Editora: Casa Amarela
ISBN: 978-85-868-2155-4
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 108
Sinopse: O jornalista e escritor Palmério Dória
narra suas peripécias nesta autobiografia, desde a infância em Santarém, na
Amazônia, até a chegada ao sudeste brasileiro, em que sua condição de
jornalista o colocou diante de mulheres cintilantes como Vera Fischer, Gretchen,
Narcisa Tamborindeguy, Glória Maria, Brigitte Bardot e muitas outras. Além
delas, passeiam pelo livro figuras políticas como Jânio Quadros, Jader
Barbalho, Heitor Aquino Ferreira e outros.
Filho de goleiro, sobrinho de
goleiros, e ele mesmo um goleiro frustrado, Palmério sempre teve Castilho como
ídolo no futebol. Adorava-o pela firmeza, pelas defesas impossíveis, pelas
pontes e espalmadas. E entendeu-o perfeitamente quando o grande arqueiro,
imortalizado no Fluminense, saltou pela última vez, jogando-se do apartamento
da ex-mulher ao receber o mais duro não, o não do amor.
“Perfeição era o cinema.
Os fundos do cine Olímpia davam para minha casa. A tela ficava praticamente colada
na parede da sala em que eu dormia, geralmente ouvindo os sons dos filmes, os diálogos
ininteligíveis, a trilha sonora, os tiroteios... Para encontrar Super-Homem, Rocky
Lane, Tarzan e Hopalong Cassidy, bastava descer a minha rua e dobrar a esquina.
Pagar eu não pagava, era xodó do seu Loureiro, dono do cinema, uma das figuras mais
benignas do mundo. Ali, a cortina do espetáculo se abria com toque suave da orquestra
de Glenn Miller. Se existia uma realidade era aquela. Tá certo que os chapéus dos
mocinhos e bandidos não caíam nunca, mesmo na maior pancadaria, mas os óculos do
pessoal do Matrix também não caem até hoje.”
“Quase matei o Cornélio.
Não raras vezes almoçava com a família dele. Depois, os mais velhos iam direto para
a sesta. De vez em quando, o Cornélio também desaparecia. Fiquei intrigado e resolvi
segui-lo pelos meandros da casa. Dei com ele no galinheiro, dando uma na pobre galinha,
quase a ponto de gozar ou coisa que o valha. Gritei:
– Cornélio, olha a
tua mãe!
Cornélio estrebuchou
ali na hora, quase teve uma congestão, mas não teve sequelas.”
“Mamãe saiu e ficamos
na varanda ali numa boa com a Ismênia, que sumiu da nossa vista. Daí a pouco ouvimos
um bafafá no quarto dos meus pais. Mamãe tinha voltado e encontrado papai e Ismênia
na cama, na maior farra de cobertor. Eu não conseguia entender nada daquela confusão.
Só ouvia os gritos da minha mãe. Papai saiu do quarto e mamãe continuou gritando
com a Ismênia lá dentro. Aí, mamãe saiu atrás de papai, eu atrás dela. Ele estava
no escritório, descalço, sem camisa, sentado numa cadeira. Parecia brincar com a
Mauser, que ganhara de presente de seu Elias Hage, apontada na têmpora. Mamãe deu
um berro, voou pra cima, bateu na mão dele, a arma disparou. Corri também, e ele
continuava ali sentado, o olhar perdido, um filete de sangue na testa. A bala fez
um buraco redondíssimo na porta de vidro de uma estante.
Não demorou um segundo,
nossa porta estava coalhada de gente que ouviu o disparo. Logo, o padre Prudêncio,
que fiscalizava a vida de Deus e do mundo, adentrou o escritório, de batina marrom-escura
e alpercatas:
– Meu filho, por que
isso?
Papai recobrou a cor,
a dignidade e, com uma energia furibunda, botou o padre no olho da rua, trancou
a porta e foi para o escritório conversar com a mamãe.
Achei muito bacana
papai fazer isso, pois a gente se pelava de medo da Igreja e do padre Prudêncio.
Meus pais, graças a Deus, não eram nada religiosos.”
“Uma cena de pugilato
no pátio do recreio do Colégio do Carmo. De um lado, eu. Do outro, o padre-conselheiro.
Eu sem a camisa de aluno salesiano. Ele com a batina bege arregaçada. O motivo:
só nós dois é que sabíamos.
O rolo começou bem
antes. O padre-conselheiro era confessor das irmãs do Colégio Dom Bosco, também
salesianas, só para meninas, onde fiz minha primeira-comunhão, ainda de calças curtas.
No confessionário contei todas as minhas estripulias sexuais. Mas, ajoelhado ali,
notei que ele ficou especialmente incomodado com essas histórias, principalmente
a da Ita. Pediu para eu repetir tudo, e me deu uma penitência absurda, perto dos
míseros padres-nossos e ave-marias que deu para os outros.
Dali para frente não
deixava de me fuzilar com os olhos toda vez que cruzava comigo em sua Vespa, a caminho
do Dom Bosco, a uma quadra de casa. Enfim, eu sabia porque ele me olhava assim.
Para ele, eu era a encarnação do demo. Eu pressentia que tinha um encontro marcado
com ele nas profundas do inferno. E assim aconteceu.
Eu não usava mais calças
curtas, já era rapazinho quando entrei no Colégio do Carmo, só para homens, no bairro
da Cidade Velha, uma versão de Lisboa em Belém. Era ele quem fazia a chamada das
turmas no pátio do recreio para a entrada nas salas de aula. Ficava num tablado,
com a batina sebenta e os óculos de fundo de garrafa com aros de metal. Ostensivamente,
meia dúzia de vezes olhou pra mim e disse:
– Tu não. Tu esperas.
Eu esperava pacientemente
todo mundo entrar, ali isolado no pátio de areia. Quando não tinha mais ninguém,
ele me liberava. Era uma situação absolutamente insustentável. Meus colegas perguntavam
qual era a dele comigo, mas eu não podia dizer. Como Gary Cooper em Matar ou
Morrer, cheguei naquele dia disposto a encerrar a questão. Em vez de entrar
na sala, gritei:
– Desce dessa porra
e vem cá, filho da puta!
Ele veio arregaçando
a manga, eu tirei a blusa e o pau comeu, para delírio de toda a galera, que saía
das salas para assistir ao espetáculo no pátio central, a gente rolando aos sopapos
na areia. Não demorou muito para que os outros padres, esses de batina negra, apartassem.
Lá estava eu de novo na sala de um padre-diretor por alguns crimes de amor. Claro
que ele queria saber a razão da briga. O padre-conselheiro se fechou em copas. Mas
eu sabia que, se ficasse calado, o meu destino era a expulsão. Abri:
– Ele tá me fazendo
chantagem com uma coisa que eu contei na confissão.
O padre-diretor, um
francês com sotaque carregado, arregalou os olhos, perguntou para o padre-conselheiro
se era verdade, mas ele continuou calado. Então resolveu me dispensar.
Bem, esse padre-conselheiro
não regulava mesmo. Alguns anos depois, ateou fogo na roupa e morreu numa cela do
Hospício Juliano Moreira.”
“Na época, na globo,
todos nós comíamos Vera Fischer... com os olhos. Em todas as ilhas de VT, alguém
estava fazendo, em algum momento, uma cópia do vídeo que pirou a emissora:
Completamente fora
do script, Vera Fischer livra-se da toalha. Marcos Paulo se retrai quando
ela lhe dá um amasso au naturel. Perplexidade, pânico e deslumbramento. Com
Marcos Paulo fora de combate, Vera Fischer começa a dançar no estúdio como se fosse
uma bailarina do Momix. Gira, gira, gira. As câmaras ali ligadas, ela em plena vertigem.
De repente, joga-se no sofá, os joelhos separados. E a câmara fecha ali, na prochaska.
Nesse momento volta a si, fecha as pernas, os olhos arregalados.
A partir daquele momento,
inaugura-se um novo comércio na Globo. O Projac ainda não existia. A produção e
o jornalismo conviviam na Von Martius, no Jardim Botânico. E não havia sala em que
não estivesse circulando uma cópia do VT. Era um ibope maior que o do Fantástico.
Play, roda VT, congela na prochaska. Alguns VTs já estavam amarelados
de tanto uso, nas salas dos altos executivos da Vênus Platinada, nas ilhas de edição.
Reuniões ou festas nas casas de funcionários da Globo eram interrompidas para uma
exibição especial. O “Vale a Pena Ver de Novo” era de manhã, de tarde, de noite.
Nunca uma prochaska
foi tão requisitada em toda a história da televisão. Desde a maconha da lata não
pintava nada tão estimulante para os sentidos em todo o Rio. Mas, assim como a maconha
da lata, também de repente, não mais que de repente, os vídeos de Vera Fischer,
que se multiplicavam mais que os shimus das histórias de Ferdinando, sumiram
de circulação.
Não foi o caso de Vera
Fischer, uma atriz à prova de escândalo. Um episódio como esse, que poderia avacalhar
a vida de qualquer estrela, nem chamuscou a nossa deusa pré-Madonna. Ao contrário.
Mito é mito.
Muitos anos depois,
Vera continuava aprontando. (...)
Resolvi não mais ir
para uma festa no apartamento de Zico Rodrigues e da socialite Ruth Sabbá, em São
Conrado, onde rolou a seguinte cena:
Vera Fischer sobe numa
espécie de baú, levanta o vestido, baixa a calcinha e diz para o empresário da noite
Zeca Priolli, sócio do Canecão:
– Você acha que vai
comer a minha xoxota, velho babaca?
O número se repete
pelo menos três vezes, durante o resto da noite e o começo da manhã, de frente para
o Atlântico.
Detalhe: Zeca Priolli,
tremendo boa-praça e – principalmente – marido de Fátima, uma das mais belas mulheres
do Rio, não é velho nem tampouco babaca. Babaca sou eu, que perdi esse espetáculo.”
Trechos divertidos.
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