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quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Do Terror à Esperança: auge e declínio do neoliberalismo (Parte I) – Theotonio dos Santos

Editora: Ideias & Letras
ISBN: 978-85-9823-910-1
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 538
Sinopse: Da Guerra Fria aos atentados que culminaram no 11 de setembro, assistimos ao crescimento e à bancarrota de um conjunto de ideias de âmbito econômico e político que se consagraram no chamado pensamento único, considerado o caminho inevitável e insubstituível para o desenvolvimento mundial. Se por um lado amargamos o aumento do desemprego, a explosão da violência ampliada pelo evidente abismo social, a subnutrição e a exclusão de continentes inteiros, por outro lado nos deparamos com a arrogância e a impertinência de pseudoteóricos ― e técnicos ― que insistem na manutenção de um sistema fracassado.
O autor, reconhecido internacionalmente como um dos mais importantes teóricos latino-americanos dos últimos tempos, faz uma análise meticulosa e concreta que resulta em um texto claro, preciso e completo que abrange o conjunto de aspectos e interpretações que dizem respeito à experiência neoliberal e à sua herança.


“O terror tem sido uma arma poderosa para impor os interesses contrários às aspirações das forças sociais submetidas ao poder vigente. Trata-se do terror de Estado, exercido pelas instituições existentes para assegurar sua continuidade. A necessidade do terror é maior quando as classes dominantes perdem sua capacidade de gerar consenso.”


“A democracia latino-americana é uma planta muito frágil que precisa de um cuidado especial. O problema mais grave que a ameaça é a falta de solidez de suas raízes socioeconômicas. A dependência estrutural; o crescimento desigual que se orienta para setores limitados da população que se baseia em exportações de baixo valor agregado; na distribuição negativa da renda que aumenta a distância entre as elites e as massas populares; na retirada maciça dos excedentes conseguidos à custa da superexploração dos trabalhadores (sob a forma de pagamentos de juros internacionais, remessas de lucros sem controle, pagamentos de serviços superfaturados, retiradas clandestinas de recursos nacionais, etc.), todos esses ingredientes negativos formam a base de um desenvolvimento perverso. Denominamos historicamente a esse desenvolvimento dependente, concentrador e excludente.
Para sustentar esse modelo de desenvolvimento, que nos afasta cada vez mais dos centros da economia e da sociedade mundial, nossas elites recorreram às ditaduras militares, com pretensões fascistas, que dominaram a região na década de 70, sob a égide do apoio político, econômico e militar norte-americano. Na década de 80, assistimos a uma abertura política em nome dos direitos humanos, que restabeleceu os regimes liberais, onde haviam sido banidos pelas ditaduras, buscou liberalizar os regimes produzidos pelo movimento nacional-democrático de corte populista e impôs formas liberais de governo onde nunca houve.
Mas essa onda de democratização, impulsionada desde os centros da economia e da política mundial, não foi acompanhada de uma política de desenvolvimento econômico que procurava aliviar os graves problemas ocasionados pelo modelo de desenvolvimento dominante. Pelo contrário, procurou reforçar esse modelo acentuando seu conteúdo liberal na economia, debilitando os Estados Nacionais criados a duras penas, em choque com essas poderosas forças internacionais e locais que sempre os capturaram para colocá-los exclusivamente a seu serviço.
A hegemonia neoliberal trouxe o modelo dos ajustes estruturais da década de 80, segundo o qual nossas economias se converteram em máquinas de pagamento de juros internacionais em detrimento do consumo interno e do desenvolvimento. Em seguida, na década de 90, inserimo-nos no Consenso de Washington que nos amarrou às moedas sobrevalorizadas aos déficits comerciais e às altas taxas de juros administrados pelos Estados para atrair o capital estrangeiro interessado nas reservas internacionais que havíamos acumulado durante as renegociações da dívida externa no final dos anos 80 e na privatização de nossas empresas públicas.
Duas décadas de aprofundamento de uma opção econômica cada vez mais negativa para a população conseguiram somente reforçar os graves elementos estruturais que ameaçam nossa democracia.”


“O Brasil, apesar de seus esforços de crescimento econômico baseado na importação de tecnologias, capitais, cultura e processos administrativos dos centros econômicos mais desenvolvidos, não pôde resolver nenhuma de suas chagas históricas. Ao contrário, aprofundou a concentração econômica, submeteu seu povo a formas dramáticas de “modernização”, empurrando sua população do campo para as metrópoles sem poder oferecer-lhe trabalho, habitação, educação, saúde e alimentação.
Essa falsa “modernização”, alcançada através do golpe militar de 1964, do regime de exceção, da tortura e da repressão cultural, moral e física, foi o produto de um pensamento social oligárquico, colonizado e racista, que pensou ser possível criar uma “grande potência” econômica e moderna nas costas de famintos e analfabetos. O grave, contudo, é que não se aprendeu a lição. Num passe de mágica, este pensamento conservador e reacionário pretende e tem conseguido convencer o povo brasileiro de que o regime ditatorial criado pelo grande capital internacional pecou, não por excesso de liberalismo econômico a serviço do capital, e sim por excesso de intervenção estatal, nacionalismo e planejamento.
Aqueles que chegaram ao poder pela força, em nome do liberalismo, do livre mercado, da livre entrada do capital internacional, das políticas econômicas de curto prazo, do pragmatismo, querem convencer o povo brasileiro de que ocorreu exatamente o contrário. Que a ditadura foi o reino do socialismo (!), do planejamento (!), do estatismo (!), do nacionalismo. E que, para modernizar o Brasil, é necessário aumentar a desregulamentação, a livre ação do mercado, a privatização, a exportação, etc... etc...
Todas essas receitas foram aplicadas nos 20 anos de ditadura e nos anos seguintes, ditos de transição democrática. Essa transição, por sinal, no primeiro momento foi comandada pelo antigo presidente do partido da ditadura (Sr. José Sarney)! Depois dele, durante mais dois anos instalou-se um governo “neoliberal “ sob a égide do neoliberal Fernando Collor, herdeiro das mesmas forças que realizaram a ditadura e que se apresentaram como salvação do país! O país continuou sob a eterna e paternal égide do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, que orientaram sua política econômica desde 1964! (...)
Nem mesmo o milagre econômico de 1968 a 1973 e o governo Geisel escaparam desse modelo econômico concentrador, de abertura ao capital internacional e de sobre-exploração dos trabalhadores. O governo de Castelo Branco, sob a égide do liberalismo radical de Roberto Campos-Gudim-Bulhões foi um antecedente do governo Pinochet e sua Escola de Chicago. (...)
Tamanho cinismo e impostura capazes de inverter o verdadeiro signo de políticas econômicas só são possíveis pelo trabalho sistemático de desinformação que realizam nossos meios de comunicação e nossas elites culturais e políticas cooptadas. Também é possível pelo baixo desenvolvimento educacional de nossa população e pelas limitações provincianas de nossa intelectualidade. Nesses anos de ditadura só se fez reafirmar a ideia de que o mundo se resume a Nova York, Londres e Paris. E talvez Tóquio, num forte esforço de atualização.”


“Ocorre que o capitalismo é um sistema histórico e não elimina as contradições sociais. Pelo contrário, aumenta ainda mais a contradição entre o trabalhador livre que recebe um salário por sua atividade produtiva e o capital que se forma a partir da apropriação dos resultados do trabalho humano, que se converte em lucro. Os liberais dão mil voltas para tentar negar esta contradição e até inventam uma realidade econômica onde o trabalho não é o fundamento do intercâmbio, isto é, do valor. Embaralhados neste esforço de ocultar, chegam a esta notável conclusão de que o mercado livre é o único escalonador correto dos produtos da ação econômica.
Ocorre, contudo, que o capital concreto necessita da intervenção estatal para dominar as enormes forças produtivas que o modo de produção capitalista libera. Como mostra Marx, o caminho do capitalismo é a concentração da produção (sob a égide crescente da ciência), o monopólio e a centralização de capital (particularmente as sociedades anônimas e o sistema financeiro) e, por fim, o capitalismo de Estado (o Estado é, segundo Engels, o capitalista coletivo).
Daí esta terrível contradição entre o discurso neoliberal e sua prática política. Para defender o capitalismo, que ele considera o princípio e o fim da ação econômica, não lhe resta outro caminho do que defender, na prática, a concentração, a centralização, o monopólio e a crescente intervenção estatal.”


“Durante a década de 70 o monetarismo de Milton Friedman havia encontrado uma oportunidade excepcional. Depois do golpe militar contra Salvador Allende, em setembro de 1973, estabeleceu-se um governo militar com amplos poderes para aplicar uma política econômica liberal. Um grupo de discípulos de Milton Friedman, com sua assistência pessoal, assumiu o Ministério de Economia para aplicar suas teorias sem limitações políticas. Além da cooperação e do convívio com um dos mais sanguinários governos do mundo, o resultado econômico foi desastroso. Entre 1973 e 1983 a economia chilena mergulhou numa depressão brutal (com um período de crescimento moderado entre 1977 e 1980). A indústria chilena tradicional foi destruída. Segundo Hirschman (1987)1, o emprego industrial que incorporava 555.000 pessoas em 1973 caiu para menos de 378.000 durante a depressão de 1983. Neste mesmo ano o produto industrial chileno era igual ao de 1967 e o grau de industrialização do Chile, em 1982, era igual ou inferior ao de 1950, segundo dados da CEPAL. A recuperação que se iniciou depois de 1984 não garantiu uma recuperação dos níveis anteriores, apesar do tratamento especial que a economia chilena recebeu do capital financeiro internacional.”
1. Hirschman, Albert O., “The Political Economy of Latin American Development”, Latin American Research Review, vol. XXII, nº 3, Texas, 1987.


“Contudo, o governo Reagan produziu resultados completamente diferentes dos propostos:
1º) Se é verdade que recuperou o crescimento econômico, este se dirigiu basicamente ao setor militar e de serviços. A produtividade norte-americana cresceu em ritmo muito inferior ao passado e ao dos demais países desenvolvidos. Isto aumentou enormemente o déficit comercial dos Estados Unidos com o resto do mundo.
2º) Se é verdade que cortou gastos no setor social, como prometera, o governo Reagan explodiu os gastos militares e o déficit público. Para financiá-lo, emitiu bônus de dívida em vez de moeda e aumentou dramaticamente a taxa de juros paga pelo Estado, em consequência, o serviço da dívida, por sua vez, passou a pesar cada vez mais sobre o déficit público.
3º) É verdade que o dólar se valorizou durante o período inicial do governo Reagan, e o setor financeiro norte-americano cresceu enormemente como intermediário da dívida pública. Mas os compradores dos títulos públicos passaram a ser cada vez mais os japoneses e os alemães, que aumentaram enormemente seus superávits comerciais com os EUA. Isto levou ao fortalecimento das moedas desses países (o yen e o marco) e dos seus setores financeiros. Os dez maiores bancos do mundo deixaram de ser norte-americanos e o Japão passou a ter uma posição hegemônica no controle dos recursos financeiros mundiais, durante a década de 80 em que se efetivou o governo neoliberal.
Qualquer observador que analise honestamente os resultados desta política só pode concluir que o “supply-side” passou de um aparato ideológico para justificar a distribuição negativa da renda, os gastos militares desenfreados e outras políticas conservadoras. Como ciência e como doutrina tratava-se de uma piada. Os “novos clássicos” tentaram primeiramente cobri-la num plano mais teórico, mas, depois, procuraram descomprometer-se dela de qualquer jeito, quando se caracterizaram os seus resultados negativos. Isto demorou um pouco porque nos seus primeiros anos, os efeitos dessa política pareciam altamente positivos.
Um estudo mais aprofundado da verdadeira política econômica do período Reagan nos revelará que ela teve um efeito devastador sobre grande parte da economia mundial. Ela produziu uma enorme euforia inicial nos EUA e uma grave recessão no final de seu ciclo. Reagan destruiu o que encontrou pela frente para obter resultados imediatos favoráveis. Depois dele só restava o dilúvio que outubro de 1987 anunciou em grandes manchetes.
Em sentido restrito, a “reaganomics”, com a revalorização do dólar e os gigantescos déficits comerciais, freou e posteriormente estabilizou os preços internos e trouxe efeitos positivos para os grandes fornecedores da economia norte-americana, notadamente a Alemanha, o Japão e os demais Tigres Asiáticos. Quem pagou a conta, contudo, foram as economias endividadas da periferia do sistema capitalista, principalmente a América Latina. Por trás da revalorização do dólar estavam os altos juros básicos impostos aos devedores, e no rastro dos juros altos veio a crise da dívida externa que levaria mais de uma década para ser atenuada, e cujos efeitos sequer foram inteiramente dissipados.”


“De onde se origina o erro dos economistas conservadores? De sua noção estática do fenômeno econômicos. Para eles, as variáveis econômicas tendem ao equilíbrio geral que se realiza quando as leis do mercado atuam livremente. Com maior ou menor sofisticação, sua concepção da economia se restringe a essa lógica elementar, derivada dos princípios da mecânica clássica dos séculos XVII e XVIII!
Faltam-lhes pelo menos duzentos anos de história da ciência e do pensamento humano, que eles ignoram definitivamente, ainda que tenham passado por um certo polimento neopositivista do século XIX, ao assimilar alguns procedimentos deducionistas transformados por Masch, Popper e outros no “método científico”. Lembremos, no entanto, que esse neopositivismo é uma atualização da obra de Kant, síntese do iluminismo do século XVIII. De fato, os mais avançados deles não ultrapassaram uma temática epistemológica do século XVIII.
Na realidade, a ciência vem rompendo com esta visão estática do conhecimento e da realidade desde o século XIX. A introdução dos fenômenos químicos e biológicos no universo vazio e estático da física newtoniana não permite manter o quadro teórico e metodológico do iluminismo.
Em seguida, o avanço das ciências históricas e sociais, e a descoberta dos limites sociais e psicanalíticos do conhecimento possibilitaram o rompimento definitivo da ingenuidade epistemológica dos cientistas.
O ato de conhecer se faz cada vez mais complexo. O sujeito cogniscente ganha carne e osso com Feuerbach, transforma-se em classes e grupos sociais com Marx, vê-se invadido pelo inconsciente com Freud, pelo papel da liberdade existencial com os existencialistas, ou vê-se imerso na intersubjetividade das teorias da comunicação atuais.
O objetivo da análise científica se faz complexo e histórico, enche-se de incertezas, não se pode estender fora de uma temporalidade cada vez mais claramente irreversível, como o ressalta Ilya Prigogine.”


“Essa é outra armadilha do neoliberalismo nos últimos anos, mas que, com uma nova e correta perspectiva mundial, certamente deverá ser desmoralizada. Segundo esse pensamento, não há recursos disponíveis para nada. Isso é incrível, quando há vários trilhões de dólares circulando livremente no setor financeiro. Mas este é exatamente o problema. As massas de ativos financeiros supervalorizados são remuneradas por altas taxas de juros, pela especulação bancária e por outros mecanismos que concentram a renda nas mãos do setor financeiro. As várias crises financeiras que vivemos desde 1987 até o presente não conseguiram desvalorizar maciçamente estes excedentes financeiros. E a razão básica para esta dificuldade é a intervenção estatal sistematicamente a favor da sobrevivência deste mundo financeiro sobredimensionado. São as colossais dívidas públicas estimuladas no período que sustentam estes impérios de papéis e valores superinflados.”


“Uma das teses mais queridas do neoliberalismo é o fim das ideologias, o fim da história, a racionalidade ou a adequação definitiva dos meios aos fins, o pleno desenvolvimento da ciência objetiva e instrumental que prescinde definitivamente dos valores e se concentra totalmente no desenvolvimento de um instrumental neutro.
Nada mais tedioso do que essa proposta. Nada mais limitador e destrutivo, moral e emocionalmente. Fica ainda mais grave quando se percebe que só é possível alcançar o equilíbrio em pauta para um setor restrito da população mundial. O equilíbrio, quando é alcançado, é localizado, e só se efetiva se ignorar o destino de massas enormes de excluídos nos centros da economia mundial e, particularmente, nas zonas periféricas. E não há nenhuma força ou razão para, que esse equilíbrio, já em si discutível, se generalize para todo o planeta.”


“Como vimos, é mais grave, contudo, a aplicação destas “teorias” nos países por eles chamados “em desenvolvimento” ou “emergentes”. Tomemos o caso do Brasil, país com um potencial de crescimento econômico invejável, contido há 20 anos pela transferência maciça de seus excedentes para o exterior em forma de pagamento de juros, remessas de lucros e outros mecanismos de especulação.
As políticas oficiais não podem, contudo, conter uma economia informal em expansão todos estes anos, na qual se incluem o contrabando, o tráfico de drogas e os vários tipos de crime organizado, como os sequestros, os jogos de azar, etc. (...)
Ao mesmo tempo se recorreu e ainda se recorre a taxas de juros absurdas para pagar uma dívida pública gerada exclusivamente para atrair dólares do exterior, ingressados no país através de facilidades absurdas.
Para compreender o efeito desta política, basta dizer que não houve aumento de gastos em nenhuma atividade do setor público em todos estes anos. Os salários dos servidores públicos estão congelados desde 1994*. Desde então se realizou uma só mudança significativa na infraestrutura ou em qualquer setor. Somente se venderam empresas públicas gerando assim alguma renda para o Estado prontamente utilizada para pagar o serviço da dívida. Outra prova da ausência de gasto público é a manutenção e aumento do superávit fiscal primário (entradas e saídas, exceto pagamento de juros), outra vez com o objetivo de pagar o serviço da dívida pública.
O mais dramático deste quadro é que a dívida pública crescente de 61 bilhões de reais em 1994, quando se iniciou o Plano Real, para 850 bilhões em 2003, segundo dados oficiais.
Como é possível aumentar de maneira tão espetacular a dívida pública enquanto se gera um superávit fiscal primário, se cortam gastos e se aumentam as entradas fiscais?
A razão se encontra em certos manejos da “teoria” econômica ao serviço de interesses inconfessáveis. O argumento é mais ou menos assim: precisa-se de moeda forte ou uma âncora cambial para deter a inflação; isto provoca déficit cambial. Para cobrir o déficit é necessário importar capitais de curto prazo, e a única maneira de fazê-lo é através da venda de títulos públicos de curta duração e altíssimas taxas de juros.”
*: O livro é de 2004.


“A verdade é que precisamos rigorosos controles da opinião pública sobre estas operações que se fazem hoje em dia à sombra de sigilos bancários, autoridades técnicas pretensamente inquestionáveis, poderes discriminatórios às vezes assegurados por lei aos bancos centrais e outras entidades financeiras. Para dar-lhes respeito e dignidade a estas operações, foi criada uma linguagem econômica tão subjetiva e tão hermética como aquela dos padres e médicos da Idade Média que utilizavam o latim para protegerem-se da curiosidade dos leigos.”


“Mais grave ainda é o efeito desta definição sobre as exigências do Fundo Monetário Internacional para cortar gastos públicos não necessários e inflacionários. Tal enfoque levou a cortes de investimentos na região durante os últimos vinte anos, nos quais comprometemos definitivamente nosso desenvolvimento ao aceitar a tutela do FMI.
No Brasil, por exemplo, a poupança do governo, que representava 5,58% do PIB entre 1971 e 1980 caiu para -0,4% entre 1981 e 1990 e para 1,59% entre 1991 e 1996. Isto significa, de fato, o fim de qualquer investimento público e a quase paralisação do país. É fácil compreender as consequências destas políticas não somente sobre o crescimento da economia como também sobre o sistema de educação, saúde, transporte, moradia e outros setores sociais que dependem cada vez mais do investimento público.
E não podemos dizer que o investimento privado conseguiu substituir a ausência de investimentos estatais. Ainda sem considerar o fato de que os investidores privados raramente se interessam por atender a massa dos consumidores sem recurso, existem ainda os problemas da falta de poupança privada, da concentração de aplicações financeiras extremamente rentáveis, da falta de tradição empresarial no setor privado, do desinteresse do capital internacional por investimentos produtivos nos países em desenvolvimento e, finalmente, o alto custo do dinheiro, fato gerado por determinação da política econômica e pelas violentas taxas de juros pagas pelo Estado.
Por estas razões, a poupança privada teve um aumento de 1971-80 a 1981-1990 de 12,35% do PIB para 19,67%. Mas no sexênio seguinte (1991 a 1996) a poupança privada já havia caído para 16,95% do PIB do Brasil. No que diz respeito à poupança externa ela representou 3,87% entre 1971-80, caindo para 1,57% em 1981-90 e finalmente 0,83% em 1991-96.
Nada disto impede os ideólogos tecnocratas de continuar afirmando que suas políticas facilitam a entrada de capital externo e o financiamento externo de nossas economias. Está, portanto, muito claro como os agentes econômicos terminam por refugiarem-se cada vez mais na economia informal, que se encontra relativamente protegida da competição internacional através de mecanismos tais como o não pagamento de impostos e a baixa remuneração da mão de obra que não conta com o apoio do Estado.
Esta economia da miséria, tão elogiada por muitos cientistas sociais da região, saudados pela imprensa internacional como grandes teóricos do atraso, vai se expandindo a níveis impressionantes. Outra vez utilizamos os dados do Brasil. Segundo cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o emprego no setor informal cresceu de 52% do total de emprego no Brasil em 1990 para 62% em 1999.”

Um comentário:

  1. A primeira parte do capítulo VI (Globalização hoje: dimensão política, econômica e social – pp. 345-356), bem como a análise da criação do plano Real no governo Itamar e depois sobre o governo FHC foram particularmente precisas (pp. 460-500). Não puderam ser citadas por conta do tamanho, mas fica o destaque.

    Também é necessário que se enfatize o trabalho deplorável da editora na revisão da obra. A “Ideias & Letras” fez um dos trabalhos mais lastimáveis que já pude ver. É simplesmente inacreditável a quantidade de erros de português, parece que simplesmente ninguém o corrigiu.
    Os quadros das pp. 194-6 são a epítome deste péssimo trabalho.
    Não é a primeira vez, aliás, que vejo esta editora fazer algo assim. O livro “Contra-história do liberalismo”, de Domenico Losurdo, tem tradução literalmente do google tradutor com algumas precárias e insuficientes correções.

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