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quarta-feira, 5 de junho de 2019

Filosofia da Mente – Walter Menon

Editora: InterSaberes

ISBN: 978-85-5972-040-2

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 280

Sinopse: Questões acerca da mente ocupam o centro de debates filosóficos, religiosos e científicos. Afinal, o que é a mente? Do que ela é constituída? Como podemos entendê-la em relação ao cérebro? Esses são apenas alguns dos questionamentos que surgem ao tratarmos desse tema. Indagações que existem desde Platão e para os quais, até hoje, não encontramos respostas conclusivas – e talvez nunca possamos encontrar. No entanto, a filosofia continua se dedicando a investigar esses problemas, promovendo reflexões que levam à exploração de ideias, teorias e conceitos que são fortemente instigantes.



“Mentes têm, necessariamente, corpos. Sem os entes ou substâncias materiais complexas que são nossos corpos, não haveria nossas mentes. Porém, ao nos referirmos a nós mesmos em uma conversação, não apontamos para nosso corpo ou para parte de nosso corpo. Ainda que a mente dependa do corpo, não é parte do corpo nem constituída pelo corpo, que de fato é um ente composto de partes que não se identificam com o corpo e tampouco com a mente. O cérebro de Pedro não é Pedro e, embora Pedro compartilhe algumas propriedades com seu corpo, como altura e peso, essas propriedades não definem Pedro. Quando Pedro se utiliza do pronome eu em uma conversação para se referir a ele próprio, ao que, exatamente, ele está fazendo referência? O que é esse “eu” que Pedro é? Seria uma substância indivisível, sem extensão, como queria Descartes? Isso é uma substância simples? Se esse não é o caso, do que seria composta a mente?

Tendo em vista que a mente de alguém não é seu corpo nem mesmo uma parte do corpo, podemos afirmar que algumas partes do corpo, evidentemente, não pertencem à mente daquela pessoa, ou seja, não compõem sua mente. No entanto, isso não elimina a hipótese de que a mente seja uma substância composta. Pode não ser composta de substâncias simples materiais, entretanto, nada impede de entendermos a mente como um composto de estados e estruturas psicológicas.

Temos faculdades cognitivas, de percepção, de imaginação; temos conceitos de todo tipo e nossa mente realiza funções como calcular, elaborar pensamentos, memorizar acontecimentos. Todavia, do fato de que podemos falar de faculdades, conceitos etc. como propriedades da mente, não se deduz que essas propriedades sejam partes da mente, componentes que, somados, constituem a mente. Pensar uma mente em particular sem qualquer uma dessas faculdades é muito parecido com pensarmos na casa de blocos de montar sem algumas peças. Conforme subtraímos as peças, a casa paulatinamente perde sua funcionalidade até desaparecer, o mesmo ocorrendo com a mente quando perde suas faculdades. A ênfase aqui, portanto, é sobre a relação entre propriedades e função. Talvez falar em faculdades da mente seja apenas outra forma de nos referirmos à sua organização funcional, e não exatamente a propriedades ou partes constitutivas da mente entendida como um ente ou substância.

Afirmamos anteriormente que, ao associarmos a noção de mente à noção de “eu”, torna-se claro que este compartilha de certas partes do corpo. Quando digo que tenho 1,75m de altura, refiro-me a uma característica minha, ou seja, a mim, ou a meu “eu”, por meio de uma medida do meu corpo. Mas esse tipo de propriedade que o “eu” compartilha com o corpo não contradiz o fato de que a mente é uma substância simples, isto é, indivisível quanto à sua natureza. Altura ou volume não são componentes da mente ou de um ente complexo, que é o corpo, no mesmo sentido que um olho é um componente. Os pensamentos e sentimentos de uma pessoa qualquer não são pensamentos do seu corpo nem mesmo de seu cérebro, isto é, não compõem seu cérebro.

Por fim, mentes, segundo essa concepção, além de possuírem, é claro, propriedades mentais, também possuem propriedades materiais, mas não se reduzem aos corpos nos quais residem tais propriedades materiais.

Se, por um lado, a ideia de interação entre mente e corpo encontra-se no centro dessa proposta teórica, por outro, entender o modo como ocorre essa interação continua problemático. De que maneira a mente, que não é idêntica ao corpo e tampouco a uma qualquer parte sua, age sobre ele? Desejo pegar um objeto, decido, então, estender o braço para pegá-lo e, efetivamente, meu braço se movimenta em direção ao objeto. Saber como isso é possível permanece em aberto, basta lembrarmos que, para o sistema da física contemporânea, eventos físicos têm necessariamente causas físicas e, portanto, a mente não é contemplada como capaz de causar algo no mundo físico. Outra dificuldade que se apresenta é quanto à relação linear e direta de causalidade que o dualismo defende. Pensar que um estado mental causa uma ação corporal, por exemplo, incorre em certos absurdos quando pensamos na cadeia causal de maneira retrospectiva, ou seja, ao inverso.”

 

 

“O behaviorismo é a tese segundo a qual atribuímos um estado mental correspondente a um comportamento observado. Cada estado mental é, consequentemente, relacionado e reduzido a uma disposição comportamental. Vale ressaltar que o estado mental não causa um comportamento, ele é esse comportamento. Assim como no empirismo, para o behaviorismo não há conhecimento produzido pela mente, apenas aqueles comportamentos observados, que são chamados de estados mentais. Todo objeto existente é material.

Uma objeção à tese behaviorista é a de que um comportamento nem sempre é suficiente para descrever um estado mental, pois um comportamento pode ser fingido, imitado, dissimulado ou até mesmo mascarado, suprimido. A teoria limita-se a tratar como estado mental aquilo que é rigorosamente observado, sem ter o poder de saber com absoluta certeza qual é o estado mental que outra mente, que não a do observador, experimenta. As disposições comportamentais não são também necessárias para que exista um estado mental qualquer, como mostrado no argumento de Putnam (Philosophical Papers, 1979). Posso sentir algo sem demonstrar em comportamento físico que sinto esse algo; dessa maneira, nem todo enunciado formulado mentalmente pode ter sua comprovação verificada experimentalmente.”

 

 

“Para Ryle, falar em estados mentais é falar de uma entidade que não possui significado, é falar de algo que não possui referência. Portanto, poderíamos falar apenas em comportamentos. O que ele procura mostrar é a recorrente confusão linguística que fazemos quando, ao falarmos de estados mentais, atribuímos a esse estado um comportamento no mundo, como se estivéssemos nos referindo a um ente no mundo, o que não é o caso. Incorre-se no mesmo erro se pensarmos poder haver mentes independentes dos comportamentos observados das pessoas. Mentes e corpos não existem da mesma maneira, não são da mesma categoria de entes, como é afirmado pelo dualismo cartesiano, por exemplo.”

 

 

“Primeiramente, discordando do dualismo apresentado por Descartes, nas tendências contemporâneas, a mente não existe sem um corpo, sem estar associada a uma materialidade. Não quer dizer, com isso, que a mente seja necessariamente material, mas que, sem esse suporte, ela não existe. Também não quer dizer que ela seja o próprio corpo, embora dependa dele para existir, nem constituída pelo corpo, como se este fosse uma parte dela. Embora a mente seja constituída de propriedades essenciais que não são propriedades do corpo, tais como os conceitos, as ideias etc., não pode ser inferido que a mente seja uma composição dessas propriedades. De todo modo, nas teses dualistas, a mente resguarda sempre uma unidade que não se resume à matéria. Disso decorre o problema da interação, da causalidade entre as duas substâncias: mente e corpo. O dualismo não procura reduzir tudo a uma explicação causal física, como se os eventos mentais fossem resultados diretos dos efeitos físico-químicos produzidos pelo cérebro.”

 

 

“O funcionalismo considera os estados mentais não mais como substâncias, pelo que são, pelo caráter ontológico, mas pela função que desempenham, por aquilo que realizam, pelo caráter funcional. A mente humana, por exemplo, é considerada como o conjunto de funções exercidas pelo cérebro, embora nada impeça, ao menos teoricamente, que tais funções sejam realizadas por algo que não seja o cérebro humano. Como leva em consideração as funções exercidas por qualquer sistema material, o funcionalismo é, nesse sentido, um tipo de materialismo. O que importa é somente o nexo relacional entre os inputs e os outputs, a função exercida por eles, e não do que eles são constituídos.”

 

 

“Então, o que faz que um ser seja inteligente? Basicamente o fato de que ele divide o ambiente em que vive em várias partes, vários subconjuntos, mais simples de serem conhecidos e controlados, e utiliza esse conhecimento para planejar e decidir suas ações. As sensações captadas e processadas em informações acerca do mundo exterior constituem a primeira etapa do conhecimento estruturado. A capacidade de representar de maneira adaptativa o ambiente decorre de um segundo momento no processo cognitivo, no qual a combinação de conhecimentos produz uma ação com vistas a agir sobre o ambiente. Essa capacidade pressupõe a aprendizagem de novas informações que são arquivadas com o objetivo de modificar conhecimentos adquiridos, percepções e ações; a eficiência no processo de aprender as informações depende da circulação destas entre os indivíduos, ou seja, depende da comunicação.

No ser humano, essa comunicação se processa por meio da linguagem verbal, sobretudo. Isso confere à nossa espécie uma condição ímpar em relação à capacidade de estocar, representar e enviar informações. Nesse sentido, cognição é um processo que envolve desde a percepção, passando pela organização conceitual, raciocínio, aprendizagem e ação. Em todas essas etapas, encontra-se a troca de informação. Naturalmente, o sistema nervoso central é o ator principal desse processo e nisso reside um dos principais temas de pesquisa e debate no âmbito das ciências cognitivas, tendo em vista que a aposta na IA depende fundamentalmente de que a definição de mente esteja subsumida em grande medida à capacidade de se entender os processos cognitivos e, ainda, de entendê-los como desvinculados da parte material de seus mecanismos cerebrais.”

 

 

“Em suma, a filosofia da mente, embora tenha por horizonte fornecer respostas aos problemas que envolvem a relação entre mente e corpo, não tem em seu escopo respostas conclusivas. Ela permanece um campo de exploração em constante dependência dos progressos da neurociência e das ciências cognitivas, assim como das teorias evolucionistas e de outras áreas das ciências exatas. O papel da filosofia da mente é o de problematizar soluções que parecem definitivas e ajustar os dados científicos aos pressupostos conceituais filosóficos, e estes a argumentos lógicos. A ficção científica pode sonhar com robôs humanoides, mas a filosofia não pode se dar ao luxo de subestimar os problemas lógico-conceituais envolvidos nesse projeto.”

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