Editora: Landscape
ISBN: 978-85-8057-097-7
Tradução: Rosana Telles
Opinião: ★★★★★
Páginas: 820
Sinopse: Shantaram
é um romance baseado na vida do autor, Gregory David Roberts. Em 1978, por
causa de seu vício em heroína, Roberts cometeu uma série de roubos e foi
condenado a dezenove anos de prisão. Em julho de 1980, em plena luz do dia, ele
conseguiu escapar pelo muro da frente da prisão de segurança máxima em
Victoria, vindo a ser, nos próximos dez anos, o homem mais procurado da
Austrália.
Sua jornada levou-o a Nova Zelândia, Ásia, África e
Europa, mas passou a maior parte do tempo em Bombaim – onde montou uma clínica
de atendimento médico gratuito para moradores de favela e trabalhou como
traficante de armas, falsificador, contrabandista e membro de um dos mais
carismáticos ramos da máfia de Bombaim.
“Um longo tempo e viver em boa parte do mundo
foram necessários para aprender o que sei sobre o amor, o destino e as escolhas
que fazemos, mas a percepção essencial me veio numa fração de segundo, quando
eu estava acorrentado a uma parede, sendo torturado. De alguma maneira,
percebi, nos gritos que ecoavam em minha mente, que mesmo naquele desamparo
agrilhoado e maldito, eu ainda era livre: livre para odiar os homens que me
torturavam, ou para perdoá-los. Isto pode não parecer muita coisa, eu sei. Mas
enquanto a corrente recuava e mordia a minha pele, quando isto é tudo o que se
tem, esta liberdade é um universo de possibilidades. E a escolha que se faz
entre o ódio e o perdão define a história de sua vida.
No meu caso, a história é longa e rica. Fui
um revolucionário que perdeu seus ideais na heroína; um filósofo que perdeu a
integridade no crime; um poeta que perdeu a alma numa prisão de segurança
máxima. Quando fugi dessa prisão pelo muro da frente que ficava entre duas
torres de vigia, tornei-me o homem mais procurado de meu país. A sorte
colocou-se ao meu lado e voou comigo pelo mundo até a Índia, onde me associei à
máfia de Bombaim (atual Mumbai). Trabalhei como traficante de armas de fogo,
contrabandista e falsário. Fui preso em três continentes, surrado, esfaqueado e
entrei em estado de inanição. Fui à guerra. Enfrentei o fogo inimigo. E
sobrevivi enquanto outros ao meu redor morreram. Eram grande parte deles homens
melhores do que eu. Homens melhores cujas vidas, fragmentadas em erros, foram
atiradas para longe pelo átimo do ódio de alguém. Ou pelo amor e indiferença.
Eu os enterrei, muitos destes homens. E trouxe suas histórias e suas vidas para
o lamento da minha.”
“Eu era um fugitivo. Era um homem procurado,
um homem caçado, minha cabeça tinha um preço. E ainda assim, eu estava um passo
adiante deles. Eu era livre. Quando você é fugitivo, cada dia é toda a sua vida.
Cada minuto livre é uma pequena história com final feliz.”
““Falando sério, Ulla”, Karla disse com
carinho, “Você atrai os loucos”.
“Já, leider. O que posso fazer?
Os loucos me adoram”.
“Não dê ouvidos à Karla, Ulla querida”,
Didier consolou-a. “A loucura é a base de qualquer relacionamento
saudável!”.
“Didier”, suspirou Ulla, pronunciando o nome
dele com um sorriso extremamente doce, “eu já lhe mandei tomar no cu, hoje?”
“Não!”, riu ele, “Mas eu perdoo você pelo
esquecimento. Cá entre nós, minha querida, essas coisas estão sempre
subentendidas”.”
“O homem sem pressa chega a lugar nenhum
rapidamente.”
““Então, me conte, Didier, o que o prende a
Bombaim?”.
“Sou francês”, respondeu ele, admirando o
orvalho que cobria a metade do seu copo. “Homossexual, judeu e criminoso, mais
ou menos nesta ordem. Bombaim foi a única cidade que encontrei que me permite
ser estas quatro coisas ao mesmo tempo”.”
“Normalmente, eu não me envolvo com as
baixezas da política, ou com a arena dos grandes negócios. A única força mais
sórdida e brutal que os negócios da grande política é a política dos grandes
negócios.”
“Uma civilização se define muito mais na base
do que é proibido do que na base do que é permitido.”
“Quando estou de baixo astral, penso que o melhor
que se pode dizer é que um amigo é alguém que você não despreza.”
“A verdade é uma tirana de quem todos
fingimos gostar.”
“Hoje em dia existe muita pose e pouco
estilo. Sinais dos tempos. Em vez da pose se transformar em estilo, o estilo se
transformou em pose.”
“Fanáticos religiosos. Todos eles têm o mesmo
olhar parado e purificado. Têm o olhar típico das pessoas que nunca se
masturbam, mas que passam o tempo todo pensando nisto.”
“Eu odeio a tristeza. Acho insuportável.
Prefiro não ter nada a ter que enfrentar a tristeza, mesmo que seja mínima.
Acho que por isto que gosto tanto de dormir, na? É impossível ficar
totalmente triste quando se dorme. Você pode ficar alegre, com medo ou irritado
em seus sonhos, mas precisa estar bem acordado para ficar triste, não é
verdade?”
“Na verdade, vocês estão fazendo com que as
coisas pareçam mais difíceis do que são, ou precisam ser. No começo, sentíamos
medo de tudo – dos animais, do clima, das árvores, e do céu noturno – tudo, a
não ser uns dos outros. Agora, sentimos medo uns dos outros e de quase tudo.
Ninguém sabe porque os outros fazem o que fazem. Ninguém diz a verdade. Ninguém
é feliz. Ninguém está seguro. Considerando tudo o que está errado no mundo, a
pior coisa que se pode fazer é sobreviver. Ainda assim, você precisa sobreviver.
É esse dilema que nos dá esperanças e faz com que nos agarremos à mentira de
termos uma alma e de que exista um Deus para cuidar do nosso destino.”
“Quando o desejo e o medo são exatamente
iguais, chamamos o sonho de pesadelo.”
“Podemos induzir os homens a serem maus, mas
não podemos forçá-los a serem bons.”
“Não existe ato de fé mais belo do que a
generosidade dos pobres.”
“Algumas vezes o leão precisa rugir, só para
mostrar ao cavalo que ele deve sentir medo.” (ditado persa)
“Um político é alguém que promete uma ponte
até onde não existe rio.”
“Talvez eu não possa odiar o amor, mas com
certeza posso ficar cheia dele. Amar alguém é uma arrogância enorme e o pior é
que existe muito disso por aí. Existe muito amor no mundo. Algumas vezes chego
a pensar que o paraíso é um lugar onde todos são felizes porque ninguém ama
ninguém, nunca.”
“O que você tem a dizer sobre o sofrimento?”
“Sei que o sofrimento é a verdade. Sei que o
sofrimento é a ponta afiada de um chicote e o não sofrimento é o lado do cabo –
o cabo que o patrão segura nas mãos.”
“A dor e o sofrimento estão ligados, mas não
são a mesma coisa. A dor pode existir sem o sofrimento, sendo também possível
sofrer sem sentir dor. A diferença entre eles é, eu acho, o que aprendemos com
a dor – por exemplo, que o fogo queima e é perigoso – é sempre individual,
somente para nós mesmos, mas o que aprendemos com o sofrimento é o que nos une
como raça humana. Se não sofremos com a nossa dor, não teremos aprendido nada
sobre nós mesmos. A dor sem sofrimento é como uma vitória sem esforço. Não
somos capazes de aprender com ele o que nos faz mais fortes, melhores ou mais
próximos de Deus.”
“Quando somos jovens pensamos que o
sofrimento é alguma coisa que nos fazem. Quando envelhecemos – quando, de uma
maneira ou de outra, as portas de aço se fecham – sabemos que o verdadeiro
sofrimento é medido pelo que tiram de nós.”
“Você não se torna um bom homem até que, de
forma livre e desimpedida, dê amor a uma criança. E você não se torna um bom
homem até que receba, também de forma livre e desimpedida, o amor de uma
criança.” (ditado pashto)
“Um rei é um mau inimigo, um amigo ainda pior
e uma relação familiar fatal.”
“As pessoas dizem que o dinheiro é a raiz de
todo o mal. Acho que é o contrário. O mal é que é a raiz de todo o
dinheiro.”
“Karla certa vez me disse que os homens
revelam o que pensam quando desviam o olhar e o que sentem quando
hesitam. Com as mulheres, disse ela, funciona ao
contrário.”
“Se todos nós aprendêssemos o que deveríamos
aprender da primeira vez, não haveria necessidade de amor.”
“Jihad”, disse Ahmed, com sorriso
sinistro e quase amedrontado. “Guerra Santa
– este é nosso dever sagrado: resistir aos invasores russos e libertar a terra
muçulmana”.
“Não dê corda a ele, Lin”, Khaled piscou.
“Ahmed é comunista. A próxima coisa que fará será golpeá-lo com Mao e Lênin”.
“Você não se sente um pouco... comprometido?,
perguntei, provocando o destino. “Lutando contra o exército socialista?”.
“Que socialistas?”, retorquiu ele
furiosamente, apertando os olhos. “Que comunistas? Por favor, não me compreenda
mal – os russos fizeram algumas coisas boas no Afeganistão...”
“Ele tem razão”, Khaled o interrompeu. “Eles
construíram muitas pontes, todas as principais rodovias, e muitas escolas e
faculdades”.
“E represas para gerar água fresca e estações
de energia – muitas coisas boas. E eu os apoiei, quando fizeram essas coisas
para ajudar o povo. Mas quando eles invadiram o Afeganistão para mudar o país
pela força, jogaram fora todos os princípios nos quais deveriam acreditar. Eles
não são marxistas verdadeiros, nem leninistas. Os russos são imperialistas e eu
luto contra ele em nome de Marx, Lênin, Mao...”
“E Alá”, sorriu Khaled.
“Sim, e Alá”, concordou Ahmed, mostrando seus
dentes brancos num sorriso e batendo no banco com a palma da mão.
“Por que eles fizeram isso”, perguntei-lhe.
“O Afeganistão é um prêmio”, começou Khaled.
“Lá não existem grandes reservas de petróleo, ouro, ou qualquer coisa que possa
interessar as pessoas, mas continua sendo um grande prêmio. Os russos
(soviéticos) querem tomar o país porque faz divisa com eles. Tentaram
controlá-lo de maneira diplomática, com pacotes de ajuda e programas de
assistência. Depois, colocaram seus homens no poder de um governo que não
passava de um fantoche. Os americanos odiaram o fato por causa da guerra fria e
de toda a merda de manipulação política envolvida, então resolveram
desestabilizar o lugar e passaram a dar apoio aos únicos caras que ficaram
realmente putos com os fantoches russos – os mestres da lei religiosa
muçulmana. Aqueles caras de barba comprida perderam a cabeça com a maneira como
os russos estavam mudando o país – permitindo que as mulheres trabalhassem,
frequentassem as universidades e se mostrassem em público sem a burca. Quando
os americanos lhes ofereceram dinheiro, armas e bombas para atacarem os russos,
eles não recusaram. Depois de algum tempo, os russos decidiram parar de fingir
e efetivamente invadiram o país. Agora estamos em guerra”.”
“Os afegãos, desde Mazer-i-Sharif até
Kandahar sabiam que se os americanos lhes fornecessem mísseis Stinger durante a
deflagração da guerra, os mujaheddin venceriam o inimigo em questão de meses.
Com Stingers, os odiados e mortalmente eficazes helicópteros russos poderiam
ser esmagados nos ares. Até os formidáveis caças Mig eram vulneráveis aos
mísseis de mão Stinger. Sem a insuperável vantagem aérea, os russos e os
soldados do exército afegão seriam forçados a lutar em terra contra a
resistência mujaheddin – uma guerra que nunca ganhariam por terra.
Os mais cínicos entre os afegãos acreditavam
que, durante os sete primeiros anos de conflito, os americanos se recusaram a
fornecer-lhes Stingers porque eles queriam que a Rússia se tornasse vitoriosa o
bastante para tomarem a dianteira do comprometimento. Assim, quando os Stingers
finalmente chegasse, todo o Império Soviético poderia entrar em colapso por
causa das perdas consideráveis de homens e recursos impostas aos russos.
Independente de os cínicos estarem certos ou
não, o jogo mortal desenrolou-se exatamente assim. Quando finalmente foram
introduzidos, alguns meses depois de nossa viagem ao Afeganistão, os mísseis
Stingers realmente mudaram o curso do conflito. Os russos ficaram tão
enfraquecidos pelas guerrilhas de resistência, montadas pelos aldeões afegãos e
milhares de pessoas como eles, que seu império monstruoso desfez-se em pedaços.
A vitória sobre os russos teve um preço alto; custou um milhão de vida afegãs.
Causou a evasão de um terço da população, que abandonou suas terras. Causou um
dos maiores fluxos de imigração forçada da história humana – três milhões e
meio de refugiados passando pela passagem de Kyber com destino a Peshawar, e
mais um milhão de exilados que se dirigiram ao Irã, à Índia e às repúblicas
muçulmanas da União Soviética. Teve um custo de cinquenta mil homens, mulheres
e crianças com um ou mais membros amputados por causa das explosões de minas
terrestres. Custou o coração e a alma do Afeganistão.”
“Khader me explicou como o elaborado ritual
de matrimônio afegão já vinha se desenrolando há meses antes da nossa chegada.
As visitas de cerimônia entre as famílias do noivo e da noiva já haviam
acontecido. Em ambos os casos, pequenos presentes como lenços de mão ou
docinhos perfumados foram trocados, e gentilezas específicas observadas. O
extravagante dote da noiva – tecidos ricamente bordados, sedas importadas,
perfumes e joias –, já de posse da família do noivo, fora publicamente exibido
para que todos pudessem admirá-lo. Em segredo, o noivo já havia visitado sua
futura esposa, ofertando-lhe presentes pessoais enquanto falava com ela. De
acordo com o costume, era estritamente proibido que, durante a visita, ele
fosse visto pelos homens da família da noiva, mas a tradição exigia que fosse
ajudado pela mãe dela. Khader me assegurara que, enquanto os noivos se falavam
pela primeira vez, a mãe zelosa permanecera ao lado da filha. Depois de tudo
isso, o casal estava pronto para a culminância do matrimônio propriamente dito,
que deveria durar três dias.”
“A história do universo é a história do
movimento”, começou Khader, ainda olhando os barcos que se batiam uns contra os
outros como cavalos atrelados. “O universo, como o conhecemos nesta, entre suas
muitas vidas, começou numa expansão tão rápida e gigantesca que, apesar de
podermos falar sobre isto, não existe maneira de verdadeiramente entendermos ou
imaginarmos tal coisa. Os cientistas chamam esta grande expansão de Big
Bang, mesmo que não tenha havido explosão real no sentido de uma bomba ou
coisa do tipo. Os primeiros momentos após esta expansão, nas primeiras frações
de segundo, o universo era como uma rica sopa feita de pedacinhos de coisas
simples. Estes pedacinhos eram tão simples que ainda nem eram átomos. À medida
em que o universo se expandiu e esfriou, esses pedacinhos se uniram para formar
as partículas. Depois, as partículas se fundiram para formar os primeiros
átomos. E os átomos se juntaram para formar as moléculas. As moléculas, unidas,
formaram as primeiras estrelas. Essas estrelas cumpriram seu ciclo de vida e
explodiram numa chuva de novos átomos que, uma vez novamente unidos, criaram
mais estrelas e planetas. Todos nós somos feitos da matéria dessas estrelas
agonizantes. Somos feitos de estrelas, você e eu.
Nenhuma dessas coisas, nenhum desses
processos ou movimentos de união podem ser considerados eventos aleatórios. O
universo tem natureza própria, algo parecido com a natureza humana, se você
preferir, e sua natureza é combinar, construir e se tornar mais complexo. É
sempre assim que funciona. Se as circunstâncias forem apropriadas, pedacinhos
de matéria sempre se juntam para formar arranjos mais complexos. Essa maneira
pela qual o universo trabalha, esse movimento em direção à ordem e às novas
combinações dessas coisas ordenadas tem um nome. Na ciência ocidental, é
chamada de tendência para a complexidade, ou seja, a maneira pela qual o universo
trabalha.
O universo, como o conhecemos e com tudo o
que ainda podemos aprender sobre ele, tem se tornado, desde o início, cada vez
mais complexo. Isto é parte de sua natureza. A tendência para a complexidade
levou o universo e sua simplicidade quase perfeita à complexidade que hoje
vemos à nossa volta. O universo faz isto incessantemente. Está sempre se
movendo do simples para o complexo. Começou com sua simplicidade quase absoluta
e nos últimos quinze bilhões de anos tem se tornado cada vez mais complexo.
Dentro de um milhão de anos, ficará ainda mais complexo. Em cinco, dez milhões
de anos – mais e mais complexo. Está se movendo a direção a alguma
coisa... Está se movendo em direção a uma complexidade final, definitiva.
Pode ser que nós não cheguemos lá. Um átomo de hidrogênio pode não chegar lá.
Uma folha, um homem, e mesmo o planeta pode não alcançar esta complexidade
final. Mas estamos todos indo em direção a ela – tudo no universo caminha para
isso.
E a complexidade final, para onde nos
dirigimos, é o que eu chamo de Deus. Se você não gosta da palavra Deus, pode
substituí-la por Complexidade Final. Seja qual for o nome, todo o universo está
indo para lá.”
“Será que o universo não é bem mais aleatório
do que isso?” perguntei, percebendo o rumo que tomava a conversa e tentando
desviá-lo. “E os grandes asteroides e coisas do tipo? Nós, quer dizer, nosso
planeta, podemos ser esmagados pelos fragmentos de um asteroide gigante. Na
verdade, existe uma probabilidade estatística de que irão ocorrer
impactos maiores. E se nosso sol estiver morrendo – e um dia morrerá – isto não
seria o oposto da complexidade? Como isto se encaixa com o
movimento de complexidade, se o nosso sol morrer e todo o planeta complexo for
reduzido a átomos?”
“Boa pergunta. Pode ser que o nosso planeta
seja esmagado, é verdade, e um dia nosso belo sol morrerá. E de acordo com o
que conhecemos, somos, na pequena porção de universo que ocupamos, a mais
desenvolvida expressão da complexidade. Seria uma grande perda, caso fôssemos
aniquilados. Uma perda terrível para o desenvolvimento. Mas o processo,
esse continuaria, e nós somos a expressão deste processo. Nossos corpos são
filhos de todos os sóis e estrelas que morreram antes de nós, formando os
átomos dos quais somos feitos. Se formos destruídos por um asteroide ou por
nossas próprias mãos, bem, em algum outro lugar no universo, nosso nível de
complexidade, este nível de complexidade, com uma consciência capaz
de entender o processo, seria duplicado. Eu não me refiro a pessoas exatamente
como nós. O que quero dizer é que seres pensantes, tão complexos quanto nós se
desenvolveriam em outro universo. Nós deixaríamos de existir, mas o
processo continuaria. Pode ser que, enquanto estamos aqui, isto esteja
acontecendo em outros mundos. Na verdade, é bastante provável que esteja
acontecendo, por todo o universo, porque é isso o que o
universo faz.”
“Tudo bem, tudo bem. E você quer dizer –
deixe-me adivinhar – que tudo o que contribua para que isto aconteça é
caracterizado como bem, e tudo o que leve à direção contrária
caracteriza o mal, na?
“Em essência, você está certo. Qualquer coisa
que aumente, promova, ou acelere esse movimento em direção à Complexidade Final
é bem. Qualquer coisa que iniba, impeça, ou atrase esse movimento
em direção à Complexidade Final, pode ser considerado mal. O mais
fantástico sobre essa definição de bem e de mal é que é tanto objetiva quanto
universalmente aceita.”
“Como você decide como alguma coisa pode ser
definida como bem ou mal?”
“Primeiro você precisa responder a minha
pergunta. Por que matar é errado?”
“Bem, eu não acho que seja sempre
errado.”
“Bem, devo dizer-lhe que é sempre errado.
Em nossa discussão, isto ficará claro, mais cedo ou mais tarde. Por enquanto,
vamos nos concentrar no tipo de assassinato que você considera errado e na
razão porque considera errado.”
“Bem, é contra a lei tirar a vida de alguém.”
“Contra a lei de quem?”
“A lei da sociedade. A lei da terra”,
arrisquei, sentindo que o sentido filosófico me escapava.
“Quem faz essa lei?” perguntou Khader com
delicadeza.
“Os políticos. As leis criminais foram
herdadas da civilização. As leis contra os assassinatos existem desde – talvez
desde os homens das cavernas.”
“E por que matar era considerado errado por
eles?”
“Eu diria... que é porque existe apenas uma
vida. Cada um de nós tem apenas uma vida, e tirá-la de alguém é uma coisa
terrível.”
“Uma tempestade de raios também é uma coisa
terrível. E será que isto a torna uma coisa errada ou má?”
“Não, claro que não. Veja, eu não sei porque
você precisa saber o que está por trás das leis contra o assassinato. Nós temos
apenas uma vida e se você a tirar sem uma boa razão, estará fazendo algo
errado”.
“Sim, mas por que é errado?”
“Porque sim”.
“Este é um ponto ao qual todos chegamos”,
concluiu Khader, mais sério. Se você perguntar às pessoas por que o
assassinato, ou qualquer tipo de crime está errado, elas lhe dirão que é porque
contrariam a lei, a Bíblia, o Upanixade, o Alcorão, ou os oito caminhos de
Buda, ou seus pais, ou qualquer outra autoridade. Mas não sabem porque está
errado. O que elas dizem pode ser verdade, mas sabem porque é verdade.
Para que possamos saber sobre qualquer ato,
intenção ou consequência precisamos, primeiro, fazer duas perguntas. Uma, o que
aconteceria se todos cometessem tal ato? Duas, isso ajudaria ou impediria o
movimento em direção à complexidade? No caso do assassinato, o que aconteceria
se todos matassem as pessoas? Isso ajudaria ou impediria? Diga-me”.
“Obviamente, se todos matassem, nós nos
dizimaríamos. Então... isso não ajudaria.”
“Sim. Nós, seres humanos somos o mais
complexo arranjo de matérias que conhecemos, mas não somos a última conquista
do universo. Nós também vamos nos desenvolver e mudar com o resto do universo.
Mas se matarmos indiscriminadamente, não chegaremos lá. Aniquilaremos nossa
espécie e todo o desenvolvimento que alcançamos através de milhões de anos –
bilhões de anos – será perdido. O mesmo pode ser dito em relação ao roubo. O
que aconteceria se todos roubassem? Isso nos ajudaria ou impediria
nosso desenvolvimento?”
“Sim, entendo. Se todos roubassem de todos,
ficaríamos tão paranoicos e desperdiçaríamos tanto tempo e dinheiro que nos
tornaríamos mais lentos, e nunca conseguiríamos...”
“Chegar à complexidade final”, ele completou
meu pensamento. “É por isso que não é certo matar e roubar – não porque um
livro nos diz que não é certo, ou uma lei, ou guia espiritual, mas porque
se todos praticassem tais ações, não avançaríamos, com o resto
do universo, em direção à complexidade final que é Deus. O oposto disso também
é verdade. Por que o amor é bom? Bem, o que aconteceria se todos amassem a
todos? Será que isso nos ajudaria ou atrapalharia?”
“Ajudaria”, concordei, sorrindo de dentro da
armadilha que ele armara para mim.
“Sim. Na verdade, esse amor universal
aceleraria bastante o movimento em direção a Deus. O amor é bom. A amizade é
boa. A lealdade, a liberdade e a honestidade também. Nós sabíamos que essas
coisas eram boas antes – sempre soubemos, em nossos corações e todos os grandes
ensinamentos sempre nos disseram isto – mas agora, com a definição de bem e de
mal, podemos ver porque eles são bons. Do mesmo modo, como
podemos ver, porque roubar, mentir e matar constituem o mal.”
“Mas, algumas vezes...”, protestei, “você
sabe, e com relação à defesa pessoal? E se tivéssemos que matar para nos
proteger?”
“Bem lembrado, Lin. Quero que imagine uma
cena para mim. Você está numa sala, de pé em frente a uma escrivaninha. Sua mãe
está do outro lado da sala. Um homem perverso segura uma faca na garganta da
sua mãe. Ele vai matá-la. Na mesa à sua frente existe um botão. Se você
pressioná-lo, o homem morrerá. Se não pressioná-lo, ele matará sua mãe. Essas
são as únicas possibilidades. Se você não fizer nada, sua mãe morre. Se apertar
o botão ele morre e sua mãe se salva. O que você faria?”
“O cara já virou história”, respondi, sem
hesitar.
“Correto”, suspirou ele, talvez desejando que
eu tivesse passado por um período maior de indecisão, antes de apertar o botão.
“E se você fizesse isso, se salvasse sua mãe do assassino perverso, você
estaria agindo certo ou errado?”
“Certo”, respondi, também rapidamente.
“Não, Lin, acho que não”, ele franziu o
cenho. “Acabamos de ver que, em termos desta nova e objetiva definição de bem e
de mal, matar está sempre errado porque, se alguém fizer isso, seremos
impedidos de nos mover em direção a Deus, a complexidade final, com o resto do
universo. Então, matar é errado. Mas seus motivos são válidos. Então, a verdade
dessa decisão é que você fez a coisa errada pelos motivos certos.
Algumas vezes é necessário fazer a coisa errada pelo motivo certo. O mais
importante é ter certeza de que os nossos motivos estejam certos e que
admitamos estar fazendo a coisa errada – que não tenhamos que mentir para nós
mesmos, convencendo-nos de que fazemos a coisa certa”.
(...)
“Posso fazer uma pergunta? Existem coisas no
mundo, como as pedras, que não têm vida e coisas vivas como árvores, peixes e
pessoas. Sua cosmologia não explica de onde vêm a vida e a consciência. Se as
pedras são feitas da mesma matéria que as pessoas, como é possível que elas não
tenham vida e as pessoas sim? Afinal, de onde vem a vida?”
“Você conhece o filósofo inglês, Bertrand
Russel? Já leu algum dos seus livros? Nem sempre eu concordo com suas
conclusões, mas gosto da maneira como chega a elas. Enfim, disse ele, tudo
o que pode ser colocado na casca de uma noz deve permanecer ali. E eu
concordo com ele. Agora, a resposta para a sua pergunta é: a vida é uma
característica de todas as coisas. Cada átomo do universo tem uma
característica de vida. Quanto mais complexa a maneira como os átomos se
agrupam, mais complexa a expressão da característica devida. A pedra é
constituída de um arranjo muito simples de átomos, o que faz com que a vida na
pedra seja tão simples que não podemos vê-la. Um gato é um arranjo muito
complexo de átomos, o que torna a vida no gato bastante óbvia. Mas existe vida
em tudo, mesmo numa pedra e mesmo quando não somos capazes de vê-la”.
“De onde você tirou essa ideia? Do Alcorão?”
“Na verdade, é um conceito que, de um modo ou
de outro, aparece em todas as religiões. Fiz algumas pequenas alterações para
adaptá-lo ao que temos aprendido sobre o mundo, nos últimos séculos. Mas é o
Alcorão sagrado que me dá inspiração para realizar este tipo de estudo porque o
Alcorão ordena que devemos estudar e aprender tudo, para melhor servirmos Alá.”
“Mas de onde vem essa característica
da vida?, insisti, certo de, pelo menos tê-lo encurralado num beco sem
saída reducionista.”
“No início dos tempos, como a conhecemos, a
vida e todas as características de todas as coisas do universo, como a
consciência, o livre-arbítrio, a tendência rumo à complexidade e até mesmo o
amor, foram dados ao universo pela luz”.
“Durante o Big Bang? É isto o que
está dizendo?”
“Sim. A expansão do Big Bang aconteceu
de um ponto chamado singularidade, que tem densidade e calor quase infinitos e,
ainda assim, não ocupam espaço ou tempo, como os conhecemos. O ponto é um
caldeirão em ebulição de energia de luz. Alguma coisa fez com que se expandisse
– ainda não sabemos o que – e todos os átomos e partículas vieram a existir da
luz, assim como do espaço, do tempo e de todas as forças que conhecemos. Assim,
no início do universo a luz deu a cada pequena partícula um conjunto de
características e à medida que essas partículas se combinam de maneiras mais
complexas, as características se mostram também de modo mais complexo.
O que acabei de lhe dizer trata do
relacionamento entre a consciência e a matéria. Você sabe muito bem que isto é
um tipo de teste. Você deve aplicá-lo em todos os homens que lhe disserem
conhecer o sentido da vida. Todos os gurus e professores, todos os profetas e
filósofos que encontrar devem responder-lhe estas duas perguntas: Qual é a
definição objetiva, universalmente aceita, para o bem e o mal? E, qual
é a relação entre a consciência e a matéria? Se eles não tiverem, como
eu tive, uma resposta para essas duas perguntas, não terão passado no teste”.
“Como você aprendeu tanto sobre física? Tudo
o que sabe sobre partículas, singularidade e Big Bangs?”
“Existe um ditado – quando o aluno
está pronto, o professor aparece”.
“Os homens fazem guerra por lucro ou por
princípios, mas lutam nelas por terra e por mulheres. Mais cedo ou mais tarde,
os outros motivos e razões se afogam em sangue e perdem seu significado. Mais
cedo ou mais tarde, a sobrevivência torna-se a única lógica, e a morte a única
voz e a única visão. Depois, quando nossos melhores amigos morrem aos gritos, e
os homens bons enlouquecem por causa da dor e da fúria perdendo a sanidade em
poços de sangue, quando toda a integridade, justiça e beleza do mundo explodem
com os braços, pernas e cabeças de irmãos, filhos e pais, então, o que impele
um homem a continuar lutando, a morrer, e a continuar morrendo, ano após ano, é
a vontade de proteger sua terra e suas mulheres.
Você sabe que isto é verdadeiro quando ouve a
conversa deles nas horas que antecedem a batalha. Eles falam de suas casas e
das mulheres que amam. E você sabe que é verdade quando os vê morrer. Caso se
encontre próximo à terra em seus momentos finais, um homem moribundo estende a
mão e pega um punhado de terra. Se possível, ele levantará a cabeça para olhar
uma montanha, um vale ou uma planície. Se estiver longe do lar, pensará e
falará nele. Falará sobre sua aldeia, sua cidade natal, ou a cidade onde
cresceu. No fim, a terra é sempre importante. No momento final, ele não
defenderá causa alguma. No momento final, ele murmurará ou gritará o nome de
uma irmã, filha, mãe ou amante, mesmo que pronuncie o nome de Deus. O fim
derradeiro espelha o início. No final, sobram apenas uma mulher e uma cidade.”
“Eu tinha certeza que, de alguma maneira,
teria de existir uma recompensa, pela qual fiquei esperando. Naquele tempo eu
não sabia, como sei agora, que o amor é uma via de mão única. O amor, como o
respeito, não é algo que se consiga; é algo que se dá.”
“O fim sempre chega adiantado.”
“Não se apresse, Lin”, suspirou Didier,
agarrando minha cintura com força. “A melhor vingança, como o melhor sexo, deve
ser realizada devagar e com os olhos bem abertos”.
“Lettie uma vez me disse que, ouvir-me
descrever criminosos, assassinos e mafiosos como se fossem homens de honra era
estranho e incongruente. Sinceramente acho que a confusão era dela, não minha.
Ela confundia honra com virtude. A virtude está relacionada com o que fazemos e
a honra com a maneira como fazemos. É possível lutar uma guerra de modo honrado
– a convenção de Genebra existe exatamente por esta razão – e é possível
reforçar a paz sem qualquer tipo de honra. Em sua essência, a honra é a arte de
ser humilde. E os gângsteres, como os tiras, políticos, soldados e homens
santos, só serão bons no que fazem se puderem manter-se humildes.”
“Simplesmente havia muito dinheiro envolvido.
E dinheiro, quando a quantidade é muito grande, acaba sendo como uma grande festa
política: causa tanto dano quanto benefício, coloca muito poder em poucas mãos
e, quanto mais você se aproxima dele, mais se suja.”
“O destino sempre proporciona duas escolhas:
a que você deve escolher e a que acaba escolhendo.”
“O manto do passado é feito de retalhos de
sentimentos costurados por meio de associação de ideias, como se fossem fios de
rébus. Na maior parte das vezes, tudo que podemos fazer é enrolá-lo no corpo em
busca de conforto, ou arrastá-lo atrás de nós enquanto tentamos prosseguir. Mas
tudo tem sua causa e seu significado. Cada vida, cada amor, ação, sentimento ou
pensamento tem sua razão ou significado: seu início e a parte que desempenha no
final. Algumas vezes, nós enxergamos. Algumas vezes enxergamos o passado com
clareza e conseguimos entender a lenda de suas partes com tanta precisão que
cada ponto do tempo revela seu propósito e um tipo de mensagem intrínseca. Em
qualquer vida, bem ou mal vivida, nada é mais sábio que o fracasso, ou mais
claro que o sofrimento. E na pequena e preciosa sabedoria que nos proporcionam,
até mesmo aqueles inimigos temidos e odiados, o sofrimento e o fracasso, têm
sua razão e seu direito de existir.”
“Sorte é o que acontece com você quando o
destino se cansa de esperar.”
“É sempre um erro ficar sozinho com alguém
que você não deveria amar.”
A Landscape falhou feio na edição da obra, que contém inúmeros erros de português, afora a tradução que em alguns pontos deixa bastante a desejar.
ResponderExcluir*
Coisa curiosa é que esta obra teria tudo pra ter sido um estouro - posto que é de facílima leitura e muito bem escrita. Por razões que a própria razão desconhece, permaneceu semi-incógnita, o efeito manada que era de se esperar para uma obra desta qualidade, (ainda) não aconteceu.
Mas posso com tranquilidade afirmar que, se lançarem um filme deste livro (há tratativas em andamento), ele será um sucesso estrondoso.
Acabo de ler este livro e fiquei apaixonada. Houve erros grotescos de português.
ResponderExcluirUm filme será sensacional.
Poderia ter a continuação.