Editora: Companhia das Letras
ISBN: 978-85-716-4606-3
Tradução: Rosaura Eichenberg
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 448
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Sinopse: Assombrado
com a escuridão que parece tomar conta do mundo, onde explicações
pseudocientíficas e místicas ocupam cada vez mais os espaços dos meios de
comunicação, Carl Sagan acende a vela do conhecimento científico para tentar
iluminar os dias de hoje e recuperar os valores da racionalidade. Em meio a
anjos e ETs, astrólogos e médiuns, fundamentalismos religiosos e filosofias
alternativas, dois mais dois continuam a ser quatro e as leis da mecânica
quântica permanecem valendo em qualquer parte do planeta. Este livro é uma
reafirmação plena do poder positivo e benéfico da ciência e da tecnologia.
“Na Universidade de Chicago, também tive a
sorte de participar de um programa de educação geral planejado por Robert M.
Hutchins, em que a ciência era apresentada como parte integrante da magnífica
tapeçaria do conhecimento humano. Considerava-se impensável que alguém
desejasse ser físico sem conhecer Platão, Aristóteles, Bach, Shakespeare,
Gibbon, Malinowski e Freud – entre muitos outros. Numa aula de introdução à
ciência, a visão de Ptolomeu de que o Sol gira ao redor da Terra era
apresentada de forma tão convincente que alguns estudantes se flagravam
reavaliando seu compromisso com a teoria de Copérnico. No currículo de
Hutchins, o status dos professores não tinha quase nada a ver com a sua
pesquisa; inflexivelmente – ao contrário do padrão moderno da universidade
norte-americana –, os professores eram avaliados pelo seu ensino, pela sua
capacidade de informar e inspirar a próxima geração.”
“Toda a nossa ciência, comparada com a
realidade, é primitiva e infantil – e, no entanto, é a coisa mais preciosa que
temos.” (Albert Einstein)
“Nos tempos pré-agrícolas dos
caçadores-coletores, a expectativa de vida humana era cerca de 20... 30 anos.
Essa era também a expectativa de vida na Europa ocidental no final do Império
Romano e na Idade Média. Ela só aumentou para quarenta por volta de 1870.
Chegou a cinquenta em 1915, a sessenta em 1930, a setenta em 1955, e está se
aproximando de oitenta hoje em dia (um pouco mais para as mulheres, um pouco
menos para os homens). O resto do mundo está repetindo o incremento europeu da
longevidade. Qual é a causa dessa transição humanitária espantosa e sem
precedentes? A teoria microbiana das doenças, as medidas de saúde pública, os
remédios e a tecnologia médica. A longevidade talvez seja a melhor medida da
qualidade física da vida. (Se você está morto, pouco pode fazer para ser
feliz.) Essa é uma dádiva preciosa da ciência à humanidade – nada menos do que
o dom da vida.”
“Onde a ignorância é uma bênção é uma loucura
ser sábio”. (Thomas Gray)
“Uri Geller, o paranormal entortador de
colheres e canalizador de extraterrestres, vem de Israel. À medida que crescem
as tensões entre os secularistas argelinos e os fundamentalistas muçulmanos
aumenta o número de gente que consulta discretamente os dez mil adivinhos e
clarividentes (dos quais perto da metade operam com licença do governo). Altos
funcionários franceses, incluído um antigo presidente da República, ordenaram o
investimento de milhões de dólares em uma empresa fraudulenta (o escândalo da
Elf-Aquitaine) que se propunha a encontrar novas reservas de petróleo do ar. Na
Alemanha há preocupação pelos “raios da Terra” cancerígenos que a ciência não
detecta; só podem ser captados por adivinhos experientes brandindo forquilhas.
Nas Filipinas floresce a “cirurgia psíquica”. Os fantasmas são uma obsessão
nacional na Grã-Bretanha. Desde a segunda guerra mundial, o Japão viu
proliferarem uma enorme quantidade de novas religiões que prometem o
sobrenatural. O número estimado de adivinhos que prosperam no Japão é de cem
mil, com uma clientela majoritária de mulheres jovens. A Aum Shirikyo, uma
seita que se supõe estar envolvida no atentado com gás sarin no metrô de Tókio
em março de 1995, conta entre seus principais dogmas a levitação, a cura pela
fé e a percepção extra-sensorial (EPS). Os seguidores bebiam, a um alto preço,
a água do “lago milagroso”... do banho de Asahara, seu líder. Na Tailândia se
tratam enfermidades com pastilhas fabricadas com as Escrituras Sagradas
pulverizadas. Ainda hoje se queimam “bruxas” na África do Sul. As forças
australianas que mantêm a paz no Haiti resgataram uma mulher atada a uma
árvore; ela é acusada de voar de telhado em telhado e de sugar o sangue das
criancinhas. A astrologia é disseminada na Índia, a geomancia muito difundida
na China.”
“Um dos grandes mandamentos da ciência é:
“Desconfia dos argumentos que procedem da autoridade”.”
“Se você quiser saber quando será o próximo eclipse
do Sol, pode procurar mágicos ou místicos, mas terá melhor sorte com os
cientistas. Eles lhe dirão onde se posicionar na Terra, quando terá de estar
nesse lugar, e se vai ser um eclipse parcial, total ou anular. Eles conseguem
prever rotineiramente um eclipse solar, com exatidão de minutos, um milênio
antes. Você pode ir ao feiticeiro-curandeiro para que ele desfaça o feitiço que
causa a sua anemia perniciosa, ou pode tomar vitamina B12. Se quiser salvar o
seu filho da poliomielite, pode rezar ou pode lhe vacinar. Se está interessado
em saber o sexo da criança antes do nascimento, pode consultar todas as
oscilações do chumbo na linha de prumo (esquerda/direita, um menino; para
frente/para trás, uma menina – ou talvez seja o contrário), mas elas acertarão,
em média, apenas uma a cada duas vezes. Se quiser uma precisão real (nesse
caso, de 99%), tente amniocentese e o ultrassom. Tente a ciência.
Pense em quantas religiões tentam se validar
com profecias. Pense em quantas pessoas se baseiam nestas, por mais vagas e
irrealizadas que sejam, para fundamentar ou sustentar as suas crenças.”
“Qual é o segredo do sucesso da ciência? Em
parte, é esse mecanismo embutido de correção de erros. Não existem questões
proibidas na ciência, assuntos delicados demais para ser examinados, verdades
sagradas. Essa abertura para novas ideias, combinada com o mais rigoroso exame
cético de todas as ideias, separa o joio do trigo.”
“Um extraterrestre, recém-chegado à Terra –
examinando o que em geral apresentamos às nossas crianças na televisão, no
rádio, no cinema, nos jornais, nas revistas, nas histórias em quadrinhos e em
muitos livros – poderia facilmente concluir que fazemos questão de lhes ensinar
assassinatos, estupros, crueldades, superstições, credulidade e consumismo.
Continuamos a seguir esse padrão e, pelas constantes repetições, muitas das
crianças acabam aprendendo essas coisas. Que tipo de sociedade não poderíamos
criar se, em vez disso, lhes incutíssemos a ciência e um sentimento de
esperança?”
“John Mitchell, um britânico entusiasta do
oculto, diz que “condicionados por crenças racionalistas, nossa visão do mundo
é mais insossa e limitada do que pretendia a natureza”. Mitchell não revela
mediante quais processos ele sondou as intenções da natureza.”
““Um sinal inequívoco do amor à verdade –
escrevia John Locke em 1690—, é não manter nenhuma proposição com maior
segurança do que garantem as provas nas quais se apoia.” No tema dos óvnis,
qual é a força das provas?”
“Eu me interessara pela possibilidade de vida
extraterrestre desde a infância, desde muito antes de ouvir falar de discos
voadores. Continuei fascinado por muito tempo depois que diminuiu meu primeiro
entusiasmo pelos UFOs – quando compreendi melhor este professor desumano
chamado método científico: tudo depende da questão da evidência. Sobre um tema
tão importante, a evidência deve ser irrefutável. Quanto mais desejamos que
seja verdade, mais cuidadosos temos que ser. Nenhum depoimento de testemunhas é
bom o suficiente. As pessoas cometem erros. As pessoas fazem brincadeiras. As
pessoas exageram a verdade para conseguir dinheiro, atenção ou fama. As pessoas
de vez em quando compreendem errado o que veem. As pessoas às vezes até veem
coisas que não existem. (...)
Como foi revelado por repetidas pesquisas de
opinião, durante anos, a maioria dos norte-americanos acredita que estamos
sendo visitados por seres extraterrestres que se deslocam em UFOs. Numa
pesquisa Roper de 1992, que abrangeu 6 mil adultos norte-americanos –
especialmente encomendada por aqueles que tomam as histórias de rapto por
alienígenas ao pé da letra –, 18% informaram terem às vezes acordado
paralisados, cientes da presença de um ou mais seres estranhos no quarto. Cerca
de 13% relatam episódios estranhos de lapsos de memória e 10% afirmam terem
voado pelo ar sem ajuda mecânica. Só por esses resultados, os patrocinadores da
pesquisa concluem que 2% de todos os norte-americanos foram raptados, muitos
mais de uma vez, por seres de outros mundos. Se os entrevistados haviam sido
sequestrados por alienígenas, é uma pergunta que nunca lhes foi realmente
proposta.
Se acreditarmos na conclusão tirada por
aqueles que financiaram e interpretaram os resultados dessa pesquisa, e se os
alienígenas não têm preferência exclusiva pelos norte-americanos, o número de
raptos em todo o planeta atinge mais de 100 milhões de pessoas. Isso significa
um sequestro a cada fração de minuto durante as últimas décadas. É
surpreendente que a maioria dos vizinhos não tenha percebido nada. (...)
Repetidos levantamentos demonstraram que 10%
a 25% das pessoas comuns, de comportamento normal, experimentaram, pelo menos
uma vez em sua vida, uma alucinação muito vívida – em geral escutaram uma voz,
ou viram uma forma quando nada havia ao seu redor. Mais raramente, as pessoas sentem
um aroma obsessivo, escutam música, ou recebem uma revelação que lhes advém
independentemente dos sentidos. Em alguns casos, essas sensações se tornam
acontecimentos pessoais transformadores ou profundas experiências religiosas.
As alucinações podem ser uma passagem negligenciada para a compreensão
científica do sagrado.
Provavelmente, não foram poucas as vezes,
desde a morte de ambos, que escutei minha mãe ou meu pai me chamar num tom de
voz coloquial. É claro que eles me chamavam com frequência durante nossa vida
comum – para fazer qualquer tarefa, para jantar ou para ouvir comentários sobre
um acontecimento do dia. Ainda sinto tanta saudade deles que não me parece de
modo algum estranho que minha mente recupere de vez em quando uma lembrança
lúcida de suas vozes. Alucinações mundanas são comuns.”
“A ideia da aplicação democrática do
ceticismo é que todos deveriam ter as ferramentas essenciais para avaliar
efetiva e construtivamente as alegações de quem se diz possuidor do conhecimento.
O que a ciência exige é tão-somente que façamos uso dos mesmos níveis de
ceticismo que empregamos ao comprar um carro usado ou ao julgar a qualidade dos
analgésicos ou da cerveja pelos seus comerciais na televisão.
Mas as ferramentas do ceticismo em geral não
estão à disposição dos cidadãos de nossa sociedade. Mal são mencionadas nas
escolas, mesmo quando se trata de ciência, que é seu usuário mais ardoroso,
embora o ceticismo continue a brotar espontaneamente dos desapontamentos da
vida diária. A nossa política, economia, propaganda e religiões (Antiga e Nova
Era) estão inundadas de credulidade. Aqueles que têm alguma coisa para vender,
aqueles que desejam influenciar a opinião pública, aqueles que estão no poder,
diria um cético, têm um interesse pessoal em desencorajar o ceticismo.”
“A Agência de Segurança Nacional (NSA)
monitora telefones, rádios e outros meios de comunicação tanto de amigos como
de adversários dos Estados Unidos. Sub-repticiamente, lê a correspondência do
mundo. Seu movimento de interceptações diárias é imenso. Em épocas de tensão,
enormes grupos de funcionários da NSA, fluentes nas línguas importantes, ficam
sentados com fones de ouvido, monitorando em tempo real todas as informações,
desde comandos cifrados do estado-maior da nação-alvo até conversas íntimas. Em
relação a outros materiais, há palavras-chave que fazem os computadores
selecionarem, para escrutínio humano, mensagens ou conversas específicas de
interesse atual urgente. Tudo é armazenado, de modo que seja retrospectivamente
possível voltar às fitas magnéticas – para se pesquisar a primeira aparição de
um código, por exemplo, ou a responsabilidade de um comando numa crise. Algumas
das interceptações são feitas a partir de postos de escuta em países vizinhos
(a Turquia no caso da Rússia, a Índia no caso da China), em aviões e navios que
estejam patrulhando por perto, ou em satélites de observação na órbita da
Terra. Há uma dança contínua de medidas e contramedidas entre a NSA e os
serviços de segurança de outras nações, que compreensivelmente não desejam que
suas conversas sejam escutadas.”
“O sigilo, com poucas exceções, é
profundamente incompatível com a democracia e a ciência.”
“Uma operação de acobertamento para manter
quase inteiramente secretas por 45 anos as informações sobre vida
extraterrestre ou raptos por alienígenas, com centenas, se não milhares, de
funcionários do governo a par das histórias, é algo extraordinário. É
certamente rotina manter segredos no governo, até mesmo segredos de substancial
interesse geral. Mas o ponto ostensivo desse sigilo é proteger o país e seus
cidadãos. Em nosso caso, porém, é diferente. A suposta conspiração das
autoridades é para impedir que os cidadãos fiquem sabendo de um contínuo ataque
alienígena à espécie humana. Se os extraterrestres estivessem realmente
raptando milhares de nós, seria muito mais do que uma questão de segurança
nacional. Causaria um impacto sobre a segurança de todos os seres humanos em
toda a Terra. Dadas essas condições, será plausível supor que, em quase
duzentas nações, tendo conhecimento e evidências reais, ninguém abrisse a boca
para defender os seres humanos, em vez de tomar o partido dos alienígenas?
Desde o fim da Guerra Fria, a NASA tem atuado
erraticamente, tentando encontrar missões que justifiquem sua existência –
especialmente uma boa razão para enviar seres humanos no espaço. Se a Terra
estivesse sendo visitada diariamente por alienígenas hostis, a NASA não
agarraria essa oportunidade de aumentar seus financiamentos? E, se uma invasão alienígena
estivesse em andamento, por que a Força Aérea, tradicionalmente liderada por
pilotos, desistiria do voo espacial tripulado e lançaria todas as suas cargas
úteis em impulsores auxiliares sem tripulação?
Consideremos a antiga Organização da Iniciativa
de Defesa Estratégica, encarregada do projeto “Guerra nas Estrelas”. Está
passando por tempos difíceis no momento, particularmente em seu objetivo de
instalar defesas no espaço. Seu nome e perspectiva foram rebaixados. Hoje em
dia chama-se Organização de Defesa contra Mísseis Balísticos. Já não se reporta
diretamente ao secretário de Defesa. É manifesta a incapacidade dessa
tecnologia para proteger os Estados Unidos contra um ataque maciço de mísseis
com armas nucleares. Mas pelo menos não tentaríamos instalar defesas no espaço,
se estivéssemos enfrentando uma invasão alienígena?
O Departamento de Defesa, como os ministérios
semelhantes em todas as outras nações, prospera devido aos inimigos, reais ou
imaginários. É extremamente implausível que a existência de um adversário desse
porte fosse abafada pela própria organização que mais se beneficiaria com a sua
presença.”
“De vez em quando recebo uma carta de alguém
que está em “contato” com extraterrestres. Sou convidado a “lhes fazer qualquer
pergunta”. E assim, com o passar dos anos, acabei preparando uma pequena lista
de questões. Os extraterrestres são muito adiantados, lembrem-se. Por isso faço
perguntas como: “Por favor, dê uma prova breve do último teorema de Fermat”. Ou
a conjetura de Goldbach. E depois tenho de explicar do que se trata, porque os
extraterrestres não devem conhecer esses problemas por esses nomes. Assim,
escrevo a equação simples com os expoentes. Nunca recebo resposta. Por outro
lado, se pergunto coisas como “Deveríamos ser bons?”, quase sempre obtenho uma
resposta. Esses alienígenas sentem-se extremamente felizes em responder
qualquer questão vaga, especialmente envolvendo juízos morais convencionais.
Mas acerca de qualquer problema específico, em que há uma chance de descobrir se
eles realmente sabem algo mais do que a maioria dos humanos, há apenas o
silêncio. Podem-se tirar algumas deduções dessa capacidade diferenciada de
responder perguntas.
Nos bons e velhos tempos, antes do paradigma
do rapto por alienígenas, as pessoas levadas a bordo dos UFOs recebiam sermões
edificantes sobre os perigos da guerra nuclear, pelo menos era o que relatavam.
Hoje em dia, quando tais instruções são ministradas, os extraterrestres parecem
fixados na degradação ambiental e na AIDS. O que me pergunto é como os
ocupantes dos UFOs podem estar tão ligados nos interesses urgentes ou em moda
sobre esse planeta? Por que nem sequer um aviso incidental sobre os CFCs e a
diminuição da camada de ozônio nos anos 50, ou sobre o vírus HIV nos anos 70,
quando o alerta poderia ter feito realmente algum bem? Por que não nos advertir
agora sobre alguma ameaça ao meio ambiente ou à saúde pública que ainda não
descobrimos? Será possível que os extraterrestres só conheçam o que conhecem
aqueles que relatam a sua presença? E, se um dos principais objetivos das
visitas alienígenas é alertar sobre os perigos globais, por que falar apenas a
algumas pessoas cujos relatos são de qualquer forma suspeitos? Por que não
tomar as redes de televisão por uma noite, ou aparecer com audiovisuais de
alertas bem vigorosos diante do Conselho de Segurança da Organização das Nações
Unidas? Certamente isso não seria muito difícil para quem atravessa voando
milhares de anos-luz.”
“A maioria de nós se lembra do terror
experimentado, com dois anos de idade ou já mais velhos, diante dos “monstros”
de aparência real, mas inteiramente imaginários, sobretudo à noite ou no
escuro. Ainda me recordo de ocasiões em que ficava totalmente aterrorizado,
escondido sob os lençóis até não poder mais aguentar, quando então disparava
para a segurança do quarto de meus pais – isso se conseguisse chegar antes de
cair nas garras da... Presença.
O caricaturista norte-americano Gary Larson,
que explora o gênero do horror em seus desenhos, escreve a seguinte dedicatória
em um de seus livros:
Quando era menino, a nossa casa era repleta
de monstros. Eles viviam nos armários, embaixo das camas, no sótão, no porão e
– quando estava escuro – praticamente em toda parte. Este livro é dedicado a
meu pai, que me manteve a salvo de todos eles.”
“O temor das coisas invisíveis é a semente
natural do que cada um chama para si mesmo de religião”. (Thomas Hobbes, Leviatã,
1651)
“O papa Inocêncio VIII nomeou os inquisidores
Kramer e Sprenger para escreverem uma análise abrangente sobre bruxaria,
utilizando toda a artilharia acadêmica do final do século XV. Com citações
exaustivas das Escrituras e de eruditos antigos e modernos, eles produziram oMalleus
maleficarum, o “Martelo das bruxas” – descrito apropriadamente como um dos
livros mais terríveis da história humana.
Thomas Ady, em A candle in the dark (Uma
vela na escuridão), qualificou-o de “doutrinas & invenções infames”,
“mentiras e impossibilidades horríveis”, servindo para esconder “uma crueldade
sem paralelo dos ouvidos do mundo”. O que Malleus dizia, mais
ou menos, é que, se a pessoa for acusada de bruxaria, ela é uma bruxa. A
tortura é um meio infalível de demonstrar a veracidade da acusação. O réu não
tem direitos. Não há oportunidade de acareação com os acusadores. Pouca atenção
é dada à possibilidade de que as acusações sejam causadas por objetivos ímpios:
inveja, vingança ou a ganância dos inquisidores, que rotineiramente confiscavam
para seu proveito pessoal as propriedades do acusado. Esse manual técnico para
torturadores também inclui métodos de castigo talhados para liberar os demônios
do corpo da vítima, antes que o processo a matasse. Com o Malleus na
mão e o incentivo do papa garantido, os inquisidores começaram a surgir por
toda a Europa.
Os processos rapidamente se converteram em
uma proveitosa fraude. Todos os custos da investigação, julgamento e execução
eram pagos pela acusada ou seus parentes: até as diárias dos detetives
particulares contratados para espioná-la, o vinho para os seus guardas, os
banquetes para os seus juízes, as despesas de viagem de um mensageiro enviado
para buscar um torturador mais experiente em outra cidade; os feixes de lenha,
o alcatrão e a corda do carrasco. Além disso, os membros do tribunal ganhavam
uma gratificação para cada feiticeira queimada. O que sobrava das propriedades
da bruxa condenada, se ainda houvesse alguma coisa, era dividido entre a Igreja
e o Estado. Quando esse assassinato e roubo em massa, legal e moralmente
sancionados, se tornaram institucionalizados, surgiu uma imensa burocracia para
servi-lo, e a atenção se desviou das velhas megeras pobres para os membros das
classes média e alta de ambos os sexos.
Quanto mais as pessoas – sob tortura –
confessavam participar de bruxarias, mais difícil ficava sustentar que toda a
história não passava de fantasia. Como cada uma das “bruxas” era forçada a
implicar outras, o número crescia exponencialmente. Tudo isso constituía
“provas assustadoras de que o Diabo ainda está vivo”, como mais tarde se
afirmou na América do Norte por ocasião dos julgamentos das bruxas de Salem. Em
uma era de credulidade, o testemunho mais fantástico era levado a sério – de
que dezenas de milhares de bruxas tinham se reunido para celebrar em praças
públicas da França, ou de que 12 mil feiticeiras escureceram os céus ao voar
para a Terra Nova. A Bíblia tinha aconselhado: “Não deves tolerar que uma bruxa
viva”. Legiões de mulheres foram queimadas até a morte.* E as torturas mais
horrendas eram rotineiramente aplicadas a todas as rés, jovens ou velhas,
depois que os padres abençoavam os instrumentos de tortura. O próprio Inocêncio
morreu em 1492, após tentativas frustradas de mantê-lo vivo por meio de
transfusões (o que resultou na morte de três meninos) e amamentação no peito de
uma ama-de-leite. Foi pranteado pela amante e pelos filhos de ambos.”
(*) A Santa Inquisição adotava esse método
de execução aparentemente para garantir uma concordância literal com uma
bem-intencionada sentença da lei canônica (Concílio de Tours, 1163: “A Igreja
abomina o derramamento de sangue”).
“Nos julgamentos das bruxas, evidências
atenuantes ou testemunhas de defesa eram inadmissíveis. De qualquer modo, era
quase impossível apresentar álibis convincentes para as bruxas acusadas: as
regras das provas tinham um caráter especial. Por exemplo, em mais de um caso o
marido atestava que sua mulher estava dormindo nos braços dele no exato momento
em que era acusada de estar brincando com o diabo num sabá de bruxas; mas o
arcebispo explicava pacientemente que um demônio tomara o lugar da mulher. Os
maridos não deviam imaginar que seus poderes de percepção podiam superar os
poderes da simulação de Satã. As mulheres belas e jovens eram enviadas
forçosamente à fogueira.
Havia fortes elementos eróticos e misóginos –
como era de se esperar numa sociedade sexualmente reprimida e dominada pelos
homens, em que os inquisidores eram tirados da classe de padres pretensamente
celibatários. Nos julgamentos, prestava-se bastante atenção à qualidade e à
quantidade de orgasmos nas supostas cópulas das rés com os demônios ou com o
Diabo (embora Agostinho tivesse se mostrado seguro de que “não podemos chamar o
Diabo de fornicador”), e à natureza do “membro” do Diabo (frio, em todos os
relatos). As “marcas do Diabo” eram encontradas “em geral sobre os seios ou nas
partes pudendas”, segundo o livro escrito por Ludovico Sinistrari em 1700. Em
consequência, raspavam-se os pelos púbicos e as genitálias eram cuidadosamente
inspecionadas por inquisidores do sexo masculino. Na imolação da jovem de vinte
anos, Joana D’Arc, depois que seu vestido pegou fogo, o carrasco de Rouen
apagou as chamas para que os espectadores pudessem ver “todos os segredos que
podem ou devem existir numa mulher”.
A crônica dos que foram consumidos pelo fogo,
somente na cidade alemã de Würtzburg, e apenas no ano de 1598, apresenta estatísticas
e permite que nos confrontemos com um pouco da realidade humana:
O intendente do Senado, chamado Gering; a
velha sra. Kanzler; a gorda mulher do alfaiate; a cozinheira do sr. Mengerdorf;
um estranho; uma mulher estranha; Baunach, senador, o cidadão mais gordo de Würtzburg;
o velho ferreiro da corte; uma velha; uma menina de nove ou dez anos; uma
menina mais moça, sua irmãzinha; a mãe das duas meninas acima mencionadas; a
filha de Liebler; a filha de Goebel, a menina mais bonita de Würtzburg; um estudante
que sabia muitas línguas; dois meninos do Minster, cada um com doze anos; a
filhinha de Stepper; a mulher que guardava o portão da ponte; uma velha; o
filhinho do intendente do conselho da cidade; a mulher de Knertz, o açougueiro;
a filhinha de colo do dr. Schultz; uma menina cega; Schwartz, cônego em
Hatch...
E assim por diante. Alguns recebiam atenção
humanitária especial: “A filhinha de Valkenberger foi executada e queimada
privadamente”. Houve 28 imolações públicas, cada uma com quatro a seis vítimas
em média, nessa pequena cidade num único ano. Isso era um microcosmo do que
estava acontecendo por toda a Europa. Ninguém sabe quantos foram mortos ao todo
– talvez centenas de milhares, talvez milhões. Os responsáveis pela acusação,
tortura, julgamento, morte na fogueira e justificação eram altruístas.
Perguntem a eles.
Eles não podiam estar errados. As confissões
de bruxaria não podiam ser alucinações, por exemplo, nem tentativas
desesperadas de satisfazer os inquisidores e interromper a tortura. Nesse caso,
explicava o juiz de bruxas Pierre de Lancre (em seu livro de 1612, Description
of the inconstancy of evil angels – Descrição da inconstância dos
anjos maus), a Igreja católica estaria cometendo um grande crime ao queimar
as bruxas. Aqueles que apresentam tais hipóteses estão, portanto, atacando a
igreja e ipso facto cometendo um pecado mortal. Puniam-se os que criticavam a
morte das bruxas na fogueira e, em alguns casos, eles próprios também eram
queimados. Os inquisidores e os torturadores estavam fazendo a obra de Deus.
Estavam salvando almas. Estavam aniquilando os demônios.
Certamente, a bruxaria não era a única ofensa
merecedora de tortura e queima na fogueira. A heresia era um delito mais grave
ainda, e tanto católicos como protestantes o puniam com crueldade. No século
XVI, o erudito William Tyndale teve a temeridade de pensar em traduzir o Novo
Testamento para o inglês. Mas se as pessoas pudessem ler a Bíblia em sua
própria língua, e não em latim arcaico, talvez formassem opiniões religiosas
próprias e independentes. Poderiam conceber sua própria comunicação privada com
Deus. Era um desafio à segurança de emprego dos padres católicos romanos.
Quando Tyndale tentou publicar a sua tradução, foi caçado e perseguido por toda
a Europa. Acabou capturado, garroteado e depois, por boas razões, queimado na
fogueira. Seus exemplares do Novo Testamento (que um século mais tarde se
tornaram a base da refinada tradução do rei Jaime) foram então procurados de
casa em casa por destacamentos armados – cristãos defendendo piedosamente o
cristianismo, ao impedir que outros cristãos conhecessem as palavras de
Cristo.”
“Mais da metade dos norte-americanos declaram
nas pesquisas que “acreditam” na existência do Diabo, e 10% tiveram contato com
ele, experiência que Martinho Lutero afirmava ter regularmente. Num “manual de
guerra espiritual” de 1992, intitulado Prepare for war (Te
prepare para a guerra), Rebecca Brown nos informa que o aborto e o sexo
fora do casamento “resultarão quase sempre em infestação demoníaca”; que a
meditação, a ioga e as artes marciais são construídas de modo a levar os
cristãos ingênuos a cultuar os demônios; e que “‘o rock não aconteceu pura e
simplesmente’, foi um plano arquitetado com muito cuidado por ninguém menos do
que o próprio Satã”. Às vezes “as pessoas amadas ficam diabolicamente presas e
cegas”. A demonologia ainda segue formando parte de muitas crenças sérias.”
“Quando é do conhecimento de todos que os
deuses descem à Terra, nós talvez tenhamos alucinações com deuses; quando todos
nós estamos familiarizados com demônios, aparecem os íncubos e os súcubos;
quando os duendes são aceitos por toda parte, vemos duendes; numa era de
espiritualismo, encontramos espíritos; e quando os antigos mitos se enfraquecem
e começamos a pensar que os seres extraterrestres são plausíveis, é para eles
que tendem as nossas imagens hipnagógicas.”
“A hipnose é um meio pouco confiável de
refrescar a memória. Frequentemente desperta a imaginação, a fantasia e o
espírito de brincadeira junto com as recordações verdadeiras, sem que nem o
paciente, nem o terapeuta sejam capazes de distinguir uma coisa da outra. Ela
parece envolver, em sua essência, um estado de sugestionabilidade
intensificada. Os tribunais proibiram o seu emprego como evidência ou até como
ferramenta de investigação criminal.”
“O presidente Ronald Reagan, que passou a
Segunda Guerra Mundial em Hollllywood, descrevia com detalhes como libertara
vítimas dos campos de concentração nazistas. Vivendo no mundo do cinema, ele
aparentemente confundia um filme que tinha visto com uma realidade que não
conhecera. Em muitas ocasiões, nas suas campanhas presidenciais, o sr. Reagan
contou uma história épica de coragem e sacrifício na Segunda Guerra Mundial,
uma inspiração para todos nós. Só que ela nunca aconteceu; era o enredo do
filme A wing and a prayer (Uma asa e uma prece) – que
também muito me impressionou, quando o vi com nove anos. Muitos outros exemplos
desse tipo podem ser encontrados nas declarações públicas de Reagan. Não é
difícil imaginar os sérios perigos públicos que nascem de ocasiões em que os
líderes religiosos, científicos, militares ou políticos são incapazes de
distinguir os fatos da ficção.”
“É um erro capital teorizar antes de ter os
dados. Sem dar-se conta, a gente começa a distorcer os fatos para adaptá-los às
teorias, em vez de fazer com que as teorias se adaptem aos fatos. (Sherlock
Holmes, em “Escândalo em Boêmia” – Arthur Conan Doyle,1891)
“John Mack é um psiquiatra da Universidade
Harvard que conheço há muitos anos.
– Há alguma verdade nessas histórias de UFOs?
– ele me perguntou há muito tempo.
– Nada de significativo – respondi. A não
ser, é claro, do ponto de vista psiquiátrico.”
“O psicólogo Ulric Neisser, da Universidade
de Emory, afirma:
Existem abusos infantis, e existem lembranças
reprimidas. Mas há também lembranças falsas e inventadas, e elas não são de
modo algum raras. As lembranças errôneas são a regra, e não a exceção.
Acontecem todo dia.
Ocorrem até em casos em que o sujeito está
absolutamente confiante – mesmo quando a lembrança é aparentemente um flash
inesquecível, uma dessas fotografias metafóricas mentais. Sua ocorrência é
ainda mais provável nos casos em que a sugestão é uma possibilidade expressiva,
em que as lembranças podem ser modeladas e remodeladas para satisfazer as
fortes exigências interpessoais de uma sessão de terapia. E quando a lembrança
foi reconfigurada dessa maneira, é muito, muito difícil mudar.
Esses princípios gerais não nos ajudam a
determinar com certeza onde está a verdade em cada caso ou afirmação
individual. Mas em média, num grande número dessas afirmações, é bem evidente
no que devemos apostar. As lembranças errôneas e a reelaboração retrospectiva
fazem parte da natureza humana; estão associadas ao nosso território e sempre
acontecem.”
“Citarei uns extratos da análise do perito do
FBI Kenneth V. Lanning, agente especial de supervisão na Universidade de
Pesquisa e Instrução de Ciências Comportamentais da Academia do FBI em
Quantico, Virginia, “O crime ritualístico, oculto e satânico”, baseada em sua
amarga experiência, e publicada no número de outubro de 1989 do periódico
profissional The Police Chief:
Virtualmente todas as discussões sobre
satanismo e bruxaria são interpretadas à luz das crenças religiosas do público.
É a fé, e não a lógica e a razão, que governa as crenças religiosas da maioria
das pessoas. O resultado é que alguns agentes da lei, normalmente céticos,
aceitam as informações disseminadas nessas conferências sem avaliá-las
criticamente, sem questionar as fontes [...].
Para algumas pessoas, o satanismo é qualquer
sistema de crença religiosa diferente do seu.
Lanning fornece então uma longa lista de
sistemas de crença que ele pessoalmente ouviu serem descritos como satanismo
nessas conferências. Inclui o catolicismo romano, as igrejas ortodoxas, o
islamismo, o budismo, o hinduísmo, o mormonismo, o rock’n roll, a canalização,
a astrologia e as crenças da Nova Era em geral. Não temos aí uma pista de como
a caça às bruxas e os pogroms tiveram início?
“Dentro do sistema de crença religiosa
pessoal de um agente da lei”, ele continua, “o cristianismo pode ser bom e o
satanismo mau. Segundo a Constituição, entretanto, ambos são neutros. Esse é um
conceito importante, mas de difícil aceitação para muitos agentes da lei. Eles
não são pagos para defender os Dez Mandamentos, mas o código penal [...]. O
fato é que o número de crimes e abusos infantis cometidos por fanáticos em nome
de Deus, Jesus e Maomé é muito maior do que o dos cometidos em nome de Satã.
Muitas pessoas não gostam dessa afirmação, mas poucas conseguem questioná-la”.
Muitos dos que alegam abusos satânicos
descrevem rituais orgiásticos grotescos em que bebês são assassinados e
devorados. Alguns grupos vilipendiados têm sido alvo desse tipo de acusação por
parte de seus detratores ao longo de toda a história europeia – como aconteceu
com os conspiradores de Catilina em Roma, o “libelo de sangue” contra os judeus
na Páscoa judaica e os templários quando estavam sendo desmantelados na França
do século XIV. Ironicamente, denúncias de orgias incestuosas, infanticidas e
canibalescas estavam entre as informações usadas pelas autoridades romanas para
perseguir os primeiros cristãos. Afinal de contas, o próprio Jesus é citado
como tendo dito (João, 6:53): “Na verdade, na verdade vos digo que, se não
comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis
vida em vós mesmos”. Embora o próximo versículo deixe claro que Jesus esteja
falando de comer a sua própria carne e beber o seu próprio sangue, críticos
pouco compreensivos poderiam ter interpretado a expressão grega “Filho do
homem” como “criança” ou “bebê”. Tertuliano e outros padres primitivos da
Igreja se defendiam contra essas acusações grotescas da melhor maneira
possível.”
Muito bom os trechos.
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