Editora: Nova Cultura
Tradução: Joaquim Ferreira Gomes e Antônio Simões
Tradução e notas: Joaquim de Carvalho
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 214
Sinopse: Obra
fundamental de Espinosa, propõe uma nova concepção de verdade: não mais como
adequação entre intelecto humano e objeto de conhecimento, mas verdade enquanto
índice de si mesma e do que é falso, verdade imanente ao objeto. “Demonstrada à
maneira dos geômetras”, a Ética expõe e aplica o racionalismo
espinosano, que combate a ideia tradicional de criação das coisas por Deus e
afirma que a autoprodução de Deus é o modo de produção do real.
“Diz-se livre*
o que existe exclusivamente pela necessidade da sua natureza e por si só é
determinado a agir; e dir-se-á necessário,
ou mais propriamente, coagido, o que é determinado por outra coisa a existir e
a operar de certa e determinada maneira (ratione).”
*: Estas definições são fundamentais. Pode
receber-se como paráfrase a seguinte passagem da carta (LVIII) de Espinosa a
Shuller: “... Digo ser livre o que existe e age exclusivamente pela necessidade
da sua natureza; e coagido o que por algo (ab
alio) é determinado a existir e a operar de certa e determinada maneira (ratio). Deus, por exemplo, existe
livremente embora exista necessariamente, porque existe pela única necessidade
da sua natureza... Note bem: eu não faço consistir a liberdade numa decisão
livre, mas na livre necessidade... Desçamos, porém, às coisas criadas, que
todas são determinadas por causas externas a existir e a agir de maneira certa
e determinada. Para tornar isso claro e inteligível, conceba-se uma coisa muito
simples. Por exemplo: uma pedra recebe uma causa externa que a impele certa
quantidade de movimento; se vier a cessar a causa externa do impulso ela
continuará a mover-se necessariamente. Consequentemente, a permanência da pedra
em movimento é coagida, e tem de ser definida não como necessária mas pelo
impulso da causa externa...” Como se vê, chama liberdade à necessidade
intrínseca, isto é, a determinação que tem por causa a própria essência. Daqui
resulta que a noção espinosana de liberdade nada tem que ver com a noção de
livre arbítrio e com a de contingência, e que o conceito que lhe é antitético é
o da coação, isto é, de determinação extrínseca. Assim entendida, a liberdade
não é uma propriedade do sujeito, mas um estado do ser. (N.T.)
“Deus, ou, por outras palavras, a substância
que consta de infinitos atributos, cada um dos quais exprime uma essência
eterna e infinita, existe necessariamente.
(Pois) Existe necessariamente aquilo de que
não é dada qualquer razão ou causa que lhe impeça a existência.”
“Não ter poder para existir é impotência, e,
pelo contrário, ser capaz de existir é potência. Por conseguinte, se o que
agora existe necessariamente é constituído apenas por entes finitos, segue-se
que os entes finitos têm mais poder que o ente absolutamente infinito — o que é
absurdo. Portanto, ou não existe coisa alguma, ou um ente absolutamente
infinito tem necessariamente de existir. Ora, nós existimos ou em nós próprios
ou noutra coisa que exista necessariamente; por conseguinte, existe
necessariamente um ente absolutamente infinito, isto é, Deus.*”
*: Terceira prova, a
posteriori, como Espinosa diz no escólio
seguinte, pela qual deduz do finito o infinito: existem serem finitos; se o
ser infinito não existisse, os seres finitos ser-lhe-iam superiores em potencialidade;
portanto... (N. do T.)
“A ideia de uma coisa singular, existente em
ato, tem por causa Deus, não enquanto ele é infinito, mas enquanto é
considerado como sendo afetado pela ideia de uma outra coisa singular existente
em ato, ideia de que igualmente Deus é causa, enquanto é afetado por uma
terceira, e assim até ao infinito.”
“É da natureza da Razão perceber as coisas
sob um certo aspecto de eternidade.”
“Certamente que a sorte da humanidade seria
muito mais feliz se estivesse igualmente na potência do homem tanto falar como
calar-se. Mas a experiência ensina suficiente e superabundantemente que nada
está menos em poder dos homens que a sua língua e não há nada que eles possam
menos fazer que governar os seus apetites. Daí resulta que a maioria julga que
a nossa liberdade de ação existe apenas em relação às coisas que desejamos
debilmente, pois o apetite que nos inclina para essas coisas pode ser
facilmente contrariado pela recordação de qualquer outra coisa de que nos
recordamos muitas vezes; enquanto que julgam que de modo algum somos livres
quando se trata de coisas para que somos inclinados com uma afecção violenta
que não pode ser acalmada pela recordação de outra coisa. Todavia, se eles não
soubessem, por experiência, que muitas vezes lamentamos as nossas ações e que
frequentemente, quando somos dominados por afecções contrárias, vemos o melhor
e fazemos o pior, nada os impediria de crer que todas as nossas ações são
livres. É assim que uma criancinha julga apetecer livremente o leite, um menino
irritado a vingança, e o medroso a fuga. Um homem embriagado julga também que é
por uma livre decisão da alma que conta aquilo que, mais tarde, em estado de
sobriedade, preferiria ter calado. Do mesmo modo, o homem delirante, a mulher
tagarela, a criança e numerosos outros do mesmo gênero julgam falar em virtude
da livre decisão da alma, enquanto que, todavia, são impotentes para reter o
impulso de falar. A experiência faz ver, portanto, tão claramente como a Razão,
que os homens se julgam livres apenas porque são conscientes das suas ações e
ignorantes das causas pelas quais são determinados.”
“Se imaginamos que alguém ama, ou deseja, ou
odeia o que nós próprios amamos, desejamos, ou odiamos, só por esse fato, é com
maior força que amaremos, desejemos, odiemos.
Segue-se daí que cada um faz esforço, tanto
quanto está em seu poder, para que os outros amem o que ele ama e odeiem o que
odeia. (...)
Este esforço para fazer com que cada um
aprove o que amamos ou odiamos é, na verdade, ambição; vemos, assim, que cada
um, por natureza, deseja que os outros vivam segundo as suas ideias.”
“Na verdade, se alguém começa a odiar a coisa
que ama, é reduzido um número maior dos seus apetites do que se ele jamais a
tivesse amado. O amor, com efeito, é uma alegria que o homem, tanto quanto
pode, se esforça por conservar; e isso considerando a coisa amada como
presente, e afetando-a de alegria, tanto quanto pode; e esse esforço é tanto
maior quanto o amor é maior, assim como o esforço para fazer com que a coisa amada
o ame por sua vez. Mas esses esforços são entravados pelo ódio para com a coisa
amada; portanto, aquele que ama será, por essa razão ainda, afetado de
tristeza, e de uma tristeza tanto maior quanto o amor tinha sido maior; isto é,
além da tristeza que foi causa do ódio, nasce outra do fato de ele ter amado a
coisa; e, por consequência, considerará a coisa amada com uma afecção de
tristeza maior, isto é, experimentará para com ela um ódio maior do que se
nunca a tivesse amado, e tanto maior quanto o seu amor anterior era maior.”
“Odiar alguém é imaginar alguém como causa de
tristeza; por consequência, aquele que odeia alguém esforçar-se-á por repeli-lo
ou destruí-lo. Mas, se receia que daí resulte para si algo de mais triste, ou
(o que vem dar no mesmo) um mal maior, e se julga poder evitá-lo não fazendo
àquele que odeia o mal que pensava em fazer-lhe, desejará abster-se de lhe
fazer mal; e isso com um esforço maior que aquele que o levava a fazer mal e
que, consequentemente, prevalecerá.”
“Por bem
entendo aqui todo o gênero de alegria e tudo o que, além disso, a ela conduz, e
principalmente tudo o que satisfaz ao desejo, qualquer que ele seja. Por mal, ao contrário, entendo todo o gênero
de tristeza, e principalmente o que frustra o desejo. Com efeito, demonstramos
que não desejamos uma coisa porque a julgamos boa, mas, ao contrário, chamamos
boa à coisa que desejamos; consequentemente, chamamos má à coisa por que temos
aversão. Cada um julga, assim, ou estima, segundo a sua afecção, o que é bom, o
que é mau, o que é melhor, o que é pior, o que é ótimo, o que é péssimo. Assim,
o avaro julga que a abundância de dinheiro é o que há de melhor e a pobreza o
que há de pior. O ambicioso nada deseja tanto como a glória e nada teme tanto
como a vergonha. Ao invejoso, enfim, nada é mais agradável que a infelicidade
de outrem, e nada mais desagradável que a felicidade de outrem. E, assim, cada
um julga, segundo a sua afecção, que uma coisa é boa ou má, útil ou inútil.”
PROPOSIÇÃO LV
Quando a alma imagina a sua impotência, só por esse fato fica triste.
DEMONSTRAÇÃO
A essência da alma afirma somente o que a
alma é e pode; por outras palavras, é da natureza da alma imaginar somente o
que põe a sua capacidade de agir. Portanto, quando dizemos que a alma, enquanto
se contempla a si mesma, imagina a sua impotência, não dizemos senão que,
enquanto a alma se esforça por imaginar qualquer coisa que põe a sua capacidade
de agir, este seu esforço é reduzido; por outras palavras, ela fica triste. Q. e. d.
COROLÁRIO
Essa tristeza é tanto mais favorecida quanto
o homem imagina que é censurado pelos outros.
ESCÓLIO
Essa tristeza, acompanhada da ideia da nossa
fraqueza, chama-se humildade; ao contrário, a alegria que nasce da contemplação
de nós mesmos chama-se amor-próprio ou repouso íntimo. E, como ela se renova
sempre que o homem contempla as suas próprias virtudes ou a sua capacidade de
agir, daí resulta também que cada um se embriaga a contar os seus altos feitos,
e a fazer alarde tanto das suas forças físicas como espirituais, e que, por
essa razão, os homens sejam insuportáveis uns para com os outros. E de onde se
segue, ainda, que os homens sejam invejosos por natureza, isto é, que se
alegrem com a fraqueza dos seus semelhantes e, ao contrário, se entristeçam com
as suas virtudes. Na verdade, sempre que cada um imagina as suas próprias
ações, é afetado de alegria, e de uma alegria tanto maior quanto essas ações
exprimem uma perfeição maior e quanto são imaginadas mais distintamente; isto
é, tanto maior quanto ele pode distingui-las das outras e considerá-las como
coisas singulares. É por isso que cada um se alegra mais com a contemplação de
si mesmo, quando contempla em si mesmo qualquer coisa que pode negar aos
outros. Mas se o que ele afirma de si mesmo o refere à ideia geral de homem ou
de animal, já se não alegrará tanto, e, ao contrário, ficará triste se imagina
que as suas ações, comparadas às dos outros, são de menor importância;
esforçar-se-á, todavia, por afastar essa tristeza, e isso interpretando mal as
ações dos seus semelhantes ou ornando as suas o mais que puder. Vê-se,
portanto, que os homens são inclinados ao ódio e à inveja por natureza, a que
se ajunta ainda a educação. Na verdade, os pais têm o hábito de excitar os seus
filhos na virtude apenas por meio do aguilhão da honra e da inveja. Resta,
porém, talvez ainda um motivo de dúvida, pois não é raro que admiremos as
virtudes dos homens e até os veneremos. Para afastar este motivo de dúvida,
acrescentarei o corolário seguinte.
COROLÁRIO
Ninguém inveja a virtude de outro, se ele não
é seu igual.
DEMONSTRAÇÃO
A inveja é o próprio ódio, isto é, uma
tristeza, por outras palavras, uma afecção pela qual a capacidade de agir do
homem, ou o seu esforço, é reduzido. Ora, o homem não se esforça por uma ação
nem deseja fazê-la, a não ser que ela possa seguir-se da sua natureza tal como
é dada. Portanto, o homem não desejará que qualquer capacidade de agir, ou (o
que equivale ao mesmo) qualquer virtude, seja afirmada de si, se ela pertence a
natureza de um outro e é estranha à sua; por consequência, o seu desejo não
pode ser reduzido, isto é, ele não pode ficar triste pelo fato de contemplar
qualquer virtude em alguém que lhe é dessemelhante e, consequentemente, não
poderá invejá-lo. Mas invejará o seu igual que, por hipótese, é da mesma
natureza que ele. Q. e. d.
ESCÓLIO
Portanto, quando dissemos que veneramos um
homem porque admiramos a sua prudência, a sua coragem, etc.., isso acontece
porque imaginamos que essas virtudes lhe pertencem de uma maneira singular, e
não como sendo comuns à nossa natureza; por consequência, não lhas invejamos
como também não invejamos às árvores a altura e aos leões a coragem, etc.”
“Todas as ações que se seguem das afecções
que se referem à alma, enquanto conhece, refiro-as à fortaleza da alma que distingo em firmeza e generosidade.
Por firmeza entendo o desejo pelo
qual um indivíduo se esforça por conservar o seu ser, apenas em virtude do
ditame da Razão. Por generosidade entendo
o desejo pelo qual um indivíduo se esforça por ajudar os outros homens e por se
unir a eles pelo laço da amizade, em virtude apenas do ditame da Razão.”
“O orgulho difere, portanto, da estima pelo
fato de que esta se refere a um objeto externo e o orgulho ao próprio homem,
que tem, acerca de si mesmo, uma opinião mais vantajosa do que seria justo.
Além disso, do mesmo modo que a estima é um efeito ou propriedade do amor, o
orgulho é um efeito ou propriedade do amor-próprio.”
“O homem livre em nada pensa menos que na
morte; e sua sabedoria não é uma meditação da morte, mas da vida.”
“Quem aumenta a ciência, aumenta a dor.”
(Eclesiastes I, 18)
“O desejo é a própria essência do homem, isto
é, um esforço pelo qual o homem se esforça por perseverar no seu ser.”
“Não sabemos ao certo que nada seja bom, a
não ser aquilo que nos leva verdadeiramente a compreender; e, inversamente, que
nada seja mau, senão o que pode impedir que compreendamos.”
“Os homens, só na medida em que vivem sob a
direção da Razão, fazem necessariamente o que é necessariamente bom para a
natureza humana e, consequentemente, para cada homem.”
“Cada um existe em virtude do direito supremo
da Natureza e, consequentemente, é em virtude do supremo direito da Natureza
que cada um faz o que se segue da necessidade da sua natureza; e, por
conseguinte, é em virtude do supremo direito da Natureza que cada um julga o
que lhe é bom e o que lhe é mau e atende à sua utilidade, como lhe convém, e se
vinga, e se esforça por conservar o que ama e destruir aquilo a que tem ódio.
Se os homens vivessem sob a direção da Razão, cada um usufruiria deste direito
sem dano algum para outrem. Mas, como eles estão sujeitos às afecções, que
ultrapassam de longe a potência, ou seja, a virtude humana, e por isso são
muitas vezes arrastados em sentidos contrários e são contrários uns aos outros,
quando têm necessidade de mútuo auxílio. Portanto, para que os homens possam
viver de acordo e ajudar-se uns aos outros, é necessário que renunciem ao seu
direito natural e assegurem uns aos outros que nada farão que possa redundar em
dano de outrem. De que maneira possa isto suceder, quer dizer, que os homens,
que estão necessariamente sujeitos às afecções e são inconstantes e mutáveis,
possam dar uns aos outros esta segurança mútua e ter confiança mútua isto se dá
pelo fato de nenhuma afecção poder ser entravada, a não ser por uma afecção
mais forte e contrária à afecção a entravar, e pelo fato de cada um se abster
de causar dano pelo temor de um dano maior. Portanto, é sobre esta lei que a
sociedade poderá fundar-se, com a condição de ela reivindicar para si o direito
que cada um tem de se vingar e de julgar do bem e do mal. Consequentemente, ela
deverá ter o poder de prescrever uma regra comum de vida, de fazer leis e de as
apoiar não na Razão, que não pode entravar as afecções, mas em ameaças. Tal
sociedade, firmada em leis e no poder de se conservar a si mesma, chama-se
cidade, e os que são defendidos pelo direito dela, cidadãos. Pelo que precede, facilmente compreendemos que não existe
nada no estado natural que seja bom ou mau por consenso de todos; é que
qualquer um que se encontre no estado natural atende só à sua utilidade e
distingue como lhe convém, e só enquanto tem em conta sua utilidade, o que é
bem e o que é mal e não está obrigado por nenhuma lei a obedecer a ninguém,
senão a si. Por conseguinte, no estado natural não se pode conceber o pecado;
mas sim, no estado civil, em que se distingue pelo consenso comum o que é bom e
o que é mau e cada um é obrigado a obedecer à cidade. Assim, o pecado não é outra coisa que a
desobediência que, por esta razão, é punida só em virtude do direito da cidade;
e, ao contrário, a obediência é
contada ao cidadão como mérito,
porque, por esta mesma razão, é julgado digno de gozar das vantagens da cidade.
Além disso, no estado natural ninguém é senhor de uma coisa por consentimento
comum, nem existe nada na Natureza que possa dizer-se que é deste homem e não
daquele, mas tudo é de todos; e, por conseguinte, no estado natural não pode
conceber-se nenhuma vontade de dar a cada um aquilo que é seu, ou de tirar do
outro o que é seu, isto é, no estado natural nada sucede que possa dizer-se justo ou injusto, mas, sim, no estado civil, em que se discerne, por
consenso comum, ou que é deste ou que é daquele. Por aqui se vê que justo e
injusto, pecado e mérito são noções extrínsecas, não atributos que expliquem a
natureza da alma.”
“Por certo, só uma feroz e triste superstição
proíbe que nos alegremos. Com efeito, em que é que se encontrará maior
conveniência, em apaziguar a fome ou a sede que em expelir a melancolia? Tal é
a minha regra, tal é a minha convicção. Nenhuma divindade, nem ninguém, a não
ser um invejoso, se compraz com a minha impotência e com o meu mal, nem pode
ter na conta de virtude as nossas lágrimas, os nossos soluços, o nosso medo, e
outras coisas deste gênero, que são sinais de um espírito impotente; mas, pelo
contrário, quanto maior for a alegria de que somos afetados, tanto maior é a
perfeição a que passamos, isto é, tanto mais necessário é que nós participemos
da natureza divina. Portanto, usar das coisas é deleitar-se nelas (não até a
náusea, pois isto não é deleitar-se), quanto possível, é próprio do homem
sábio. É próprio do homem sábio – digo – alimentar-se e recrear-se com comida e
bebida moderadas e agradáveis, assim como com os perfumes, a amenidade das
plantas verdejantes, o ornamento, a música, os jogos desportivos, os
espetáculos e outras coisas deste gênero, de que cada um pode usar sem dano
algum para outrem.”
“O vulgo é terrível, se não teme. Por isso,
não é de admirar que os Profetas, que não cuidaram da utilidade de uns poucos
mas da utilidade comum, tenham recomendado tanto a humildade, a penitência e o
respeito. E, na verdade, os que estão sujeitos a estas afecções podem ser muito
mais facilmente que os outros levados a viver, enfim, sob a direção da Razão,
isto é, a serem livres e a gozar da vida dos felizes.”
“Os supersticiosos, que sabem mais censurar
os vícios que ensinar as virtudes e que não procuram conduzir os homens pela
Razão mas contê-los pelo medo de tal maneira que evitem mais o mal que amem as
virtudes, não pretendem outra coisa que tornar os outros tão infelizes como
eles; e, por conseguinte, não é de admirar que eles sejam, a maior parte das
vezes, insuportáveis e odiosos aos homens.”
“Mas, para conseguir isto (suprir as
necessidades do corpo), com dificuldade bastariam as forças de cada um, se os
homens não prestassem os seus serviços uns aos outros. Na realidade, o dinheiro
tornou-se um instrumento de aquisição de todas as coisas. Daí veio que seja
sobretudo a sua imagem que costuma ocupar a alma do vulgo. É que os homens
dificilmente podem imaginar uma espécie de alegria, a não ser acompanhada da
ideia de dinheiro como causa.
Mas este vício é próprio só daqueles que não
procuram o dinheiro por causa da indigência ou das necessidades, mas porque
aprenderam a arte de enriquecer e se orgulham de a possuir. Mas os que conhecem
o verdadeiro uso do dinheiro e regulam a medida das riquezas só pelas suas
necessidades vivem contentes com pouco.”
“Com efeito, a maior parte dos homens parece
acreditar que é livre na medida em que lhe é permitido obedecer às suas
paixões; e que renunciam ao seu direito na medida em que são obrigados a viver
segundo as prescrições da lei divina. Julgam, pois, que a piedade e a religião,
e de uma maneira geral tudo o que se refere à força da alma, são fardos, que
esperam depor depois da morte, para receber o preço da sua escravidão, a saber:
da piedade e da religião. E não é só por esta esperança, mas ainda e sobretudo
pelo medo de serem punidos depois da morte por cruéis suplícios, que eles são
levados a viver segundo as prescrições da lei divina, tanto quanto o permitem a
ligeireza e inconstância do seu espírito. Se os homens não tivessem esta
esperança e este medo, mas se, pelo contrário, acreditassem que as almas morrem
com o corpo e que não resta aos infelizes, que foram acabrunhados pelo fardo da
piedade, uma nova vida, eles voltariam ao seu natural e quereriam regular tudo
segundo as suas paixões, e obedecer ao acaso, de preferência a obedecerem a si
mesmos. O que não me parece menos absurdo do que, se alguém, por não acreditar
que pode alimentar eternamente o seu corpo com bons alimentos, preferisse
saciar-se de venenos e substâncias mortíferas; ou que, por ver que a sua alma
não é eterna, ou seja, imortal, preferisse ser demente e viver sem Razão;
coisas tão absurdas que quase não vale a pena mencioná-las.”
Doney, bom dia
ResponderExcluirEmbora não esteja indicado no post a data da edição deste volume de Espinosa, a consulta à edição de 1983 em PDF comprova que há outros tradutores além dos dois indicados. O primeiro e mais famoso dos tradutores é Marilena Chauí, conhecida como a maior especialista em Espinoza no Brasil.
Seleção de textos de Marilena de Souza Chauí
Traduções de Marilena de Souza Chauí, Carlos Lopes de Mattos,
Joaquim de Carvalho, Joaquim Ferreira Gomes,
Antônio Simões, Manuel de Castro
Abraço
Opa, Gilberto.
ResponderExcluirEste livro contém cinco obras. Quando fui postá-lo tive que dividi-lo, senão ficaria um post muito extenso.
As obras, portanto, estão com seus respectivos tradutores. Por conta disso neste post só estão estes dois - porque só eles traduziram a obra "Ética".
Agradeço a atenciosa observação de qualquer modo.
Oi Doney
ResponderExcluirO que me ocorreu quando vi que a Marilena não aparecia foi lembrar da edição que a Nova Cultural relançou agora nos anos 2000 e que foi uma edição completamente falseada com relação aos tradutores. Inclusive foram denunciados pela Denise Bottmann no seu site "Não gosto de plágio".
Abraço