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domingo, 16 de setembro de 2018

Filosofia da religião — Adriano Antônio Faria

Editora: InterSaberes
ISBN: 978-85-5972-308-3
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 230
Sinopse: Mergulhar nas reflexões propostas pela filosofia da religião nos instiga a pensar sobre nossa própria existência, nossos propósitos de vida e a amplitude do universo. O tema nos conduz à busca do conhecimento sobre a espiritualidade e as conexões que estabelecemos com a vida e com o que nos cerca. A investigação realizada nesta obra é fundamental para estudarmos o fenômeno religioso e seus contextos histórico, social e cultural, a fim de compreendermos as influências da religião na vida do ser humano e das sociedades.



“Tentar responder aos questionamentos mais profundos do ser humano — sua origem, sua missão e seu destino bem como compreender as condições circunstanciais que o limitam — como a dor, o sofrimento, a alegria, a angústia, o bem e o mal — ajuda-nos a discernir a origem do fenômeno religioso, pois ele transcende o espaço físico e temporal, visto que por meio dele se transfere à esfera da divindade e do misticismo aquilo que está além do entendimento humano. Essa transferência gera dúvida e, consequentemente, pesquisa, tentativas de respostas, enfim, conhecimento.
Em decorrência dessa reflexão especulativa, começam a surgir tentativas de respostas, que vão sendo transmitidas às novas gerações, primeiramente de forma incipiente, oral e, aos poucos, dando origem a um corpo doutrinal que vai sendo ordenado, sistematizado e purificado.
O estudo do fenômeno religioso, em função de sua especificidade, tem papel fundamental na compreensão da dimensão religiosa de um povo, pois sempre está em sintonia com a cultura e os costumes de uma determinada população. Como vimos, tal fenômeno se manifesta em rituais, celebrações, doutrina e devocionário próprios. Convém lembrarmos que o meio no qual o indivíduo está inserido condiciona seu ser religioso e, na maioria das vezes, determina sua filiação a um credo específico. Geralmente, os indivíduos são livres para fizer suas próprias escolhas, porém, quando no ambiente de algumas denominações fundamentalistas, a tentativa de mudança implica enfrentamento familiar, social e cultural e é vista como uma traição. Portanto, o fenômeno religioso deve ser compreendido sempre de um ponto de vista macro, que envolve os aspectos culturais, sociais e a dimensão humana como um todo e com todas as suas implicações.
Assim, compreender o fenômeno religioso é entender como um determinado grupo vivencia o ethos e as implicações de tal comportamento em sua relação com a sociedade como um todo — tanto do indivíduo com seus pares quanto com o diferente. A filosofia da religião nos ajuda a compreender melhor esse universo misterioso do fenômeno religioso e a emergência da alteridade.”


“Segundo J. Ferrater Mora (Dicionário de filosofía, 1964, p. 731, tradução nossa), o subjetivismo se caracteriza pela “redução de qualquer juízo ao sujeito que julga; é o mesmo que dizer da limitação da validez ao sujeito que julga”. O subjetivismo é a tendência a só se levar em conta os dados subjetivos, ou seja, do sujeito envolvido. Como também afirmam La Brosse, Henri e Rouillard (Dicionário de termos da fé, [S.d.], p 739), subjetivismo é o sistema segundo o qual o homem não conhece as coisas em si mesmas, mas tais como são para ele, como se lhe apresentam. Duas divisões: sistema que afirma que só existe o sujeito que pensa e que representa as coisas (idealismo absoluto) ou sistema em que representações exteriores não têm substância (fenomenismo).
Com a corrente filosófica subjetivista, a crise do saber, a ausência dos valores fundamentais e universais e, particularmente, a crise generalizada que atinge todas as instâncias da sociedade, sobretudo os campos da educação e da cultura, há a tendência de se cair no relativismo sistêmico. Segundo J. B. Libânio (Seminário sobre pastoral urbana, 1995), a desconfiança atinge os sistemas de verdade, de bem e de valores criados pela razão. As crises das verdades e dos valores perenes, das grandes teorias explicativas da realidade e da história e das instâncias decisórias sociais abrem espaço para as particularidades em todos os níveis. Surgem as “pequenas verdades”, as morais provisórias, os interesses pessoais que geram o individualismo. (...)
Libânio nos fala da pretensão da modernidade de remeter a religião ao mundo privado e, se fosse possível, de aboli-la totalmente:
Entronizou-se a razão crítica como a normadora fundamental da sociedade. O malogro desse projeto revela-se pelo fato de a razão fracassar na tarefa de criar uma sociedade humana, igual, fraterna, livre. Além do mais, ao desalojar a religião da função estruturante e normativa da sociedade e entregá-la à subjetividade das pessoas, terminou por provocar um fenomenal surto de denominações e grupos religiosos. Em vez de uma grande religião, de um único universo simbólico tradicional ou de uma razão com pretensões religiosas, assistimos ao emergir de infinitas manifestações religiosas, novos movimentos religiosos, autônomos, independes, flexíveis, criativos, em numero sempre maior.”


“A filosofia da religião, como expressão crítica da reflexão humana sobre o fenômeno religioso, norteia-se por um conjunto de pressupostos. Identificar adequadamente esses pressupostos é fundamental para que seu discurso não se confunda com o discurso religioso em si, aquele que é feito pelo fiel — a quem estamos chamando de Homo religiosus. Sem pretender apresentar uma lista exaustiva de pressupostos para a reflexão filosófica acerca do fenômeno religioso, passamos à exposição de alguns que julgamos fundamentais:
• A filosofia da religião ou o estudo filosófico da religião baseia-se na pressuposição de que a religião e as ideias religiosas, pertencentes primariamente à esfera do sentimento e à experiência prática, podem ser também objetos da interpretação científica ou racional.
• O estudo filosófico da religião pressupõe também que, embora a religião e filosofia estudem os mesmos assuntos, a atitude humana para com eles é diferente em cada caso. Na religião, esses assuntos se apresentam como realidades imediatas e objeto de devoção e gozo espiritual; ao passo que, na filosofia, esses mesmos assuntos se apresentam como objeto de reflexão, apreensão intelectual e mesmo pesquisa especulativa.”
(U. Zilles, Filosofia da religião, 2010, p. 17-19).


“Para Alves e Redyson (Religare, 2010) ocorreu na Grécia uma passagem da teogonia para a cosmogonia e, na sequência, para a cosmologia. Teogonia (Θεογονία) que tem origem grega e, etimologicamente, é uma palavra composta pelos termos theos (deus) e gonia (nascimento) — pode ser tomada pelo sentido de narrativa sobre a origem dos deuses, dos homens e das coisas.
Já cosmogonia (κοσμογονία) — que também vem do grego e é composta pelos termos κοσμοç (universo) e yoviα (nascimento) — pode ser tomada pelo sentido de narrativa sobre o nascimento e a organização do mundo por meio de forças geradoras — narrativa ainda ligada aos mitos.
Por sua vez, a cosmologia surgiu como o estudo da origem do universo e do mundo com base na natureza (physis). O período pré-socrático cosmológico é considerado por Marilena Chaui (Introdução à história da filosofia, 2002) o primeiro período da história da filosofia.
Reale e Antiseri (História da filosofia, v.1, 2007, p. 7) observam que para os gregos também foi muito importante Hesíodo com sua Teogonia, que relata
o nascimento de todos os deuses. E, como muitos deuses coincidem com partes do universo e com fenômeno do cosmo, a teogonia torna-se também cosmogonia, ou seja, explicação mítico-poética e fantástica da gênese do universo e dos fenômenos cósmicos, a partir do Caos original, que foi o primeiro a se gerar. Esse poema abriu o caminho para a posterior cosmologia filosófica, que, ao invés de usar a fantasia, buscaria com a razão o “princípio primeiro” do qual tudo se gerou.
Nesse período da história da filosofia, os pensadores buscavam superar as explicações sobre a origem e a transformação do mundo e das coisas por meio de mitos sobre divindades e forças sobrenaturais, substituindo-as por explicações racionais embasadas na observação da natureza e pela formulação de teorias lógicas.”


“As questões filosóficas e religiosas não podem ser evitadas: “Como a religião era parte desta vida concreta, os filósofos não podiam deixar de formular a questão da verdade da religião, de sua significação para a vida humana e a questão filosófica sobre Deus” (Zilles, 2010, p. 8). Os questionamentos acerca da realidade do mundo e de Deus estão aí, ao alcance de qualquer pessoa que se aventure a pensar. Transcrevemos a seguir o que Reale e Antiseri (História da filosofia, v.3, 2005b) apresentam no preâmbulo de seus estudos sobre a história da filosofia e o argumento da razão. Essas indagações são as mesmas que os primeiros pensadores fizeram, que nós fazemos e que outros farão por todo o sempre, pois tratam da essência do ser, da relação com a divindade e com o cosmos:
Deus existe, ou existiríamos apenas nós, perdidos neste imenso universo? O mundo é um cosmo ou um caos? A história humana tem sentido? E se tem, qual é? Ou, então, tudo — a glória e a miséria, as grandes conquistas e os sofrimentos inocentes, vítimas e carnífices — tudo acabará no absurdo, desprovido de qualquer sentido? E o homem: é livre e responsável, ou é um simples fragmento insignificante do universo, determinado em suas ações por rígidas leis naturais? A ciência pode nos dar certezas? O que é a verdade? Quais são as relações entre razão científica e fé religiosa? Quando podemos dizer que um Estado é democrático? E quais são os fundamentos da democracia? É possível obter uma justificação racional dos valores mais elevados? E quando é que somos racionais? (Reale; Antiseri, 2005b, p.3)”


“Segundo La Brosse, Henri e Rouillard [S.d.], o sagrado tem sua origem latina no vocábulo sacer, santo, e pode ser compreendido por três enfoques distintos. O primeiro é da história das religiões, que entende que ele “qualifica uma coisa, uma disposição ou um costume considerados intocáveis, exceto por algumas pessoas”. Nessa categoria, podemos citar os ritos e cerimônias e, até mesmos os objetos utilizados para o ritual. O segundo enfoque é o da filosofia da religião, que entende o sagrado como “aquilo pelo qual se experimenta um contato com o divino, que suscita simultaneamente admiração e atração, terror e afastamento”, portanto, envolve o indivíduo, provocando nele um estado de espírito e uma mudança comportamental. O terceiro enfoque é o da sociologia da religião, que reconhece como sagrado o domínio das coisas segregadas e reservadas ao culto”.”


“Para as três grandes religiões monoteístas, o cristianismo, o judaísmo e o islamismo, o sagrado é tudo aquilo que tem uma proximidade com Deus ou a ele é consagrado por um ritual específico: espaços celebrativos ou de significação especial, objetos de devoção ou próprios de rituais celebrativos, situações e datas específicas, pessoas consagradas ou outros elementos próprios de cada denominação.
Nas religiões tradicionais, animistas e politeístas, o conceito de sagrado se expande conforme as divindades cultuadas, que muitas vezes representam as forças da natureza ou estão associadas a ela. Nesse sentido, o sagrado está presente em muitos ambientes, como a mata, a água, o fogo, o vento, a montanha e assim por diante. Gaarder, Hellern e Notaker (O Livro das Religiões, 2001, p. 18) nos ajudam a compreender essa dimensão do sagrado afirmando que “Alguém que adora uma pedra não está prestando homenagem à pedra em si. Venera a pedra porque esta é um hierofani, ou seja, ela aponta o caminho para algo que é mais do que uma simples pedra: é o sagrado”. Portanto, cada religião tem seu universo sagrado, que vai desde um símbolo, um lugar de culto, objetos e forças da natureza até pessoas e divindades. O objeto, a pessoa ou o lugar sagrados servem de sinais para apontar o divinos como imagens simbólicas que transcendem o visível e o palpável e apontam para o infinito ou o universo religioso.”


““De que modo, então, não entender a natureza como sagrada, uma mediação para se chegar à divindade? Segundo M. Eliade (O Tratado e o Profano, 1992, p. 59), para o homem religioso, a natureza tem origem divina, pois nasceu por obra das mãos da divindade, portanto “o mundo fica impregnado de sacralidade”. Muitas religiões, principalmente as primitivas, de origem tribal, entendem a natureza como manifestação do sagrado. Religiões atuais, contudo, também consideram a natureza como espaço sagrado por exemplo, as de matriz africana e indígena, como veremos adiante.
O estudioso romeno, especialista do sagrado, afirma:
Não se trata somente de urna sacralidade comunicada pelos deuses, como é o caso, por exemplo, de um lugar ou um objeto consagrado por uma presença divina. Os deuses fizeram mais: manifestaram as diferentes modalidades do sagrado na própria estrutura do Mundo e dos fenômenos cósmicos. (Eliade, 1992, p. 59)
Na concepção indígena, por exemplo, ninguém pode ser dono da terra, pois é um elemento religioso sagrado que pertence a todos e assegura a vida e a sobrevivência da coletividade. A Mãe Terra é a casa desses povos, acolhe e alimenta os filhos com os seus frutos. Há um relacionamento de proximidade e de afeto do indígena com esse elemento sagrado, a terra e tudo o que nela existe. Assim sendo, Deus, segundo a tradição indígena, o Grande Espírito, é o protetor da natureza e determina o seu cuidado. Segundo G. Schwikart (Dicionário ilustrado das religiões, 2001, p. 96), muitas são as religiões indígenas que “cultuam uma força misteriosa que os assiste e protege. É chamada por alguns ‘Wakan Tanka’ ou ‘Grande Espírito’”.
Segundo a Assintec (Tradições religiosas indígenas e afro-brasileiras, 2007, p. 21), para as religiões de matriz africana, tudo está impregnado de axé, ou seja, da força vital que a tudo e a todos sustenta:
as raízes, o leito dos rios, as pedras, e outros elementos, também possuem Axé. Receber o Axé significa incorporar os elementos simbólicos que representam os princípios vitais de tudo o que existe no mundo visível (Àiyé) e no mundo invisível (Òrun), num processo de expansão permanente.
A concepção da natureza como espaço sagrado traz implicações muito importantes e impactantes para o mundo atual. Apenas como um desdobramento do tema — e com parcialidade —, se a natureza fosse compreendida em sua real sacralidade, isto é, o templo onde habitam o homem e a mulher, criaturas divinas, e o local para o pleno desenvolvimento de suas potencialidades, a natureza não seria tão desprezada, espezinhada e destruída. A religião, nesse caso, seria um excelente fator de proteção.
Notem a incongruência: a natureza, com a sua força inexplicável e poderosa, deu origem às mais profundas inquietações humanas, que resultaram na filosofia e na religião. Essa mesma natureza, maculada pela ganância dos mesmos homens, pode dar origem ao seu extermínio. O ponto de convergência das religiões é a busca do equilíbrio do ser humano com os outros seres, a natureza e a divindade. A ruptura significa morte, o contrário de religião, que, em uma de suas definições, é reatar ou religar.”


“Para Gaarder, Hellern e Notaker (2001, p. 38-39),
A principal característica das religiões universais surgidas no Oriente Médio é o monoteísmo: elas têm um só Deus. Dá-se grande peso à relação do indivíduo com Deus e à sua salvação. O papel do sacrifício é bem menos proeminente nelas do que nas religiões nacionais, ao passo que o da oração e da meditação é mais importante. As religiões universais foram criadas por profetas fundadores cujos nomes são conhecidos: Moisés, Buda, Lao-Tse, Jesus, Maomé. (...)
As religiões de origem oriental apresentam alguns aspectos comuns, entre eles podemos destacar a visão cíclica da história, que vai se repetindo sempre, em um ciclo eterno e assim “o mundo dura de eternidade em eternidade [...]. O divino está presente em tudo. Ele se manifesta em muitas divindades (politeísmo), ou como uma força impessoal que permeia tudo e a todos (panteísmo)” (Gaarder; Hellern; Notaker, 2001, p. 40). A união com a divindade pode ser conseguida por meio do conhecimento ou de uma experiência de iluminação interior. (...)
Para as religiões orientais, a salvação acontece com a libertação do ciclo das constantes reencarnações até a plena purificação e, para que isso aconteça, o fiel necessita fazer penitência e crescer no conhecimento místico. Essas religiões pregam a fuga do mundo e a pacificidade, entendida como vivência de paz, por esse motivo, florescem entre elas a vida monástica de recolhimento e de oração. Em seus cultos, rituais e celebrações, prevalecem a oração, os mantras, o incenso, os sacrifícios e os exercícios de meditação. (...)
O hinduísmo, religião principal da Índia, não é homogêneo. Existem variantes nas crenças e nas formas de celebrar o culto. Nos vários segmentos do hinduísmo, as castas, a compreensão da vaca como animal sagrado e a ideia do carma (soma das boas e más ações da pessoa, que podem resultar na reencarnação) são elementos comuns. Convém recordar que esse país possui a estratificação em castas: os sacerdotes ou brâmanes; os guerreiros; os agricultores, os comerciantes, os artesãos e, a última, os servos. A vaca é considerada sagrada porque é o símbolo da fecundidade e da fertilidade, concepção herdada dos antigos e consta nos hinos vedas. A palavra veda significa conhecimento e marca um período da história que se inicia em 1500 a.C. e se prolonga até 500 a.C. No que se refere ao carma, segundo Gaarder, Hellern e Notaker (2001, p. 46), “um hinduísta acredita que, depois da morte de um indivíduo, sua alma renasce numa nova criatura vivente. Pode renascer numa casta mais alta ou mais baixa, ou pode passar a habitar um animal”. Segundo o pensamento hinduísta, a alma não morre e nem envelhece, e todas as ações podem reaparecer após a morte.
Há uma ordem inexorável nesse ciclo que vai de uma existência a outra. O impulso por trás dela, ou que a mantém sempre em movimento, é o karma do homem, palavra sânscrita que significa “ato”. Porém, nesse caso, ato se refere a pensamentos, palavras e sentimentos, não apenas a ações físicas. (Gaarder; Hellern; Notaker, 2001, p. 46)
Convém recordar que o hinduísmo é uma religião politeísta cujos principais deuses são: Vishnu, Rama, Krishna, Shiva e Brahma. Existem, igualmente, nessa religião a presença de deusas como Kali, a Deusa Mãe ou a Rainha no Universo. A divindade Oficial da Índia é a Mãe Índia ou Bhárata Mata. Existem, também, muitas outras divindades secundárias.
Quanto ao budismo, seu fundador foi Sidarta Gautama (560 a.C.-480 a.C.). De família nobre, depois de esbanjar sua vida em vaidades, acabou assumindo um estado ascético, isto é, de esforço e de sacrifício, em busca da iluminação, o que conseguiu aos 35 anos de idade, sentado sob uma figueira às margens de um afluente do Ganges. Ali se tornou um buda, ou seja, um iluminado. Alguns definem esse estado como nirvana, isto é, verdade suprema. Essa verdade era uma resposta a alguns aspectos negativos ou estados de alma: “Tudo o que existe no mundo é (a) sem autonomia, (b) transitório, e, em consequência, (c) pleno de sofrimento. Assim, ele [Buda] não via esperança enquanto o homem estivesse preso nesse ciclo” (Gaarder; Hellern; Notaker, 2001, p. 64). A doutrina budista ensina que
existe algo eterno, algo fora do sofrimento. O budista chama a isso de NIRVANA. Essa palavra significa, na verdade, “apagar”. O desejo “se extingue” quando se atinge o nirvana. A imagem representa o desejo como chama que se apaga quando o combustível termina — o combustível é a luxúria humana, o ódio e a ilusão. (Gaarder; Hellern; Notaker, 2001), p. 64, grifo do original) (...)
Em um breve olhar sobre o confucionismo, vemos que é um misto de filosofia de vida e de religião; um conjunto de pensamentos, regras e rituais sociais desenvolvidos pelo filósofo Confúcio. O confucionismo era uma religião praticada pela elite e pelas classes dominantes até o final do império chinês, em 1911. Essa religião não se expandiu em meio à população.
O taoísmo, segundo os pesquisadores da religião Gaarder, Hellern e Notaker (2001, p. 86), “se baseia num livro chamado Tao Te Ching, O livro do Tao e do Te. Tao (ordem do mundo) e te (força vital) são antigos conceitos chineses aos quais Confúcio deu uma interpretação um pouco diferente”. O tao, portanto, representa a suprema ordem do universo. O taoísmo encontrou maior ressonância e difundiu-se mais entre a população em virtude de suas características de magia.
O xintoísmo é conhecido como a antiga religião oficial do Japão, porém, a partir do ano 500 d.C., sofreu grandes impactos do budismo, resultando em uma mútua influência. Segundo os pesquisadores citados, no Japão não existe uma filiação religiosa rígida: as pessoas transitam livremente entre várias religiões, participando de seus cultos e rituais. O xintoísmo entra na categoria de uma religião nacional, não tem um fundador e adota costumes e características de várias outras denominações religiosas.
O tenri-kyo é uma religião recente, surgida no século XIX, com origens no taoísmo. Fundada por uma mulher chamada Miki Nakayama, que recebeu revelações do deus Oya-gami. Segundo sua doutrina, é uma religião monoteísta e a divindade é considerada como o único deus verdadeiro criador de tudo. Seu objetivo é levar o bem-estar a todas as pessoas por meio da bênção do rito cultual. Sua ideologia é de caráter missionário e busca expansão na Ásia e nas Américas.
Embora essas religiosidades e ideologias tenham como sua origem o Oriente e o Extremo Oriente, elas possuem um elevado grau de penetração nas sociedades ocidentais, dado o caráter místico e muitas vezes mágico de seus cultos. Em nossos estudos de filosofia da religião, podemos perceber o fascínio que essas religiões exercem principalmente sobre os jovens.”


“As religiões denominadas afro-brasileiras são muitas e têm suas raízes no continente africano; porém são brasileiras por sua estruturação e surgiram em vários pontos do país, como o candomblé na Bahia, no Rio de Janeiro e em outros estados; o batuque nos estados do Sul, principalmente no Rio Grande do Sul; o tambor de mina no Maranhão e no Pará; o xangó em Recife; xambá e catimbó no Nordeste; e, mais tarde, a umbanda, iniciada em 1908, em Niterói (RJ) — religião de características africanas com um profundo sincretismo com o espiritismo e catolicismo. Essas formas de crer provenientes da África Ocidental chegaram ao Brasil junto com os negros escravizados no período colonial, nos séculos XVIII e XIX.
Segundo o teólogo e pesquisador Hans Küng (Religiões do mundo, 2004), essas manifestações religiosas primitivas deram origem a todas as religiões e têm sua gênese em grupos específicos africanos, aos quais denomina de “religiões tribais que, praticamente sem dispor de quaisquer textos escritos constituem de certa forma o terreno onde todas as religiões estão enraizadas, e que, ao mesmo tempo, continuam a existir nas várias regiões do mundo”.
O animismo é uma característica própria das religiões primitivas e tribais e é aplicado também para as religiões nativas presentes em nosso continente. Segundo Schlesinger e Porto (Dicionário enciclopédico das religiões, 1995, p. 184), o animismo é
a expressão religiosa do homem primitivo que se caracteriza pela adoração de espíritos que residem em árvores, montanhas, poços e fontes sagradas ou mesmo em pedras de formas especiais. Precedem o mosaísmo, mas antes se deu lugar aos deuses antropomórficos. Penetrou na tradição judaica, que no Antigo Testamento procede de ideias animistas, pois concebe o espírito como sujeito individual de índole pessoal que se apossa do homem e o torna capaz de realizar ações que requerem força especial. (...)
As religiões de matriz africana consolidaram-se no Brasil por meio de um profundo sincretismo entre as crenças africanas, o catolicismo tradicional, as tradições nativas brasileiras, o islamismo em alguns grupos e, mais tarde, o espiritismo. Não há uma pureza de raiz africana, mas sim, uma forma de crer envolvendo diversas matrizes religiosas. Em um olhar mais apurado, poderíamos até arriscar dizer que essas denominações representam o rosto do Brasil.
A religião, caminho encontrado pelos negros escravizados para garantirem sua identidade cultural e aliviarem seus sofrimentos e saudades, desempenhou um papel importante no contexto social desses indivíduos. As reuniões celebrativas nos terreiros, com suas orações e cantos, eram uma forma de prestar devoções aos Orixás, que são as forças da natureza, auxiliares de Olorum, o Ser Supremo, criador de todas as coisas. Serviam também para manter vivas as suas raízes e representaram uma forma de resistência contra os portugueses colonizadores. Segundo Küng (2004, p. 41),
entre as religiões tribais da África Negra existe uma ampla faixa espíritos. Bons e maus, previsíveis e imprevisíveis. Espíritos ancestrais (vadzimu), que agora se manifestam como espíritos protetores da família, sobretudo as crianças. Espíritos errantes (mashavi), que, não tendo sido corretamente sepultados em terras estranhas, não querem ficar esquecidos. Espíritos tribais (mhondoro) que se preocupam com o bem da tribo e de seu chefe. Não é, como muitas vezes se ouve, que as religiões tribais sejam marcadas inteiramente pelo medo dos demônios.
Entre as denominações de matriz africana destaca-se o candomblé, que significa cantar e dançar em louvor e, segundo A. Schultz (O protestantismo e as estruturas teológicas do imaginário religioso brasileiro, 2005), é a religião dos ancestrais africanos, portanto, no parecer de seus seguidores, guarda a pureza de sua origem. Contudo, o candomblé apresenta em sua estrutura sinais claros de outras tradições religiosas, em uma profunda simbiose. “Na verdade, o candomblé não é uma religião africana, mas que surge do contato das religiões africanas trazidas pelos escravizados com o contexto brasileiro. As diversas tradições africanas se misturaram no Brasil, e estas com o catolicismo e com a matriz indígena” (Schultz, 2005, p. 55).
Um elemento comum presente nas religiões de matriz africana, no candomblé, na umbanda e nos outros grupos religiosos, é a energia vital, por elas denominada de axé. Segundo a Assintec (2007, p. 21),
a palavra Axé pode ser traduzida como “aquilo que deve ser realizado”. Segundo as tradições religiosas africanas essa força é contida e transmitida por meio de elementos materiais e de certas substâncias, mantendo e renovando neles sua capacidade de realização. Nas manifestações religiosas, o sangue portador do Axé pertence ao Ser Superior, Criador de todas as coisas, e é oferecido a Ele em primeiro lugar. O sangue pode ser de origem animal, vegetal ou mineral. O coração, o fígado, os pulmões e os órgãos genitais são partes do corpo consideradas plenas de Axé. As raízes, as folhas, o leito dos rios, as pedras, e outros elementos, também possuem Axé. Receber o Axé significa incorporar os elementos simbólicos que representam os princípios vitais de tudo o que existe no mundo visível (Àiyé) e no mundo invisível (Òrun), num processo de expansão permanente.
Além do candomblé, destacamos em nosso estudo a umbanda. Sua estrutura é tipicamente brasileira e surgiu da fusão de vários elementos dos cultos afro, da devoção popular católica, da doutrina espírita e do relacionamento com o mundo dos espíritos e os costumes dos pajés indígenas. Além desses elementos, aparecem também traços esotéricos, principalmente em sua simbologia. A palavra umbanda, segundo a Assintec (2007), tem dois significados, o primeiro significa a arte de curar, e deriva do kimbundo, um dos idiomas africanos; e o segundo diz que a palavra umbanda se traduz como a Lei Maior ou Lei Suprema do Bem.
Destacamos em nosso estudo alguns aspectos que são considerados essenciais na cultura e na tradição religiosa afro-brasileira: a oralidade, o símbolo e o diálogo. Segundo os apontamentos da Assintec (2007, p. 21), “o sistema comunicativo da oralidade prevê a identificação, a expressão e a conservação da bagagem etnocultural. O símbolo é fundamental para a expressão da crença”. A dimensão dialógica tem um espaço crucial nessas denominações religiosas, pois é por meio dela que os mitos e as tradições culturais são transmitidos às novas gerações. Lugar de destaque nesse processo tem o ancião, pois ele é o mestre da palavra e, como na cultura tribal africana, tem o papel de autoridade: nas religiões de matriz africana, são denominados de pai de santo ou mãe de santo e são a referência do grupo religioso.
Não existe nas religiões de matriz africana um corpo doutrinário sistematizado e, por esse motivo, é comum perceber crianças de famílias pertencentes a cultos africanos frequentarem catequese católica para adquirirem um conteúdo doutrinário que lhes ajude na assimilação de valores religiosos.
É interessante notar em nosso estudo sobre a filosofia da religião como as religiões de matriz africana influenciaram e marcaram o tecido cultural, social e religioso brasileiro. Essa profunda simbiose; um misto de culturas, crenças, rituais, símbolos e magia, despertou no imaginário das pessoas uma espécie de sedução e a possibilidade de responder a algumas das inquietações mais profundas da existência e a solução para problemas concretos do dia a dia. Exemplos concretos são os trabalhos encomendados para se conseguir atingir a determinados objetivos, a comunicação com os espíritos e, consequentemente, com os mortos, que exerce um fascínio sobre muitas pessoas. Todos esses fatores levam-nos a compreender por que essas religiões transcenderam o universo racial negro e atraíram um número significativo de pessoas brancas e de outras etnias. É comum perceber que a umbanda, por exemplo, não parece ser uma religião de rosto negro.”


“Tanto as religiões africanas quanto as indígenas brasileiras, bem como as da América como um todo e de outras partes do planeta com características tribais, entram na classificação de religiões primais, definidas como
São aquelas que os estudiosos costumavam chamar de “religiões primitivas” e que se encontram, ou se encontravam, em culturas ágrafas, entre os povos tribais da África, Ásia, América do Norte e do Sul e Polinésia. A marca mais característica dessas religiões é a crença numa miríade de forças, deuses e espíritos que controlam a vida cotidiana. O culto aos antepassados e os ritos de passagem desempenham um papel importante. A comunidade religiosa não se separa da vida social, e o sacerdócio normalmente é sinônimo de liderança política da tribo. (Gaarder; Hellern; Notaker, 2001, p.38)
Por conta da opressão que pesou sobre as nações indígenas no território brasileiro nesses pouco mais de quinhentos anos de colonização, com a consequente dizimação de incontáveis culturas, sobrevivem no Brasil pouco mais de 200 povos diferentes e 170 línguas distintas das mais de mil nações indígenas que existiam. Cada uma delas com sua herança cultural, suas tradições; seus mitos e suas crenças específicas.
Nesse universo da diversidade cultural indígena, os pesquisadores constataram que as tradições religiosas são diferentes, pois
há uma diversidade de povos e culturas que se distinguem no tipo biológico, línguas, costumes, ritos, organização social, etc. Suas religiões são profundamente marcadas por rituais nos quais os mitos são revividos com intensidade de modo que em algumas comunidades os participantes no ato ritualístico sentem-se parte da divindade.(Assintec, 2007 p. 5)
Os ritos celebrativos são de grande riqueza, envolvem expressões corporais com dança, cantos, com uma variedade de entonações vocais e a beleza dos instrumentos musicais, além da prática de rituais de defumação e o uso de bebidas produzidas com plantas nativas que provocam transe e evocam incorporações.
Uma das características dessas religiões tribais indígenas é a sua estruturação. Comum a todas elas é a busca do equilíbrio entre o humano e o mundo exterior — a natureza, por exemplos denominada de Mãe Terra. Essa harmonização é a garantia da sobrevivência da nação, pois a natureza recebe a caracterização do sagrado, Homem e natureza estão intimamente ligados. A essa característica denominamos de animismo, como vimos nas religiões de matriz africana com as mesmas características tribais. Portanto, destruir a natureza e tudo o que ela contém representa um rompimento com a divindade. Tudo na vida de uma aldeia gira em torno dessa dimensão sagrada e o seu dia a dia está impregnado do sentimento religioso. Portanto, a terra intocada é condição da sobrevivência da cultura indígena.
Outro aspecto importante na compreensão da religiosidade indígena é a sua visão do mundo, tudo está em perfeita harmonia. Para essas culturas, os elementos da natureza, a água, o vento, a terra, o fogo, o sol. a lua e os demais astros foram criados e dispostos no mundo de forma orgânica e em perfeita harmonia. Em sua origem, o indígena vivia essa perfeita simbiose com os elementos da natureza e a característica principal de sua forma de vida era a partilha e a solidariedade em uma vida comum. Esse equilíbrio foi destruído com a chegada dos colonizadores e muitos desses valores desapareceram em virtude da luta pela sobrevivência. À medida que a natureza desaparece, também desaparecem os povos indígenas.
Para muitas das religiões nativas, a figura do Grande Espírito, ou do transcendente, é compreendida como sendo a de um ser dotado de bondade e que se preocupa com todas as pessoas e está em harmonia com elas. Também há crenças em divindades menores que auxiliam o Grande Espírito e em espíritos que povoam o mundo, como os dos ancestrais, os espíritos das florestas ou outras forças de cura, como é o caso das ervas medicinais utilizadas pelos pajés em cuidados de saúde. Segundo a Assintec (2007, p. 5), “os espíritos maus devem ser apaziguados e os bons devem ser convencidos a ajudá-los. Os nomes dados à divindade superior e aos espíritos variam de uma nação para outra: Maira, Itukoóviti (aquele que criou todas as coisas), Nhyanderú, Nhyanderuvusú, Nhyanderupapá, etc.”.
Outra característica dos povos indígenas é a crença nos mitos, sempre com alguma conexão com a religião e a proteção da floresta. Eles povoam o universo cultural indígena e surgem nos mais variados contextos, sempre estão integrados ao cotidiano da vida das comunidades. Os mitos tratam de temas, como o surgimento do mundo e a vida da aldeia e dos outros povos. Os mitos surgiram para explicar o desconhecido, principalmente os fenômenos naturais e as situações que afetam a vida dos membros da tribo, como o nascimento, a puberdade, a doença e a morte. Neles estão contidos muitos dos seus textos sagrados e daquilo que é considerado sagrado por essas etnias, bem como de seus ritos, celebrações e festas. Entre os incontáveis mitos, destacamos alguns: o da chegada do fogo, o da origem do mundo, o do surgimento de alguns alimentos e bebidas (como o milho, a mandioca e o guaraná), o da lua, o do sol, o da Iara (Mãe d’água), o do Anhangá (protetor dos animais), o Curupira (protetor das matas), o das Amazonas, o do boto, o da vitória-régia, o do boitatá, o da caipora e o da cuca.
Esse rico conjunto de povos indígenas, com suas crenças, ritos e mitos, compôs o berço sobre o qual nasceu a nação brasileira, com seu rosto plurifacetado, marcado com os traços de todas as raças do planeta. Muitos desses mitos, herdados das civilizações indígenas e transmitidos oralmente, entraram no universo cultural do povo brasileiro, fazendo parte do seu dia a dia.”

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