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quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Do Terror à Esperança: auge e declínio do neoliberalismo (Parte II) – Theotonio dos Santos

Editora: Ideias & Letras
ISBN: 978-85-9823-910-1
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 538
Sinopse: Ver Parte I



“Segundo dados da OCDE (1995) houve um importante crescimento da dívida pública bruta em porcentagem ao PIB entre 1973 e 1980, em vários países. Não foi o caso Estados Unidos, que comandam a economia mundial, onde a porcentagem da dívida pública sobre o PIB caiu de 40,6% a 37,9%. Isto se explica pelo fim da guerra do Vietnã em 1973 e a consequente queda do gasto militar. O mesmo ocorre no Reino Unido onde a dívida pública baixa de 69,7% para 54,6% do PIB, no Canadá (de 46,7% para 45,1%) e até na Itália (de 60,6% para 58,5%). Contudo, no Japão temos, nesse mesmo período, um enorme aumento da dívida pública de 17% para 32% do PIB e na Alemanha de 18,6% para 32,5%, na França também constatamos um aumento de 25, para 37,3%.
Mas o crescimento mais importante da dívida pública vai ocorrer em seguida, isto é, entre 1980 a nossos dias. E isto se explica pela elevação da taxa de juros dos Estados Unidos em 1979, responsável pelo aumento da taxa de juros dos demais países. Entre os 7 Grandes Países, a participação da dívida pública bruta no PIB aumenta de uma média de 36,8% em 1973 para 43,2% em 1980, 55,5% em 1985, 59,5% em 1990 e 67,3% em 1994. Em aparente paradoxo, este foi um período sob hegemonia conservadora. Foram os anos de triunfo do pensamento neoliberal quando se cortaram drasticamente os gastos sociais na maior parte desses países. Nesse período se impôs o “princípio” tão “sábio” de Milton Friedman de que não há almoço sem que alguém o pague. Parece, contudo, que nesse período houve mais pagamento e menos almoço!
A explicação para o aumento dos gastos públicos se encontra no aumento dos gastos militares nos Estados Unidos e nas transferências sob a forma de pagamento de juros que, como se sabe (sem ter de apelar ao alto nível filosófico dos “banquetes” do sr. Milton Friedman), vão parar nas mãos dos investidores e especuladores que não pagam almoço para ninguém. Ao contrário, os contribuintes é que pagam o almoço deles... Entre 1980 e 1994 a porcentagem do pagamento de juros líquidos sobre o conjunto das despesas públicas subiu de 3,9% a 6,1% nos Estados Unidos. Na Alemanha (de 2,7% para 6,1%), na França (de 1,8% para 6,2%) e na Itália (de 11,1% para 21,1%). No Japão (de 3,3% em 1980 cai para 0,7% em 1994) e no Reino Unido (de 7,3% para 6,9% no mesmo período) ocorreu, contudo, uma tendência à queda destas transferências. No resto do mundo prevalece a tendência a um substancial aumento dos gastos com pagamentos de juros em relação ao gasto público total. Nos países europeus estudados pela OCDE esta participação sobe de 7,5% em 1981 a 9,4% em 1994.
Estes dados nos mostram que a maior responsabilidade pelo aumento da dívida pública se encontra nos altos juros pagos para o financiamento da mesma. Segundo os autores anteriormente citados (TANZI e SCHUKNECHT) “o crescimento das despesas públicas nos países ricos deveu-se principalmente às transferências e subsídios, que saíram de 0,9% do PIB em 1870 para 23% em 1992. Os gastos feitos diretamente pelo Estado (o consumo do governo) crescem também, mas de forma menos dramática — de 4,6% em 1870, para 17,7% em 1994”.
Esta tendência é mais clara ainda quando recuamos a análise dos dados a 1970. Dizem os mesmos autores: “Os juros pagos pelos governos sobre suas dívidas públicas, em período mais recente, saíram de 1,9% do PIB em 1970 para em 92”.
Os autores querem explicar o aumento dos juros a partir do aumento da dívida pública, mas é claro e evidente que o que se deu foi exatamente o contrário: é o aumento da taxa de juros que faz aumentar a dívida pública. Na verdade, o aumento da taxa de juros paga pelo Estado não nasce necessariamente das relações mercantis e sim da orientação e administração das políticas públicas. É aparentemente contraditório (mas só aparentemente...) o fato de que foram governos conservadores ou pressionados por ideias conservadoras (de clara origem e influência dos pensadores neoliberais) os que iniciaram esta onda de endividamento público.”


“A educação, em termos globais é principalmente pública. Pensar hoje em termos de educação privada é quase impossível. Se pensarmos no nível de escola primária e de algumas escolas secundárias, é possível manter a educação privada para uma parte da população de alta renda, mesmo assim sempre contando com subsídios estatais. Mas, no nível universitário, isso é impossível. A universidade privada só pode sobreviver se receber altos subsídios. Ou então se renunciar totalmente à qualidade do ensino. Neste caso o nome universidade é farsa.
A pesquisa, principalmente, requer altos subsídios do Estado, em forma direta, via ministérios da Educação, Ciência e Tecnologia, ou pela via indireta, através de fundações, que canalizam fundos de isenções fiscais para atividades privadas. No setor de pesquisa aplicada, as indústrias realizam investimentos importantes, mas o grosso da investigação em ciência e tecnologia é financiado pelo Estado, mesmo quando realizadas por laboratórios de alta tecnologia criados pelas empresas através do uso de novas modalidades de renúncia fiscal.”


“No século XXI, sobretudo depois do atentado de 11 de setembro, a administração de Bush filho acena como uma diminuição dos impostos, mas cria na prática um déficit fiscal gigantesco para tentar recuperar a economia.
É impressionante notar, ao mesmo tempo, como o déficit público se orienta para o financiamento da pesquisa e desenvolvimento, sobretudo do setor militar. Quando o Estado intervém tão fortemente na criação de áreas de investimento e na orientação das estratégias das empresas privadas, em seu financiamento e na demanda de seus produtos, é simplesmente ridículo falar numa tendência à privatização e à liberalização da economia.
É evidente também que estes gastos públicos aumentam a intervenção do Estado nos mecanismos da vida econômica, ao colocar sob sua dependência parte tão extensa e estratégica da economia. A partir da década de 80, o Estado norte-americano interveio diretamente na fixação da taxa de juros, na política de emprego, aumentou sua proteção aos setores econômicos ameaçados pela petição externa, determinou políticas educacionais, de formação, de treinamento e recolocação de mão-de-obra. Dificilmente pode-se encontrar no mundo uma regulação estatal tão rigorosa de quase todos os aspectos da vida econômica, social e política.
Contudo, tudo isto foi feito em nome do neoliberalismo, das forças do mercado, da livre iniciativa e da liberdade individual. Isto se explica em parte porque o Estado norte-americano continua evitando a sua participação direta na produção e inclusive nos serviços públicos. Para poder prescindir dessa intervenção ele sustenta indiretamente, através de contratos e subcontratos, uma enorme massa de empresas e trabalhadores.
A outra razão dessa impressão é o fato de que grande parte da regulação econômica realizada pelo Estado norte-americano se faz em nome de garantir o livre funcionamento do mercado, a livre iniciativa e as liberdades individuais. É impossível negar o conteúdo ideológico da afirmação de que os 550 bilhões de dólares de gastos militares que convertem a economia norte-americana num dos maiores capitalismos de Estado do mundo (maior inclusive que os de todos os antigos países socialistas somados) seja um caso típico de livre mercado. Ao contrário, esta intervenção maciça do Estado atropela o livre mercado a favor do monopólio e da proteção estatal às empresas clientes do Pentágono.
Ao mesmo tempo que o sistema empresarial dos Estados Unidos se submete tão drasticamente ao seu Estado nacional (como ocorre, por sinal, em todos os países capitalistas), ele evolui no sentido de uma maior concentração produtiva e econômica, de uma maior monopolização da economia e de uma maior centralização de capital. Os dados da Comissão de Justiça do Senado (subcomissão de antimonopólio) e de vários outros organismos e instituições dedicados à luta contra a monopolização, em defesa dos consumidores, pela proteção do ambiente etc., revelam sempre a impotência dos cidadãos para deterem este processo de concentração, monopolização e centralização. Algumas vitórias parciais só confirmam a tendência geral.
Tais fatos são ainda mais evidentes fora dos Estados Unidos, onde os Estados nacionais têm de investir diretamente em vários setores da economia, abandonados pelo capital privado em busca de taxas de lucros mais elevadas. Raramente a empresa pública surgiu em setores ou ramos de alta lucratividade. Ela se instala exatamente naqueles onde as inversões de capital fixo são extremamente elevadas e os usuários tendem a reivindicar preços e tarifas baixas, sobretudo quando se trata de produtos e serviços consumidos pelas empresas que têm de proteger seus custos.”


“Os Estados nacionais serviram de apoio, muitas vezes, à evolução e ao desenvolvimento dessas empresas. Por exemplo, nós não podemos entender a expansão das empresas norte-americanas, em nível mundial, sem o Plano Marshall, com o qual o Estado norte-americano colocou à disposição dessas empresas recursos gigantescos para a sua entrada massiva na Europa, no Japão e em outras regiões. Tratava-se dos louros da vitória militar. Pensar que essas empresas poderiam ter alcançado o nível de influência que obtiveram sobre o resto do mundo só pela eficácia econômica é uma ingenuidade que só se impõe no cérebro das pessoas através da manipulação ideológica. É impossível também pensar a expansão dessas empresas na América Latina e nos países do Terceiro Mundo em geral, sem o programa do Ponto Quatro, sem os vários programas de ajuda internacional, organizados pelo Eximbank, a A. I.D., o Banco Mundial, o FMI etc. O governo norte-americano entregou a essas empresas o instrumental indispensável para a sua expansão mundial, particularmente o poder financeiro do dólar.
Não se pode ignorar também o papel do Estado na criação da Revolução Científico-técnica que se operou no pós-guerra. As empresas foram um agente muito importante neste processo. Mas o financiamento do mesmo, em mais da metade, veio do Estado e não das empresas. Elas financiaram as fases de desenvolvimento final dos produtos para chegar ao mercado. Mas nenhuma empresa estava disposta a pagar o risco de financiar a pesquisa básica, cujo custo é extremamente alto e arriscado. Somente nos anos 90 vêm sendo obrigadas a atuar no campo da ciência pura pela implantação crescente dos resultados da pesquisa básica sobre as inovações “comerciais”. Na medida em que o “comércio” destas empresas se realiza, cada vez mais, com o setor público. Foi o Estado que, direta ou indiretamente, fez essas pesquisas ou as financiou nas universidades e, muito raramente, dentro das empresas. A década de 1980, década do neoliberalismo, década em que a Sra. Thatcher e o Sr. Reagan foram os grandes modelos da visão ideológica do mundo contemporâneo, foi menos a década dos investimentos diretos no mundo e muito mais um período marcado por um grande crescimento do sistema financeiro mundial. Este sistema cresceu em torno do déficit público norte-americano que saltou de 60 bilhões de dólares para 280 a 300 bilhões de dólares ao ano no final da década. Trezentos bilhões de dólares é mais da metade da renda nacional do Brasil. Pode-se imaginar o impacto desta quantia colocada à disposição de um projeto nacional e do mercado financeiro mundial.
Quer dizer, o Estado norte-americano coloca cada ano um poder de compra no mundo, sob forma de dívida, igual à metade do que todo o povo brasileiro produz em um ano. Esta dívida se destinou, sobretudo, ao gasto militar, particularmente à pesquisa militar. O Estado cortou gastos com os pobres, no setor do bem-estar. Mas, no setor militar, os gastos foram aumentados drasticamente na década de 1980. Então, o que se chamou de neoliberalismo não foi nenhuma ação econômica neoliberal. Porque um dos princípios do liberalismo é o equilíbrio das contas públicas. Ninguém pode falar em liberalismo, em Estado mínimo, em um Estado que não vai pesar sobre a população etc., quando ele apresenta um déficit fiscal crescente capaz de alcançar esta dimensão.
A Europa viveu neste período uma forte concentração de poder nas mãos da recém-criada burocracia continental. Na década de 80 criou-se o Parlamento Europeu e a Coordenação Administrativa da Comunidade Europeia em Bruxelas. Foi um período de aumento vertiginoso da intervenção estatal na economia e nos mais diversos aspectos da vida, particularmente no plano cultural. Durante esta década, a Inglaterra da Mrs. Thatcher aumentou o gasto público em mais de 2% da renda nacional e, ainda assim, a sua gestão foi considerada liberal.
Ao mesmo tempo, o êxito econômico, comercial e financeiro do Japão neste período foi apresentado ao resto do mundo como a mais expressiva vitória do liberalismo. Este êxito econômico e financeiro durante a década de 80 foi explicado pela eficiência do mercado e pela supremacia do privado sobre o público, pela hegemonia do modelo empresarial sobre o modelo estatal. Ora, o Japão é o antimodelo do privatismo. Primeiro, porque as empresas japonesas estão sob um forte controle do Estado japonês. Um controle que se fortaleceu desde a Segunda Guerra, sobretudo, porque, como se sabe, a economia japonesa foi reestruturada depois da guerra sob a ocupação norte-americana, que realizou a reforma agrária e a dissolução dos grandes monopólios. Neste período, o M.I.T.I. — Ministério da Indústria, Tecnologia e Comércio Internacional — planejou, controlou e organizou todo o sistema empresarial japonês. Este é hoje um sistema altamente oligopolístico ou até monopólico. Eu acho que a palavra oligopólio é mais correta, no caso japonês, porque sempre encontramos duas, três grandes firmas competindo. Mas são duas ou três grandes firmas que controlam o grosso de cada setor econômico. Não é um modelo de capital privado, de forma nenhuma. Não é um modelo de livre empresa, é um modelo de empresa oligopólica moderna com forte integração com o Estado.”


“Na verdade, a década de 80 nos apresentou uma realidade totalmente diferente. Os Estados Unidos de Reagan mergulharam o seu Estado num endividamento colossal e crescente, cuja superação não se pode ver no horizonte. O que vimos foi uma política de cortes dos gastos sociais do Estado de Bem-estar, cujas intervenções foram objeto de muita crítica durante os anos 70 e 80, para gerar um novo tipo de intervenção estatal, com muito mais força, e com muito mais recurso, destinado a fortalecer outros setores, particularmente o setor militar, o setor de pesquisa e desenvolvimento e o setor financeiro.
Durante os anos 80, em cujo final se instalou uma crise muito grave e uma situação de recessão, retomou-se, apesar do discurso contra o Estado, o aumento dos gastos do Estado norte-americano, através de um déficit brutal, das contas públicas que permitiu à economia recuperar-se. O comércio mundial também se recuperou porque os gastos gerados pelo Estado na economia americana não foram empregados em produtos norte-americanos, foram gastos com a importação de produtos de todo o mundo. E daí se produziram esses irmãos siameses: o déficit fiscal e o déficit da balança comercial norte-americanos. Os dois déficits marcharam juntos, inclusive com valores similares. Manhosamente, o déficit público gerou os recursos lançados sobre a economia mundial sob a forma de compra de produtos do resto do mundo.”


“Estes fatos nos mostram a profundidade da armadilha em que nos meteu a hegemonia dos princípios neoliberais na vida econômica da década de oitenta. A liberação dos mercados, o relaxamento do controle estatal sobre as empresas, particularmente sobre o setor financeiro, não conduziram a um mercado mais livre.
Pelo contrário, a desregulamentação favoreceu a monopolização dos mercados, em particular dos mercados financeiros nacionais e o mundial. Ao mesmo tempo, a elevação das taxas de juros, típica da década de oitenta, aumentou dramaticamente os gastos públicos. Paradoxalmente, a aplicação do neoliberalismo não conduziu ao equilíbrio do gasto público, mas ao mais aventureiro desequilíbrio fiscal da história do capitalismo. E o mais grave é que estas dívidas enormes não se convertiam em melhorias econômicas e sociais, se destinavam exclusivamente a engordar os bolsos dos especuladores. (...)
A austeridade fiscal não é um programa da direita, apesar de os conservadores a terem alardeado sempre como uma característica de seus governos. Ao contrário, o compromisso da direita com a especulação financeira inviabilizou sua capacidade de estabelecer uma verdadeira austeridade fiscal. Ela cortou drasticamente os gastos sociais, mas aumentou os gastos militares e os gastos financeiros e, como consequência da crise social que se aprofundou mundialmente, aumentou enormemente a necessidade dos gastos sociais. Este círculo vicioso foi o principal resultado da hegemonia neoliberal de Thatcher e Reagan.”


“Quando se lançou a proposta da Terceira Via fomos os primeiros a chamar atenção para sua importância. Ela refletia, por um lado, a constatação do fracasso das políticas neoliberais, até então consideradas intocáveis. Por outro lado, entretanto, ela arrastava consigo a visão defensiva de que não há êxito econômico sem livre-mercado e a aceitação geral do fracasso do planejamento e da ação estatal.
O resultado desta autocrítica pela metade foi esta fórmula híbrida chamada Terceira Via. Segundo seus formuladores, o livre-mercado continuaria a ser a forma mais eficiente de escalonar os recursos escassos produzidos pelas economias nacionais. Entretanto, eles aceitavam que o livre-mercado oferecia soluções desfavoráveis para os mais pobres que não dispõem de pressão sobre o mercado. Como se vê, eles se inscrevem dentro do programa proposto ou pelos ideólogos conservadores: neoliberalismo mais compensações estatais, sobretudo no plano social.
Em tal caso, o ideal para a Terceira Via seria completar a “eficiência” do livre-mercado com a “correção social feita pelas políticas públicas”. Segundo seus “teóricos” (se é que podemos chamar de teoria esta manifestação de boa vontade e bons propósitos), a Terceira Via resgataria os aspectos positivos do mercado e da intervenção estatal.
Acontece que a realidade é muito mais complexa que as “boas intenções” de conciliadores de opostos. É evidente que os efeitos sociais negativos das políticas neoliberais não podem ser corrigidos pelo Estado por duas razões. Primeiro, porque os recursos públicos para políticas sociais são escassos no contexto das políticas de equilíbrio fiscal, promovidas pelo pensamento neoliberal. Segundo, porque este pensamento leva necessariamente ao corte dos gastos públicos que atendem aos pobres. Ao mesmo tempo, restringem a distribuição da renda como condição econômica para lograr o crescimento. Em suas cabeças atrasadas são os ricos que investem e garantem o crescimento.
Não é possível, pois, conciliar a restrição neoliberal dos gastos públicos sociais, para o crescimento e o pleno emprego com o aumento das medidas de bem-estar. Nem é aconselhável apoiar as políticas recessivas dos neoliberais (que aumentam o desemprego e a miséria, e concentram a renda em favor dos mais ricos) e, ao mesmo tempo, tentar corrigir seus “resultados”. Pois os resultados são a própria essência da doutrina e política neoliberal. (...)
Nos países da OCDE, os gastos estatais representam cerca de 47% do PIB, participação que cresceu exponencialmente desde o começo do século passado (XX) — quando em seu início não chegava a 10%. Principalmente depois da segunda guerra mundial, o Estado se converteu em parte integrante e necessária do funcionamento da economia capitalista mundial. E cabe afirmar, baseado em dados do Banco Mundial, que esta participação dos gastos públicos continuou crescendo entre 1980 e 1995, sob o domínio ideológico do neoliberalismo.
O que aconteceu entre 1980 e 1995 não foi uma diminuição do gasto estatal, mas uma drástica reorientação do gasto público para as “transferências”, isto é, as transferências de renda do conjunto da população principalmente para o setor financeiro, o qual absorveu a maior parte dessas “transferências” sob a forma de pagamentos de juros pelos títulos das dívidas públicas. (...)
Desta forma, as reverências dos “teóricos” da Terceira Via à “eficácia” da economia do mercado e dos princípios neoliberais não encontraram nenhuma base na prática da vida econômica. O período de Thatcher só fez atrasar a Inglaterra, cujo PIB caiu abaixo da Itália, China e Índia.
Os Estados Unidos de Reagan aumentaram sua dívida pública de 32,6% a 65,1% do PIB. Reagan elevou o déficit comercial a quantidades inimagináveis e o fez definitivo e estrutural. Estes desequilíbrios econômicos fantásticos tiveram de ser corrigidos, em parte, pelo governo Clinton, apesar das dificuldades que encontrou em sobrepor-se à oposição republicana. (...)
Está claro, pois, que os gastos sociais não podem ser apresentados como uma espécie de sobremesa, posterior ao prato forte das medidas econômicas. Não há uma separação radical entre ambos os setores. Está clara, também, a adesão da população àqueles políticos que mostram mais decisão de enfrentar os princípios doutrinários neoliberais. Seus tecnocratas, muito hipocritamente, chamam tais políticos de “populistas”. Segundo eles, trata-se de políticos que se deixam guiar pela “opinião pública” em vez de guiar-se pelos princípios “científicos” dos tecnocratas neoliberais.
Aonde nos levam estes princípios “científicos” do século XVIII, está cada vez mais claro. Basta ver o que se passou com a África sob o domínio do Banco Mundial, desde os anos 80. Basta ver o que se passou com a Europa Oriental, incluindo-se a União Soviética, sob a orientação dos técnicos neoliberais depois da vitória de Yeltsin. Basta ver o que se passou com os Tigres Asiáticos quando começaram a ceder em sua política de Estado desenvolvimentista para abrir espaço à entrada de capitais de curto prazo e à desregulação de suas economias. Basta ver a situação gravíssima da América Latina depois de aplicar os ajustes estruturais dos anos 80 e o consenso de Washington dos anos 90.
Um espetáculo tão impressionante de dimensões planetárias não faz baixar totalmente as pretensões desses tecnocratas. Eles se negam a seguir a “opinião pública”. Esta representa o regime democrático com o qual não podem conviver. Basta ver que a ascensão política dos neoliberais se inicia sob o terrorismo estatal de Pinochet, a violência social e anti-sindical da senhora Thatcher e Ronald Reagan, os regimes de direita, militares ou não, na década de 70 e de 80, o bombardeio do parlamento russo por Yeltsin, e outros atos de terror similares.”


“As contradições geradas por 25 anos de expansão imperialista desordenada e caótica não levaram aos equilíbrios sonhados pelos liberais e sim a um grande período de crise econômica e caos social, revoluções e novas experiências sociais, políticas e ideológicas que se prolongou por cerca de 30 anos, entre 1918 1940. É perigoso deixar-se levar pelas facilidades dos períodos de expansão. Quando acontecem, é necessário mais que nunca assegurar o domínio da razão humana sobre as forças cegas do mercado. Quer dizer: do plano sobre o caos, da política sobre a economia, da ética sobre a violência, do direito sobre a brutalidade incontrolada.”

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