserva também fica ocioso. Meios
de produção, meios de vida, trabalhadores disponíveis, todos os elementos da
produção e da riqueza geral estão presentes em excesso. Mas “o excesso se torna
fonte de penúria e carência” [69], porque é exatamente ele que impede a
metamorfose dos meios de produção e dos meios de vida em capital.
Porque na sociedade capitalista os meios de
produção não conseguem se tornar operantes sem antes se transformarem em
capital, em meios de espoliação da força de trabalho humana.
A necessidade de que os meios de produção e
os meios de vida assumam a qualidade de capital paira como um fantasma entre
eles e os trabalhadores. É unicamente ela que impede a junção da alavanca
fática com a alavanca pessoal da produção; é unicamente ela que proíbe os meios
de produção de funcionar, os trabalhadores de trabalhar e de viver. Por um
lado, portanto, o modo de produção capitalista é persuadido de sua incapacidade
para continuar a administrar essas forças produtivas. Por outro lado, essas
mesmas forças produtivas exercem pressão crescente para a supressão da
contradição, a libertação de sua qualidade de capital, o reconhecimento fático
de seu caráter como forças produtivas de cunho social.
É essa resistência das forças produtivas que
crescem poderosamente contra sua qualidade de capital, é essa coerção cada vez
mais intensa por reconhecimento de sua natureza social que força a classe dos
capitalistas a tratá-las mais e mais, na medida em que isso de alguma forma é
possível dentro da relação do capital, como forças produtivas de cunho social.
Tanto o período de alta demanda industrial com sua irrestrita inflação de
crédito como a própria crise gerada pela ruína de grandes estabelecimentos
capitalistas impelem para a forma da socialização de consideráveis massas de
meios de produção com que deparamos nas diversas espécies de sociedades por
ações. Alguns desses meios de produção e intercâmbio são, de antemão, tão
colossais que, a exemplo das ferrovias, excluem qualquer outra forma de
espoliação capitalista. Em certa fase do desenvolvimento, essa forma também já
não é suficiente: o representante oficial da sociedade capitalista, o Estado, é
obrigado a assumir sua condução[c]. Essa
necessidade de transformação em propriedade do Estado aflora primeiramente no
caso das grandes instituições de intercâmbio: correios, telégrafos, ferrovias.
Enquanto as crises revelaram a incapacidade
da burguesia de continuar administrando as modernas forças produtivas, a
metamorfose das grandes instituições de produção e intercâmbio em sociedades
por ações e propriedades do Estado mostraram a dispensabilidade da burguesia
para esse fim. Todas as funções sociais do capitalista passam a ser exercidas por
funcionários remunerados. O capitalista não possui outra atividade social a não
ser embolsar rendimentos, destacar cupons e apostar na Bolsa, onde os diversos
capitalistas tiram capital uns dos outros. Tendo o modo de produção capitalista
alijado primeiramente os trabalhadores, ele passa agora a alijar os
capitalistas e os remete, a exemplo do que ocorreu com os trabalhadores, à
população supérflua, embora num primeiro momento não os atire ao exército
industrial de reserva.
Porém, nem a metamorfose em sociedades por
ações nem a metamorfose em propriedades do Estado retiram das forças produtivas
sua qualidade de capital. No caso das sociedades por ações, isso é evidente. E
o Estado moderno, por sua vez, é apenas a organização que a sociedade burguesa
monta para sustentar as condições exteriores gerais do modo de produção
capitalista contra-ataques tanto dos trabalhadores como de capitalistas
individuais. O Estado moderno, qualquer que seja sua forma, é, portanto, uma
máquina essencialmente capitalista, é o Estado dos capitalistas, é o
capitalista global ideal. Quanto maior é o número de forças produtivas que ele
assume como sua propriedade, mais ele se torna um capitalista global real,
maior é o número de cidadãos do Estado que ele espolia. Os trabalhadores
permanecem trabalhadores assalariados, proletários. A relação com o capital não
é revogada; ao contrário, é levada ao extremo. Só que, chegando ao extremo, ela
sofre uma reversão. A propriedade estatal das forças produtivas não é a solução
do conflito, mas abriga em si o meio formal, o manejo da solução.
Essa solução só pode residir no
reconhecimento efetivo da natureza social das forças produtivas modernas, ou
seja, na colocação do modo de produção, de apropriação e de troca em
consonância com o caráter social dos meios de produção. E a única maneira de
isso acontecer é a sociedade tomar posse abertamente e sem rodeios das forças
produtivas que escapam para outro controle além do seu. Desse modo, o caráter
social dos meios de produção e dos produtos, que hoje se volta contra os
próprios produtores, que quebra periodicamente o modo de produção e de troca e
só consegue se impor violenta e destrutivamente como lei natural que atua de
maneira cega, será validado de forma plenamente consciente pelos produtores, convertendo-se
de causa de perturbação e ruína periódica na mais poderosa alavanca da própria
produção. Desse modo, a anarquia social da produção é substituída por uma
regulação socialmente planejada da produção, de acordo com as carências tanto
do conjunto como de cada indivíduo;
As forças socialmente atuantes se portarão
exatamente como forças da natureza: de modo cego, violento, destrutivo,
enquanto não as identificarmos e contarmos com elas. Porém, uma vez que as
tenhamos identificado, uma vez que tenhamos compreendido seu modo de agir, suas
tendências, seus efeitos, só depende de nós submetê-las cada vez mais à nossa
vontade e, com o auxílio delas, atingir nossos fins. E isso vale de modo bem
especial para as poderosas forças produtivas da atualidade. Enquanto nos
negarmos obstinadamente a compreender sua natureza e seu caráter – e contra
essa compreensão se voltam o modo de produção capitalista e seus defensores –,
essas forças permanecerão atuantes apesar de nós, contra nós, e continuarão a
nos dominar, como descrito extensamente. Porém, uma vez compreendidas na sua
natureza, elas podem, nas mãos dos produtores associados, ser transformadas de
dominadoras demoníacas em serviçais obedientes. É a diferença entre o poder
destruidor da eletricidade no raio em meio ao temporal e o da eletricidade
controlada do telégrafo e do arco elétrico; é a diferença entre o fogo de um
incêndio e o fogo a serviço do ser humano. Tratar as atuais forças produtivas
segundo sua natureza enfim identificada significa substituir a anarquia social
da produção por uma regulação socialmente planejada da produção, de acordo com
as carências tanto do conjunto como de cada indivíduo; assim, o modo de
apropriação capitalista, no qual o produto escraviza primeiro o produtor e
depois também quem se apropria dele, é substituído pelo modo de apropriação dos
produtos fundado na natureza dos próprios meios de produção: de um lado,
apropriação diretamente social enquanto meios de sustentação e ampliação da
produção e, de outro, apropriação diretamente individual enquanto meios de
vidas.
À medida que o modo de produção capitalista
vai transformando a grande maioria da população em proletária, ele cria o poder
que é forçado a realizar essa revolução, sob pena de perecer. E, ao urgir cada
vez mais na metamorfose dos grandes meios de produção socializados em
propriedade do Estado, ele aponta o caminho para a consumação dessa revolução.
O proletariado assume o poder do Estado e transforma os meios de produção
primeiramente em propriedade do Estado. Desse modo, ele próprio se extingue
como proletariado, desse modo ele extingue todas as diferenças e antagonismos
de classes e, desse modo, ele também extingue o Estado enquanto Estado. A
sociedade que tivemos até agora, que se move por meio de antagonismos de
classes, necessitou do Estado – isto é, de uma organização da respectiva classe
espoliadora – para sustentar suas condições exteriores de produção, ou seja,
principalmente para reprimir pela força a classe espoliada nas condições de
opressão dadas pelo modo de produção vigente (escravidão, servidão ou
vassalagem, trabalho assalariado). O Estado foi o representante oficial de toda
a sociedade, sua síntese numa corporação visível, mas ele só foi isso na medida
em que constituiu o Estado da classe que, para sua época, representou toda a
sociedade (na Antiguidade, o Estado dos cidadãos escravistas; na Idade Média, o
Estado da nobreza feudal; em nosso tempo, o Estado da burguesia). Tornando-se,
por fim, de fato, o representante de toda a sociedade, ele próprio se torna
supérfluo. No momento em que não houver mais classe social para manter em
opressão, no momento em que forem eliminadas, junto com a dominação classista e
a luta pela existência individual fundada na anarquia da produção antes
vigente, também as colisões e os excessos delas decorrentes, nada mais haverá
para reprimir, nada mais haverá que torne necessário um poder repressor
específico, um Estado. O primeiro ato no qual o Estado realmente atua como
representante de toda a sociedade – a tomada de posse dos meios de produção em
nome da sociedade – é, ao mesmo tempo, seu último ato autônomo enquanto Estado.
De esfera em esfera, a intervenção do poder estatal nas relações sociais vai se
tornando supérflua e acaba por desativar-se. O governo sobre pessoas é
substituído pela administração de coisas e pela condução de processos de
produção. A sociedade livre não pode utilizar ou tolerar nenhum “Estado” entre
ela e seus membros. O Estado não é “abolido”, mas definha e morre. É por esse critério que deve ser medida a
fraseologia que fala de um “Estado nacional livre”, considerando tanto a sua
momentânea justificação na boca dos agitadores como a sua definitiva
insuficiência científica[70]; também é por ele que
se deve medir a exigência dos assim chamados anarquistas de que o Estado deve
ser abolido de um dia para o outro.
Desde o aparecimento histórico do modo de
produção capitalista, tanto indivíduos como seitas inteiras nutriam uma ideia
mais ou menos clara da tomada de posse de todos os meios de produção pela sociedade
como ideal para o futuro. Porém, essa ideia só pôde se tornar possível, só pôde
se converter em necessidade histórica quando as condições materiais de sua
execução se fizeram presentes.
Ela, como qualquer outro progresso social,
não se torna factível pela noção obtida de que a existência das classes
contradiz a justiça, a igualdade etc., não se torna factível pela simples
vontade de abolir essas classes, mas por meio de certas condições econômicas
novas. A cisão da sociedade numa classe espoliadora e numa classe espoliada,
numa classe dominante e numa classe oprimida foi a consequência necessária do
anterior subdesenvolvimento da produção. Enquanto o trabalho social total
fornecer um produto que é apenas um pouco maior do que o exigido para manter parcamente
a existência de todos, ou seja, enquanto o trabalho demandar todo ou quase todo
o tempo da grande maioria dos membros da sociedade, a sociedade necessariamente
se dividirá em classes. Ao lado dessa grande maioria que se dedica apenas ao
trabalho, forma-se uma classe liberta do trabalho diretamente produtivo, que
cuida das questões comuns da sociedade: a supervisão do trabalho, assuntos de
Estado, justiça, ciência, artes etc. É a lei da divisão do trabalho, portanto,
que está na base da divisão de classes. Mas isso não implica que essa divisão
em classes não tenha sido imposta por meio de violência e rapina, artimanhas e
fraudes e que a classe dominante, uma vez no poder, jamais tenha descurado de
consolidar sua dominação à custa da classe trabalhadora e de converter o
governo da sociedade em espoliação das massas.
Porém, se, de acordo com o que foi dito, a
subdivisão em classes possui uma certa justificação histórica, esta é válida
somente para um período de tempo bem determinado, para dadas condições sociais.
Essa subdivisão está fundada na insuficiência da produção e será varrida do
mapa pelo desenvolvimento pleno das forças produtivas modernas. De fato, a
abolição das classes sociais tem como pressuposto um grau de desenvolvimento
social no qual a existência não só desta ou daquela classe dominante bem
determinada, mas de qualquer classe dominante – ou seja, da própria
diferenciação de classes – terá se tornado anacrônica, antiquada. Portanto, ela
tem como pressuposto um patamar de desenvolvimento da produção no qual a
apropriação dos meios de produção e dos produtos e, desse modo, do domínio
político, do monopólio da formação e da liderança intelectual por parte de uma
classe social específica não só terá se tornado supérflua, mas também terá se convertido
num entrave para o desenvolvimento em termos econômicos, políticos e
intelectuais. Esse ponto foi atingido agora. A bancarrota política e
intelectual da burguesia dificilmente será um segredo para ela mesma, e sua
bancarrota econômica se repete com regularidade a cada dez anos. A cada crise a
sociedade sufoca sob o ímpeto de suas próprias forças produtivas e dos seus
próprios produtos sem serventia para ela, deparando, impotente, com a absurda
contradição de que os produtores não têm nada para consumir porque faltam
consumidores. A força de expansão dos meios de produção rompe as amarras que o
modo de produção capitalista lhe impôs. Sua libertação dessas amarras é a única
precondição de um desenvolvimento ininterrupto das forças produtivas (que avança
com rapidez cada vez maior) e, desse modo, de um aumento praticamente
irrestrito da própria produção. Mas isso não é tudo. A apropriação social dos
meios de produção elimina não só a barreira artificial posta à produção hoje,
mas também o desperdício e a devastação concreta de forças produtivas e
produtos que no presente, inevitavelmente, acompanham a produção, alcançando
seu ponto alto nas crises. Além disso, ela libera meios de produção e produtos
em massa para a coletividade mediante a eliminação do absurdo esbanjamento no
luxo das classes ora dominantes e de seus representantes políticos. A
possibilidade de assegurar a todos os membros da sociedade, por meio da
produção social, uma existência que não só seja plenamente suficiente do ponto
de vista material e que dia após dia vá se tornando mais rica, mas que também
lhes garanta a plenitude da livre formação e do livre emprego de suas
faculdades físicas e intelectuais, está aí pela primeira vez – e, de fato, está aí[d], [71].
Quando a sociedade tomar posse dos meios de
produção, será eliminada a produção de mercadorias e, desse modo, o produto
deixará de dominar os produtores. A anarquia na produção social será
substituída pela organização consciente e planejada. Cessará a luta pela
existência individual. Só depois que isso acontecer, o ser humano se despedirá,
em certo sentido, definitivamente do reino animal, abandonará as condições
animais de existência e ingressará em condições realmente humanas. O âmbito das
condições de vida que envolvem os seres humanos, que até agora os dominaram,
passarão para o domínio e o controle deles, que pela primeira vez se tornarão
senhores reais e conscientes da natureza, porque (e à medida que) passam a ser
senhores de sua própria socialização. As leis do seu fazer social, com que até
agora se defrontavam como leis naturais estranhas, que os dominavam, passarão a
ser empregadas e, assim, dominadas pelos seres humanos com pleno conhecimento
de causa. A própria socialização dos seres humanos, até agora vista como
outorgada pela natureza e pela história, passará a ser ato livre deles. As
potências objetivas e estranhas que até agora governaram a história passarão a
ser controladas pelos próprios seres humanos. Só a partir desse momento os
seres humanos farão sua história com plena consciência; só a partir desse
momento as causas sociais postas em movimento por eles terão, de modo
preponderante e em medida crescente, os efeitos que desejam. É o salto da
humanidade do reino da necessidade para o reino da liberdade.
Efetuar esse ato de libertação do mundo é a
vocação histórica do proletariado moderno. Investigar suas condições históricas
e, desse modo, sua própria natureza, levando à consciência da classe hoje
oprimida, mas chamada à ação, as condições e a natureza de sua ação é a tarefa
da expressão teórica do movimento proletário, a saber, do socialismo
científico.”
58 Johann Wolfgang von Goethe, Faust.
Der Tragödie erster Teil. Studienzimmer [ed.
bras.: Fausto, cit., p. 82]. (N. E. A.)
59 Karl Marx, Das Kapital, cit., p. 329-529 (MEGA-2 II/6, cit., p. 319-477) [ed.
bras.: O capital, Livro I, cit., p.
387-574]. (N. E. A.)
a Não é preciso
detalhar aqui que, mesmo que a forma de
apropriação permaneça a mesma, o caráter da
apropriação não é menos revolucionado pelo processo descrito do que o da
produção. Apropriar-me do meu próprio produto ou apropriar-me do produto de
outros naturalmente são duas espécies muito distintas de apropriação. Aliás, o
trabalho assalariado, no qual todo o modo de produção capitalista está
embrionariamente contido, é muito antigo; ele coincidiu, de maneira isolada e
dispersa, por séculos com a escravidão. Porém, o embrião só pôde desabrochar no
modo de produção capitalista quando se produziram as precondições históricas. (Nota
de Engels.)
60 Na segunda metade do século XVII, a
Inglaterra e a Holanda travaram uma série de guerras (1652-1654, 1665-1667,
1672-1674), das quais resultou a consolidação da supremacia marítima inglesa e
sua conquista de colônias. Na segunda metade do século XVIII, a política
internacional inglesa se voltou sobretudo contra a França, na busca por
mercados e colônias. Nas guerras subsequentes (1741-1748, 1755-1763), foram
conquistadas numerosas colônias francesas (e também espanholas). A França
perdeu o Canadá e foi alijada da Índia. No final do século XVIII, a Inglaterra
havia se tornado a principal potência marítima e colonial e tinha sob seu
controle quase todo o comércio mundial. (N. E. A.)
b “Lage der
arbeitenden Klasse in England” [A
situação da classe trabalhadora na Inglaterra], p. 109. (Nota de Engels.)
61 Karl Marx, Das Kapital, cit., p. 457 (MEGA-2 II/6, cit., p. 420) [ed. bras.: O capital, Livro I, cit., p. 508]. (N.
E. A.)
67 À primeira crise de superprodução na
história do capitalismo, que se deu em 1825, seguiram-se crises periódicas nos
anos de 1837, 1847, 1857, 1866 e 1873. Esta última se caracterizou por uma
depressão extraordinariamente longa. Primeiro, a crise atingiu sobretudo a
Alemanha, embora já se estendesse para ramos isolados da indústria inglesa, e,
no ano de 1877, marcou principalmente a Inglaterra e os Estados Unidos. (N. E. A.)
c Digo que é obrigado porque só no caso em que os
meios de produção ou de troca realmente suplantaram
a condução pelas sociedades por ações (ou seja, quando a estatização se tornou economicamente irrefutável), só nesse
caso ela significa, mesmo que o Estado atual a leve a cabo, um progresso
econômico, a chegada a um novo pré-estágio de tomada de posse de todas as
forças produtivas pela própria sociedade. No entanto, recentemente, desde que
Bismarck se lançou a estatizar, apareceu um falso socialismo que aqui e ali até
degenerou numa espécie de servilismo, declarando toda e qualquer estatização, até mesmo a de Bismarck, sem mais nem
menos, como socialista. Todavia, se a estatização do tabaco fosse socialista,
Napoleão e Metternich constariam entre os fundadores do socialismo. O fato de o
Estado belga construir sua principal ferrovia por razões políticas e
financeiras bem comuns, o fato de Bismarck estatizar, sem qualquer necessidade
econômica, as principais linhas ferroviárias da Prússia, simplesmente para
poder instalá-las e aproveitá-las melhor em caso de guerra, para transformar os
funcionários ferroviários em curral eleitoral do governo e, sobretudo, para
conseguir uma nova fonte de receita independentemente das resoluções do
Parlamento – essas medidas de modo algum foram socialistas, nem direta nem
indiretamente, nem consciente nem inconscientemente. Caso contrário, a Real
Companhia Marítima, a Real Manufatura de Porcelana e até o alfaiate da companhia
militar seriam instituições socialistas. (Nota de Engels.)
70 Por
ocasião da crítica ao projeto de Programa de Gotha, de 1875, Marx e Engels se
ocuparam criticamente com a expressão “Estado nacional livre” (ver carta de
Engels a August Bebel, de 18 e 28 de março de 1875; ver também Karl Marx, Kritik des Gothaer Programms, em MEGA-2
I/25, cit., p. 21-3 [ed. bras.: Crítica
do Programa de Gotha, trad. Rubens Enderle, São Paulo, Boitempo, 2012, p.
41s, 56]. (N. E. A.)
d Algumas cifras
podem dar uma ideia aproximada da enorme capacidade de expansão dos meios de
produção modernos, mesmo sofrendo pressão capitalista. Pelos cálculos mais
recentes de Giffen, a riqueza total da Grã-Bretanha e da Irlanda perfez, em
números redondos:
1814: 2,2 bilhões de libras esterlinas = 44
bilhões de marcos
1865: 6,1 bilhões de libras esterlinas = 122
bilhões de marcos
1875: 8,5 bilhões de libras esterlinas = 170
bilhões de marcos
No que se refere à devastação dos meios de
produção e produtos durante as crises, o II Congresso de Industriais Alemães,
realizado em Berlim no dia 21 de fevereiro deste ano {de 1878}, calculou que
somente a indústria siderúrgica alemã teve uma perda total de 455 milhões de
marcos na última crise. (Nota de Engels.)
Na ordem, este trecho ficaria no meio da terceira postagem, mas como seu tamanho é muito extenso, ele foi deslocado para cá, se tornando a última parte citada.
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