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domingo, 26 de junho de 2022

A pequena fadette, de George Sand

Editora: Clube de Literatura Clássica

ISBN: 978-65-87036-22-9

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 360

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Sinopse: Nesta história, que se passa no interior da França, somos apresentados a Landry e Sylvinet, gêmeos idênticos na aparência e opostos no temperamento. A relação dos irmãos, até então inseparáveis, é abalada pela chegada de Fadette, menina pobre e desprezada que se apaixona por Landry e causa ciúmes em Sylvinet.




“Para os homens de ação que se ocupam pessoalmente da política, há, em toda decisão, em toda situação, uma febre de esperança ou de angústia, uma cólera ou uma alegria, a embriaguez do triunfo ou a indignação da derrota. Mas para o pobre poeta, como para a mulher ociosa, que contemplam os acontecimentos sem neles encontrar um interesse direto e pessoal, qualquer que seja o resultado da luta, há o horror profundo ao sangue derramado de uma parte e de outra, uma espécie de desespero à vista desse ódio, dessas injúrias, dessas ameaças, dessas calúnias que sobem aos céus como um holocausto impuro, após as convulsões sociais.

Nesses momentos, um gênio tempestuoso e poderoso como o de Dante escreve com suas lágrimas, com sua bile, com seus nervos, um poema terrível, um drama todo repleto de torturas e de gemidos. É preciso ter a têmpera dessa alma de ferro e de fogo para deter a imaginação sobre os horrores de um inferno simbólico, quando se tem diante dos olhos o doloroso purgatório da desolação sobre a terra. Em nossos dias, mais fraco e mais sensível, o artista, que é tão-somente o reflexo e o eco de uma geração bem parecida com ele, sente a necessidade imperiosa de desviar a vista e de distrair a imaginação, dirigindo-se a um ideal de calma, de inocência e de devaneio. É sua enfermidade que o faz agir assim, mas que ele não enrubesça por isso, pois isto também é seu dever. No tempo em que o mal vem do fato de os homens se ignorarem e se odiarem, a missão do artista é celebrar a brandura, a confiança, a amizade, lembrando assim aos homens empedernidos ou desalentados que os costumes puros, os sentimentos ternos e a igualdade primitiva são, ou podem ser, ainda deste mundo. As alusões diretas aos infortúnios presentes, o apelo às paixões que fermentam, não é este o caminho da salvação; mais vale uma doce canção, o som da flauta rústica, um conto para ninar as criancinhas sem pavor e sem sofrimento, que o espetáculo dos males reais reforçados e obscurecidos também pelas cores da ficção.” (Prefácio)

 

 

“— A natureza não mudou, prosseguiu meu amigo: a noite é sempre pura, as estrelas brilham sempre, e o tomilho selvagem sempre cheira bem.

— Mas os homens pioraram, e nós como os outros. Os bons se tornaram fracos; os fracos, medrosos; os medrosos, covardes; os generosos, temerários; os céticos, perversos; os egoístas, ferozes.

— E nós, disse ele, que éramos nós e o que nos tornamos?

— Éramos tristes, tornamo-nos infelizes, respondi-lhe.

Ele repreendeu meu desânimo e quis provar que as revoluções não são leitos de rosas. Eu o sabia muito bem e, da minha parte, isso não me preocupava; mas ele também quis provar que a escola da infelicidade era boa e desenvolvia forças que a calma termina por entorpecer. Não concordei com ele naquele momento; eu não podia aceitar tão facilmente os maus instintos, as más paixões e as más ações que as revoluções trazem à tona. Um pouco de embaraço e de aumento de trabalho pode ser bastante salutar para as pessoas de nossa condição, dizia-lhe eu; mas o aumento da miséria é a morte do pobre. Além disso, deixemos de lado o sofrimento material: há, na humanidade, neste momento, um sofrimento moral que nada pode trazer de bom. O mau sofre, e o sofrimento do mau é a raiva; o justo sofre, e o sofrimento do justo é o martírio, ao qual poucos homens sobrevivem.

— Estás então perdendo a fé? perguntou-me meu amigo, escandalizado.

— É o momento da minha vida em que, pelo contrário, mais tive fé no futuro das ideias, na bondade de Deus, nos destinos da revolução. Mas a fé se conta em séculos; e a ideia abrange o tempo e o espaço, sem fazer caso dos dias e horas; e nós, pobres humanos, contamos os instantes de nossa rápida passagem e saboreamos sua alegria ou amargura, sem podermos nos proibir de viver pelo coração e pelo pensamento com nossos contemporâneos. Quando eles se desorientam, nós nos inquietamos; quando se perdem, nos desesperamos; quando sofrem, não podemos ficar sossegados e felizes. A noite está bela, dizes, e as estrelas brilham. Sem dúvida, essa serenidade tanto dos céus quanto da terra é a imagem da imperecível verdade cuja fonte divina os homens não são capazes de esgotar nem turvar. Mas, enquanto contemplamos o éter e os astros, enquanto respiramos o perfume das plantas selvagens e a natureza canta à nossa volta seu eterno idílio, há gente sufocando, definhando, chorando, estertorando, expirando nas mansardas e masmorras. Jamais a raça humana fez ouvir um queixume mais surdo, rouco e ameaçador. Tudo isso passará, e o futuro nos pertence, eu sei; mas o presente nos dizima. Deus sempre reina; mas, neste momento, não governa.

— Faz um esforço para sair desse abatimento, disse-me meu amigo. Pensa em tua arte e trata de encontrar algum encanto para ti mesmo nos prazeres que ela te impõe.

— A arte é como a natureza, disse-lhe eu: é sempre bela. Ela é como Deus, que é sempre bom, mas há épocas em que ela se contenta em existir no estado de abstração, podendo se manifestar mais tarde, quando seus adeptos forem dignos. Então seu sopro reanimará as liras há muito emudecidas; mas poderá vibrar aquelas que se partiram na tempestade ? A está hoje em processo de decomposição para uma nova eclosão. Ela é como todas as coisas humanas em tempos de revolução, como as plantas que morrem no inverno para renascer na primavera. Mas o mau tempo faz muitos germes perecer. Que importância têm, na natureza, algumas flores ou alguns frutos a menos? Que importância têm, na humanidade, algumas vozes extintas, alguns corações congelados pela dor ou pela morte? Não, a arte não conseguiria me consolar do que a justiça e a verdade sofrem hoje na terra. A arte viverá bem sem nós. Esplêndida e imortal como a poesia, como a natureza, ela sorrirá sempre sobre nossas ruínas. Nós que atravessamos esses dias nefastos, antes de artistas, tratemos de ser homens; temos muito mais a lamentar do que o silêncio das musas.”

 

 

“Era bem verdade que ele era o mais sensível dos dois, fosse por ter um temperamento menos forte, fosse porque Deus, em sua lei da natureza, tivesse escrito que de duas pessoas que se amam, seja por amor, seja por amizade, houvesse sempre uma que devesse entregar seu coração mais do que a outra.”

 

 

“Então, Landry, tendo prometido fazer o seu melhor, foi para a lavoura, onde se portou bem e trabalhou bem todo o dia, e donde voltou com grande apetite; pois era a primeira vez que trabalhava tão arduamente, e um pouco de fadiga é um remédio infalível contra a tristeza.”

 

 

“Jamais se faz justiça quando se deixa consumir o próprio coração pelo ciúme.”

 

 

“Na roça, ninguém jamais é sábio sem ser um pouco bruxo.”

 

 

“Há quem seja feliz demais e não conheça sua sorte.”

 

 

“— Seus pais o ensinaram a ser ingrato, Landry, e esse é o pior defeito para um homem, depois de ser medroso.”

 

 

“— Não há tolice maior do que mostrar seu próprio sofrimento aos outros.”

 

 

“As mulheres têm o coração feito de modo que um rapaz começa a parecer homem assim que elas o veem estimado e mimado por outras mulheres.”

 

 

“O amor não espera, e, uma vez que se infiltra no sangue de dois jovens, é um milagre se ele aguarda a aprovação de outrem.”

 

 

“O bom deus só abandona aqueles que se abandonam a si mesmos, e aquele que tem coragem de dissimular a sua dor é mais forte contra ela que aquele que se queixa.”

 

 

“O ressentimento, nas mulheres, dura mais que a mágoa.”

 

 

“O mundo funciona da seguinte maneira, que quando duas ou três pessoas maltratam outra, todas as outras também se envolvem, atiram-lhe as pedras e lhe criam uma má reputação sem saber muito bem por quê, e como se fosse pelo prazer de esmagar quem não se pode defender.”

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