Editora: Ideias & Letras
ISBN: 978-85-9823-910-1
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 538
Sinopse: Da
Guerra Fria aos atentados que culminaram no 11 de setembro, assistimos ao
crescimento e à bancarrota de um conjunto de ideias de âmbito econômico e
político que se consagraram no chamado pensamento único, considerado o caminho
inevitável e insubstituível para o desenvolvimento mundial. Se por um lado
amargamos o aumento do desemprego, a explosão da violência ampliada pelo
evidente abismo social, a subnutrição e a exclusão de continentes inteiros, por
outro lado nos deparamos com a arrogância e a impertinência de pseudoteóricos ―
e técnicos ― que insistem na manutenção de um sistema fracassado.
O autor, reconhecido internacionalmente como um dos mais
importantes teóricos latino-americanos dos últimos tempos, faz uma análise
meticulosa e concreta que resulta em um texto claro, preciso e completo que
abrange o conjunto de aspectos e interpretações que dizem respeito à
experiência neoliberal e à sua herança.
“O terror tem sido uma arma poderosa para
impor os interesses contrários às aspirações das forças sociais submetidas ao
poder vigente. Trata-se do terror de Estado, exercido pelas instituições
existentes para assegurar sua continuidade. A necessidade do terror é maior
quando as classes dominantes perdem sua capacidade de gerar consenso.”
“A democracia latino-americana é uma planta
muito frágil que precisa de um cuidado especial. O problema mais grave que a
ameaça é a falta de solidez de suas raízes socioeconômicas. A dependência
estrutural; o crescimento desigual que se orienta para setores limitados da
população que se baseia em exportações de baixo valor agregado; na distribuição
negativa da renda que aumenta a distância entre as elites e as massas
populares; na retirada maciça dos excedentes conseguidos à custa da
superexploração dos trabalhadores (sob a forma de pagamentos de juros
internacionais, remessas de lucros sem controle, pagamentos de serviços
superfaturados, retiradas clandestinas de recursos nacionais, etc.), todos
esses ingredientes negativos formam a base de um desenvolvimento perverso.
Denominamos historicamente a esse desenvolvimento dependente, concentrador e
excludente.
Para sustentar esse modelo de
desenvolvimento, que nos afasta cada vez mais dos centros da economia e da sociedade
mundial, nossas elites recorreram às ditaduras militares, com pretensões
fascistas, que dominaram a região na década de 70, sob a égide do apoio
político, econômico e militar norte-americano. Na década de 80, assistimos a
uma abertura política em nome dos direitos humanos, que restabeleceu os regimes
liberais, onde haviam sido banidos pelas ditaduras, buscou liberalizar os
regimes produzidos pelo movimento nacional-democrático de corte populista e
impôs formas liberais de governo onde nunca houve.
Mas essa onda de democratização, impulsionada
desde os centros da economia e da política mundial, não foi acompanhada de uma
política de desenvolvimento econômico que procurava aliviar os graves problemas
ocasionados pelo modelo de desenvolvimento dominante. Pelo contrário, procurou
reforçar esse modelo acentuando seu conteúdo liberal na economia, debilitando
os Estados Nacionais criados a duras penas, em choque com essas poderosas
forças internacionais e locais que sempre os capturaram para colocá-los exclusivamente
a seu serviço.
A hegemonia neoliberal trouxe o modelo dos
ajustes estruturais da década de 80, segundo o qual nossas economias se
converteram em máquinas de pagamento de juros internacionais em detrimento do
consumo interno e do desenvolvimento. Em seguida, na década de 90, inserimo-nos
no Consenso de Washington que nos amarrou às moedas sobrevalorizadas aos
déficits comerciais e às altas taxas de juros administrados pelos Estados para
atrair o capital estrangeiro interessado nas reservas internacionais que
havíamos acumulado durante as renegociações da dívida externa no final dos anos
80 e na privatização de nossas empresas públicas.
Duas décadas de aprofundamento de uma opção
econômica cada vez mais negativa para a população conseguiram somente reforçar
os graves elementos estruturais que ameaçam nossa democracia.”
“O Brasil, apesar de seus esforços de
crescimento econômico baseado na importação de tecnologias, capitais, cultura e
processos administrativos dos centros econômicos mais desenvolvidos, não pôde
resolver nenhuma de suas chagas históricas. Ao contrário, aprofundou a
concentração econômica, submeteu seu povo a formas dramáticas de “modernização”,
empurrando sua população do campo para as metrópoles sem poder oferecer-lhe
trabalho, habitação, educação, saúde e alimentação.
Essa falsa “modernização”, alcançada através
do golpe militar de 1964, do regime de exceção, da tortura e da repressão
cultural, moral e física, foi o produto de um pensamento social oligárquico,
colonizado e racista, que pensou ser possível criar uma “grande potência”
econômica e moderna nas costas de famintos e analfabetos. O grave, contudo, é
que não se aprendeu a lição. Num passe de mágica, este pensamento conservador e
reacionário pretende e tem conseguido convencer o povo brasileiro de que o
regime ditatorial criado pelo grande capital internacional pecou, não por
excesso de liberalismo econômico a serviço do capital, e sim por excesso de
intervenção estatal, nacionalismo e planejamento.
Aqueles que chegaram ao poder pela força, em
nome do liberalismo, do livre mercado, da livre entrada do capital
internacional, das políticas econômicas de curto prazo, do pragmatismo, querem
convencer o povo brasileiro de que ocorreu exatamente o contrário. Que a
ditadura foi o reino do socialismo (!), do planejamento (!), do estatismo (!),
do nacionalismo. E que, para modernizar o Brasil, é necessário aumentar a
desregulamentação, a livre ação do mercado, a privatização, a exportação,
etc... etc...
Todas essas receitas foram aplicadas nos 20
anos de ditadura e nos anos seguintes, ditos de transição democrática. Essa
transição, por sinal, no primeiro momento foi comandada pelo antigo presidente
do partido da ditadura (Sr. José Sarney)! Depois dele, durante mais dois anos
instalou-se um governo “neoliberal “ sob a égide do neoliberal Fernando Collor,
herdeiro das mesmas forças que realizaram a ditadura e que se apresentaram como
salvação do país! O país continuou sob a eterna e paternal égide do Banco
Mundial e do Fundo Monetário Internacional, que orientaram sua política
econômica desde 1964! (...)
Nem mesmo o milagre econômico de 1968 a 1973
e o governo Geisel escaparam desse modelo econômico concentrador, de abertura
ao capital internacional e de sobre-exploração dos trabalhadores. O governo de
Castelo Branco, sob a égide do liberalismo radical de Roberto
Campos-Gudim-Bulhões foi um antecedente do governo Pinochet e sua Escola de
Chicago. (...)
Tamanho cinismo e impostura capazes de
inverter o verdadeiro signo de políticas econômicas só são possíveis pelo
trabalho sistemático de desinformação que realizam nossos meios de comunicação
e nossas elites culturais e políticas cooptadas. Também é possível pelo baixo
desenvolvimento educacional de nossa população e pelas limitações provincianas
de nossa intelectualidade. Nesses anos de ditadura só se fez reafirmar a ideia
de que o mundo se resume a Nova York, Londres e Paris. E talvez Tóquio, num
forte esforço de atualização.”
“Ocorre que o capitalismo é um sistema
histórico e não elimina as contradições sociais. Pelo contrário, aumenta ainda
mais a contradição entre o trabalhador livre que recebe um salário por sua
atividade produtiva e o capital que se forma a partir da apropriação dos
resultados do trabalho humano, que se converte em lucro. Os liberais dão mil
voltas para tentar negar esta contradição e até inventam uma realidade
econômica onde o trabalho não é o fundamento do intercâmbio, isto é, do valor.
Embaralhados neste esforço de ocultar, chegam a esta notável conclusão de que o
mercado livre é o único escalonador correto dos produtos da ação econômica.
Ocorre, contudo, que o capital concreto
necessita da intervenção estatal para dominar as enormes forças produtivas que
o modo de produção capitalista libera. Como mostra Marx, o caminho do
capitalismo é a concentração da produção (sob a égide crescente da ciência), o
monopólio e a centralização de capital (particularmente as sociedades anônimas
e o sistema financeiro) e, por fim, o capitalismo de Estado (o Estado é,
segundo Engels, o capitalista coletivo).
Daí esta terrível contradição entre o
discurso neoliberal e sua prática política. Para defender o capitalismo, que
ele considera o princípio e o fim da ação econômica, não lhe resta outro
caminho do que defender, na prática, a concentração, a centralização, o
monopólio e a crescente intervenção estatal.”
“Durante a década de 70 o monetarismo de
Milton Friedman havia encontrado uma oportunidade excepcional. Depois do golpe
militar contra Salvador Allende, em setembro de 1973, estabeleceu-se um governo
militar com amplos poderes para aplicar uma política econômica liberal. Um
grupo de discípulos de Milton Friedman, com sua assistência pessoal, assumiu o
Ministério de Economia para aplicar suas teorias sem limitações políticas. Além
da cooperação e do convívio com um dos mais sanguinários governos do mundo, o
resultado econômico foi desastroso. Entre 1973 e 1983 a economia chilena
mergulhou numa depressão brutal (com um período de crescimento moderado entre
1977 e 1980). A indústria chilena tradicional foi destruída. Segundo Hirschman
(1987)1, o emprego industrial que incorporava 555.000 pessoas em
1973 caiu para menos de 378.000 durante a depressão de 1983. Neste mesmo ano o
produto industrial chileno era igual ao de 1967 e o grau de industrialização do
Chile, em 1982, era igual ou inferior ao de 1950, segundo dados da CEPAL. A
recuperação que se iniciou depois de 1984 não garantiu uma recuperação dos
níveis anteriores, apesar do tratamento especial que a economia chilena recebeu
do capital financeiro internacional.”
1. Hirschman, Albert O., “The Political Economy of Latin American
Development”, Latin American Research
Review, vol. XXII, nº 3, Texas, 1987.
“Contudo, o governo Reagan produziu
resultados completamente diferentes dos propostos:
1º) Se é verdade que recuperou o crescimento
econômico, este se dirigiu basicamente ao setor militar e de serviços. A
produtividade norte-americana cresceu em ritmo muito inferior ao passado e ao
dos demais países desenvolvidos. Isto aumentou enormemente o déficit comercial
dos Estados Unidos com o resto do mundo.
2º) Se é verdade que cortou gastos no setor
social, como prometera, o governo Reagan explodiu os gastos militares e o
déficit público. Para financiá-lo, emitiu bônus de dívida em vez de moeda e
aumentou dramaticamente a taxa de juros paga pelo Estado, em consequência, o
serviço da dívida, por sua vez, passou a pesar cada vez mais sobre o déficit
público.
3º) É verdade que o dólar se valorizou
durante o período inicial do governo Reagan, e o setor financeiro
norte-americano cresceu enormemente como intermediário da dívida pública. Mas
os compradores dos títulos públicos passaram a ser cada vez mais os japoneses e
os alemães, que aumentaram enormemente seus superávits comerciais com os EUA.
Isto levou ao fortalecimento das moedas desses países (o yen e o marco) e dos
seus setores financeiros. Os dez maiores bancos do mundo deixaram de ser
norte-americanos e o Japão passou a ter uma posição hegemônica no controle dos
recursos financeiros mundiais, durante a década de 80 em que se efetivou o
governo neoliberal.
Qualquer observador que analise honestamente
os resultados desta política só pode concluir que o “supply-side” passou de um aparato ideológico para justificar a
distribuição negativa da renda, os gastos militares desenfreados e outras
políticas conservadoras. Como ciência e como doutrina tratava-se de uma piada.
Os “novos clássicos” tentaram primeiramente cobri-la num plano mais teórico,
mas, depois, procuraram descomprometer-se dela de qualquer jeito, quando se
caracterizaram os seus resultados negativos. Isto demorou um pouco porque nos
seus primeiros anos, os efeitos dessa política pareciam altamente positivos.
Um estudo mais aprofundado da verdadeira
política econômica do período Reagan nos revelará que ela teve um efeito
devastador sobre grande parte da economia mundial. Ela produziu uma enorme
euforia inicial nos EUA e uma grave recessão no final de seu ciclo. Reagan
destruiu o que encontrou pela frente para obter resultados imediatos
favoráveis. Depois dele só restava o dilúvio que outubro de 1987 anunciou em
grandes manchetes.
Em sentido restrito, a “reaganomics”, com a
revalorização do dólar e os gigantescos déficits comerciais, freou e
posteriormente estabilizou os preços internos e trouxe efeitos positivos para
os grandes fornecedores da economia norte-americana, notadamente a Alemanha, o
Japão e os demais Tigres Asiáticos. Quem pagou a conta, contudo, foram as
economias endividadas da periferia do sistema capitalista, principalmente a
América Latina. Por trás da revalorização do dólar estavam os altos juros
básicos impostos aos devedores, e no rastro dos juros altos veio a crise da
dívida externa que levaria mais de uma década para ser atenuada, e cujos
efeitos sequer foram inteiramente dissipados.”
“De onde se origina o erro dos economistas
conservadores? De sua noção estática do fenômeno econômicos. Para eles, as variáveis
econômicas tendem ao equilíbrio geral que se realiza quando as leis do mercado
atuam livremente. Com maior ou menor sofisticação, sua concepção da economia se
restringe a essa lógica elementar, derivada dos princípios da mecânica clássica
dos séculos XVII e XVIII!
Faltam-lhes pelo menos duzentos anos de
história da ciência e do pensamento humano, que eles ignoram definitivamente,
ainda que tenham passado por um certo polimento neopositivista do século XIX,
ao assimilar alguns procedimentos deducionistas transformados por Masch, Popper
e outros no “método científico”. Lembremos, no entanto, que esse neopositivismo
é uma atualização da obra de Kant, síntese do iluminismo do século XVIII. De
fato, os mais avançados deles não ultrapassaram uma temática epistemológica do
século XVIII.
Na realidade, a ciência vem rompendo com esta
visão estática do conhecimento e da realidade desde o século XIX. A introdução
dos fenômenos químicos e biológicos no universo vazio e estático da física
newtoniana não permite manter o quadro teórico e metodológico do iluminismo.
Em seguida, o avanço das ciências históricas
e sociais, e a descoberta dos limites sociais e psicanalíticos do conhecimento
possibilitaram o rompimento definitivo da ingenuidade epistemológica dos cientistas.
O ato de conhecer se faz cada vez mais
complexo. O sujeito cogniscente ganha carne e osso com Feuerbach, transforma-se
em classes e grupos sociais com Marx, vê-se invadido pelo inconsciente com
Freud, pelo papel da liberdade existencial com os existencialistas, ou vê-se
imerso na intersubjetividade das teorias da comunicação atuais.
O objetivo da análise científica se faz
complexo e histórico, enche-se de incertezas, não se pode estender fora de uma
temporalidade cada vez mais claramente irreversível, como o ressalta Ilya
Prigogine.”
“Essa é outra armadilha do neoliberalismo nos
últimos anos, mas que, com uma nova e correta perspectiva mundial, certamente
deverá ser desmoralizada. Segundo esse pensamento, não há recursos disponíveis
para nada. Isso é incrível, quando há vários trilhões de dólares circulando
livremente no setor financeiro. Mas este é exatamente o problema. As massas de
ativos financeiros supervalorizados são remuneradas por altas taxas de juros,
pela especulação bancária e por outros mecanismos que concentram a renda nas
mãos do setor financeiro. As várias crises financeiras que vivemos desde 1987
até o presente não conseguiram desvalorizar maciçamente estes excedentes
financeiros. E a razão básica para esta dificuldade é a intervenção estatal
sistematicamente a favor da sobrevivência deste mundo financeiro
sobredimensionado. São as colossais dívidas públicas estimuladas no período que
sustentam estes impérios de papéis e valores superinflados.”
“Uma das teses mais queridas do
neoliberalismo é o fim das ideologias, o fim da história, a racionalidade ou a
adequação definitiva dos meios aos fins, o pleno desenvolvimento da ciência
objetiva e instrumental que prescinde definitivamente dos valores e se
concentra totalmente no desenvolvimento de um instrumental neutro.
Nada mais tedioso do que essa proposta. Nada
mais limitador e destrutivo, moral e emocionalmente. Fica ainda mais grave
quando se percebe que só é possível alcançar o equilíbrio em pauta para um
setor restrito da população mundial. O equilíbrio, quando é alcançado, é
localizado, e só se efetiva se ignorar o destino de massas enormes de excluídos
nos centros da economia mundial e, particularmente, nas zonas periféricas. E
não há nenhuma força ou razão para, que esse equilíbrio, já em si discutível,
se generalize para todo o planeta.”
“Como vimos, é mais grave, contudo, a
aplicação destas “teorias” nos países por eles chamados “em desenvolvimento” ou
“emergentes”. Tomemos o caso do Brasil, país com um potencial de crescimento
econômico invejável, contido há 20 anos pela transferência maciça de seus
excedentes para o exterior em forma de pagamento de juros, remessas de lucros e
outros mecanismos de especulação.
As políticas oficiais não podem, contudo,
conter uma economia informal em expansão todos estes anos, na qual se incluem o
contrabando, o tráfico de drogas e os vários tipos de crime organizado, como os
sequestros, os jogos de azar, etc. (...)
Ao mesmo tempo se recorreu e ainda se recorre
a taxas de juros absurdas para pagar uma dívida pública gerada exclusivamente
para atrair dólares do exterior, ingressados no país através de facilidades
absurdas.
Para compreender o efeito desta política,
basta dizer que não houve aumento de gastos em nenhuma atividade do setor
público em todos estes anos. Os salários dos servidores públicos estão
congelados desde 1994*. Desde então se realizou uma só mudança significativa na
infraestrutura ou em qualquer setor. Somente se venderam empresas públicas
gerando assim alguma renda para o Estado prontamente utilizada para pagar o
serviço da dívida. Outra prova da ausência de gasto público é a manutenção e
aumento do superávit fiscal primário (entradas e saídas, exceto pagamento de
juros), outra vez com o objetivo de pagar o serviço da dívida pública.
O mais dramático deste quadro é que a dívida
pública crescente de 61 bilhões de reais em 1994, quando se iniciou o Plano
Real, para 850 bilhões em 2003, segundo dados oficiais.
Como é possível aumentar de maneira tão
espetacular a dívida pública enquanto se gera um superávit fiscal primário, se
cortam gastos e se aumentam as entradas fiscais?
A razão se encontra em certos manejos da “teoria”
econômica ao serviço de interesses inconfessáveis. O argumento é mais ou menos
assim: precisa-se de moeda forte ou uma âncora cambial para deter a inflação;
isto provoca déficit cambial. Para cobrir o déficit é necessário importar
capitais de curto prazo, e a única maneira de fazê-lo é através da venda de
títulos públicos de curta duração e altíssimas taxas de juros.”
*: O livro é de 2004.
“A verdade é que precisamos rigorosos
controles da opinião pública sobre estas operações que se fazem hoje em dia à
sombra de sigilos bancários, autoridades técnicas pretensamente
inquestionáveis, poderes discriminatórios às vezes assegurados por lei aos
bancos centrais e outras entidades financeiras. Para dar-lhes respeito e
dignidade a estas operações, foi criada uma linguagem econômica tão subjetiva e
tão hermética como aquela dos padres e médicos da Idade Média que utilizavam o
latim para protegerem-se da curiosidade dos leigos.”
“Mais grave ainda é o efeito desta definição
sobre as exigências do Fundo Monetário Internacional para cortar gastos
públicos não necessários e inflacionários. Tal enfoque levou a cortes de
investimentos na região durante os últimos vinte anos, nos quais comprometemos
definitivamente nosso desenvolvimento ao aceitar a tutela do FMI.
No Brasil, por exemplo, a poupança do
governo, que representava 5,58% do PIB entre 1971 e 1980 caiu para -0,4% entre
1981 e 1990 e para 1,59% entre 1991 e 1996. Isto significa, de fato, o fim de
qualquer investimento público e a quase paralisação do país. É fácil
compreender as consequências destas políticas não somente sobre o crescimento
da economia como também sobre o sistema de educação, saúde, transporte, moradia
e outros setores sociais que dependem cada vez mais do investimento público.
E não podemos dizer que o investimento
privado conseguiu substituir a ausência de investimentos estatais. Ainda sem
considerar o fato de que os investidores privados raramente se interessam por
atender a massa dos consumidores sem recurso, existem ainda os problemas da
falta de poupança privada, da concentração de aplicações financeiras
extremamente rentáveis, da falta de tradição empresarial no setor privado, do
desinteresse do capital internacional por investimentos produtivos nos países
em desenvolvimento e, finalmente, o alto custo do dinheiro, fato gerado por
determinação da política econômica e pelas violentas taxas de juros pagas pelo
Estado.
Por estas razões, a poupança privada teve um
aumento de 1971-80 a 1981-1990 de 12,35% do PIB para 19,67%. Mas no sexênio
seguinte (1991 a 1996) a poupança privada já havia caído para 16,95% do PIB do
Brasil. No que diz respeito à poupança externa ela representou 3,87% entre
1971-80, caindo para 1,57% em 1981-90 e finalmente 0,83% em 1991-96.
Nada disto impede os ideólogos tecnocratas de
continuar afirmando que suas políticas facilitam a entrada de capital externo e
o financiamento externo de nossas economias. Está, portanto, muito claro como
os agentes econômicos terminam por refugiarem-se cada vez mais na economia
informal, que se encontra relativamente protegida da competição internacional
através de mecanismos tais como o não pagamento de impostos e a baixa
remuneração da mão de obra que não conta com o apoio do Estado.
Esta economia da miséria, tão elogiada por
muitos cientistas sociais da região, saudados pela imprensa internacional como
grandes teóricos do atraso, vai se expandindo a níveis impressionantes. Outra
vez utilizamos os dados do Brasil. Segundo cálculos do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), o emprego no setor informal cresceu de 52% do
total de emprego no Brasil em 1990 para 62% em 1999.”
A primeira parte do capítulo VI (Globalização hoje: dimensão política, econômica e social – pp. 345-356), bem como a análise da criação do plano Real no governo Itamar e depois sobre o governo FHC foram particularmente precisas (pp. 460-500). Não puderam ser citadas por conta do tamanho, mas fica o destaque.
ResponderExcluirTambém é necessário que se enfatize o trabalho deplorável da editora na revisão da obra. A “Ideias & Letras” fez um dos trabalhos mais lastimáveis que já pude ver. É simplesmente inacreditável a quantidade de erros de português, parece que simplesmente ninguém o corrigiu.
Os quadros das pp. 194-6 são a epítome deste péssimo trabalho.
Não é a primeira vez, aliás, que vejo esta editora fazer algo assim. O livro “Contra-história do liberalismo”, de Domenico Losurdo, tem tradução literalmente do google tradutor com algumas precárias e insuficientes correções.