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sábado, 23 de outubro de 2021

Drácula, de Bram Stoker

Editora: Darkside

ISBN: 978-85-6663-622-2

Tradução, introdução, notas e posfácio: Marcia Heloisa

Tradução complementar: Bruno Dorigatti & Maria Clara Carneiro

Opinião: ★★★★☆

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Páginas: 580

Sinopse: Drácula, um clássico que ainda corre quente na veia de inúmeras gerações de leitores por todo o mundo e a mais celebrada narrativa de vampiros, continua a transcender fronteiras de tempo, espaço, história e memória.

Mais de 120 anos após sua primeira publicação, o romance epistolar mobiliza leitores e estudiosos, confirmando o vigor perene de uma árvore cujas sólidas raízes respondem pela vitalidade de suas ramificações. Embora o famoso conde não tenha sido o primeiro vampiro literário, certamente é o mais popular, sugado e adaptado para inúmeros universos: teatro, cinema, quadrinhos, séries e brinquedos, o semblante é reconhecido até mesmo por aqueles que nunca leram o romance. Ele está em todos os lugares.

A obra atemporal de Bram Stoker narra, por meio de fragmentos de cartas, diários e notícias de jornal, a história de humanos lutando para sobreviver às investidas do vampiro Drácula. O grupo formado por Jonathan Harker, Mina Harker, dr. Van Helsing e dr. Seward tenta impedir que a vil criatura se alimente de sangue humano na Londres da época vitoriana, no final do século XIX.

Um clássico absoluto do terror, Bram Stoker define em Drácula a forma como nós entendemos e pensamos os vampiros atualmente. Mais que isso, ele traz esse monstro para o centro do palco da cultura pop do nosso século e eterniza o vilão de modos refinados e comportamento sanguinário.

DUAS EDIÇÕES PARA UM ROMANCE ÚNICO

Não é de agora que os leitores clamam por uma edição de Drácula feita pela DarkSide Books para honrar o legado do mestre Bram Stoker. Uma obra tão grandiosa quanto essa será publicada em duas versões, para nenhum vampiro colocar defeito: FIRST EDITION, com a icônica capa amarela da primeira publicação, em 1897, uma edição inédita no mercado brasileiro que eterniza o brilho e o encanto do sol, algo inalcançável diante de toda a dor da eternidade; e a DARK EDITION, dedicada aos leitores trevosos de coração sombrio. Por dentro elas carregam o mesmo conteúdo sangrento; por fora demonstram a vida e a beleza de um clássico imortal.

Para fazer os leitores se arrepiarem, Marcia Heloisa assina a tradução e introdução de Drácula. E como sangue tem poder, o descendente direto do autor, Dacre Stoker, escreve a preciosa apresentação desta edição.

Carlos Primati e Marcia Heloisa dão suas contribuições para a perpétua criatura. O leitor encontra textos de apoio que contam as relações entre a verdadeira Transilvânia e a aquela eternizada no livro, bem como a influência dos vampiros na cultura pop mundial. E como a DarkSide Books sabe o que faz o coração dos vivos leitores da editora bater mais forte, apresenta também o conto “O Hóspede de Drácula”, que fazia parte do texto de Stoker, mas foi retirado da primeira publicação.

Todo esse conteúdo, planejado especialmente para os darksiders que sabem que existe uma razão para as coisas serem como são, é ornamentado com as belas e poderosas imagens de Samuel Casal, premiado quadrinista e ilustrador brasileiro, que fez uma releitura deslumbrante de personagens imortais.

A coleção Medo Clássico da DarkSide se consolida a cada mestre que entra em sua casa, fazendo uma homenagem aos grandes nomes da literatura que já causaram pesadelos inenarráveis aos leitores, década após década. Para eternizar a experiência, sempre traz ilustradores convidados e tradutores que respiram e conhecem profundamente as obras originais. De fã para fã. Até o fim.



Só compreendemos a verdadeira dimensão de certos horrores quando nos vemos face a face com eles.”

 

 

Justo quando cheguei a essa conclusão, ouvi o som de pesados passos se aproximando por trás da porta e distingui um raio de luz pelas frestas. Em seguida, o ruído metálico de correntes e travas sendo manipuladas. A chave girou na fechadura e produziu um rangido estridente, como se há muito não fosse usada, e a imensa porta se abriu.

Lá dentro, um senhor alto, o rosto glabro com exceção do longo bigode branco, trajado de preto da cabeça aos pés, sem qualquer vestígio de outra cor. Na mão erguia uma antiga lamparina de prata, cuja chama ardia livremente, sem contenção de redoma, e lançava sombras esguias e bruxuleantes ao se agitar com a corrente de ar que invadia o ambiente pela porta aberta. Fez um gesto cortês com a mão direita, e me convidou a entrar, em excelente inglês, porém com estranha entonação:

“Bem-vindo à minha casa! Entre livremente e por sua própria vontade!” Não fez menção de vir ao meu encontro, só permaneceu parado como estátua, como se seu gesto de acolhida o tivesse transformado em pedra. No momento, contudo, em que cruzei a soleira da porta, precipitou-se em minha direção, estendeu a mão e apertou a minha com tanta força que mal pude disfarçar a expressão involuntária de dor. Também me surpreendi por estar fria como gelo, dando a impressão de que cumprimentei um cadáver e não um ser vivo. Ele então repetiu:

“Bem-vindo à minha casa. Entre livremente. Parta em segurança e deixe um pouco da felicidade que traz consigo!” A força do aperto de mão era tão semelhante à do cocheiro, cujo rosto não havia visto, que por um instante suspeitei falar com a mesma pessoa; para me certificar, indaguei:

“Conde Drácula?”

Ele se curvou em reverência e respondeu:

“Eu sou Drácula e seja bem-vindo, sr. Harker, a minha casa. Entre, o ar da noite está gelado e você precisa comer e descansar”. (...)

A ceia já estava posta. Meu anfitrião, recostado em um dos cantos da grande lareira, fez um gesto gracioso em direção à mesa e disse:

“Por favor, sente-se e coma o quanto quiser. Perdoe-me por não acompanhá-lo, mas já jantei e não costumo cear”.”

 

 

A essa altura, ao terminar a ceia, satisfiz a vontade do meu anfitrião e puxei uma cadeira para perto do lume, acendi o charuto que me ofereceu, desculpando-se por não fumar. Tive então oportunidade para observá-lo e notei que sua fisionomia era bastante peculiar.

Seu rosto tinha uma característica aquilina pronunciada — bem pronunciada —, com nariz afilado e narinas arqueadas; a testa era alta, abaulada, cabelo escasso ao redor das têmporas, mas profuso no resto da cabeça. As sobrancelhas muito espessas, quase se uniam sobre o nariz, os fios grossos e compridos pareciam formar um emaranhado de pelos. A boca, até onde pude ver por trás do farto bigode, era rija e de aparência um tanto cruel; os dentes brancos, estranhamente afiados, projetavam-se sobre os lábios, cujo tom escarlate denotava vitalidade extraordinária para homem de sua idade. As orelhas eram pálidas e bastante pontiagudas; o queixo largo e forte, as faces firmes, embora magras. O efeito geral era de lividez excepcional.

Até então, eu havia notado apenas o dorso de suas mãos que, apoiadas sobre os joelhos diante da lareira, me pareceram brancas e delicadas; porém, mais de perto, não pude deixar de reparar que eram um tanto quanto ásperas — largas e de dedos curtos e achatados. E o mais estranho: havia pelos no centro de suas palmas. As unhas eram compridas, finas e afiadas. Quando o conde se inclinou sobre mim, tocando-me com ambas as mãos, não consegui conter um calafrio. Talvez tenha sido seu hálito rançoso; sei apenas que fui tomado por terrível náusea que, por mais que tentasse, não consegui disfarçar. O conde decerto notou minha reação, recuou e, com o sorriso um tanto lúgubre, que exibiu de forma ostensiva, seus dentes protuberantes, tornou a se sentar defronte da lareira, do lado oposto ao meu.

Ficamos alguns minutos em silêncio e, ao olhar na direção da janela, notei os primeiros raios anunciarem a aurora. Uma estranha quietude pairava sobre tudo, mas, apurando meus ouvidos, distingui uivos de vários lobos, do vale lá embaixo. Os olhos do conde se iluminaram e ele disse:

“Ouça-os, os filhos da noite. Que melodia!” Suponho que tenha notado a perplexidade em meu rosto, pois logo acrescentou: “Ah, senhor, vocês, habitantes das cidades, não conseguem compreender os sentimentos de um caçador”. Erguendo-se, disse:

“Mas você deve estar cansado. Seu quarto está pronto, e amanhã durma até a hora que quiser. Preciso me ausentar e retorno apenas à noite; então, durma bem e tenha bons sonhos!”. Com uma reverência cortês, abriu para mim a porta do quarto octogonal e adentrei em meus aposentos…

Sinto-me mergulhado em um mar de estranhezas. Tenho desconfianças, tenho temores, ocorrem-me os mais estranhos pensamentos, os quais não ouso confessar nem para minha própria alma. Que Deus me proteja, nem que seja pelo bem daqueles que amo!”

 

 

Eu, obviamente, manifestei minha disposição em ajudá-lo no que fosse possível e aproveitei para perguntar se poderia frequentar sua biblioteca. Conde Drácula respondeu: “Sim, é claro”, mas acrescentou:

“Você pode frequentar todo o castelo à vontade, exceto os aposentos trancados à chave, onde não creio que vá querer perscrutar. Há um motivo para que as coisas sejam como são e se você visse o que vejo e soubesse o que sei, talvez entendesse melhor”.”

 

 

Que Deus preserve minha sanidade, pois é só o que me resta. Segurança e garantia de segurança são coisas do passado. Enquanto eu permanecer aqui, tenho apenas um desejo: não enlouquecer — isso se já não estiver louco. Mesmo ainda lúcido, é de fato enlouquecedor pensar que, de todas as aberrações que espreitam neste lugar odioso, o conde é a menos apavorante para mim; que só posso recorrer a ele em busca de proteção, embora esteja ciente de que só estou protegido enquanto ainda tiver alguma utilidade. Meu Deus do céu! Que eu consiga me acalmar, pois, caso contrário, é caminho certo para a loucura.”

 

 

A loira deu um passo à frente e se debruçou sobre meu corpo até que senti sua respiração em minha pele. Era doce como o mel e despertou em meus nervos a mesma sensação que a sua voz, mas havia algo amargo embutido na doçura, um odor acre e pronunciado que me fez pensar em sangue.

Estava com medo de abrir as pálpebras, mas enxergava perfeitamente. A loira se ajoelhou, debruçou-se ainda mais sobre meu corpo com expressão indubitável de gozo. Havia nela voluptuosidade deliberada que me parecia excitante e repulsiva ao mesmo tempo e, ao arquear o pescoço, lambeu os lábios como um animal, revelando o brilho úmido em sua boca escarlate e a língua que deslizava nos dentes pontiagudos e brancos. Abaixava cada vez mais a cabeça e eu podia sentir seus lábios descendo por minha boca, meu queixo, seus lábios pressionados contra minha garganta. De repente, ela parou e pude ouvir o som molhado de sua língua lambendo dentes e lábios, e senti seu hálito quente bafejar meu pescoço. Minha pele formigou, antecipando o toque cada vez mais e mais iminente. Senti seus lábios suaves e trêmulos na pele hipersensível do meu pescoço e as pontas rijas dos seus caninos, posicionados e pausados. Fechei os olhos em lânguido êxtase e esperei — esperei com o coração pulsando.

Contudo, naquele exato momento, outra sensação me atingiu, rápida como relâmpago. Senti a presença do conde, que se aproximava como se envolto em densa nuvem de cólera. Abri os olhos involuntariamente e vi sua mão feroz agarrar o pescoço delicado da loira e puxá-lo com uma força brutal. Os olhos azuis da moça se transformaram, furiosos, os dentes rangeram de ódio e seu rosto pálido enrubesceu, irado. Mas o conde! Jamais imaginei tamanha fúria, nem mesmo nos demônios dos abismos mais infernais. Os olhos dele pareciam queimar. O brilho vermelho era aterrorizante, como se as chamas do próprio inferno ardessem por trás das órbitas. O rosto exibia lividez mortal e suas feições se crispavam rijas, como se os músculos faciais fossem de aço; as sobrancelhas espessas que se juntavam sobre o nariz pareciam labaredas de fogo. Com violento puxão, arremessou a loira para longe e em seguida empurrou as outras para trás com um simples gesto — o mesmo gesto imperioso que o vi usar com os lobos. Sua voz com tom que não se elevou além do sussurro, mas que, não obstante, parecia cortar o ar e pairar ao redor do quarto, disse:

 

 

“Quando, após uma hora ou duas, o conde entrou de fininho no gabinete, eu, que havia cochilado no sofá, despertei do sono com sua chegada. Ele me saudou com cortesia e parecia muito bem-disposto. Vendo que eu dormira em sua ausência, disse:

“Está cansado, meu amigo? Vá se deitar em sua cama, lá poderá descansar melhor. Não poderei ter o prazer de conversar com você hoje à noite, pois preciso me ocupar dos meus afazeres. Mas fique à vontade para se recolher.” Fui para o meu quarto, deitei e, curiosamente, dormi sem sonhar. O desespero tem sua porção de serenidade.”

 

 

Moda é uma maçada. Eu sei, outra gíria, mas não tem problema.”

 

 

“Mesmo que a solidariedade não possa alterar os fatos, pode, ao menos, torná-los mais suportáveis.”

 

 

“Aprendemos com fracasso, não com sucesso.”

 

 

Afortunados são aqueles que levam a vida sem medo, sem sustos, para quem o sono é uma benção noturna diária, que traz consigo apenas os mais doces sonhos.”

 

 

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(Apêndices)

 

“Se o autor de ficção pretende que leitores acreditem em sua história, precisa ele próprio acreditar nela ou, pelo menos, aprender a escrever como se acreditasse. Não deve exibir retórica vazia nem reprisar terrores gastos de empoeirados cenários teatrais. Quanto mais extraordinários os fatos, mais direto devem ser estilo e método narrativo. Alguns, ao versar sobre tais temas, preferem situar suas histórias em tempos remotos. No entanto, a história sobrenatural que não se sustenta na atualidade sucumbe perante a reluzente claridade do mundo ao nosso redor e acaba reduzida a uma disfarçada impostura.” (The Daily News, 27-05-1897)

 

 

Sydney Smith (1771–1845), clérigo inglês célebre pelos ditos espirituosos, certa vez postulou: “A grande questão que devemos nos fazer acerca de um romance é: foi uma leitura divertida? Você levou um susto ao perceber que perdeu a hora do jantar? Achou que não eram ainda dez da noite e já se passava das onze? Atrasou-se para se arrumar para sair? Ficou acordado lendo até mais tarde do que de costume? Se um romance produz tais efeitos, é bom; se não, não há nada que possa salvá-lo: nem enredo, escrita, amor ou polêmica… Um bom romance deve entreter; se não serve para isso, não serve para nada”.” (Marcia Heloisa – posfácio)

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