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terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Nos bastidores do reino: A Vida Secreta na Igreja Universal do Reino de Deus – Mário Justino

Editora: Geração Editorial
ISBN: 978-85-8602-806-9
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 150
“Logo entendi que duas qualidades são essenciais para ser um pastor de sucesso na Igreja Universal. A primeira é ter a capacidade de canalizar ofertas expressivas. A segunda é saber entreter o povo e segurá-lo nas “correntes”.”


“Nessas matérias, eu estava superando as melhores expectativas de meus professores. Na Igreja Universal do Reino de Deus, existe uma fórmula padrão para se fazer um culto. Sempre que alguém entrasse nos nossos templos, teria de ver a mesma coisa, não importando se estava em Belo Horizonte, Bogotá ou Buenos Aires. Os cultos eram feitos com gritos frenéticos dos apresentadores e a participação ativa da plateia.
Esse espetáculo espiritual é dividido em duas partes e chega ao clímax quando são realizados os exorcismos. Nesse momento, pessoas aos gritos começam a rolar pelo chão e jogar para cima os bancos da igreja. Algumas chegam a entrar em luta corporal com os pastores e obreiros.
Aos que vinham pela primeira vez, explicávamos que aquelas pessoas estavam possuídas por demônios e ensinávamos que eram esses espíritos malignos a fonte de mazelas como desemprego, problemas financeiros e amorosos. Dizíamos também que as doenças eram sinais físicos dessa possessão demoníaca e, uma vez que estes espíritos eram expulsos, as pessoas ficavam curadas de toda a sorte de enfermidades.
Geralmente entrevistávamos os endemoniados e, para mostrar ao respeitável público que tínhamos poder sobre eles, fazíamos com que essas pessoas andassem de joelhos ao redor da igreja, ou batessem a cabeça nos nossos pés, ou latissem ou ainda que imitassem galinhas, porcos e outros animais. Isso dependia da imaginação de cada pastor. Depois dos exorcismos, enquanto o povo explodia em aplausos e gritos de júbilo, do alto do púlpito nós agradecíamos os louvores. Mesmo sabendo que aqueles “demônios” nada mais eram do que pessoas em busca de alguma atenção ou sofrendo de seriíssimas crises emocionais, nossa atitude era indefectível.
Mas era na segunda parte do culto que o pastor tinha de “provar a que veio”.
O seu futuro como pastor dependia daquela hora e ele precisava ser cauteloso. Nem tão agressivo para não demonstrar ganância, nem tão passivo a ponto de deixar transparecer insegurança. Nenhuma outra passagem da Bíblia é tão exaltada e divulgada na Igreja Universal quanto o “Trazei todos os dízimos e ofertas”, de Malaquias (3:10). Pedir ofertas não era uma tarefa fácil, e bem-aventurado era o pastor que dominava a arte de fazer com que as pessoas abrissem seus bolsos ou assinassem cheques a fundo perdido.
Esses pastores eram poucos. Eles eram os reis da lábia. Pelos seus esforços, recebiam tratamento diferenciado: ganhavam bons carros, bons salários, boas roupas e boas moradas. Eles eram o “crème de la crème da igreja”. Ou “notáveis”, como se autodefiniam. As mordomias eram uma recompensa pela habilidade.
Basicamente, essa habilidade consistia em passar uma hora pedindo dinheiro, em valores decrescentes, e ainda fazer com que o saque parecesse uma singela parte do culto. Um singelo ritual em que os fiéis ajudam a manter o bom funcionamento da obra de Deus. Muitos pastores, por timidez diante do público ou por serem contra a total falta de transparência do roteiro do dinheiro, simplesmente não se esforçavam para levantar ofertas. Esses pastores formavam a ala conservadora da igreja e sempre eram mandados embora na primeira oportunidade. Bem-feito para eles: em vez de pedir altas ofertas e fazer macaquices no púlpito para entreter o povo, optavam por pregar tolices como salvação da alma ou tópicos que a ninguém importavam, como a segunda vinda de Cristo ou o dia do Juízo Final. Ladainhas.”


“Na nossa programação comentamos, ao som do piano de Richard Clayderman ou da flauta de Zamfir, os problemas que afligem a maioria dos humanos: desemprego, vícios, doenças, problemas conjugais e financeiros. Depois de um debate no qual discutíamos os efeitos desses problemas na vida das pessoas, apresentávamos a solução para tudo isso como uma única visita a um dos endereços da igreja. Uma vez que a pessoa ia à igreja, ela era orientada a fazer uma corrente de doze semanas. Corrente na qual ela viria a se tornar emocionalmente presa. Os que quebravam essa corrente imediatamente passavam a ter visões e ouvir vozes. Como Hollywood, nós sabíamos explorar o medo infantil que as pessoas têm da figura do diabo.”


“O comportamento dos líderes me absolvia de qualquer sentimento de culpa. Entre os pastores comentava-se a boca pequena, que as famosas “peregrinações da fé à Terra Santa” não passavam de excursões turísticas ao Oriente Médio, com direito a cassinos, noitadas em Tel Aviv e divertidos passeios de camelo às pirâmides egípcias. Além disso, os líderes estavam constantemente em viagens “de interesse da igreja” a cidades europeias com forte apelo turístico, como Paris, Roma e Londres.”


“Desde meus primeiros momentos na cúpula da Universal pude perceber o clima de competição reinante entre os pastores. Todos queriam destaque e consagração. Éramos todos engajados numa verdadeira guerra santa: espionando uns aos outros, copiando ideias, dedurando, fazendo lobby. Era a lei da selva. Esses eram os mesmos indivíduos que ocupavam os microfones e púlpitos pregando irmandade e amor entre os homens. A hipocrisia era parte do nosso trabalho.”


“Naquela época, Carlos Alberto Rodrigues era um obreiro adolescente e o recém-convertido Edir Macedo de Bezerra apenas um auxiliar de escritório da LOTERJ. Sem ter ainda o sonho messiânico e napoleônico de que no futuro bibliotecas inteiras e evangelhos seriam escritos sobre a sua pessoa.
Sem o apoio dos líderes de suas igrejas aos seus métodos revolucionários de atrair fiéis, como distribuição de sal milagroso, o então evangelista Macedo se juntou a um grupo de amigos evangélicos e fundou a sua própria igreja. Além de Rodrigues, fazia parte desse grupo o missionário R.R. Soares (cunhado de Macedo, que mais tarde rompeu com ele, fundando a Igreja da Graça), o reverendo De Paula (que também brigou com Macedo e saiu), o pastor Joacir (também saiu), o pastor Benedito (saiu), e o contador Naylton Nery (esse, quem diria, acabou no Irajá).
Hoje em dia esses pastores devem estar tão arrependidos quanto aquele quinto Beatle.
Com o crescimento imprevisível do bolo, e com cada um querendo a melhor fatia, começou uma luta interna pelo poder que terminou com a dissolução do grupo, o que deu a Macedo a liderança total daquilo que viria a ser um milionário aglomerado de empresas que, além da fé, atuaria em ramos tão diversos ente si quanto redes de comunicação e madeireiras, construtora e banco. Além da Universal produções, uma holding que administra uma gráfica, uma editora, um jornal e uma gravadora.”


“Quando minha mãe morreu, o pastor de sua igreja não se deu conta disso. Cinco meses depois, minha irmã recebeu uma carta endereçada a mamãe, com a seguinte mensagem: “Prezada Irmã, ultimamente temos sentido a falta de sua preciosa presença nos cultos de louvores ao Divino Espírito Santo. Espero ver-te na próxima Ceia do Senhor. Paz seja convosco. Seu escravo em Cristo, Pastor Ricardo Pellegrini.
PS. O dízimo da irmã está atrasado em cinco meses.”


“Sexo e dinheiro eram as maiores causas de queda dos pastores. Talvez pelo fato de esses dois itens serem muito acessíveis dentro da igreja. Quase todos os pastores recebiam bilhetinhos de mulheres se declarando apaixonadas e implorando por uma tarde de amor em um motel de beira de estrada. Algumas mulheres que frequentavam a igreja viam os pastores como galãs de telenovelas que povoavam as suas fantasias. Sempre vinham a nós confessando os sonhos sexuais que tinham conosco. O mais estanho é que a maioria dessas mulheres não era mais nenhuma garotinha debutante. Foram poucos os que, pelo menos uma vez, não sucumbiram à tentação.
Sexo, porém, não era motivo para mandar um pastor embora. A não ser quando o adultério ganhava proporções de escândalo e chegava ao conhecimento dos membros da igreja. Mas, sempre que possível, as puladas de cerca de alguns notáveis eram abafadas com panos quentes e tudo acabava em pizza.”


“No quadro de pastores foram introduzidas aulas de inglês, dicção, postura e etiqueta. Os lances de curandeirismo primitivo, que são fortes no Nordeste, como dar ao povo óleo e sal para tomar, nunca existiram em São Paulo. O Bispo sempre dizia que para cada peixe deve ser usada determinada isca.”


“Dinheiro, o sangue da obra de Deus, segundo o pastor Magno, havia se tornado no câncer que ia aos poucos comendo as vísceras da Universal. Era como se tudo ali dentro fosse feito em função de se fazer mais e mais dinheiro.
As reuniões de pastores, que nos anos anteriores continham leituras de salmos, cânticos espirituais e longas horas de oração, assumiam agora as características de reunião do conselho administrativo de mega-empresa. Os assuntos do dia eram compra e venda de imóveis ao redor do mundo, as cotações do ouro e do dólar ou os movimentos da bolsa de São Paulo e Londres. O único Evangelho pregado nesses encontros era aquele segundo Lilian Wite Fibe.”


“Alguns pastores não tinham nem mesmo a pachorra de esperar terminar o culto para checar a sacola com o dinheiro obtido: ajoelhados diante do povo numa alusão à sua humilhação diante de Deus, com o microfone numa mão faziam as suas orações decoradas. Com a outra mão iam abrindo envelopes para ver quanto haviam faturado naquele dia.
Nesse ambiente em que todos eram culpados, uma das táticas do Bispo para ser menos roubado foi colocar gente sua nos postos-chaves da igreja. Mesmo assim o dinheiro continuou escoando. Como em qualquer outra grande organização, o cabide de emprego e o nepotismo faziam parte do jogo interno da Universal. Por esta razão tínhamos de conviver com aquela regrinha que parecia ter sido extraída do poema: fulano, que era casado com a irmã de sicrano, que era tio de beltrano, que amava a filha do bispo, que não amava ninguém.
Exemplo clássico deste nepotismo era o pastor Ronaldo Didini, que depois apresentaria o programa 25 horas, na TV Record. O sujeito tinha por única qualidade ser cunhado do pastor Manuel Francisco, naquela época homem forte da Universal nos Estados unidos. Didini tinha sido oficial do Exército, afastado do serviço porque passou a desenvolver “fortes problemas emocionais”.
Não sei como ele tratava seus subalternos nos quartéis. Na igreja, Didini gritava e esbravejava com os obreiros como se estivesse comandando soldados em um treinamento de sobrevivência na selva. Freud explica. Nisso a igreja paulista se assemelhava às suas irmãs nos outros estados. Na prepotência daqueles que, se não se achavam melhores, pelo menos se achavam mais iguais que os outros.
Em São Paulo começamos a participar de reuniões que trouxeram à mesa de discussão um assunto que até então era um tabu: a vida sexual do pastor.
Quando aumentou sensivelmente o número de escândalos sexuais, a liderança se sentiu forçada a fazer alguma coisa para frear aquela onda. Num espaço de apenas alguns meses, dois grandes escândalos abalaram as estruturas da Igreja Universal em São Paulo.
O primeiro aconteceu quando o pastor Francisco, dono do rosto angelical que apresentava o programa na TV Bandeirantes, foi visto saindo de um motel com uma de suas ovelhas. Para quem não sabe, o disse-me-disse dentro da igreja é como fogo morro acima. Em pouco tempo todos os membros comentavam o affair de Francisco. Mas o escândalo maior veio quando o pastor Antônio, meu auxiliar no bairro A. E. de Carvalho, na Zona leste da capital, abandonou a mulher e o filho de três meses e fugiu com uma menina menor de idade que frequentava a igreja.
O bispo Macedo e o pastor Paulo começaram então a promover conferências sobre sexo em reuniões de casais realizadas em hotéis-fazendas espalhados pelo interior do estado. Os assuntos explorados iam desde sexo oral até sadomasoquismo. Nada que Marta Suplicy não comentasse na televisão. Mas, vindo do Bispo, aqueles comentários causavam um certo constrangimento na audiência. O efeito seria o mesmo se o papa reunisse sua bancada de cardeais e explicasse com detalhados pormenores como bater uma punheta com arte.
Nestas reuniões passamos a conhecer a faceta “latin lover” do Bispo que até então era exclusividade de sua mulher. Ele se mostrava como o grande homem capaz de satisfazê-la. “Plena e completamente”, fazia questão de deixar bem claro.
Na piscina com a mulher, Sua Excelência Reverendíssima não perdia a oportunidade de dar uma demonstração rapidinha do dragão sexual que era. Afirmava que, se todos seguissem seus conselhos, não haveria a necessidade de se procurar sexo fora do casamento. “Quem come bem em casa não tem fome na rua”, profetizava.
Na medida em que estes encontros aconteciam, os casais iam se descontraindo e participando mais confortavelmente do debate. Mulher de pastor, que no princípio corava somente de ouvir a palavra “cueca”, já levantava a mão, toda assanhadinha, para pergunta se banho-de-gato era pecado. O auge dessas reuniões foi quando chegamos ao consenso de que o casal tinha liberdade para fazer o tipo de sexo que bem quisesse. Ponto para a democracia. Só não era permitido usar chicotes ou algemas. Mesmo assim, ponto para a democracia.
Também ficou permitido visita a motéis e assistir filminhos de sacanagem durante a “trepada”. Era o “liberou geral”. A partir dali, sempre que um pastor encontrava o outro, já não mais trocavam conhecimentos bíblicos. Em vez disso, comentavam os últimos lançamentos do cineasta David Cardoso e da porno-star Cicciolina. Enquanto a Igreja Universal aderia aos novos tempos, no Vaticano ainda discutiam a absolvição de Galileu Galilei.
Há muito eu já havia deixado de ver a Universal como um lugar espiritual. Os únicos que ainda viviam esta ilusão eram os que se limitavam aos bancos da igreja. Qualquer um que fosse um pouco além disso descobria a triste verdade do Reino.
Um operador de áudio que era membro da igreja e trabalhava no estúdio da rádio São Paulo comentou comigo, durante uma sessão em que gravava o meu programa semanal, que ele estava pensando em pedir a sua dispensa, pois não suportava mais ouvir as conversas dos pastores sobre dinheiro quando eram levados ao ar.”


“Quando o Bispo fechou a compra da Record, por 45 milhões de dólares, nós tivemos que pagar o pato. Apesar de que não havia necessidade disso, nossos salários foram cortados por três meses com a desculpa de que a igreja precisava economizar dinheiro para o investimento. Ninguém se atreveu a protestar. Poucos anos mais tarde, o pastor Carlos Magno, líder da Universal e braço direito de Macedo, dirigente de estados como Ceará e São Paulo, irado com o Bispo por não ter recebido seu apoio na tentativa de se eleger deputado, fez a denúncia de que a Record tinha sido comprada com a ajuda de traficantes que queriam lavar no Brasil dinheiro de seu comércio de drogas. O pastor Carlos chegou a dar detalhes de como atravessaram as fronteiras do país com o jatinho de Macedo abarrotado de dólares. Não houve CPI e nem mesmo investigação por parte da Polícia Federal para averiguar as origens da denúncia. Por muito menos, nos Estados Unidos, o televangelista Jim Baker amargou vários anos na prisão.”


“O bispo Macedo dizia ter recebido uma mensagem celestial em que o Criador em pessoa com a mesma intimidade com que se dirigia aos seus profetas nos primórdios da humanidade, ordenara que a igreja apoiasse Fernando Collor de Mello para Presidência da República, pois ainda de acordo com o Todo-Poderoso, Collor, era o melhor candidato para o país e o único capaz de derrotar o “anti-Cristo” (leia-se Lula).
Como todos nós na época, o Senhor dos Exércitos ainda não conhecia PC Farias. Errar é divino.
O Bispo era um dos maiores cabos eleitorais de Collor (abaixo de Jeová, é claro). Ele fazia reuniões e se deixava fotografar vestindo camisetas do PRN. E no melhor estilo “aiatoloide”, proibiu todos os pastores e obreiros de votar em qualquer outro que não fosse o “escolhido”, e ameaçou: “Quem não é por mim é contra mim”.”


“Nada é pior do que saber não ser amado por ninguém.”


“Alguém já disse que o ódio é uma negação eterna. Do ponto de vista das emoções, ele é uma forma de atrofia que mata tudo ao seu redor, menos ele próprio.”

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