Editora: Colecção Mil Folhas
ISBN: 978-85-7232-664-2
Tradução: Maria Teresa Pinto Pereira
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 342
Sinopse: Poucos
meses depois de seu casamento, Constance Chatterley, uma garota criada numa
família burguesa e liberal, vê seu marido partir rumo à guerra. O homem que ela
recebe de volta está paralisado da cintura para baixo, e eles se recolhem na
vasta propriedade rural dos Chatterley. Inteiramente devotado à sua carreira
literária e depois aos negócios da família, Clifford vai aos poucos se
distanciando da mulher. Isolada, Constance encontra companhia no guarda-caças
Oliver Mellors, um ex-soldado que resolveu viver no isolamento após sucessivos
fracassos amorosos.
“Ambas tiveram a sua tentadora história de
amor aos dezoito anos. Os jovens com quem discutiam tão apaixonadamente, com
quem cantavam e acampavam debaixo das árvores em completa liberdade, quiseram,
evidentemente, relações amorosas. As raparigas estavam indecisas, mas era uma
coisa de que se falava muito e parecia ser muito importante. E eles humildes e
insistentes. Por que era que uma rapariga não se havia de se comportar como uma
rainha e conceder as suas graças?
E assim se deram, como mulheres, cada uma ao
jovem com quem tinha discussões mais sutis e íntimas. As conversas, as
discussões, eram o ponto importante. A relação amorosa e a ligação eram apenas
uma espécie de retorno ao primitivo e constituíam anticlímax. Depois, gostaram
menos dos rapazes, e quase sentiam um pouco de ódio, como se eles tivessem
violado a sua intimidade, a sua liberdade interior. Porque, evidentemente, toda
a dignidade e significado da vida de uma rapariga consistia na obtenção de uma
liberdade absoluta, perfeita, pura e nobre. Que mais poderia significar a vida
de uma rapariga, para além da rejeição de velhas e sórdidas ligações e
emancipação de sujeições?
E, apesar de ser possível sentimentalizar, a
parte sexual foi sempre uma das mais antigas e sórdidas ligações e sujeições.
Os poetas que a glorificaram eram na grande maioria homens e as mulheres sempre
souberam que havia algo de melhor e mais nobre. E agora sabiam-no com maior
certeza do que nunca. A bela e pura liberdade de uma mulher era infinitamente
mais maravilhosa do que o amor-sexo. Lamentavelmente, os homens estavam muito
atrasados em relação às mulheres nesse ponto. Insistiam no ato sexual como
cães.
E a mulher tinha de ceder. Um homem era como
uma criança com os seus caprichos. A mulher tinha de lhe dar o que ele queria
ou como uma criança tornar-se-ia provavelmente desagradável e agitar-se-ia com
impaciência e estragaria o que podia ser uma ligação muito agradável. Mas a
mulher podia dar-se a um homem sem que o seu eu interior livre cedesse, e a
este ponto os poetas e os homens que falaram sobre o sexo não deram suficiente
importância. Uma mulher podia conquistar um homem sem se atraiçoar, podia tê-lo
sem se submeter ao seu poder, podia usar o sexo para exercer o seu poder sobre
ele. Bastava retrair-se no ato sexual e deixá-lo terminar e esgotar-se sem ela
ter a sua crise. E então ela podia prolongar o ato e alcançar o orgasmo e a sua
crise, enquanto ele era apenas um instrumento.”
“Os homens, gratos às mulheres pela
experiência física, deram-lhes um pouco das suas almas. Depois, pareciam mais
uma pessoa que perde dez tostões e encontra cinco. O jovem de Connie tinha mau
feitio e o de Hilda era trocista. Mas os homens são assim! Ingratos e sempre
insatisfeitos; se não são aceitos, odeiam a mulher por não os aceitar; se o
são, odeiam-na por qualquer outra razão, ou por nenhuma razão, porque são
crianças descontentes e nada os satisfaz, por mais que a mulher faça.”
“Não havia lugar para expectativa ou
esperança dentro dele. Odiava a esperança. “Uma enorme esperança atravessou a
Terra”, era uma frase que tinha lido não sabia onde, e à qual acrescentou “e destruiu
na sua passagem tudo o que valia a pena”.”
“Parece que o mundo possui imensas
possibilidades, mas estas, na experiência pessoal, ficam reduzidas a muito
poucas.”
“– O exército deixa-me tempo para pensar
e evita que eu tenha de enfrentar a batalha da vida.”
“– É verdade, não se pode viver sem
dinheiro – comentou May. – Tem de se ter algum para se poder
viver, e, para se ser livre, para pensar, é necessário ter dinheiro, senão o
estômago não deixa. Mas acho que o sexo não deve ser rotulado. Somos livres
para falar com quem nos apetece; por que é que não havemos de ser livres, para
fazer amor com uma mulher que nos apetece?
– Fala o celta lascivo – exclamou
Clifford.
– Lascivo? Bem, por que não? Não vejo em
que posso fazer maior mal a uma mulher dormindo com ela do que dançando ou
falando sobre o tempo. É apenas uma troca de sensações em vez de ideias,
portanto qual é o mal?
– A promiscuidade dos
coelhos – respondeu Hammond.
– Por que não? O que é que os coelhos
fazem de mal? São piores do que os homens neuróticos, revolucionários, cheios
de raiva?
– Mas nós não somos
coelhos – insistiu Hammond.
– Exatamente. Tenho uma vida de
espírito. Tenho de fazer cálculos em assuntos de astronomia que me preocupam
quase mais do que a vida ou a morte. Às vezes sofro de indigestão. A fome
far-me-ia muito mal, exatamente como a falta de atividade sexual. Qual seria a
diferença? (...)
– Se sentimos em relação a uma mulher
emoção e simpatia, temos obrigação de dormir com ela – respondeu
May. – É a única coisa decente a fazer, ir para a cama com ela.
Exatamente como quando estamos interessados em falar com alguém, a única coisa
decente é falar. Não colocamos a língua entre os dentes e a mordemos
pudicamente. Se é a vez de falar, fala-se. Com o amor é o mesmo.”
“O ódio é uma coisa que cresce, como todo o
resto. É a consequência inevitável da violência que impomos aos nossos
instintos e sentimentos mais profundos, para estarem de acordo com as nossas
ideias. Guiamo-nos por uma fórmula, como uma máquina. O espírito lógico
pretende ordenar tudo, e esse tudo converte-se em ódio.”
“– Por que é que os homens e as mulheres
de hoje não gostam uns dos outros? (...)
– A mulher quer que um homem goste dela
e fale com ela, mas, ao mesmo tempo, que a ame e a deseje, e parece-me que as
duas coisas se excluem mutuamente.”
“Entretanto, a vida ia passando. Ela
compreendia perfeitamente a razão da existência dos coquetéis, do jazz do
charleston até à exaustão. Era necessário dar um escape à juventude, sob pena
de ela devorar o indivíduo. Horrível, a juventude, quando os jovens se sentem
tão velhos como Matusalém, e, apesar de tudo, qualquer coisa ferve por dentro e
não dá alívio. Que vida! Sem qualquer perspectiva de futuro!”
“Connie dirigiu-se lentamente para Wragby.
Para “casa”! Casa era uma palavra calorosa para aquela enorme barraca triste.
Outrora tivera significado, mas perdera-se. Todas as palavras grandiosas tinham
perdido o significado para a geração de Connie: amor, alegria, felicidade,
casa, mãe, pai, marido – numa agonia prolongada. A casa era o lugar onde se
vivia, o amor uma coisa sobre que não havia ilusões, alegria a palavra que se
aplicava a um bom charleston, felicidade o termo hipócrita para enganar os
outros, o pai um indivíduo que gostava da vida, o marido aquele com quem se
vivia e se compartilhava o bom humor. O sexo, a última das palavras grandiosas,
não passava de um termo de coquetel para traduzir uma excitação que animava por
uns escassos momentos, mas que depois deixava a pessoa mais desprotegida do que
nunca. Um desgaste como se as pessoas fossem feitas de matéria de má qualidade
que se ia desfazendo até ficar em nada.
Tudo o que realmente subsistiu foi um
estoicismo obstinado, de que era possível extrair prazer. A própria experiência
do vazio da vida, fase por fase, etapa por etapa, trazia uma forma tristonha de
satisfação. É assim! – era sempre a última palavra: casa, amor, casamento,
Michaelis: é assim! E à hora da morte, as últimas palavras à vida seriam: é
assim! (...)
“E o dinheiro? Com o dinheiro não se pode
dizer o mesmo, as pessoas sempre quiseram o dinheiro. O dinheiro, o êxito, a
deusa-cadela da Glória – como Tommy Dulkes dizia sempre parafraseando Henry
James –, eram uma necessidade permanente. Não se pode gastar o último tostão e
depois dizer: é assim! Não, porque é preciso dinheiro para isto ou para aquilo,
mesmo que seja para mais dez minutos de vida. Num desenrolar mecânico, para
tudo é preciso dinheiro. É preciso tê-lo, tem de se ter dinheiro. Nada mais
interessa. É assim! Já que não temos culpa de estar vivos, mas como estamos, o
dinheiro é uma necessidade, a única necessidade absoluta. Pode-se passar sem todas
as outras coisas, em caso de emergência, mas não sem dinheiro. Enfaticamente. É
assim!”
“O amor, o sexo, e todo o resto era como se
fossem apenas sorvetes de frutas. Se a pessoa os devorar e os esquecer, se se
convencer que não significavam nada, não significam mesmo. Especialmente o
sexo!... Por uma decisão mental, o problema fica resolvido. Sexo e um coquetel:
duraram mais ou menos o mesmo tempo, tiveram o mesmo efeito e conduziram ao
mesmo fim.”
“As palavras é que violam tudo – as palavras
e as frases feitas que sugavam a seiva das coisas vivas. (...)
Violado! Podia-se ser violado sem o menor
contato. Violado por palavras mortas tornadas obscenas, por ideias mortas
convertidas em obsessões.”
“– Todos os homens são crianças, quando
se conhecem. Lidei com os indivíduos mais rudes que passaram pela mina de
Tevershall. Mas se alguma coisa de mal lhes acontece e precisam que alguém
trate deles, são umas crianças, crianças grandes. Oh, os homens não são muito
diferentes!”
“Connie ouvia longas conversas travadas entre
os dois, a maior parte das vezes era a senhora Bolton quem falava. Revelava-lhe
com todos os pormenores as novidades da aldeia de Tevershall. Não era só
má-língua. Eram também Gaskell, George Eliot, Miss Mitford, tudo isto junto, e
mais umas tantas coisas que ficavam por dizer. Quando começava, a senhora
Bolton era melhor do que qualquer livro sobre a vida das pessoas. Conhecia-as
tão intimamente, interessava-se tanto com o que se passava com elas! Era uma
coisa maravilhosa e humilhante ouvi-la. Ao princípio não se tinha atrevido a
“falar de Tevershall” com Clifford, mas depois da primeira vez, nunca mais
hesitou. Clifford escutava por causa do “material”, que descobriu em grande
quantidade. Connie compreendeu que a pseudogenialidade dele residia exatamente
nisso: uma perspicácia especial para a má-língua sobre as pessoas, inteligente
e aparentemente desconexa. A senhora Bolton evidentemente “falava” de
Tevershall com muito entusiasmo, era levada pelas suas próprias palavras.
Extraordinário tudo o que se passava e que ela sabia. Teria dado para dúzias de
livros.
Connie sentia-se fascinada quando a escutava,
mas logo a seguir um pouco envergonhada. Não devia escutar com aquela estranha
e apaixonada curiosidade. Afinal, era possível ouvir as histórias mais íntimas
de outras pessoas, mas num espírito de respeito por essa coisa que luta e que
sofre: a alma humana. É necessário um espírito de simpatia delicada,
discriminativa. Porque até a sátira é uma forma de simpatia. O que determina
realmente a vida de uma pessoa é exatamente a maneira como a simpatia se dá e
se retira. E neste ponto reside a enorme importância do romance, se for
corretamente manuseado. Pode informar e conduzir a novos lugares a corrente da
nossa consciência complacente e pode libertar a nossa simpatia de coisas já
mortas. Por isso, o romance corretamente manuseado pode revelar os lugares mais
recônditos da vida. E são esses lugares da vida, recônditos, dominados pela
paixão, que a maré do conhecimento sensível deve banhar e neles deve penetrar
para os purificar e refrescar.
Mas o romance, como a má-língua, pode também
excitar simpatias e aversões falsas, mecânicas e insensíveis para o espírito. O
romance pode glorificar os sentimentos mais corruptos, desde que sejam
convencionalmente “puros”. Então o romance, como a má-língua, acaba por se
converter num vício terrível, porque se coloca sempre, e ostensivamente, ao
lado dos anjos. A má-língua da senhora Bolton estava sempre do lado dos anjos.
“Ele era tão mau, e ela era tão boa.” No entanto, Connie percebia, pela maneira
como ela contava as coisas, que a mulher era do tipo de falinhas mansas e que o
homem era colérico mas honesto. Mas a honestidade encolerizada fazia dele um
“homem mau”, e a melifluidade fazia dela uma “mulher boa”, dentro da corrente
de simpatia, viciosa e convencional, da senhora Bolton. E por tudo isto era
humilhante escutá-la. Pela mesma razão, a maior parte dos romances, sobretudo
os populares, são humilhantes. O público só adere quando se apela para os vícios.”
“Não percebo como é que poderia haver
bolchevismo, quando o que todos os rapazes querem é dinheiro para se divertirem
e as raparigas é a mesma coisa e terem bonitos vestidos, não querem saber de
mais nada. Não têm cabeça para ser socialistas nem sabem tomar as coisas a
sério, nem nunca saberão.”
“Regressou ao negrume, ao isolamento do
bosque, sabendo que essa solidão era ilusória. Os ruídos da indústria podiam
quebrá-la, as luzes penetrantes, apesar de ocultas, zombavam dela. Um homem já
não podia estar só. O mundo não permite que haja eremitas. Tendo tomado a
mulher, expusera-se a um ciclo de sofrimento e fatalidade. Sabia por
experiência o que isso significava. A culpa não era da mulher, nem do amor, nem
das relações sexuais. A culpa era de outras coisas, daquelas luzes elétricas
maléficas e dos ruídos ásperos e diabólicos das máquinas, daquele mundo
mecanicamente ávido, daquele mecanismo insaciável e da avidez mecanizada, que
pareciam lucilar e jorrar metal quente e bramir com o tráfico, lá se estendia
aquele mundo diabólico pronto a destruir tudo o que não se lhe submetesse. Em
breve acabaria por destruir o bosque, e as primaveras deixariam de nascer.
Todas as coisas vulneráveis têm de morrer sob o peso do ferro.
Pensou na mulher com uma ternura infinita.
Aquela mulher perdida, bastante mais atraente do que ela julgava. Oh, demasiado
delicada para o meio rude em que vivia integrada. Tinha qualquer coisa de
vulnerabilidade dos jacintos selvagens, não era de borracha e platina como as
raparigas modernas. E acabariam por matá-la! Tal como a vida, acabariam por
matá-la, como a todos os seres vivos, naturais e ternos. Ternos! Ela tinha a
ternura dos jacintos a crescer, e que a mulher de hoje, feita de celuloide,
tinha perdido. Mas ele protegê-la-ia com o seu coração durante um tempo. Até
que o mundo de ferro insensível e o Mamon da cobiça mecanizada os matasse, aos
dois.”
“A agradável Inglaterra! A Inglaterra de
Shakespeare! Não a velha Inglaterra de Shakespeare, mas a de hoje, era o que
descobria Connie, desde que ali vivia. Estava a produzir uma nova raça da
humanidade, hipersensível ao dinheiro e aos aspectos sociais e políticos, mas
morta em relação a tudo o que é espontâneo e intuitivo. Uma raça de cadáveres
dotados de uma consciência terrível e persistente. Tudo aquilo tinha qualquer
coisa de sinistro, de obscuro. Era um mundo subterrâneo, imperscrutável. Como é
possível captar as reações dos cadáveres? Connie quando viu as grandes
camionetas cheias de operários da siderurgia de Sheffield, semelhantes a
homens, uns seres estranhos, deformados e um tanto baixos, que iam numa
excursão a Matlock, sentiu-se desmaiar, e pensou: “Meu Deus, o que o homem pode
fazer ao homem! O que os seus chefes fizeram aos homens seus iguais!
Reduziram-nos a qualquer coisa abaixo do humano, e não pode haver fraternidade
entre eles. Que pesadelo!”
Sentiu-se de novo invadida por uma onda
assustadora da inutilidade cinzenta e fragmentada de todas as coisas. Aqueles
seres constituíam a massa industrial, os outros que ela conhecia, as classes
dirigentes, não havia nenhuma esperança... já não havia nenhuma esperança.”
“Quando conhecemos bem os homens, chegamos
sempre à conclusão que são demasiado sensíveis onde não deviam ser.”
“Em tempo de guerra não se limpam armas.”
“– Quando penso que o mundo está
condenado e se condenou pela sua baixeza, sinto que as colônias não estão
suficientemente longe. Nem mesmo a Lua está longe, porque mesmo de lá se pode
ver a Terra suja, brutal e insípida entre as outras estrelas, a Terra que os
homens fizeram ignóbil. Sinto que engoli fel, que me devora, e nenhum lugar é
suficientemente afastado para nos podermos refugiar. Mas de cada vez que
recomeço, esqueço-me do resto. É vergonhoso o que vem a acontecer às pessoas
nestes últimos cem anos: os homens transformados em insetos de trabalho,
destituídos de humanidade, de vida. Eu eliminaria todas as máquinas da face da
Terra, acabaria com a era industrial, como se fosse um erro lamentável. Mas,
como o não posso fazer, nem ninguém, quero viver em paz a minha própria vida,
se é que a tenho, o que duvido.”
“– E o seu marido? Também tinha de o
estimular e mimar como se fosse uma criança? – perguntou, fitando a outra
mulher.
– Bem, tinha de o adular um pouco. Mas
ele percebia muito bem que tinha de ceder, e, geralmente, cedia.
– Não era mandão e autoritário?
– Não. Por vezes tinha uma expressão
autoritária e eu percebia que tinha de ceder. Mas, geralmente, quem cedia era
ele. Não, nunca foi autoritário nem mandão, mas eu também não era. Sabia muito
bem quando não devia insistir com ele, e cedia. Embora por vezes me custasse.
– E se tinha de discutir com ele?
– Não sei, nunca discuti. Mesmo quando
ele não tinha razão, se o via convencido, cedia. Sabe, eu não queria destruir o
que existia entre nós. E se uma mulher se opõe à vontade de um homem, não se
entendem. Quando se gosta de um homem é necessário ceder, se ele está realmente
determinado, tenha ou não razão. Senão quebra-se qualquer coisa. Mas devo
confessar que o Ted cedia muitas vezes, quando me via determinada, mesmo que eu
não tivesse razão. É o mesmo de parte a parte.”
“As pessoas! As pessoas eram todas iguais,
com pequenas diferenças. Só queriam dinheiro.”
“Temos uma vasta população industrial que tem
de ser alimentada, portanto a máquina tem de continuar a trabalhar, custe o que
custar. As mulheres protestam mais do que os homens, e com mais convicção. Os
homens não têm energia, sentem-se como que perseguidos, mas não reagem. De
resto, nenhum saberia o que fazer, embora todos falem. Os jovens queixam-se de
não ter dinheiro para gastar. A vida deles depende exclusivamente do dinheiro,
e não o têm. Na nossa civilização, e devido à nossa educação, a massa depende
inteiramente do dinheiro que pode gastar, e agora há pouco. As mulheres estão
desesperadas, mas também são as que gostam de gastar dinheiro.
Se ao menos fosse possível explicar-lhes que
viver e gastar dinheiro não significa o mesmo! Mas não vale a pena. Se lhes
ensinassem a viver em vez de pensarem em gastar dinheiro, poderiam viver mais
felizes com os seus vinte e cinco xelins por semana. Se os homens usassem
calças vermelhas, como eu costumo dizer, não pensariam tanto no dinheiro.
Podiam dançar, saltar e cantar, pavonear-se e ser elegantes e precisariam de
pouco dinheiro. E poderiam divertir as mulheres e as mulheres poderiam
diverti-los. Deviam aprender a ser nus e belos, a cantar e a dançar em grupos,
a fabricar os seus instrumentos, a bordar os seus emblemas. E não precisariam
de dinheiro. Esta é a única solução para o problema industrial: treinar as
pessoas para conseguirem viver, e viver bem, sem necessidade de gastar. Mas é
impossível. Hoje em dia as pessoas são limitadas, e a grande massa nem mesmo
procura pensar, porque não sabe: devia ser viva e alegre e adorar o deus Pan,
que é o grande deus das massas. A elite pode ter outros cultos, mas seria
melhor que as massas fossem pagãs.
Mas os mineiros não são pagãos, muito longe
disso. São uma gente triste, morta, morta para o amor, para a vida. Os mais
jovens andam com as raparigas nas motos e vão dançar jazz quando podem. Mas
estão mortos por dentro. Para tudo precisam de dinheiro, e o dinheiro envenena
quando se tem e quando não se tem.”
Gostei bastante dos trechos, muito bom!
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