Editora: Nova Cultura
Tradução e notas: Amador Cisneiros
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 58
Sinopse: As
várias formas de governo são analisadas à luz do ecletismo filosófico de um dos
maiores nomes do pensamento romano.
“A pátria não nos gerou nem educou sem
esperança de recompensa de nossa parte, e só para nossa comodidade e para
procurar retiro pacífico para a nossa incúria e lugar tranquilo para o nosso
ócio, mas para aproveitar, em sua própria utilidade, as mais numerosas e
melhores faculdades das nossas almas, do nosso engenho, deixando somente o que
a ela possa sobrar para nosso uso privado.”
“– Quem se poderá julgar mais poderoso do que
aquele que nada necessita do que deseja a sua natureza, ou mais rico do que o que
vê serem maus todos os seus desejos, ou mais santo e feliz do que o que se vê
livre de toda perturbação de ânimo, ou quem mais firme na sua fortuna do que
aquele que pode levar consigo mesmo, embora no seu naufrágio, todos os seus
bens? Que império, que magistratura, que reino pode superar o estado daquele
que, contemplando da altura de sua sabedoria todas as coisas humanas a ela
inferiores, só se ocupa com o eterno e o divino, persuadido de que, sendo todos
homens, só o são propriamente os que reúnem os atributos da humanidade?”
“Os astrônomos nem sequer conseguem ver o que
está sob seus próprios pés e querem perscrutar o espaço celeste. Somos
incapazes de compreender esses mistérios, e, se chegássemos a compreendê-los,
não seríamos nem melhores nem mais felizes.”
“– A República coisa do povo, considerando
tal, não todos os homens de qualquer modo congregados, mas a reunião que tem
seu fundamento no consentimento jurídico e na utilidade comum. Pois bem: a
primeira causa dessa agregação de uns homens a outros é menos a sua debilidade
do que um certo instinto de sociabilidade em todos inato; a espécie humana não
nasceu para o isolamento e para a vida errante, mas com uma disposição que,
mesmo na abundância de todos os bens, a leva a procurar o apoio comum.
– Assim, não deve o homem atribuir-se, como
virtude, sua sociabilidade, que é nele intuitiva. Formadas assim naturalmente,
essas associações, como expus, estabeleceram domicílio, antes de mais nada, num
lugar determinado; depois esse domicílio comum, conjunto de templos, praças e
vivendas, fortificado, já pela sua situação natural, já pelos homens, tomou o
nome de cidade ou fortaleza. Todo povo, isto é, toda sociedade fundada com as
condições por mim expostas; toda cidade, ou, o que é o mesmo, toda constituição
particular de um povo, toda coisa pública, e por isso entendo toda coisa do
povo, necessita, para ser duradoura, ser regida por uma autoridade inteligente
que sempre se apoie sobre o princípio que presidiu à formação do Estado. Pois
bem: esse governo pode atribuir-se a um só homem ou a alguns cidadãos
escolhidos pelo povo inteiro. Quando a autoridade está em mãos de um só,
chamamos a esse homem rei e ao poder monarquia;
uma vez confiada a supremacia a alguns cidadãos escolhidos, a constituição se
torna aristocrática; enfim, a sabedoria popular, conforme a expressão
consagrada, é aquela em que todas as coisas residem no povo. Cada um desses
três tipos de governo, se conservar aquele vínculo que uniu primitivamente os
homens em sociedade, pode ser, não digo perfeito ou excelente, mas razoável; e
qualquer um deles pode ser preferido a outro. De fato, um rei justo e sábio, um
número eleito de cidadãos distintos, o próprio povo, embora tal suposição seja
menos favorável, pode, se a injustiça e as paixões não o estorvam, formar um
governo em condições de estabilidade.
– Mas, na monarquia, a generalidade dos
cidadãos toma pouca parte no direito comum e nos negócios públicos; sob a
dominação aristocrática, a multidão goza de muito pouca liberdade, pois está
privada de participar nas deliberações e no poder; por último, quando o povo
assume todo o poder, mesmo supondo-o sábio e moderado, a própria igualdade se
torna injusta desigualdade, porque não há gradação que distinga o verdadeiro
mérito. Por mais que Ciro, o Persa* tenha sido o melhor e o mais virtuoso dos
reis, não me parece o ideal do governo, porque tal é a minha opinião acerca da
coisa pública quando a rege um só homem. Da mesma forma, embora nossos clientes
marselheses estejam governados com a maior justiça por alguns cidadãos eleitos,
há, no entanto, em sua condição algo parecido com a servilidade. Quando os
atenienses, em determinadas épocas, suprimiram o Areópago**, para só
reconhecerem os atos e decretos do povo, não oferecendo a sua República ao
mérito a distinção da linhagem e das honras, não tardou que chegassem à sua
maior decadência.
– Falo assim dessas três formas de governo,
não as considerando desordenadas e em confusão, mas na sua normalidade; e, no
entanto, cada uma tem todos os defeitos que indiquei e outros muitos, pois
todas arrastam a funestos precipícios. Depois de um rei tolerável, e mesmo
digno de amor, como foi Ciro, por exemplo, aparece, como para legitimar seus
escrúpulos, o tirano Faláride***, tipo odioso, ao qual os reis se podem
assemelhar com demasiada facilidade; ao lado da sábia aristocracia de Marselha,
aparece a opressão oligárquica, a fração dos Trinta****, em Atenas; enfim, sem
procurar novos exemplos, a democracia absoluta dos atenienses não viu uma multidão
ébria de licença e furor causar a ruína desse povo?
– Quase sempre o pior governo resulta de uma
confusão da aristocracia, da tirania facciosa do poder real e do popular, que
às vezes faz sair desses elementos um Estado de espécie nova; é assim que os
Estados realizam, no meio de reiteradas vicissitudes, suas maravilhosas
transformações. O sábio tem a obrigação de estudar essas revoluções periódicas
e de moderar com previsão e destreza o curso dos acontecimentos; é essa a
missão de um grande cidadão inspirado pelos deuses. Por minha parte, creio que
a melhor forma política é uma quarta constituição formada da mescla e reunião
das três primeiras.”
*: Fundador do império persa, notável por sua
bravura e magnanimidade.
**: Tribunal supremo de Atenas, composto de
trinta e um membros, encarregado de julgar as causas criminais mais
importantes.
***: Tirano de Agrigento, famoso por sua
extrema crueldade.
****: Os Trinta Tiranos formaram o conselho
oligárquico que os espartanos impuseram aos atenienses depois da vitória de
Lisandro.
“– A liberdade, por exemplo, só pode existir
verdadeiramente onde o povo exerce a soberania; não pode existir essa
liberdade, que é de todos os bens o mais doce, quando não é igual para todos.”
“– O Estado que escolhe ao acaso seus guias é
como o barco cujo leme se entrega àquele dentre os passageiros que a sorte
designa, cuja perda não se faz esperar.”
“– A monarquia nos solicita pela afeição; a
aristocracia, pela sabedoria; o governo popular, pela liberdade, e, nessas condições,
a escolha se torna muito difícil.”
“– A terra firme denuncia, por meio de mil
indícios, a marcha prevista, e até as surpresas do inimigo, que se descobre
pelo ruído de seus passos; e não é atacada tão rapidamente como se pode supor,
sabendo-se, por outra parte, quem é o agressor e de onde vem; por mar, pode
desembarcar uma esquadra antes que se possa advertir a sua proximidade; sua
marcha não denuncia nem sua personalidade, nem sua nação, nem seu objetivo; não
se pode, enfim, distinguir com sinal algum se é ou não amiga.
– São também frequentes, nas cidades
marítimas, a mudança e a corrupção dos costumes, pois os idiomas e comércios
estranhos não importam unicamente mercadorias e palavras, mas também costumes,
que tiram estabilidade às instituições dessas cidades. Os próprios habitantes
são pouco afeitos aos seus lares; suas esperanças e pensamentos os arrastam
para longe, e, quando o corpo descansa, vaga errante o espírito. Não foi outra
a principal causa da decadência de Cartago e de Corinto senão essa vida
errante, essa dispersão dos cidadãos, aos quais a ânsia de navegar e de
enriquecer fez abandonar o cultivo dos campos e o prazer das armas. A
proximidade do mar, com suas importações ou suas vitórias, facilita ao vício
dessas cidades todas as seduções funestas, e o encanto dos sítios marítimos
parece convidar à preguiça e ao fausto e a todas as corrupções enervadoras do
ócio. Mas esses vícios apresentam, por sua vez, uma grande vantagem: a de que,
de todos os pontos do mundo, trazem as ondas os produtos todos do universo, e,
no refluxo, levam aos confins do mundo os produtos dos próprios campos.”
“– No mesmo momento em que um rei se deixa
dominar pela injustiça, converte-se em tirano, e nada é mais horrível e
repulsivo aos deuses e aos homens do que esse animal funesto que, embora com
forma humana, sobrepuja, em ferocidade e crueldade, as mais desapiedadas feras.
Quem dará o título de homem a um monstro que não reconhece comunidade de
direitos para com os outros homens, nem laços que o unam à humanidade?”
“Cipião: – O político prudente é como aquele
homem que vimos na África com frequência, o qual, montando um elefante
gigantesco, o dirige e governa a seu capricho, mais com a vontade do que com os
atos. Assim, um bárbaro, ou um cartaginês, consegue guiar uma fera, uma vez
domesticada e afeita aos hábitos do homem. Mas esse algo que reside no espírito
do homem e que dele faz parte com o nome de inteligência não deve domar somente
uma fera dócil e submissa, mas outra muito mais indômita e terrível; fera
pronta a todo excesso, ébria de sangue, disposta a toda crueldade e que
necessita, para ser guiada, do férreo braço de um varão implacável e forte.
Lélio: – Agora compreendo o cargo destinado
ao varão que eu esperava, e as condições de que necessita.
– Uma só exijo – disse Africano –, pois todas
as outras já estão nele compreendidas: estudar sem descanso; trabalhar sem
trégua pelo seu aperfeiçoamento; procurar que os outros o imitem; e ser, com o
esplendor de sua alma e de sua vida, para os seus concidadãos, como um espelho
aberto. Assim como os sons despertados nas liras e nas flautas, combinados com
o canto e a voz, produzem um conjunto harmônico que agrada ao ouvido
inteligente, ao passo que as dissonâncias o incomodam, assim também um Estado, prudentemente
composto da mescla e equilíbrio de todas as ordens, concorda com a reunião dos
elementos distintos; e o que no canto é chamado pelos músicos de harmonia é, no
Estado, a concórdia, a paz, a união, vínculo sem o qual a República não
permanece incólume, do mesmo modo que nenhum pacto pode existir sem a justiça.”
“Se Xerxes* fez incendiar os templos de
Atenas, foi na firme crença de que era sacrilégio encerrar em estreitas paredes
os deuses, cuja residência era a imensidade dos mundos.”
*: Rei da Pérsia, filho de Dario.
“– Todos os que usurpam o direito de vida e
morte sobre o povo são tiranos; preferem, porém, chamar-se com o nome de reis,
reservado a Júpiter Ótimo.
– Quando as riquezas ou o nascimento, ou
qualquer coisa parecida, fazem predominar na República alguns homens, embora
pretendam chamar-se aristocratas, não passam de facciosos. Quando o povo pode
mais e rege tudo ao seu arbítrio, chama-se a isso liberdade; mas é, na verdade,
licença. Quando um teme o outro, o homem ao homem, a classe à classe, forma-se
entre o povo e os grandes, em consequência desse temor geral, uma aliança de
que resulta o gênero de governo misto, que ontem Cipião tanto elogiava. A
justiça não é filha da natureza, nem da vontade, mas de nossa fraqueza. Se
fosse preciso escolher entre três coisas, cometer injustiças sem sofrê-las, cometê-las
e sofrê-las, ou evitar ambas, o melhor seria cometê-las impunemente; se fosse
possível, portanto, não fazê-las e não sofrê-las, ao passo que o estado mais
miserável seria lutar sempre, quer como opressor, quer como vítima...
– Nenhum povo teria pátria se tivesse de
devolver o que usurpou, exceto os árcades* e os atenienses, que, temerosos, na
minha opinião, de que chegue o dia dessa justiça, supõem ter saído da terra,
como os ratos da imundície dos campos.”
*: Povo de pastores que habitava a Arcádia,
região montanhosa da velha Grécia.
“Se Roma existe, é por seus homens e seus
hábitos.” (Moribus antiquis res stat romana virisque – verso de
Ênio).
“– Nessas cidades, os melhores fogem da
ignomínia e do menosprezo, procurando a estima e o elogio de seus concidadãos.
Na verdade, não os aterram menos as penas mais cruéis, consignadas nas leis, do
que a desonra que repugna à natureza do homem e faz brotar nela um temor
espontâneo. O político hábil procura fortificar esse instinto com a opinião,
com as instituições, com os costumes, para que a consciência do dever seja,
antes que o temor, um poderoso freio.”
“– Contempla essas faixas que, como
cingidouros, circundam a Terra; duas dessas faixas, diversas entre si, se
apoiam em diferentes polos do céu, achando-se cobertas pelo gelo e a neve de um
inverno perpétuo e cruel; em compensação, a que está no centro é maior e arde
ao fogo do sol. Duas são as faixas ou zonas habitáveis: a austral, cujos
habitantes são, por sua posição, opostos a vós, e tão estranhos que parecem não
ser de vossa raça; essa outra parte, por vós habitada, estreita nos vértices e
ampla no centro, não é mais do que uma diminuta ilha, rodeada pelo mar a que na
terra chamais Grande Oceano Atlântico, tão pequeno como vês, apesar de tanto nome.
Mas, no centro mesmo dessas terras conhecidas e habitadas, conseguiu o teu nome
ou de algum dos nossos compatriotas transpor os cumes do Cáucaso ou as ribeiras
do Ganges? Quem no extremo Oriente, ou nos confins de norte a sul do Ocidente,
ouvirá pronunciar o teu nome? E, sobretudo, repara como é estreita a esfera em
que vossa efêmera glória quer dilatar-se. Mesmo os que falam de vós, falarão
muito tempo?”
O livro possui cinco autores distintos – que não só possuem mais de 500 anos de distância entre o mais antigo e o mais recente, como também perpassam variadas posições sociais – filósofos, senador e até mesmo um imperador romano.
ResponderExcluirDesta maneira não haveria como inseri-lo na lista como um único livro, já que na estrutura do blog o elemento classificatório é o autor. Então, para não confundir e desestruturar a lista, as postagens serão divididas consoante os autores, com suas respectivas obras e número de páginas que efetivamente ocupam neste livro.
Texto difícil, mas destaco a parte final: "Quem no extremo Oriente, ou nos confins de norte a sul do Ocidente, ouvirá pronunciar o teu nome? E, sobretudo, repara como é estreita a esfera em que vossa efêmera glória quer dilatar-se. Mesmo os que falam de vós, falarão muito tempo?”
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