Editora: InterSaberes
ISBN: 978-85-4430-300-9
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 240
Sinopse: A obra
pretende iniciar o leitor na história da filosofia antiga. Para isso, oferece
uma análise introdutória dos principais pressupostos teóricos desenvolvidos
pelos mais importantes pensadores da Antiguidade, que vai desde o nascimento da
filosofia até o helenismo. Por meio deste livro, você terá uma visão geral das
principais preocupações filosóficas da Antiguidade e do legado que os filósofos
desse período deixaram para a humanidade.
“1.2.5 – A invenção da vida urbana e da política
Entre todas as riquezas culturais que os
gregos nos legaram, sem dúvida nenhuma a invenção da política é uma das
mais importantes para a sociedade ocidental. A política surgiu em um contexto
de ampliação e estruturação da vida urbana, fazendo com que as cidades
se organizassem de maneira a alcançar uma funcionalidade prática baseada em
ideais inéditos.
Com o florescimento do comércio e do
artesanato, os gregos se depararam com a necessidade de desenvolver técnicas de
fabricação de produtos e estratégias de troca e venda que tornassem os
processos comerciais da época mais ágeis e eficientes. Esse fator foi
determinante para a diminuição do prestígio das famílias que pertenciam à
aristocracia grega e elevou o poder econômico da classe dos comerciantes.
A ascensão social de uma classe de
comerciantes suplantou o poderio da elite aristocrática grega, fazendo com que
essa parcela da sociedade desenvolvesse estratégias de distinção e prestígio
social por intermédio das artes. Essa aristocracia passou, então, a estimular,
incentivar e patrocinar o desenvolvimento às artes, às técnicas e aos
conhecimentos da época, preparando, assim, o terreno para o surgimento da
filosofia. Além disso, essa aglomeração nos centros urbanos exigiu do povo
grego a criação de formas de organização social por meio da política, de modo
que a nova classe detentora de poderio econômico - os comerciantes - pudesse
também participar das decisões políticas, não mais ficando restritas apenas às
grandes famílias proprietárias de terras.
Essa organização política traz alguns
aspectos interessantes a serem analisados sob a ótica do surgimento da
filosofia. Chaui (2000) destaca esses aspectos da seguinte maneira:
1. A ideia da lei como expressão da vontade de uma coletividade humana
que decide por si mesma o que é melhor para si e como ela definirá suas
relações internas. O aspecto legislado e regulado da cidade - da pólis -
servirá de modelo para a Filosofia propor o aspecto legislado, regulado e
ordenado do mundo como um mundo racional.
2. O surgimento de um espaço público, que faz aparecer um novo tipo de
palavra ou de discurso, diferente daquele que era proferido pelo mito. Neste,
um poeta vidente, que recebia das deusas ligadas à memória (a deusa Mnemosyne,
mãe das Musas, que guiavam o poeta) uma iluminação misteriosa ou uma revelação
sobrenatural, diziam aos homens quais eram as decisões dos deuses que eles
deveriam obedecer. Agora, com a pólis, isto é, a cidade política, surge
a palavra como direito de cada cidadão de emitir em público sua opinião,
discuti-la com os outros, persuadi-los a tomar uma decisão proposta por ele, de
tal modo que surge o discurso político como a palavra humana compartilhada,
como diálogo, discussão e deliberação humana, isto é, como decisão racional e
exposição dos motivos ou das razões para fazer ou não fazer alguma coisa. A
política, valorizando o humano, o pensamento, a discussão, a persuasão e a
decisão racional, valorizou o pensamento racional e criou condições para que
surgisse o discurso ou a palavra filosófica.
3. A política estimula um pensamento e um discurso que não procuram ser
formulados por seitas secretas dos iniciados em mistérios sagrados, mas que
procuram, ao contrário, ser públicos, ensinados, transmitidos, comunicados e
discutidos. A ideia de um pensamento que todos podem compreender e discutir,
que todos podem comunicar e transmitir, é fundamental para a Filosofia. (Chaui,
2000, p. 36-37, grifo do original)
Essas três ideias levantadas por Marilena
Chaui nos ajudam a compreender como o surgimento da política está diretamente
relacionado ao surgimento da filosofia, principalmente pelo fato de a política
exigir do cidadão grego o desenvolvimento da prática do debate nos espaços
públicos e a articulação de discursos que todos pudessem compreender, não
somente os iniciados aos mistérios das divindades e musas. Um discurso claro,
livre de contradições e elementos fantasiosos, característicos do discurso
mítico; um discurso baseado na razão e na lógica.
Sem dúvida nenhuma, não fossem esses fatos
históricos, a filosofia não teria surgido nesse período e nessa região. Isso
prova que a filosofia não se origina do nada, mas surge como uma reação a uma
série de fatores e acontecimentos históricos que, de certa forma, foram
fundamentais para o princípio desse tipo de conhecimento.
Pudemos perceber, ao longo dessas linhas, que
essas transformações fizeram com que os gregos se afastassem do pensamento
mítico e aderissem ao pensamento racional filosófico.”
“Essas características dos mitos, de
impregnar a natureza de qualidades emocionais, nos permite compreender como o
pensamento mítico está ligado aos anseios e aos desejos dos seres humanos,
projetando nas narrativas míticas o que gostariam que acontecesse. Essa
dinâmica abriu espaço para a criação de rituais como uma estratégia para que os
deuses realizassem seus desejos: “o ritual é o mito tornado ação” (Aranha;
Martins, 2005, p. 125). Com a função de acalmar o espírito dos homens e
tranquilizá-los diante de um mundo assustador, cheio de pestes e doenças,
catástrofes naturais e guerras, o mito, caracterizado por ações fantasiosas e
mágicas, assegurava que o que acontecia na natureza dependia das ações
ritualísticas: uma vez cumprido o ritual de maneira correta, as bênçãos dos
deuses cairiam sobre eles; uma vez descumprindas tais ações, coisas ruins
aconteceriam em forma de castigo pela desobediência.
Vejamos um exemplo de como isso acontece nas
narrativas míticas relacionadas ao Minotauro. A mitologia nos mostra que
Minos, filho do rei cretense Astérion e irmão de Sarpédon e Radamanto, clamou
para si o direito de ser o sucessor de seu pai no governo de Creta. Como
argumento, falou aos irmãos que essa era a vontade dos deuses, conforme se
segue na passagem da obra de Junito de Souza Brandão intitulada Mitologia grega
(1996, p. 61-62, grifo do original):
Minos alegou que, de direito, Creta lhe pertencia por vontade dos deuses
e, para prová-lo, afirmou que estes lhe concederiam o que bem desejasse. Um
dia, quando sacrificava a Posídon, solicitou ao deus que fizesse sair um touro
do mar, prometendo que lhe sacrificaria, em seguida, o animal. O deus
atendeu-lhe o pedido, o que valeu ao rei o poder, sem mais contestação por
parte de Sarpédon e Radamanto. Minos, no entanto, dada a beleza extraordinária
da rês e desejando conservar-lhe a raça, enviou-a para junto de seu rebanho,
não cumprindo o prometido a Posídon. O deus, irritado, enfureceu o animal, o
mesmo que Héracles matou mais tarde (ou foi Teseu?) a pedido do próprio Minos
ou por ordem de Euristeu. A ira divina, todavia, não parou aí, como se verá.
Minos se casou com Pasífae, filha do deus Hélio, o Sol, da qual teve vários
filhos, entre os quais se destacam Glauco, Androgeu, Fedra e Ariadne. Para
vingar-se mais ainda do rei perjuro, Posídon fez que a esposa de Minos concebesse
uma paixão fatal e irresistível pelo touro. Sem saber como entregar-se ao
animal, Pasífae recorreu às artes de Dédalo, que fabricou uma novilha de bronze
tão perfeita que conseguiu enganar o animal. Pasífae colocou-se dentro do
simulacro e concebeu do touro um ser monstruoso, metade homem, metade touro, o
Minotauro.
Perceba, caro leitor, que o fato de Minos não
realizar o ritual de sacrifício do touro entregue por Posêidon para demonstrar
que os deuses estavam com o pretenso rei fez com que recebesse um castigo
terrível: sua mulher concebeu um filho que era metade homem, metade touro. A
história segue seu curso com a ordem de Minos a Dédalo para construir um
labirinto e aprisionar a fera dentro, fazendo com que, de tempos em tempos, a
fera fosse alimentada com carne humana em forma de tributo ao Rei Minos, até
que Teseu libertasse o povo desse tributo matando o Minotauro com a ajuda da
filha do rei, Ariadne.
Cabe destacarmos aqui que essa é uma
característica de toda mitologia: acreditar que suas ações mágicas, por meio de
rituais e sacrifícios, determinam o que acontece ou não na vida dos seres
humanos. O ritual se transforma em uma espécie de barganha com os deuses, que,
aceitando os sacrifícios, abençoam os homens. É nesse sentido que Aranha e
Martins (2005) definem a função de ritual e de mito:
O ritual é a repetição dos atos executados pelos deuses no início dos
tempos e que devem ser imitados e repetidos para que as forças do bem e do mal
sejam mantidas sob controle. Desse modo, o ritual “atualiza”, isto é, torna
atual o acontecimento sagrado que teve lugar no passado mítico.
O mito é uma primeira fala sobre o mundo, uma primeira atribuição de
sentido ao mundo, sobre a qual a afetividade e a imaginação exercem grande
papel e cuja função principal não é explicar a realidade, mas acomodar o ser
humano ao mundo. (Aranha; Martins, 2005, p. 125, grifo do original)
Diante disso, podemos afirmar, por um lado,
que os mitos têm uma função de representar essa primeira tentativa de atribuir
sentido à realidade, procurando - por meio de rituais que atualizam os
mistérios sagrados narrados pelos mitos - fazer com que os gregos conseguissem
conviver em um mundo caótico, de incertezas e falta de conhecimento sobre a
natureza. Por outro lado, esses mitos apresentam um caráter moralizante, que
dita o que os homens devem ou não fazer com base em preceitos morais
predeterminados nas narrações míticas.”
A despeito de a opinião sobre este livro ser boa, destaque-se que os dois primeiros capítulos são muito fracos.
ResponderExcluirNa hora de dar a opinião, estando em dúvida, optou-se pela apreciação mais generosa.