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quinta-feira, 8 de abril de 2021

A ditadura militar no Brasil: a história em cima dos fatos (Parte II) – Caros Amigos

Editora: Caros Amigos

ISBN: 978-85-86821-83-7

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 390

Sinopse: Ver Parte I



“O general Adyr Fiúza de Castro, um dos criadores do Centro de Informações do Exército, CIE, declarou aos historiadores:

Quando decidimos colocar o Exército na luta contra a subversão – que praticamente foi estudantil e intelectual na sua totalidade, de gente pequeno-burguesa, grã-fina, pois nunca encontrei um proletário, era tudo gente fina, acostumada a lençóis de linho –, foi a mesma coisa que matar uma mosca com um martelo-pilão. Evidentemente, o método mata a mosca, pulveriza a mosca, esmigalha a mosca, quando, às vezes, apenas com um abano é possível matar aquela mosca ou espantá-la. E nós empregamos o martelo-pilão”.

 

 

“Muito depressa a Igreja Católica, apoiadora de primeira hora do golpe militar, descobriu que havia embarcado em canoa furada. Aos poucos, passam a multiplicar-se os choques até de arcebispos com o governo. A vala cavada entre os dois se aprofunda depois de 1968. A igreja, em breve cairá na total oposição à ditadura.”

 

 

Arrebentaram Frei Tito por fora e por dentro

Preso em novembro de 1969 em São Paulo, acusado de ligações com Carlos Marighella, Tito de Alencar Lima é entregue ao delegado Fleury e aos capitães Albernaz, Homero e Maurício – este, ao buscá-lo para “interrogatório”, diz-lhe:

Você agora vai conhecer a sucursal do inferno.”

Sofreu cutiladas, pau-de-arara, telefones (tapas simultâneos com as duas mãos nos ouvidos), choques, cadeira-do-dragão (de metal, eletrificada, sentavam o supliciado nu e molhavam o chão para aumentar o choque), pauladas, ofensas religiosas, massacre sexual, queimaduras de cigarro, corredor polonês.

Deportado para o Chile em 1971, segue para Roma e Paris, onde recebe apoio dos dominicanos.

Enforca-se a 10 de agosto de 1974, aos 29 anos, enlouquecido pelo trauma das torturas que sofreu nas mãos dos militares.

 

 

Em 1973, ficaram famosos dois crimes que envolviam gente poderosa: as mortes de Aracelli Cabrera Crespo, de quase 9 anos, em Vitória, Espírito Santo; e de Ana Lídia Braga, 1 ano mais nova, em Brasília, emblemáticos: só poderiam acontecer num país dominado pelo terror de Estado.

 

Virariam senhores acima de qualquer suspeita

Entre os implicados no caso Aracelli figuravam Dante Michelini Júnior, filho de latifundiário influente nos meios militares; e Paulinho Helal, de família igualmente poderosa. A menina, que a mãe mandou entregar um envelope a Jorge Michelini, tio de Dante, foi drogada, estuprada e morta num apartamento do edifício Apolo, centro da capital capixaba. Os rapazes, sob efeito de cocaína, lhe destruíram a dentadas os seios, parte da barriga e da vagina. Levaram o corpo para o bar-boate de Jorge Michelini, onde o deixaram num freezer por vários dias.

“Quando voltaram a si, não sabiam o que fazer com o cadáver”, diz o jornalista José Louzeiro, autor de Araceli, Meu Amor (Civilização Brasileira, 1976).

O corpo pretejou no freezer. Os jovens jogaram-lhe ácido para dificultar a identificação e o abandonaram num matagal, nos fundos do Hospital Jesus menino. Segundo Louzeiro, o caso produziu 14 mortes, desde possíveis testemunhas até pessoas interessadas em desvendar o crime.

 

“Saia desse hotel que vão te envenenar”

“A ditadura era toda a favor dos implicados, sobretudo o Dante Michelini, o pai dele era golpista e beneficiário do regime. Estavam acima do bem e do mal”, diz 35 anos depois o jornalista José Louzeiro.

Na época, ele era secretário de redação de Última Hora, no Rio, e preparava o livro Lúcio Flávio, O Passageiro da Agonia, sobre um bandido popular, que viraria filme de Hector Babenco. Conta que a turma da motoca, grupo de playboys de Vitória, tinha certeza da impunidade. Anos antes, eles se envolveram noutro crime de morte: atropelaram um guarda de trânsito que ordenou ao grupo para parar. Sequer resultou em inquérito.

Sobre o caso Aracelli, Louzeiro entrevistou mais de 40 pessoas. Certa vez o funcionário de um hotel, pertencente a família Helal, o salvou:

“O senhor não é o autor de Lúcio Flávio? Então saia desse hotel que vão te envenenar”.

Louzeiro passou a preencher ficha num hotel e se hospedar noutro. Algo o intrigava: pessoas ouvidas pela polícia recebiam orientação dos advogados dos acusados. A família contratou os doze melhores advogados de Vitória. Em 1980, Dante e Paulinho foram condenados, mas a sentença foi anulada. Em novo julgamento, em 1991, foram absolvidos. E se tornariam pais de família, católicos, senhores acima de qualquer suspeita, arremata Louzeiro.

A data da morte de Aracelli, 18 de maio, pela Lei 9.770, de 17 de maio de 2000, virou Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. (Como um escárnio, Dante Michelini, ainda é o nome de importante avenida de Vitória)

 

Ana Lídia: Sufocada sob os estupradores

Tarde de 10 de setembro de 1973. Ana Lídia Braga sai do Colégio Madre Carmen Salles com um rapaz loiro, alto. Seu corpo será encontrado no dia seguinte no terreno da universidade de Brasília, UnB. Está nu. A perícia apontará morte por sufocação. Os cabelos loiros foram cortados e se espalhavam pela terra. A boneca Susy, quatro cadernos e alguns lápis de cor são localizados nas redondezas. A mochila e as roupas jamais apareceriam.

Ana Lídia foi sequestrada pelo próprio irmão de 20 anos, Álvaro Henrique, 13 anos mais velho, e levada a um sítio em Sobradinho, perto de Brasília. Um grupo de jovens estuprou e matou a menina.

O sítio pertencia ao senador capixaba Eurico Rezende, da Arena, Aliança Renovadora Nacional, partido do governo militar. A censura proibiu a divulgação do resultado das investigações.

Fazia parte da turma, entre outros filhos de gente graúda, o futuro presidente Fernando Collor, que não participou do crime. Estavam envolvidos, sim, Eduardo Ribeiro Rezende, filho do senador e vice-líder da Arena no Senado; e Alfredo Buzaid Júnior, o Buzaidinho, filho de nada menos que o ministro da justiça de Médici.

Especialistas que acompanharam o caso são unânimes: houve falhas na investigação. E o crime ficaria impune.

 

 

Inferno no paraíso: Cultura “do pau” na luz e na casa da Vovó

Ao estourar o golpe de 1964, a cultura “do pau” estava disseminada na polícia. Chegou ao Dops, na Luz, levada pelo delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury. Também chegou ao Doi-Codi, no Paraíso, chamado pelos militares de Casa da Vovó.

Os prisioneiros chegavam em sangue, feridos ou agonizantes. Pendurados no pau-de-arara, recebiam descargas elétricas. Às vezes ficavam descalços em pisos molhados, o que aumentava a força dos choques. Recebiam violentos jatos de água e areia.

Furadeiras elétricas perfuravam corpos. Coronhadas abriam cabeças. Socos, pontapés, afogamento, navalhas rasgando a carne, queimaduras de cigarro, ataques sexuais: torturas aplicadas pelos homens de Fleury, listadas em Autópsia do Medo, livro de Percival de Souza.

 

“Quando havia homem e mulher, companheiro e companheira, marido e esposa, ‘ele’ era obrigado a ficar olhando o momento em que se enfiavam os dedos no ânus dela”.

 

Crueldade requintada: ao interrogar um padre, o investigador vestiu-se como religioso. De Bíblia na mão, na escuridão, ele torturava o padre física, emocional e espiritualmente. Agentes em bando saíam pelos corredores com uma ratazana pintada de rosa, enquanto tocavam trombone e bumbo. Tudo era tão aterrorizante que uma mulher afirmou que viu uma banheira cheia de sangue na diretoria do Dops. O jornalista não conseguiu confirmar. Mas a banheira de sangue se transformou no pesadelo dessa prisioneira.

Torturadores obrigavam presos a voltar para a cela arrastando-se; médicos reanimavam presos para suportar novas torturas. A ordem era: se matassem alguém, os agentes deveriam sumir com o corpo, sem sinais de identificação, para o caso de ser achado. No Dops, um agente arrancou os dedos de um preso com um punhal de lâmina afiada. O investigador Henrique Perrone levou para casa no bolso do paletó um dedo, que sua mulher encontrou. No Instituto Médico Legal, a cabeça de um foi costurada no corpo de outro.

Calcula-se que, entre 1969 e 1973, os subterrâneos da ditadura provocaram pelo menos 500 mortes.

 

 

“A Arena é o partido do “sim”; e o MDB é o partido do “sim, senhor!”.

(Leonel Brizola, político gaúcho)

 

 

O verdadeiro motivo

“Comissão Parlamentar de Inquérito, dirigida por Alencar Furtado, demonstra que as maiores empresas estrangeiras instaladas no Brasil investiram aqui um total de 299 milhões de dólares trazidos de fora, enquanto remeteram para o exterior, só de 1965 a 1975, um total de 755 milhões em dólares, e, ainda, reinvestiram aqui lucros em cruzeiros registrados em dólares no valor de 693 milhões. Como negar que somos um dos principais exportadores de capitais do mundo capitalista? O deputado pagou caro pela ousadia: foi cassado.”

(Darcy Ribeiro – em Aos Trancos e Barrancos: como o Brasil deu no que deu)

 

 

Para esconder um fracasso, deixaram morrer quase 3.000 crianças, só em 1974

“A historiadora Maria Helena Moreira Alves, explica que o objetivo central da censura num regime autoritário é esconder os conflitos na tentativa de “construir”, ainda que artificialmente, uma sociedade estável e homogênea.

Assim, os meios de comunicação – todos – foram proibidos de noticiar um surto de meningite em São Paulo em 1974.

Nas redações sob censura prévia, os censores de plantão se encarregaram de vetar as notícias. Nas outras, os jornalistas sofriam o drama: primeiro, não sabiam de nada; depois, quando sabiam, era pelo telefonema da censura “proibindo qualquer notícia sobre meningite”... A notícia se espalhou no boca a boca, devagar e incompleta. Décio Nitrini conta que a epidemia começou atacando a periferia, atacando as crianças pobres.

“Só quando atingiu a classe média, centro e regiões nobres, não dava pra esconder mais, aí o governo fez vacinação em massa”, recorda Décio.

E por que os militares queriam esconder um surto de meningite, mesmo à custa da morte de inocentes? Porque mostraria que não eram onipotentes. A prioridade, como sempre, era mostrar ao povo que mantinham tudo sob controle.

A liberação da notícia chegou tarde, e com restrições:

Continua, entretanto, proibida a divulgação de matérias alarmistas e tendenciosas, que possam gerar pânico entre a população.”

Morreram, no auge da epidemia, 2.575 em São Paulo e 305 no Rio de Janeiro, crianças na quase totalidade. E o povo não foi avisado. Por causa da censura, para esconder seu fracasso na área da saúde, a ditadura permitiu que quase 3.000 crianças morressem só em 1974.

 

 

“Geisel, que havia assumido o governo com uma dívida de 10 bilhões de dólares, ao final de seu mandato em 1979 deixaria uma dívida mais que quadruplicada: 42 bilhões de dólares.”

 

 

As guerreiras que pegaram em armas contra a ditadura

(...) Um dia, o capitão Sebastião de Moura, codinome Dr. Luchini, ou também Curió, tirou a prisioneira da guerrilha do Araguaia Dina do cativeiro e a entregou a uma equipe que embarcou num helicóptero. Aterrissariam nalgum ponto da espessa mata, perto de Xambioá. O sargento do Exército Joaquim Artur Lopes de Souza, Ivan de apelido, chefiava a equipe.

“Vocês vão me matar agora?”, perguntou Dina, ao tocar o solo.

“Não, mais na frente um pouco. Agora só quero que você reconheça um ponto”, teria respondido Ivan.

Duzentos metros adiante, o grupo para em uma clareira.

“Vou morrer agora?”, volta a perguntar a moça.

“Vai, agora você vai ter que ir”, responde Ivan.

“Então, quero morrer de frente”, pede, encarando o executor nos olhos.

Ivan se aproxima e, a 2 metros, atira com a pistola calibre 45, atingindo Dina acima do coração. Ela não morreu no ato e levou um segundo tiro, na cabeça. Enterraram Dina ali mesmo. O corpo jamais foi encontrado.

 

O universo da guerrilha, urbana e rural, é pontuado de mulheres que se destacaram na luta para livrar o Brasil da ditadura militar. Sofreram torturas, constrangimentos físicos, sevícias sexuais. Embrenharam-se na mata empunhando armas. Muitas morreram bravamente encarando os algozes, como Dina; discursando pela liberdade antes de abatidas; cantando, perdidas na selva, para espantar a fome e sobreviver a fim de transmitir ensinamentos aos novatos. Surpreenderam os militares, obrigados a admirar-lhes a coragem.

Ivan gostava de contar aos colegas de farda que o último olhar de Dina transmitia mais orgulho que medo. Falou da guerrilheira como a pessoa mais valente que conheceu, elogiou Dina até quando ele próprio ia morrer, treze anos mais tarde, assassinado supostamente como “queima de arquivo”.

“As mulheres são muito mais ferozes do que os homens”, afirma o general Adyr Fiúza de Castro, um dos criadores do Centro de Informações do Exército, Cie, que chefiou o Centro de Operações de Defesa Interna, Codi, no Rio.

Difícil dizer se a percepção do general Fiúza é a mais acertada. Mas é certo que essas mulheres foram corajosas e obstinadas em seu objetivo de derrubar a ditadura. Telma Regina Cordeiro Corrêa, a Lia, escapou de todos os cercos da ditadura no Araguaia. Sozinha, tentou sair do Bico do papagaio ao ver que a guerrilha havia sido derrotada. Perdeu-se numa região rochosa, acabou sem comida, sem água. Em meados de 1974, os militares encontraram o corpo decomposto, com um diário ao lado.

Nas últimas páginas, Lia registra que passava fome e sede, mas não podia morrer, pois ainda tinha muita coisa a passar para os outros guerrilheiros. A ponto de sucumbir, cantava a estrofe da canção dos guerrilheiros:

“Ama a vida, despreza a morte e vai ao encontro do porvir.”

E seguia adiante. “Não aguento mais”, foram as últimas palavras escritas, com letra fraca.”

 

Vendeu caro sua vida: Sônia enfrentou a patrulha sozinha e acertou dois

A carioca Lúcia Maria de Souza, a Sônia, cursou medicina e ganhou a estima do povo da mata por atender como parteira. No livro Operação Araguaia, Taís Morais e Eumano Silva narram sua saga. Na tarde de 24 de outubro de 1973, Sônia e um morador saem do acampamento para encontrar dois companheiros. Onze dias antes, os militares mataram três guerrilheiros.

Sônia não atendeu à regra de evitar caminhos conhecidos. Escondeu as botinas e foi descalça até um córrego. Ao voltar, não as encontrou. Aparece uma patrulha com oito homens, chefiada pelo doutor Asdrúbal – codinome de um major. Ao receber voz de prisão, Sônia saca do coldre um revólver, que cai porque Asdrúbal a acerta na coxa. Escurece e os militares desistem de ir atrás do morador, que foge.

Sônia sangra no chão e Asdrúbal aproxima-se. Acha a moça bonita. A guerrilheira tinha outro revólver escondido: Asdrúbal leva uma bala no rosto e uma na mão; outro oficial levou o terceiro tiro no braço. Os militares restantes imobilizaram Sônia, que já tentava escapar arrastando-se pelo capinzal, sem largar o 38.

“Qual o seu nome?, perguntou um oficial.

“Guerrilheira não tem nome, seu filho da puta. Tem causa. Eu luto pela liberdade” – respondeu Sônia.

“Se quer liberdade, então toma!”, reagiu o militar, descarregando ele e companheiros, suas armas. Sônia levou mais de 80 tiros. Deixaram o corpo no local. O povo da região contava essa história variando as versões, admirado da valentia da moça, como admirados ficaram os militares que a enfrentaram.

 

 

Os generais não podiam alegar que não sabiam

Os militares prenderam moradores do Araguaia de forma arbitrária, torturaram, atiraram em guerrilheiros feridos no chão, executaram prisioneiros, profanaram corpos, abandonaram seus próprios valores e rasgaram a Convenção de Genebra (1949), que entre outros atos veta a prisão e a “punição coletiva” de civis.

“Agiram, enfim, segundo a lei da selva, de acordo com os princípios da barbárie que deveriam combater. Quando tudo terminou, apagaram as evidências daqueles atos: cremaram arquivos e cadáveres para que não restasse sinal algum de um ou de outro”, escreve o jornalista Hugo Studart, em Lei da Selva – Estratégias, Imaginário e Discurso dos Militares sobre a guerrilha do Araguaia.

No entanto, jamais jornalista algum nem historiador encontrou qualquer documento sobre quem dava e como dava as ordens para tantas execuções sumárias. Ao que parece, as ordens teriam sido todas verbais; e, pelas leis supremas dos militares, as da disciplina e da obediência à hierarquia, só podiam vir do chefe-mor: o general-presidente.

Os membros da Comunidade de Informações no Araguaia e das duas equipes de operações especiais tinham grande independência para atuar. Oficiais subalternos, até mesmo sargentos, tomaram muitas decisões vitais. Contudo, não agiam contra a vontade de seus superiores, especialmente os generais.

“Não se pode alegar que no Araguaia alguns pequenos grupos militares tenham adquirido ‘autonomia’ e cometido os ‘excessos’ por conta própria, sem que os generais em Brasília tenham qualquer responsabilidade sobre esses atos”, escreve Studart.”

 

 

Cem milhões de anos sob as águas

Severo crítico da obra da construção da usina de Itaipu, Darcy Ribeiro, ministro-chefe da Casa Civil do governo Goulart, escreveu:

“Deixamos de construir, totalmente em território brasileiro, uma hidrelétrica de 10 milhões de quilowatts, projetada até o detalhe e iniciada no governo Goulart, para construir uma de 12 milhões de quilowatts, metade da qual pertence ao Paraguai (que contribuiu financeiramente na construção de Itaipu, com a quantia exata de 1 dólar). Nos anos seguintes se gastariam vários bilhões de dólares, metade deles emprestados ao Paraguai para serem pagos com a energia produzida. (...) A maior estupidez da operação, porém, foi a ecológica. Com ela, estancamos, sem nenhuma necessidade, a mais bela cachoeira do mundo”.

Darcy se referia ao Salto de Sete Quedas, as quedas-d’água mais volumosas do planeta, com 300 metros de altura e mais de 100 milhões de anos de idade, que desapareceu em 1982, quando as comportas de Itaipu se abriram e a inundação cobriu uma imensidão de território.

 

 

“Como é que se chega ao meu nome? Ora, porque fulano é cretino, sicrano é burro, beltrano é safado! Isso é jeito?”

(General Ernesto Geisel, comentando que “só num país como o Brasil” um homem como ele “poderia chegar a presidente da república”)

 

 

“... A polícia está matando a três por dois. Eu tenho mais medo, hoje, da polícia do que do ladrão”.

(General Carlos Alberto da Fontoura, chefe do SNI no governo Médici, entrevistado em 1993)

 

 

“O Doi (...) é destacamento de operações: ‘Vá lá e faça isso’. (...) Então, o Doi era o braço armado da ‘Inquisição’, vamos dizer assim. É isso.”

(General Adyr Fiúza de Castro, que chefiou o Doi-Codi do Rio de Janeiro)

 

 

Medo, o editor

Nós somos uma geração de jornalistas formados no AI-5, na paranoia. Nós somos o medo. Ele escorre por cada linha que escrevemos. E mancha o papel de vergonha. Nosso jeito de escrever foi moldado pela grande imprensa – pela autocensura. Nosso trabalho raras vezes tinha um sentido social. Tinha apenas um sentido prático: sobreviver, de medo. Não devemos acusar ninguém pelo que não dissemos: com raras exceções, devemos acusar nós mesmos. Esse número zero de Repórter poderia ter sido muito melhor. Muito mais verdadeiro. Mas não foi possível: tivemos medo. E só por isso compreendemos aqueles que se recusaram a colaborar. Ou até mesmo a falar. São nossos companheiros do medo que nos sufoca.

(Do editorial do numero zero de Repórter, novembro de 1977)

 

 

Quem disse que generais também não torturavam?

Prontuário: General Siseno Sarmento

“Quando cheguei à sala, o palco já estava preparado. Cerca de 10 a 12 homens. O capitão Zamith sentado a uma mesa. No chão um cobertor ensopado de água. Em cima uma banqueta. Mandaram-me tirar a roupa e sentar. Eles me amarraram as pernas, em volta da banqueta, junto com os braços. Colocaram-me uma espécie de grampo nos dedos dos pés, no pênis e nas orelhas. Zamith disse:

‘Você pode poupar tudo isso se colaborar’.

Respondi que começassem logo com aquilo e eles rodaram a maquininha. Fui jogado para trás, então os homens começaram a me espancar com pontapés, eu voava de um lado para outro, e só gritava ‘filhos da putas, não vou falar’, eles paravam, me colocavam sentado, o Zamith falava: ‘Diz onde está o Marighella que tudo isso acaba’.

Eu nada dizia e a maquininha rodava, e tudo se repetia. Foram 6 horas de tortura.

Terceiro dia, terrível. À noite, depois de umas duas horas de porradas, Zamith dá uma parada. Entra o general Siseno Sarmento, comandante do I Exército [Rio de Janeiro]. Pensei: ‘Estou salvo, este homem veio para acabar com esta loucura’.

O general entra, acende um charuto, olha para mim e pergunta a Zamith:

‘É este o comunista?’

Pega o charuto e apaga na minha carne. Apagou o charuto umas 4 ou 5 vezes no meu corpo. Como podia um general, comandante de Exército, rebaixar-se tanto, meu Deus! Acreditei, neste momento, que seria mesmo morto por aqueles homens”.

Acimar Fernandes, militante da Ação Libertadora Nacional, ALN: trechos do livro póstumo, inédito, sem título, guardado por seu filho Karl Marcius.

Eterno golpista, em 1954 Sarmento assinou o Manifesto dos Coronéis contra Getúlio e Jango. Comandou o I Exército no governo Médici. Em 1971, foi nomeado para o Superior Tribunal militar, onde ficou até 1977.

 

 

Sinal dos tempos: não respeitavam nem batina

Jesuíta morreu ao defender mulheres torturadas. O povo destruiu a cadeia.

Indefesos diante da truculência da ditadura, inúmeros brasileiros pobres contavam com uma única ajuda: os padres. Era o caso do jesuíta João Bosco Penido Burnier, mineiro de Juiz de Fora, missionário entre os bacairis e posseiros de São Félix do Araguaia, Mato Grosso.

Um dia, o povoado de Ribeirão Bonito rezava a novena de Nossa Senhora Aparecida. Celebraram a cerimônia principal, especialmente vindos, dom Pedro Casaldáliga, bispo de São Félix, e o padre Burnier. Um escritor local descreveu:

“Era tarde de 11 de outubro de 1976. Duas mulheres sertanejas, Margarida e Santana, estavam sendo torturadas na cadeia-delegacia. (...) os dois foram interceder pelas mulheres torturadas. Quatro policiais os esperavam no terreiro da delegacia e apenas foi possível um diálogo de minutos. Um soldado desfechou no rosto do padre João Bosco um soco, uma coronhada e o tiro fatal. (...) Foi morrer, gloriosamente mártir, no dia seguinte, festa da Mãe Aparecida, em Goiânia”.

Casaldáliga acrescentaria detalhes: quando chegaram, os policiais seguravam um caititu bravo, que usariam para morder as mulheres. E a bala que matou o padre era do tipo dundum, que explode ao penetrar no corpo.

Depois da missa de sétimo dia, o povo seguiu em procissão até a delegacia, libertou os presos e destruiu o prédio. No lugar ergueu um santuário.

 

 

As verdadeiras heranças malditas

Vimos como o imperialismo americano, jogando bruto contra o bloco socialista e países do “terceiro mundo” em que os povos cobravam mudanças e governos soberanos, impôs mundo afora ditaduras servis a Washington. A nossa tratou primordialmente de impedir as reformas que ali vinham. Porém, não se tratou apenas de impor 21 anos de chumbo, mas também de preparar o ambiente que, na redemocratização, “possibilitaria ao neoliberalismo aportar com tudo no território brasileiro, estimulado pelas elites empresariais, saudado pelas classes médias e engolidos pelos trabalhadores sem maiores resistências”, como escreveu para Caros Amigos o jornalista Hamilton Octavio de Souza, professor da Pontifícia Universidade Católica/SP.

Não à toa, os golpistas destruíram a experiência educacional transformadora pré-1964, aceleraram a privatização do ensino, criaram “fábricas de diplomas” para formar a intelectualidade neoliberal; em vez de reforma agrária, de produção de alimentos com proteção ambiental, concentraram mais terras em menos mãos e passamos a conviver com latifúndios improdutivos ou do agronegócio exportador e predador do meio ambiente.

Endividaram o país com obras faraônicas; contribuíram para o saque à Amazônia; aceleraram a deterioração cultural do povo, em dobradinha com empresários antinacionais, promotores da “baixaria televisiva” e da alienação, num esquema que perdura. Acabada a ditadura, as elites avançaram sobre os direitos dos trabalhadores, puseram milhões na informalidade e aprofundaram o fosso entre a minoria rica e a extensa maioria pobre ou miserável. O último “general de plantão” nos legará um país cheio de problemas quando deixar o poder. Violência, desagregação, individualismo, consumismo, o levar vantagem a todo preço, mediocridade generalizada – muitos anos de democracia precisam ainda rolar até nos livrarmos dessas heranças malditas.

 

 

“Quem for contra a abertura democrática, eu prendo e arrebento”.

(General Figueiredo, em resposta a pergunta sobre como ele enfrentaria os radicais contrários à abertura)

 

 

“O jornal humorístico O Pasquim alcançou tiragens semanais imensas. Cada número uma capa, cada capa uma opinião:

SOMENTE A

TELEVISÃO

DESLIGADA

SALVARÁ

O BRASIL

 

“O Pasquim não se responsabiliza pelas opiniões de seus colaboradores; aliás, nem pelas suas.”

 

“O Pasquim – um jornal de oposição ao governo grego.”

 

“Se alguém pensa que o Pasquim se atemoriza com ameaças e pressões, pode tomar nota de uma coisa: é verdade.”

 

“O importante não é vencer, é sair vivo”.”

 

 

Escola elitizada sobre controle político

O golpe de 1964 e a ditadura militar interromperam e reprimiram a experiência educacional transformadora que floresceu nos anos 50 e na primeira metade de 60. Os colégios vocacionais e os programas de alfabetização baseados no método Paulo Freire, que estimulavam a participação coletiva e a emancipação política, foram banidos do cenário nacional.

Ao mesmo tempo os governos militares aceleraram o processo de privatização do sistema educacional. Foram criadas as “fundações sem fins lucrativos” e as empresas de educação, que rebaixariam o nível do ensino, aviltaram a profissão de professor e enriqueceram seus donos e “mantenedores”. As fábricas de diplomas ganharam status de faculdades e universidades.

O sistema privado criado na ditadura permanece intacto, não apenas vigora até hoje – representa mais de 72% das vagas oferecidas anualmente no ensino superior – como é também um dos pilares de formação e sustentação intelectual e política do neoliberalismo. A escola brasileira, na sua maioria, não gera nem transforma conhecimento, apenas reproduz o pensamento dominante.

(Hamilton Octavio de Souza)

 

 

“A tirania é o regime que tem menor duração, e de todos, é o que tem o pior final”.

(Nicolau Maquiavel, 1469-1527, historiador, poeta e músico italiano)

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