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domingo, 25 de agosto de 2013

As terras ásperas, de Rachel de Queiroz

Editora: Record/Altaya

ISBN: 978-85-0115-908-3

Opinião: ★★☆☆☆

Páginas: 208

Sinopse: Com sensibilidade de mestra, a autora pinta cenas corriqueiras, como episódios vividos nas ruas do Rio, aborda temas do cotidiano, recortados do noticiário dos jornais, coleciona impressões de viagem ao exterior, expõe anotações sobre amigos, hábitos e costumes...



“Você, homem do século XX, não tem bem noção, no seu cotidiano, de quanto depende da proteção da ciência e da técnica. Não é um ser autônomo, capaz de prover as suas mais mínimas necessidades. É tão condicionado a máquinas quanto um rato de Pavlov às campainhas da gaiola. Toda a sua vida depende das máquinas – é incrível. Desde o relojinho de pilha, no pulso, até tudo o que o cerca dentro de casa – geladeira, filtro, fogão, lava-louças, lava roupas, condicionador de ar, batedeira, liquidificador, torradeira, forno, enceradeira, aspirador, telefone, TV, rádio, máquina de escrever, COMPUTADOR! Você não mexe um dedo sem máquinas. Você é mais robotizado que um robô.

Sempre que faço viagens aéreas, transcontinentais ou transatlânticas, dentro daquela segurança e daquele conforto do avião – o ar pressurizado, a comida quente, a bebida gelada, o banheiro completo, a música ambiente, o alto-falante informando sobre o tempo lá embaixo –, sim, dentro daquele casulo voador, de repente eu penso: Meu Deus, e bastará uma pequena falha nos motores, uma fratura na asa, um buraco na fuselagem, e tudo isso se desarticula (não viu no desastre do foguete Challenger, foram só uns rebites que afrouxaram), tudo se rompe, explode, nos expele para o ar frio a 40 graus abaixo de zero, para as águas do mar, para a floresta amazônica. Se morrer, tudo bem, acabou, pronto. Mas e se a gente escapa? Estaremos muito mais indefesos e vulneráveis do que o mais primitivo homem da Idade da Pedra. Não sabemos como arranjar abrigo, fazer fogo, não distinguimos os bichos e os frutos comestíveis. Não temos como nos defender das feras de terra ou de mar. Em alguns segundos, a gente passará das condições mais sofisticadas de civilização à condição bruta de um extraterreno, ignorante, incapaz, lançado num ambiente hostil e estranho.

Isso é bom para rebater o orgulho dos homens ante essas maquininhas que hoje são a razão da sua vida. Pensavam que eram deuses, que nada lhes era mais proibido? Pois neste seu paraíso de fios de arame e rodelinhas de latão, basta um pequeno descontrole de funcionamento para desmoronar tudo, acabar tudo. E se vão ver nus e inermes, num mundo inimigo, desconhecido, que eles deliberadamente ignoraram”.

 

 

“A ecologia é como o amor a pátria. Em seu nome, quanta barbaridade se comete.”

 

 

“O pior é que o castigo não ensina nada: enquanto se vive se erra, como sempre foi.”

 

 

“A velhice é o mais indesejável dos progressos. A gente é, de certa forma, como aquelas bonecas russas que contém várias bonecas, uma dentro da outra, e que se vai descartando até chegar à mais bonita, que é a menor. Só que, no processo de crescimento, a mudança é a inversa, vai-se do menor para o maior. Embora o modelo menor continue a ser, como nas bonecas, o mais bem acabado e o mais bonito.”

 

 

“Ah, os homens fazem de tudo para embelezar, amenizar, poetizar, sublimar a morte, criando os rituais solenes da partida. Mas em vão. Pois é o próprio morto que estraga suas pompas fúnebres. O morto não quer saber de exposição, nem esplendores, nem luzes, nem músicas, nem coroa de flores. O morto só precisa ser oculto, devolvido à terra, desfazer-se. O morto não espera por ninguém: ele parte sem adeus. Antes nos amava. Morto nos repele, nos ignora, não quer saber de lágrimas nem de amores. Ele é o grande indiferente, já partiu, de-fi-ni-ti-va-men-te.

Creio que é o que mais nos horroriza na morte: o definitivo daquele rompimento. Não há briga entre vivos que não possa ser remediada, ou pelo menos prolongada em nova briga. A morte corta como uma guilhotina. Aquele que se interessava até pelos teus pensamentos ocultos, por tua mínima palavra ou gesto, que segurava febrilmente a tua mão, no desespero de não se apartar, de repente te larga, te esquece, te corta, te desconhece. Como se ele nunca tivesse existido – como se você nunca tivesse existido para ele. Acabou, acabou tudo. O que os amantes rompidos jamais aceitam de verdade, a morte realiza num fechar de olhos, num suspiro leve, num parar de coração. Primeiro havia tudo. Um instante, e não haverá mais nada. Nem agora, nem amanhã, nem nunca, nem pelos séculos dos séculos.

É isso a morte. O não ser. O não estar. O não ver, o não querer. O não. Por toda a eternidade.”

 

 

“No caso dos gregos, os homens não são feitos à semelhança de Deus, mas os deuses é que são criados à semelhança dos homens, com todas as suas paixões e iniquidades.”

 

 

“O homem progride mas não muda.”

 

 

“Assim mesmo tenho medo daquele possível aventureiro com que dom João VI ameaçava o filho, e que nos vinha empolgar a coroa! Chego a temer até o ‘bispo’ Macedo! É que eu vi pela televisão o estrago que ele fez no congresso do Maracanã. O dinheiro lhe chovia em cima como mariposas, os acólitos só tinham o trabalho de encher os sacos enormes com a volante pecúnia que tombava das mãos dos fieis sobre a arena. E se o povão dá com tanto gosto a um cara daqueles o que ele menos tem, que é o dinheiro, imagine só como não dará voto, que é de graça!...

É isso, realmente, o que mais me apavora.”

 

 

“Os Napoleões, os Césares, os Alexandres, os Tarmelões, nenhum deles incitava os seus soldados com o brado verdadeiro das suas ambições pessoais. “Vamos matar, assaltar vizinhos inocentes, vamos ficar ricos à custa da miséria e do sangue dos mais fracos!”. Não, o discurso deles é sempre generoso e grandiloquente: “Vamos reparar aquela injustiça, esmagar quem nos ameaça, redimir um povo do erro ou da tirania em que se engolfa!”. Quando eles tocam os clarins e reúnem os exércitos, essa voz do clarim como que eleva os homens para a generosidade das paixões heroicas. E eles, os manipuladores das almas (e dos corpos!), sabem muito bem o efeito hipnótico da chamada ao heroísmo.”

 

 

“O homem, quer como indivíduo, quer como nação, não nasceu para a felicidade, mas apenas para a procura dela.”

 

 

“Pois que, mesmo aqui no Brasil, os aviões voam sempre lotados para Miami e Disneilândia; e a cada menino rico que viaja em férias correspondem pelo menos dez meninos de rua, pedindo trocado, roubando – quando podem – e cheirando cola.”

 

 

“Os profetas nunca são felizes. Primeiro, ninguém acredita neles; depois os culpam porque acertaram.”

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