Editora: BestBolso
ISBN: 978-85-7799-049-8
Tradução: Marco
Lucchesi
Opinião: ★★★★★
Páginas: 600
Sinopse: Entre
monstros que habitam o inconsciente da Idade Média, este livro de Umberto Eco
combina diferentes modos de narrativa: o romance de aventuras, o conto
fantástico, a história de mistério. Uma homenagem do autor ao santo protetor de
sua cidade natal, Alexandria, protagonizada por Baudolino, adolescente,
mentiroso e criativo que conquista o imperador Frederico Barba Ruiva e Nicetas
Coniates, personagem inspirado em um historiador e orador que viveu em
Constantinopla. Eco embaralha os seus personagens inventados e produz o mais
recorrente efeito de seu texto: interferir em acontecimentos históricos
conhecidos por meio de atos ou circunstâncias vividas pelos personagens
fictícios. O resultado é imperdível: temperado por inúmeras situações cômicas,
eis aqui uma narrativa divertida e acessível, tanto para quem busca a erudição
de Umberto Eco como para quem apenas quer ler uma boa aventura. Uma celebração
à força do mito e da utopia.
“Mas, afinal, isso tudo é conversa; quando um
guerreiro entra numa cidade, não há religião que resista.”
“‘Baudolino’, dizia-lhe, ‘és um mentiroso
nato’.
‘Mestre, por que dizes isso?’
‘Porque é verdade. Mas não penses que te
censuro. Se queres transformar-te num homem de letras, e, quem sabe um dia,
escrever Histórias, deves também mentir, e inventar histórias, pois senão a tua
História ficaria monótona. Mas terás de fazê-lo com moderação. O mundo condena
os mentirosos que só sabem mentir, até mesmo sobre coisas mínimas, e premia os
poetas que mentem apenas sobre coisas grandiosas’.”
“Baudolino sentia pena daquele Frederico
(Barba Ruiva) que, grande, forte e poderoso, não conseguia, no entanto, aprovar
a maneira de pensar daqueles súditos. E pensar que gastava muito mais tempo na
península italiana do que em suas terras. Ele, dizia para si Baudolino, quer
bem à nossa gente e não entende a razão pela qual é traído por ela. Deve ser
por isso talvez que a esteja matando, como um marido ciumento.”
“‘Em Paris, hás de estudar retórica e ler os
poetas: a retórica é a arte de dizer bem aquilo que não é certo que seja
verdade, e os poetas têm o dever de inventar belas mentiras.”
“Lia sobre terras distantes, onde viviam
crocodilos, grandes serpentes aquáticas, que após terem comido os homens
choravam, moviam a maxila superior e não possuíam língua; os hipopótamos,
metade homens e metade cavalos; a besta leucrócoca, corpo de asno, traseiro de
cervo, peito e coxas de leão, pés de cavalo, chifre bifurcado, boca cortada até
as orelhas, da qual sai uma voz quase humana e no lugar dos dentes não havia
mais que um osso. Lia sobre países onde moravam homens sem articulações nos
joelhos, homens sem língua, homens de orelhas tão grandes que chegavam a
proteger o corpo do frio, e os ciápodes, que correm, velocíssimos, num só pé.
Não podendo enviar a Beatriz as canções que
não fossem as suas (e ainda que ele as escrevesse, não ousaria), decidiu que,
tal como se costumam enviar flores ou joias à amada, haveria de dar-lhe todas
as maravilhas que ia conquistando. Assim, escrevia-lhe sobre terras nas quais
cresciam árvores da farinha e do mel, do monte Arafat, sobre cuja elevação, nos
dias límpidos, viam-se os restos da arca de Noé, e quem chegou até lá em cima
diz que conseguiu tocar com o dedo o furo pelo qual escapou o demônio quando
Noé recitou o Benedicite. Falava-lhe da Albânia, um imenso país onde os homens
são mais brancos do que em outros lugares e seus pés são finos como os bigodes
dos gatos; de um país no qual, se alguém olha para o oriente, projeta a própria
sombra à direita; de outro, habitado por gente ferocíssima, onde, ao nascerem
as crianças, faz-se grande luto, e grande festas quando morrem; sobre regiões
onde surgem enormes montanhas de ouro vigiadas por formigas tão grandes como os
cães, e onde vivem as Amazonas, mulheres guerreiras que mantêm os homens numa
região limítrofe, se dão à luz um menino mandam-no ao pai, quando não o matam;
se geram uma menina arrancam-lhe o seio com um ferro em brasa, se for de origem
nobre, o seio esquerdo, para que possa carregar o escudo, se de origem baixa, o
seio direito para que possa atirar com o arco. E contava-lhe, afinal, sobre o
Nilo, um dos quatro rios, que nascem do monte do Paraíso Terrestre, corre pelos
desertos da Índia, avança pelo subsolo, volta a subir perto do monte Atlas, e
finalmente se lança ao mar, após atravessar o Egito.”
“Na juventude temos a inclinação de nos apaixonarmos
pelo amor.”
“‘Muitas relíquias guardadas aqui em
Constantinopla são de origem duvidosa, mas o fiel que vai beijá-las sente a
emanação de aromas sobrenaturais. É a fé que as faz verdadeiras, não são elas
que fazem a verdadeira fé’.”
“Na corte aprendi quatro coisas: se estás do
lado dos grandes homens, te tornas grande também, os grandes homens são na
realidade muito pequenos, o poder é tudo, e não há razão pela qual um dia não o
possas tomar, pelo menos em parte. É preciso saber esperar, é claro, mas não
deixar passar a oportunidade’.”
““– Mas tu, Zózimo, jura, jura que não
tentarás outro golpe...”
“Juro por todos os doze santíssimos
apóstolos”, disse Zózimo.
“Onze, onze seu desgraçado”, gritou
Baudolino, agarrando-o pela vestimenta, “se dizes doze estás incluindo Judas
também!”
“Está bem, onze”.”
“O Poeta dizia, espumando de raiva, que nos
manuscritos da biblioteca de São Vítor lia-se que quem viajava por aquelas
terras não fazia mais que deparar-se com esplêndidas cidades, templos com
telhados cobertos de esmeraldas, palácios com teto de ouro, colunas com
capitéis de ébano, estátuas que pareciam vivas, altares de ouro com sessenta
degraus, muros de safira pura, pedras tão luminosas que chegavam a luzir como
tochas, montanhas de cristal, rios de diamantes, jardins com árvores das quais
gotejam bálsamos perfumados, que permitem aos habitantes viver aspirando apenas
seus aromas, mosteiros em que se criavam apenas pavões coloridíssimos, cuja
carne não sofria corrupção, e se a levassem em viagem, mantinha-se conservada
por trinta dias ou mais, mesmo sob um sol ardente, sem nunca emanar mau cheiro,
fontes esplendorosas cuja água brilha como a luz de um raio, tanto que, se ali
colocarmos um peixe seco, conservado em sal, ei-lo na juventude – mas, até
então, viram desertos, matagais e maciços em que não se podia sequer descansar
sobre suas pedras porque cozinhavam suas nádegas; as únicas cidades que haviam
encontrado eram feitas de casebres miseráveis, e habitadas por uma gentalha repugnante,
como em Colandiofonta, onde viram os artabantes, homens que caminhavam
agachados como as ovelhas, em Iambut, onde esperavam repousar após ter
atravessado planícies queimadas, e as mulheres, embora não fossem belas, não
eram muito feias, mas descobriram que, fidelíssimas a seus maridos, guardavam
serpentes venenosas na vagina para defender sua castidade – e se ao menos lhe
tivessem dito isso pouco antes, mas não, uma fingira entregar-se ao Poeta, que
por pouco não teve de se consagrar à castidade perpétua, e sorte a dele que
ouviu um sibilo e deu um salto para trás. Perto dos pântanos de Catardese
encontraram homens com testículos que chegavam até os joelhos, e em Necuveram,
homens nus como animais selvagens, que copulavam na rua feito cães, o pai se
unia com a filha e o filho com a mãe. Em Tana, encontraram antropófagos, que,
por sorte, não comiam estrangeiros, porque lhes davam nojo, mas apenas as suas
crianças. Junto do rio Arlon, passaram por uma aldeia onde os habitantes
dançavam ao redor de um ídolo e com facas afiadas infligiam-se feridas em todos
os membros, depois o ídolo foi colocado numa carroça, e levado pelas ruas, e
muitos deles se lançavam com alegria debaixo das rodas da carroça, quebrando os
próprios membros até morrer. Em Salibut, atravessaram um bosque infestado de
pulgas tão grandes como as rãs, e em Cariamaria encontraram homens peludos que
ladravam, e nem sequer Baudolino podia entender a sua língua, e mulheres com
dentes de javalis, cabelos até os pés e rabo de vaca.
Viram essas e outras coisas horripilantes,
mas nunca as maravilhas do Oriente, como se todos aqueles que escrevessem a seu
respeito não passassem de grandes mentirosos.
Ardzrouni recomendou que tivessem paciência,
porque dissera também que antes do Paraíso Terrestre havia uma terra muito
selvagem, mas o Poeta respondia que a terra selvagem era habitada por animais
ferozes, que por sorte ainda não haviam visto, e portanto ainda estava por vir,
e se aquelas que viram eram, no entanto, as terras não selvagens, imaginemos o
restante.”
“Quando reina a anarquia, dizia o Poeta,
qualquer um pode se fazer rei. Para isso era preciso encontrar dinheiro. Nossos
cinco sobreviventes estavam esfarrapados, sujos e sem qualquer recurso. Foram
recebidos pelos genoveses de coração, mas diziam que hóspede é como o peixe,
que começa a cheirar mal depois de três dias.”
“Não há nada mais injusto do que o castigo
para o justo que pecou, meus amigos, porque para o pior dos pecadores perdoa-se
o último dos pecados, mas ao justo nem sequer o primeiro.”
tenho esse há anos e não li ainda.
ResponderExcluirvou providenciar isso já!
Faça isto, companheiro, pois vale muito a pena, é uma obra muito cômica.
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