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sexta-feira, 22 de agosto de 2008

O sumiço da santa: um caso de feitiçaria – Jorge Amado

Editora: Record
ISBN: 978-85-0105-695-5
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 448
Sinopse: Às vésperas da abertura de uma grande exposição de arte sacra, chega a Salvador, vinda de Santo Amaro da Purificação, uma preciosa imagem de santa Bárbara. Assim que desembarca na capital, a santa desaparece, deixando polícia, autoridades e imprensa em polvorosa.
Publicado originalmente em 1988, O sumiço da santa narra os dois dias que se seguem ao misterioso desaparecimento da imagem. Para complicar o caos reinante, uma equipe da televisão francesa chega a Salvador para rodar um documentário sobre a cultura baiana, o que acaba suscitando um Carnaval fora de época, com direito a trio elétrico, sessão de candomblé e festival de capoeira.
Com maestria, Jorge Amado entrelaça inúmeras histórias, misturando personagens fictícios com ícones da cultura baiana – todos movendo-se freneticamente sob a égide de Iansã/santa Bárbara. O eixo narrativo, paralelamente ao sumiço da santa, é o embate entre duas mulheres notáveis: a católica e puritana Adalgisa, filha de negra com espanhol, e sua fogosa sobrinha adolescente Manela, adepta do candomblé.
Qualificado de “história de feitiçaria” por seu autor, o livro merece figurar ao lado de Os pastores da noite e Tenda dos milagres como um dos grandes libelos de exaltação do sincretismo religioso e da mestiçagem cultural.



“Na peçonha de tais insinuações, os miseráveis tentavam esconder os cadáveres apodrecendo no mangue entre guaiamuns. O padre viaja com os três mortos, sabe quem os mandou assassinar, todos sabem; de nada adianta saber, os que comandaram os pistoleiros pairam ilibados, inacessíveis, acima do bem e do mal. A terra tem donos, uns poucos, contam-se nos dedos das mãos; poucos, porém implacáveis.”


“Vestido vaporoso, de tule, estilo renascença, modelo e confecção de Maria Zilda, oferta do casal Cotrim, Lourdes e Jonas, padrinhos no religioso, véu, grinalda, flores de laranjeira em profusão atestando a virgindade da noiva – desta vez a donzelice da prometida era deveras: não estava prenha e nem sequer a ponta da cabeça da rola do nubente lhe tocara de leve o cabaço incólume. Não provara a fruta-pica, coisa rara em nossos dias progressistas, fato digno de referência e alabança.”


“A censura, a corrupção e a violência eram as regras de governo, carece recordar pois existe quem já tenha se esquecido. Tempo da ignomínia e do medo: os cárceres repletos, a tortura e os torturadores, a mentira do milagre brasileiro, as obras faraônicas e a comilança, a impostura e o venha-a-nós – há quem tenha saudade, é natural.”


“Para Dom Rudolph não cabia dúvida, e o afirmava, autoritário: o Exército de Cristo, trincheiras erguidas nos cinco continentes, tinha a missão de sustentar, como vinha fazendo através dos séculos, o direito à propriedade das classes dominantes. Abusos, se houvesse, a caridade se encarregaria de corrigi-los: para isso existe a caridade, padre Galvão, uma das três virtudes teologais. A Igreja é sustentáculo da ordem e não promotora da desordem. Exerça a caridade, padre.
Padre Abelardo, ao contrário, considerava que essa igreja da submissão e da obediência cega, a serviço dos ricos e dos poderosos – para eles os bens do mundo, para os pobres a esperança do reino dos céus –, era a negação da palavra do Messias: a Igreja devia servir à justiça e aos necessitados. O autêntico Exército de Cristo, recrutado nas favelas das cidades e na miséria dos campos do terceiro-mundo em desespero por padres e bispos portadores de uma prédica nova, devia sustentar a ação insubmissa, a resistência e a luta.”


“Está por se escrever uma boa história onde não exista sexo, explícito ou dissimulado, fator de alegria e sofrimento, fonte da vida: nem a Bíblia escapa. Muito ao contrário.”


“A esposa confidenciava às amigas íntimas que, além da partícula aristocrática – a família do Recôncavo, arruinada, descendia dos Garcia d’Ávila –, as duas qualidades maiores do marido eram a burrice e a disciplina. Tudo o mais não passava de decorrência: a maldade, a hipocrisia, a bajulação aos poderosos, a prepotência para com os subordinados e os pobres em geral, a retórica vazia, a jactância e os chifres.”


“O carro entrou em velocidade numa curva, Patrícia, sem ter onde apoiar-se, escorregou do banco. Ao levantar-se, sentou no colo do padre, tranquila da vida, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Ninguém deu importância, a não ser o próprio padre: Deus o sujeitava a uma prova atroz. Atroz, seria a palavra certa?”


“Fora Sylvia, competente esposa de juiz de menores, quem introduzira Olímpia no requinte dos adolescentes: a amiga logo a superara, convertendo-se em reputada especialista – reputada, o adjetivo diz tudo e soa bem.”


“A palavra companheiros tinha uma vibração fraterna, rompia barreiras, congregava diferenças, extinguia distâncias.”


“Gravara a cara do padreco, com certeza um sem-vergonha, um desalmado. Um desses padres ruins que não reconhecem a lei de Deus e querem tomar a terra de seus donos, sem respeitar escrituras, porteiras e demarcações. Quem sabe teria passado nos peitos uma das filhas do coronel, eram bonitas as duas, a casada então nem se fala, e esses padres de agora não brincam em serviço, vão traçando, vão comendo, tirante alguns que preferem dar a bunda. Os primeiros, Zé do Lírio não os criticava, quem encontra uma racha dando sopa e não aproveita não merece o reino dos céus, mas os dadores de cu, ele os detestava, raça daninha.”


“Quem tem amigos não passa vergonha.”

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