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terça-feira, 20 de julho de 2010

Cadeia de comando – Seymour M. Hersh

Editora: Ediouro

ISBN: 978-85-0001-577-9

Tradução: Áurea Akemi Arata, Marina Petroff Garcia e Andréia Moroni

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 400

Sinopse: Mi Lai, Vietnã, 1969. Um jovem repórter americano denunciava ao mundo o massacre de mais de 500 civis por uma brigada do exército de seu país. A reportagem venceu o prêmio Pulitzer e ajudou a derrotar a violenta investida dos Estados Unidos em sua guerra mais insensata.

Abu Ghraib, Iraque, 2004. O mundo vê pela primeira vez as chocantes imagens das torturas impostas pelo exército americano aos prisioneiros iraquianos. A denúncia, publicada pela revista The New Yorker, é o golpe mais pesado sofrido pelo governo Bush em sua “guerra contra o terror”.

Estes dois capítulos decisivos da História recente foram escritos por Seymour M. Hersh, que nos 35 anos que separam as duas catastróficas guerras empreendidas pelos Estados Unidos manteve-se fiel a um dos princípios básicos do jornalismo; a vigilância constante do poder. Cadeia de comando é um livro que nasce histórico ao tentar entender a sucessão de ordens e contraordens que levaram a mais sólida democracia do Ocidente a incorrer em erros dos piores regimes autoritários. Em nome da guerra ao terror, revela Hersh, foi cometido todo tipo de abuso e infração das leis americanas e internacionais. Enquanto jornais e TVs dos Estados Unidos pedem desculpas públicas por omissões e distorções no noticiário da guerra do Iraque, Seymour M. Hersh conduzia de forma independente e imparcial suas investigações. Quando o mundo ainda não havia se recuperado do trauma do 11 de setembro, as primeiras reportagens de Hersh, publicadas pela revista The New Yorker, apontavam as contradições e fragilidades das versões oficiais. Empenhado em contar a verdade sobre mais esta guerra, o repórter continuou a seguir as pistas que levaram aos chocantes maus-tratos praticados na prisão em que o ex-ditador Saddam Hussein, deposto em nome da liberdade, torturava seus adversários. Cada capítulo de Cadeia de comando é um passo decisivo na busca de uma versão imparcial para a história recente dos Estados Unidos.



“Na verdade, uma declaração secreta do ponto de vista do presidente (George W. Bush) assinada por ele em 7 de fevereiro de 2002 tinha uma brecha que era utilizada no mundo todo. “Eu [...] determino que nenhuma das provisões da Convenção de Genebra se aplica ao nosso conflito com a Al-Qaeda no Afeganistão ou em outros lugares do mundo”, afirmou o presidente, declarando também que tinha autoridade sob a Constituição de suspender a Convenção de Genebra entre os Estados Unidos e o Afeganistão, mas declinava de exercer aquele poder na época. Em outras palavras, os detentos não tinham proteção inerente sob a Convenção de Genebra – as condições do aprisionamento, más ou boas, ou como fossem, dependiam somente da vontade do presidente.”

 

 

“Era óbvio que havia uma ruptura entre a realidade da vida na prisão em Guantánamo e como esta era descrita ao público em coletivas de imprensa cuidadosamente encenadas e nas declarações liberadas pelo governo. As autoridades das prisões americanas repetidas vezes asseguraram ao povo e à imprensa, por exemplo, que os detentos da Al-Qaeda e do Talibã tinham pelo menos três horas de recreação por semana. De acordo com um assessor do Pentágono familiarizado com as condições dos detentos, em meados de 2002, na hora de recreação, alguns prisioneiros considerados mais durões eram amarrados com jaquetas pesadas, similares a camisas-de-força, com os braços presos para trás e as pernas afastadas com correias. Colocavam viseiras sobre os olhos e as cabeças eram cobertas com capuzes. Ao meio-dia, o prisioneiro era levado até o que parecia um corredor estreito para cachorros se exercitarem – havia fotografias do procedimento – e assim ele tinha a sua hora de recreação. As limitações forçavam os prisioneiros a se mover – se eles decidissem se mover – de joelhos, curvados num ângulo de 45 graus. A maioria deles só ficava sentada e sofrendo com o calor.”

 

 

“Em novembro de 2002, Geoffrey Miller, general de divisão do exército, substituiu Dunlavey e Baccus, unificando o comando em Guantánamo. Baccus era visto pelo Pentágono como brando – preocupado demais com o bem-estar dos prisioneiros. Ele questionava as técnicas de interrogatório e distribuía cartazes da Cruz Vermelha que lembravam os prisioneiros dos direitos sob a Convenção de Genebra.

(...) Nas audiências do Senado depois de Abu Ghraib, soube-se que Miller tinha permissão para usar técnicas legalmente questionáveis em Guantánamo, que poderiam incluir, dependendo de aprovação, privação de sono, exposição ao frio e calor extremos e colocação de prisioneiros em “situações de estresse” por sufocantes períodos de tempo.”

 

 

“Em abril de 2004, consegui obter um relatório de 53 páginas de uso interno redigido pelo major-de-divisão Antonio M. Taguba. (...) Suas conclusões sobre as falhas institucionais do sistema penitenciário do exército eram espantosas. Especificamente, Taguba descobriu que entre outubro e dezembro de 2003 houve numerosos momentos de “abusos criminais, sádicos, escandalosos e devassos” em Abu Ghraib. (...) O relatório listava algumas das más condutas:

Quebrar lâmpadas fluorescentes e despejar o líquido fosfórico nos detentos; jogar água fria nos prisioneiros nus; ameaçar os detentos de estupro; permitir que um guarda da polícia militar costurasse o ferimento de um detido que se machucara depois de ser atirado contra a parede da sua cela; sodomizar um detento com uma lâmpada fluorescente e talvez um cabo de vassoura e usar cães de uso militar para assustar e intimidar detentos com ameaças de ataque e, num caso, morder o prisioneiro.”

 

 

“Segundo o que um consultor militar com fortes laços com a comunidade das operações especiais disse em 2004, alguns oficiais que serviam no Iraque haviam registrado reclamações por escrito sobre abuso nas prisões antes de as fotografias (de prática de tortura) virem a público. Foi-lhes dito que os documentos teriam de ser passados ao general Sanchez. O consultor acrescentou, com raiva: “Crimes de guerra são cometidos e não se toma nenhuma providência. As pessoas foram surradas até a morte. Como se chama quando as pessoas são torturadas e vão morrer, e os soldados sabem disso, mas não cuidam dos ferimentos:” E respondeu a própria pergunta: “Execução”.”

 

 

“A ordem de limpeza levou à criação de uma serie de grupos de peneiramento na matriz da CIA. Antes que um novo “ativo” pudesse ser recrutado, um funcionário tinha de buscar aprovação de um Grupo de Revisão Graduado. “Era como um cardiologista da Califórnia decidindo se um cirurgião poderia abrir um peito em Nova York”, lembrou um ex-funcionário. Os potenciais agentes eram avaliados por funcionários que não tinham experiência prática em operações secretas. (Robert Baer – funcionário aposentado da CIA, que foi premiado com a Medalha da Carreira na inteligência, que fala árabe e era considerado talvez o melhor agente de campo no Oriente Médio – lembrou-se de ter pensado: “Os americanos simplesmente odeiam a inteligência”.) Na opinião dos funcionários de operações, as armas mais importantes na guerra contra o terrorismo internacional estavam sendo avaliadas por homens e mulheres que, como um dos funcionários aposentados colocou, não pegavam o carro para ir até um restaurante de Washington à noite porque temiam os crimes na área.”

 

 

“Segundo Robert Baer, a situação é bem grave. O que salvou a Casa Branca do voo 93 foi um grupo de jogadores de rúgbi, que atacou os sequestradores da Al Qaeda, forçando o avião a cair na Pensilvânia, perto do alvo. “É para isso que se gastam 30 bilhões de dólares?”, perguntou ele, referindo-se ao orçamento federal para a inteligência (por ano).”

 

 

“Richard A. Clarke, ex-assessor sobre o terrorismo do Conselho de Segurança Nacional revelou, numa entrevista de abril de 2004, que o governo via o Afeganistão como um remanso militar e político – um desvio no caminho em direção ao Iraque, a guerra que mais importava ao presidente. Segundo ele, Clarke e alguns de seus colegas advertiram repetidas vezes à liderança de segurança nacional de que “não se pode ganhar a guerra no Afeganistão com tão pouco esforço. Havia mais policiais em Nova York que soldados no solo do Afeganistão. Precisamos ter uma presença segura, aliada a um programa de desenvolvimento em cada região e permanecer lá por vários meses”.

De acordo com Clarke, o presidente e seus homens não responderam por três motivos: “Um, não queriam se envolver no Afeganistão, como os russos. Dois, economizavam forças para a guerra no Iraque. E três, Rumsfeld (Donald Rumsfeld, secretário de defesa) queria ter um laboratório para provar sua teoria sobre a capacidade de um número pequeno de tropas terrestres conjugado com o poder aéreo vencer batalhas decisivas”. O resultado, segundo Clarke, foi que “os Estados Unidos tiveram sucesso em estabilizar somente duas ou três cidades. O presidente do Afeganistão não passa do prefeito de Cabul”.”

 

 

“Um ex-funcionário de inteligência do governo Bush lembrou um caso em que o grupo de Chalabi, trabalhando com o Pentágono, surgiu com um desertor do Iraque que foi entrevistado no estrangeiro por um agente da DIA (Defense Intelligence Agency – Agência de Inteligência de Defesa do Pentágono). O agente baseara-se num intérprete suprido pelo pessoal de Chalabi. No verão de 2002, o relatório da DIA, que era confidencial, vazou. Numa reportagem detalhada, o Times, de Londres descreveu como o desertor fora treinado com os terroristas da Al Qaeda no final dos aos 1990 em campos secretos no Iraque, como os iraquianos recebiam instruções sobre o uso de armas químicas e biológicas e como o desertor recebera uma nova identidade e fora transferido. Entretanto, um mês mais tarde, os agentes da CIA foram entrevistar o homem com um intérprete próprio. Um ex-funcionário contou: “Ele declarou: ‘Não, não foi o que eu disse. Eu trabalhava num campo em fedain, não era da Al Qaeda’. Nunca vira nenhum treinamento químico ou biológico. A CIA mandou um pedaço de papel dizendo que a informação estava incorreta. Puseram por escrito. Mas a negação da CIA, tal como o relatório original, era confidencial. Lembro de ter pensado se este iria vazar e corrigir o anterior, o vazamento incorreto. É claro que isso não ocorreu”.

O ex-funcionário continuou: “Uma das razões de eu ter saído foi meu sentimento de (profissionais do governo, especialmente do Pentágono) estarem usando a inteligência da CIA e de outras agências apenas quando se ajustava à sua agenda (ir à guerra contra o Iraque – mesmo sem provas). Não gostavam das informações de inteligência que estavam obtendo, então trouxeram um pessoal para escrever. Estavam tão enlouquecidos, tão distantes e era tão difícil ter uma conversa lógica com eles, a ponto de a situação ser bizarra. Eram dogmáticos, como se estivessem numa missão divina. Se o fato não serve para a teoria deles, eles não o aceitam”.”

 

 

“Kenneth Polack, um ex-especialista em Iraque do Conselho de Segurança Nacional, cujo livro The Threatening Storm (A tempestade ameaçadora) apoiava de modo geral o uso da força para remover Saddam Hussein, contou que o pessoal de Bush fez foi “desmantelar o processo existente de filtragem que durante 50 anos impedira os articuladores políticos de receberem informações erradas. Criaram canais para passar as informações que queriam diretamente para a liderança. Eles acreditavam que a burocracia profissional, de uma maneira deliberada e mal-intencionada, impedia o acesso deles às informações”.

“Eles sempre tinham informações para sustentar suas acusações públicas, mas muitas vezes era má informação”, continuou Pollack. “Eles estavam forçando a comunidade de inteligência a defender suas informações e análises corretas de modo tão agressivo que os analistas de inteligência não tinham tempo ou energia para buscar as informações incorretas.” Comentando o controle de Rumsfeld sobre o DIA, um ex-funcionário de alto-escalão declarou no início de 2002: “Se tornassem público que o Rummy queria ligar o governo de Tonga ao 11 de Setembro, dentro de alguns meses arranjariam fontes que o fariam”.

(...)

Em entrevistas, ex-funcionários e analistas da CIA descreviam a agência numa crescente desmoralização. Um deles disse de George Tenet (diretor da instituição): “George sabe que está sendo derrotado e os analistas estão aterrorizados. Ele costumava proteger seu pessoal, mas está sendo forçado a fazer as coisas do jeito deles”. Por estarem na defensiva, os analistas da CIA escreviam “relatórios justificando sua inteligência em vez de dizer o que estava acontecendo. O Departamento de Defesa e o gabinete do vice-presidente escrevem seus próprios trabalhos, baseados na própria ideologia. Coletamos tantas coisas que você pode encontrar o que quiser”.

Como resultado, a administração conseguiu as coisas do seu modo, de acordo com um ex-funcionário da CIA: “Os analistas da CIA foram vencidos defendendo suas avaliações. Nunca vi um governo assim”.”

 

 

“Rumsfeld começou a reclamar para seus subordinados das precauções do general Holland (Charles Holland, da aeronáutica, comandante de quatro estrelas das Operações Especiais) logo após o 11 de setembro. Alguns dias depois dos ataques, ele pediu que Holland compilasse uma lista de alvos terroristas para retaliação imediata. O general retornou duas semanas mais tarde com quatro possíveis alvos – fortalezas islâmicas suspeitas na Somália, Mauritânia, Filipinas e na Tríplice Fronteira, ponto onde se encontram Brasil, Paraguai e Argentina. Mas o general também disse a Rumsfeld que um ataque imediato não era possível, porque os militares não possuíam “inteligência acionável” nos alvos propostos, de acordo com um consultor de Defesa. A retaliação teria de esperar até que a guerra no Afeganistão começasse. O secretário de Defesa não ficou satisfeito. Nos meses seguintes, “inteligência acionável” transformou-se numa máxima ridícula entre os oficiais civis do Pentágono.” (grifo do blog)

 

 

“Há muita coisa a respeito desta administração presidencial (de George W. Bush) que não sabemos e talvez nunca venhamos a saber. Alguns dos problemas mais relevantes nem estão sendo questionados. Como procederam os envolvidos? Como oito ou nove neoconservadores que acreditavam que a guerra no Iraque seria a resposta contra o terrorismo internacional se safaram? Como eles redirecionaram o governo e reordenaram as prioridades e políticas americanas com tanta facilidade? Como superaram a burocracia, intimidaram a imprensa, enganaram o Congresso e dominaram os militares? Será que a nossa democracia é tão frágil? Tentei neste livro descrever alguns dos mecanismos usados pela Casa Branca: a canalização da inteligência, a confiança em Ahmad Chalabi, a recusa em ouvir opiniões discordantes, a dificuldade em conseguir conversas francas sobre operações militares frustradas e de assessores do mais alto escalão em separar muçulmanos que apóiam o terrorismo daqueles que abominam. Uma compreensão completa dos anos mais recentes será um desafio para jornalistas, cientistas políticos e historiadores.”

 

 

“No verão de 2004, em campanha, George Bush repetidas vezes assegurou ao público que suas políticas tinham transformado os Estados Unidos num lugar mais seguro. “Viramos a esquina” era o refrão do discurso de bravata, “Estamos projetando os Estados Unidos para a frente ao estender a liberdade e a paz pelo mundo.” Ele afirmou que o Iraque e o Afeganistão “agora estão sendo governados por líderes fortes. Esses países estão a caminho de eleições livres”. Os Estados Unidos, prosseguiu ele, segurarão os inimigos pelo mundo afora, “para que não tenham de encará-los aqui em casa”. O presidente não mencionou a falta das armas de destruição em massa, o ônus das mortes crescentes dos soldados, as perdas civis no Afeganistão e no Iraque e a devastação de todos os aspectos da vida civil no Iraque. Ele não mencionou as decisões adversas da Suprema Corte em julho de 2004, que contestaram a base legal de seu sistema de prisão pós-guerra e disseram a ele que estrangeiros, assim como os cidadãos americanos, tinham direito a um processo justo em tempos de guerra. Além disso, Bush não discutiu a crescente alienação e amargura dos americanos, que, já dilacerados por diferenças raciais e religiosas, se tornaram cada vez mais divididos política e economicamente nos últimos quatro anos.

Temos um presidente que gastou meses aterrorizando o país com advertências sobre cogumelos atômicos que viriam do arsenal de Saddam Hussein e depois disse, como fez num discurso de campanha, que isso não era relevante. Bush afirmou: “Ainda podemos encontrar armas. Ainda não encontramos. [...] Ouçam o que eu tenho de dizer a vocês: sabendo o que sei hoje, ainda assim teríamos ido até o Iraque”. Temos um presidente que pode ficar indiferente quando cachorros de combate são soltos em cima de prisioneiros e depois declarar, em junho de 2004, que “os Estados Unidos são contra a tortura e não vão tolerá-la. Vamos investigar todos os atos de tortura e processar os que os tenham cometido, além de fazer de tudo para impedir que outras punições cruéis e estranhas ocorram em todo o território sob nossa jurisdição”, e que “a ausência de tortura é um direito humano inalienável”. Há muitos que acreditam que o presidente George Bush é um mentiroso, um presidente que distorce os fatos de uma maneira ciente e proposital para obter lucro político. Mas mentir indica uma compreensão do que é desejado, do que é possível e de como chegar lá da melhor forma. Uma explicação mais plausível é que as palavras não tenham significado para esse presidente além do momento imediato em que as pronuncia: ele acredita que sua mera emissão as torna verdadeiras. É uma possibilidade assustadora.”

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