Editora: Boitempo
ISBN:
978-85-7559-578-7
Introdução: Tariq
Ali
Tradução: Daniela
Jinkings; Caco Ishak (introdução)
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 63
Sinopse: A Revolução
Russa de 1917 transformou o Manifesto Comunista no texto
fundamental para socialistas em todo o mundo. No centenário do evento que
marcou o século XX, esse volume coloca a obra mais famosa de Marx e Engels ao
lado de outro texto clássico, Teses de abril, o manifesto revolucionário
de Lênin que eleva a política a uma forma de arte. Essa edição comemorativa
apresenta ainda textos introdutórios de Tariq Ali, contextualizando o período
em que o Manifesto foi redigido – às vésperas das revoluções
de 1848 – e traçando sua influência sobre as Teses de abril, texto
que por sua vez daria novo fôlego ao Manifesto Comunista.
“Lênin compreendia Marx melhor do que a maioria dos
dirigentes políticos de sua época. Em abril de 1917, entre as duas revoluções
que transformaram a Rússia tsarista durante a primeira guerra imperialista, o
bolchevique escreveu uma série de teses baseadas na teoria marxista, exortando
seu partido a fazer os preparativos necessários para uma revolução social –
teses estas que estão incluídas na parte final deste livro. Por outro lado, sem
a Revolução Russa de novembro de 1917, o Manifesto Comunista –
que abre o volume – acabaria confinado às bibliotecas especializadas em vez de
rivalizar com a Bíblia como o texto mais traduzido na história moderna”, afirma
Ali.
O Manifesto Comunista é o texto político
mais influente já escrito – poucos chamados à ação foram capazes de tão
efetivamente agitar e mudar o mundo. Agora, no despertar de um novo século, sob
uma dura crise financeira e em um mundo construído sobre regimes de austeridade
permanente, cada vez mais dominado por terríveis disparidades econômicas, ele
permanece um ponto de referência para quem tenta compreender as transformações
que são hoje forjadas pelo capitalismo e suas formas concomitantes de exploração.
É nas Teses de abril, escritas em 1917, que
Lênin apresenta dez máximas analíticas de modo a traçar um programa para
acelerar e completar a revolução que havia se iniciado em fevereiro daquele
ano. Nessa edição, são incluídas também as Cartas de longe, escritas
por Lênin no exílio e endereçadas a seus camaradas em Petrogrado. Nessas
correspondências, Lênin dá conselhos e instruções aos que levariam adiante seus
ideais no rescaldo da Revolução de Fevereiro.
“Explicar às massas que os sovietes de
deputados operários (SDO) são a única forma
possível de governo revolucionário e
que, por isso, enquanto este governo
se deixar influenciar pela burguesia, nossa tarefa só pode consistir em explicar os erros de sua tática de modo
paciente, sistemático, tenaz, e adaptado especialmente às necessidades práticas
das massas.*
Enquanto estivermos em minoria, desenvolveremos
um trabalho de crítica e
esclarecimento dos erros, defendendo ao mesmo tempo a
necessidade de que todo o poder de Estado passe para os
sovietes de deputados operários, a fim de que, sobre a base da experiência, as massas se libertem dos seus erros.
5. Não uma república parlamentar
– regressar dos SDO a ela seria
um passo atrás, mas uma
república dos sovietes de deputados operários, assalariados agrícolas e camponeses de todo o
país, de baixo para cima.
Supressão da polícia, do exército e do
funcionalismo.1
A remuneração de todos os funcionários,
elegíveis e exoneráveis em qualquer momento, não deverá exceder o salário médio
de um bom operário.
6. No programa agrário, transferir o centro de
gravidade para os sovietes de deputados assalariados agrícolas.
Confisco de todas as terras do país,
com os sovietes locais de deputados assalariados agrícolas e camponeses
dispondo delas. Criação de sovietes de deputados
dos camponeses pobres. Fazer de cada grande herdade (com dimensão de
cerca de 100 a 300 deciatinas*, segundo as
condições locais ou outras condições e segundo a determinação das
instituições locais) uma exploração--modelo
sob o controle dos deputados assalariados agrícolas e por conta da coletividade.
7. Fusão imediata de todos os bancos do país num banco
nacional único e introdução do controle por parte dos SDO.
8. Não “introdução” do socialismo
como nossa tarefa imediata, mas apenas passar imediatamente ao controle da produção social e da distribuição
dos produtos por parte dos SDO.
9. Tarefas do partido:
a) congresso imediato do partido;
b) modificação do programa do partido, principalmente:
1) sobre o imperialismo e a guerra imperialista;
2) sobre a posição perante o Estado e nossa reivindicação de um “Estado-Comuna”;2
3) emenda do programa mínimo, já antiquado;
c) mudança de denominação
do partido.3”
*: Entre a queda do Czar em março de 1917 até
que o poder fosse assumido pelos bolcheviques, em outubro do mesmo ano, a
Rússia esteve sob comando do chamado “Governo Provisório”, composto por alguns sociais-democratas,
socialistas moderados mas, principalmente, por representantes de capitalistas e
latifundiários. Este governo se recusou a promover as principais demandas
populares: jornada de trabalho de oito horas, reforma agrária e saída da
Primeira Guerra Mundial – da qual a Rússia participava mesmo com ampla
restrição popular. Estes acontecimentos históricos, portanto, se dão neste
momento pós-Czar e pré-revolucionário.
1 Isto é, substituição do exército permanente
pelo armamento geral do povo.
**: Antiga medida russa, equivalente a pouco
mais de 1 hectare. (N. E.)
2 Isto é, de um Estado cujo protótipo foi a
Comuna de Paris.
3: Em lugar de “socialdemocracia”, cujos chefes oficiais traíram o socialismo
no mundo inteiro, passando para o
lado da burguesia (os “defensistas” e os vacilantes “kautskianos”), devemos
denominar-nos Partido Comunista.
“Como pôde dar-se um tal “milagre”, como foi possível que, em apenas oito
dias – o período indicado pelo sr. Miliukov no seu jactancioso telegrama a
todos os representantes da Rússia no estrangeiro –, se tenha desmoronado uma
monarquia que se manteve durante séculos e que o tinha conseguido, apesar de
tudo, durante os três anos das tremendas batalhas de classe de que participou
todo o povo, no período 1905-7?
Não há milagres na
natureza nem na história, mas toda viragem brusca da história, incluindo cada
revolução, oferece uma tal riqueza de conteúdo, desenvolve combinações de
formas de luta e de correlação entre as forças combatentes de tal modo
inesperadas e originais que, para um espírito filisteu, muitas coisas devem
parecer milagre.
Para que a monarquia
tsarista pudesse desmoronar em poucos dias, foi necessária a conjugação de uma
série de condições de importância histórica mundial. Indiquemos as mais
importantes.
Sem os três anos de
formidáveis batalhas de classe e a energia revolucionária do proletariado
russo, em 1905-7, seria impossível uma segunda revolução tão rápida, no sentido
de ter concluído a sua etapa inicial em
poucos dias. A primeira revolução (1905) revolveu profundamente o terreno,
arrancou pela raiz preconceitos seculares, despertou para a vida e a luta
políticas milhões de operários e dezenas de milhões de camponeses, revelou umas
às outras, e ao mundo inteiro, todas as
classes (e todos os partidos principais) da sociedade russa na sua
verdadeira natureza, na verdadeira correlação dos seus interesses, das suas
forças, das suas formas de ação, dos seus objetivos imediatos e futuros. A
primeira revolução, e a época contrarrevolucionária que se lhe seguiu (1907-
14), revelaram toda a essência da monarquia tsarista, levaram-na até o “último
limite”, puseram a nu toda a podridão e infâmia, todo o cinismo e corrupção da
corja tsarista com esse monstro, Rasputin, à frente, toda a brutalidade da família
Romanov – esses pogromistas que inundaram a Rússia com o sangue de judeus, de
operários, de revolucionários, esses latifundiários,
“os primeiros entre os seus pares”, que possuíam
milhões de deciatinas de terra e que estavam dispostos a todas as brutalidades,a
todos os crimes, a arruinar e estrangular qualquer número de cidadãos, para
preservar a sua, e da sua classe,
“sacrossanta propriedade”.
Sem a revolução de
1905-7, sem a contrarrevolução de 1907-14, teria sido impossível uma
“autodeterminação” tão clara de todas as classes do povo russo e dos povos que
habitam a Rússia, uma determinação da relação dessas classes entre si e com a
monarquia tsarista que se manifestou durante os oito dias foi “representada”,
se nos é permitido exprimir-nos em termos metafóricos, como que depois de uma
dezena de ensaios gerais e parciais; os “atores” conheciam-se uns aos outros,
seus papéis, seus lugares, seu cenário, detalhadamente, de ponta a ponta, até o
menor matiz das orientações políticas e métodos de ação. (...)
Além de uma extraordinária aceleração da história
mundial, eram igualmente necessárias viragens particularmente bruscas desta
para que, numa delas, o carro da monarquia dos Romanov, manchado de sangue e de
lama, pudesse ser virado de um só golpe.
Esse “encenador” onipotente, esse poderoso acelerador,
foi a guerra mundial imperialista. (...)
Tanto a burguesia
alemã como a anglo-francesa fazem a
guerra para saquear outros países, para estrangular os pequenos povos, para
obter a supremacia financeira sobre o mundo, para partilhar e redistribuir as
colônias, para salvaguardar o regime capitalista agonizante, enganando e
desunindo os operários dos diferentes países.
Era objetivamente inevitável que a guerra imperialista
acelerasse e agudizasse extraordinariamente a luta de classe do proletariado
contra a burguesia e se transformasse numa guerra civil entre as classes
inimigas.”
“Mas, antes de falar disto mais pormenorizadamente, tenho de voltar à parte
da minha carta que é consagrada ao fator de maior importância – a guerra
mundial imperialista.
A guerra ligou uns aos
outros, com cadeias de ferro, as
potências em luta, os grupos beligerantes de capitalistas, os “senhores” do
sistema capitalista, os escravistas da escravatura capitalista. Um só novelo sangrento – eis o que é a
vida sociopolítica do momento histórico que atravessamos.
Os socialistas que
passaram para o lado da burguesia no início da guerra, todos esses David e
Scheidemann na Alemanha, Plekhanov-Potressov-Gvozdiev e cia. na Rússia, gritam
muito e a plenos pulmões contra as “ilusões” dos revolucionários, contra as
“ilusões” do Manifesto de Basileia,
contra o “ridículo sonho” da transformação da guerra imperialista numa guerra
civil. Eles cantaram em todos os tons a força, a vitalidade e a adaptabilidade
que o capitalismo teria revelado, eles que
ajudaram os capitalistas a “adaptar”, domar, burlar e dividir as classes
operárias dos diferentes países.
Mas “quem ri por último
ri melhor”.”
“Mas como justificar o fato de enganar o povo, lográ-lo, violar a vontade da
gigantesca maioria da população?
Para isso é preciso
caluniá-lo – velho, mas eternamente novo, método da burguesia.”
“Os fatos são teimosos”. (Provérbio inglês)
“O instinto e a inteligência da massa proletária não se contentam com
declamações, com exclamações, com promessas de reformas e de liberdades, com o
título de “ministro por mandato dos operários” ou outro ouropel análogo, mas
procuram apoio apenas onde ele pode
ser encontrado, nas massas populares armadas,
organizadas e dirigidas pelo proletariado, os trabalhadores com consciência de
classe.”
“O governo de Gutchkov encontra-se metido num torno: amarrado pelos
interesses do capital, ele é obrigado a buscar a continuação da guerra de
pilhagem e rapina, a garantia dos monstruosos lucros do capital e dos
latifundiários, a restauração da monarquia. Amarrado pela sua origem revolucionária
e pela necessidade de uma passagem abrupta do tsarismo à democracia, sob a pressão
das massas famintas e que exigem a paz, o governo é obrigado a mentir, a
manobrar, a ganhar tempo, a “proclamar” e prometer o máximo possível (as
promessas são a única coisa que é muito barata, mesmo numa época de furiosa
carestia) e a cumprir o mínimo possível, a fazer concessões com uma mão e a
retirá-las com a outra.
Em certas
circunstâncias, o novo governo pode, no máximo, adiar um pouco a sua queda
apoiando-se em todas as capacidades organizativas da burguesia e da
intelectualidade burguesa russas. Mas, mesmo nesse caso, ele não será capaz de evitar a queda, porque
não é possível escapar às garras do
monstro horrível da guerra imperialista e da fome, gerado pelo capitalismo
mundial, sem abandonar o terreno das relações burguesas, sem passar a medidas
revolucionárias, sem apelar ao imenso heroísmo histórico do proletariado russo
e mundial.
Daí a conclusão: não
podemos derrubar o novo governo de um só golpe ou, se pudermos fazê-lo (em
tempos revolucionários os limites do possível alargam-se mil vezes), não
poderemos conservar o poder sem contrapor
à magnífica organização de toda a burguesia russa e de toda a
intelectualidade burguesa uma organização
do proletariado igualmente magnífica, que dirija toda a imensa massa dos
pobres da cidade e do campo, do semiproletariado e dos pequenos proprietários.
Independentemente do
fato de a “segunda revolução” já ter eclodido em Petersburgo (eu já disse que
seria perfeitamente absurda a ideia de avaliar do estrangeiro o ritmo concreto
do seu amadurecimento), se foi adiada por algum tempo ou se já começou em
alguns lugares isolados da Rússia (parecem existir algumas indicações disso),
em qualquer caso a palavra de ordem
do momento, tanto nas vésperas da nova revolução, como durante e posteriormente
a ela, deve ser a organização proletária.”
“Necessitamos de um poder revolucionário,
necessitamos (para um certo período de transição) de um Estado. É nisto que nos distinguimos dos anarquistas. A diferença
entre os marxistas revolucionários e os anarquistas não consiste apenas no fato
de que os primeiros são pela grande produção comunista centralizada e os
segundos pela pequena produção dispersa. Não, a diferença, quanto à questão do
poder, do Estado, consiste em que nós somos pela
utilização revolucionária das formas revolucionárias de Estado para lutar
pelo socialismo e os anarquistas são contra.
Necessitamos de um
Estado. Mas não da espécie de Estado
que a burguesia criou por toda parte, das monarquias constitucionais às
repúblicas mais democráticas. E é nisso que consiste a nossa diferença em
relação aos oportunistas e kautskistas dos velhos partidos socialistas, que
começaram a apodrecer, que deturparam ou esqueceram as lições da Comuna de
Paris e a análise dessas lições por Marx e Engels.
Necessitamos de um
Estado, mas não do mesmo de que a
burguesia necessita, com organismos do poder separados do povo e opostos ao
povo sob a forma da polícia, do exército, da burocracia (funcionários). Todas
as revoluções burguesas apenas aperfeiçoam essa
máquina de Estado, apenas a transferiram
das mãos de um partido para as mãos de outro partido.
Mas o proletariado, se
quiser defender as conquistas da revolução atual e avançar, conquistar a paz, o
pão e a liberdade, precisa “demolir”, para usar as palavras de Marx, essa
máquina de Estado “já pronta” e substituí-la por uma nova, fundindo a polícia, o exército e a burocracia com todo o povo armado. Seguindo a via
apontada pela experiência da Comuna de Paris de 1871 e da Revolução Russa de
1905, o proletariado deve organizar e armar todos
os setores mais pobres e explorados da população, para que eles próprios tomem diretamente nas suas
mãos os órgãos do poder de Estado, constituam
eles próprios as instituições desse poder.”
“De que polícia precisam eles, os
Gutchkov e os Miliukov, os latifundiários e capitalistas? A mesma que havia na
monarquia tsarista. Todas as repúblicas
burguesas e democrático-burguesas do mundo organizaram ou reconstituíram,
depois de brevíssimos períodos revolucionários, precisamente tal polícia, uma organização especial de homens
armados separados do povo e opostos a ele, subordinados de uma ou outra forma à
burguesia.
De que milícia
precisamos nós, o proletariado, todos os trabalhadores? De uma milícia popular, isto é, que, primeiro, seja
constituída por toda a população, por
todos os cidadãos adultos de ambos os
sexos e, segundo, de uma milícia que combine em si a função de exército
popular com as funções de polícia, com as funções de órgão principal e
fundamental da ordem e da administração públicas.
Para tornar estas
proposições mais compreensíveis tomarei um exemplo puramente esquemático. Nem é
preciso dizer que seria absurda a ideia de elaborar qualquer “plano” para uma
milícia proletária: quando os operários e todo o povo se lançarem ao trabalho
de modo prático, em uma escala verdadeiramente de massas, vão elaborá-lo e
organizá-lo cem vezes melhor do que quaisquer teóricos. Não proponho um
“plano”, quero apenas ilustrar a minha ideia.
Em Petersburgo há cerca
de 2 milhões de habitantes. Destes, mais da metade têm de 15 a 65 anos. Tomemos
metade – 1 milhão. Subtraiamos um quarto de doentes, etc., que não participam
no momento atual do serviço social por causas justificadas. Restam 750 mil
pessoas que, trabalhando na milícia, suponhamos, um dia em cada quinze (e
continuando a receber salário dos empregadores durante este tempo), constituem um
exército de 50 mil pessoas.
É este o tipo de “Estado” que precisamos!
É esta a milícia que
seria de fato, e não apenas em palavras, uma “milícia popular”.
É este o caminho que
devemos seguir para que não seja possível
reconstituir nem uma polícia especial nem um exército especial, separado do
povo.
Tal milícia seria
constituída em 95% por operários e camponeses, exprimiria realmente a inteligência e a vontade, a força e o poder da imensa
maioria do povo. Tal milícia armaria e ensinaria realmente a arte militar a
todo o povo, salvaguardando, não à
maneira de Gutchkov, não à maneira de
Miliukov, contra quaisquer tentativas de restauração da reação, contra
quaisquer maquinações dos agentes tsaristas. Tal milícia seria o órgão
executivo dos sovietes de deputados operários e soldados, gozaria do respeito e
confiança absolutos da população,
porque ela seria uma organização de toda a população. Tal milícia transformaria
a democracia, de bela etiqueta que encobre a escravização e o tormento do povo
pelos capitalistas, em verdadeira educação
das massas para a participação em todos
os assuntos estatais. Tal milícia incluiria os jovens na vida política,
ensinando-os, não só pelas palavras, mas pelos atos, pelo trabalho. Tal milícia desenvolveria as funções que, falando em
linguagem científica, dizem respeito à “polícia do bem-estar”, à vigilância
sanitária, etc., recrutando para este trabalho todas as mulheres adultas. E,
sem incluir as mulheres no serviço social, nas milícias, na vida política, sem
arrancar as mulheres do ambiente embrutecedor da casa e da cozinha, não é possível constituir sequer a
democracia, para não falar do socialismo.
Tal milícia seria uma
milícia proletária porque os operários industriais e urbanos obteriam nela uma
influência dirigente sobre a massa dos pobres tão natural e inevitavelmente
como ocuparam o lugar dirigente em toda a luta revolucionária do povo tanto em
1905-7 como em 1917.
Tal milícia asseguraria
uma ordem absoluta e uma disciplina baseada na camaradagem e observada sem
reservas. E, ao mesmo tempo, ela, na dura crise vivida por todos os países
beligerantes, possibilitaria lutar de modo verdadeiramente democrático contra
essa crise, de realizar correta e rapidamente a distribuição do trigo e dos
outros víveres, de aplicar o “trabalho obrigatório geral”, a que os franceses
chamam agora “mobilização cívica” e os alemães “serviço cívico obrigatório”, e
sem o qual não é possível – verificou-se
que não é possível – curar as feridas que a guerra predatória e terrível
causou e continua a causar.
Será que o proletariado
da Rússia derramou o sangue apenas para receber nada além de belas promessas de
reformas políticas democráticas? Será que ele não vai exigir e conseguir que cada trabalhador veja e sinta imediatamente uma certa melhoria da sua
vida? Que cada família tenha pão? Que cada criança tenha uma garrafa de bom
leite e que nenhum adulto de uma família rica ouse consumir leite extra se as
crianças não estiverem alimentadas? Que os palácios e os bairros ricos,
abandonados pelo tsar e pela aristocracia, não fiquem desocupados, mas deem
abrigo às pessoas sem casa e sem posses? Quem pode realizar essas medidas senão
uma milícia de todo o povo, em que as mulheres participem necessariamente em igualdade
com os homens?
Tais medidas não são ainda o socialismo. Elas dizem
respeito ao contingenciamento do consumo e não à reorganização da produção.
Elas não seriam ainda a “ditadura do proletariado”, mas apenas a “ditadura
democrática revolucionária do proletariado e do campesinato pobre”. Do que
agora se trata não é de classificá-las teoricamente. Seria o maior dos erros
tentar meter as tarefas práticas complexas, urgentes e em rápido
desenvolvimento da revolução no leito de Procusto de uma “teoria” estreitamente
entendida em vez de ver na teoria, antes de mais nada e acima de tudo, um guia para a ação.”
“O autor destas linhas teve ocasião, em encontros com Gorki na ilha de
Capri, de o advertir e de lhe censurar os seus erros políticos. Gorki aparava essas
censuras com o seu sorriso incomparavelmente encantador e a ingênua declaração:
“Sei que sou um mau marxista. E, depois, todos nós, artistas, somos um pouco
irresponsáveis”. Não é fácil discutir contra isso.”
“Que é o imperialismo?
Em meu livro O
imperialismo: fase superior do capitalismo, respondi assim a esta pergunta:
O
imperialismo é o capitalismo na fase de desenvolvimento em que ganhou corpo a
dominação dos monopólios e do capital financeiro, adquiriu marcada importância
a exportação de capitais, começou a partilha do mundo pelos trustes
internacionais e terminou a partilha de toda a Terra entre os países
capitalistas mais importantes.
A questão reduz-se ao fato de que o capital cresceu até
atingir enormes dimensões. As associações de um pequeno número dos maiores
capitalistas (cartéis, consórcios, trustes) manipulam bilhões e dividem todo o mundo entre si. Toda a Terra é dividida. A guerra foi provocada pelo choque dos
dois mais poderosos grupos de milionários, o anglo-francês e o alemão, por uma
nova partilha do mundo.
O grupo anglo-francês de capitalistas quer, em primeiro
lugar roubar a Alemanha, tomando-lhes as colônias (quase todas foram já
tomadas), e depois a Turquia.
O grupo alemão de capitalistas quer tomar a Turquia para si e compensar-se pela perda das
colônias com a conquista de pequenos Estados vizinhos (Bélgica, Sérvia,
Romênia).
É esta a verdade autêntica, encoberta com toda a espécie
de mentiras burguesas acerca da guerra “libertadora”, “nacional”, da “guerra
pelo direito e a justiça” e outras cantigas semelhantes com que os capitalistas
sempre enganam o povo simples.”
“Gutchkov, Lvov, Miliukov, os nossos atuais
ministros, não o são por acaso. São representantes e chefes de toda a classe
dos latifundiários e dos capitalistas. Estão amarrados pelos interesses do capital. Os capitalistas não podem
renunciar aos seus interesses, tal como um homem não pode erguer-se puxando
pelo seu próprio cabelo.”
“Por isso, dirigir-se ao governo de Gutchkov-Miliukov propondo-lhe que
conclua o mais depressa possível uma paz honesta, democrática e num espírito de
boa vizinhança é o mesmo que um bom padre de aldeia dirigir-se aos
latifundiários e aos comerciantes propondo-lhes que “vivam de acordo com as
leis de Deus”, que amem o seu próximo e que ofereçam a face direita quando lhes
batem na esquerda. Os latifundiários e os comerciantes ouvem a pregação,
continuam a oprimir e a roubar o povo e extasiam-se pelo fato de o padre saber
tão bem consolar e acalmar os “mujiques”.
É exatamente o mesmo
papel – independentemente do fato de terem ou não consciência disso – que
desempenham todos aqueles que durante a presente guerra imperialista dirigem
piedosos discursos sobre a paz aos governos burgueses. Por vezes os governos
burgueses recusam-se em absoluto a escutar tais discursos e até os proíbem,
outras vezes permitem que sejam pronunciados, espalhando à direita e à esquerda
juras de que só fazem a guerra para concluir o mais depressa possível a paz
“mais justa”, e de que o culpado é só o seu inimigo. Falar de paz aos governos burgueses significa, de fato, enganar o povo.
Os grupos de
capitalistas que inundaram a Terra de sangue por causa da partilha das terras,
dos mercados, das concessões, não podem concluir
uma paz “honrosa”. Podem concluir apenas uma paz vergonhosa, uma paz sobre a
partilha do saque roubado, sobre a
partilha da Turquia e das colônias.”
“Para alcançar a paz (e, mais ainda, para alcançar uma paz realmente
democrática, realmente honrosa), é preciso que o poder de Estado não pertença
aos latifundiários e aos capitalistas, mas aos
operários e aos camponeses mais pobres. Os capitalistas são uma parte
ínfima da população e, como todos sabem, estão obtendo lucros fantásticos com a
guerra.
Os operários e os
camponeses mais pobres são a imensa maioria
da população. Eles não lucram com a guerra; ao contrário, se arruínam e passam
fome. Não estão amarrados nem pelo capital nem pelos tratados entre os grupos
de bandidos capitalistas; eles podem e
querem sinceramente pôr fim à guerra.
Se o poder de Estado na
Rússia pertencesse aos sovietes de deputados operários, soldados e camponeses,
esses sovietes e o Soviete de Toda a
Rússia poderiam e certamente concordariam em aplicar o programa de paz que
o nosso partido (o Partido Operário Socialdemocrata da Rússia) delineou já em
13 de outubro de 1915 no nº 47 do órgão central desse partido, o Sotsial--Demokrat (que se publicava
então, devido à opressão da censura tsarista, em Genebra).
Esse programa de paz
seria provavelmente este:
1) O Soviete dos Deputados
Operários, Soldados e Camponeses de Toda a Rússia (ou o Soviete de Petersburgo,
que o substitui provisoriamente) declararia imediatamente não estar obrigado por nenhum
tratado, nem da monarquia
tsarista nem dos governos burgueses.
2) Publicaria imediatamente todos esses tratados, para cobrir
publicamente de vergonha os objetivos de rapina da monarquia tsarista e de todos os governos burgueses sem exceção.
3) Proporia imediata e abertamente a
todas as potências beligerantes a
conclusão imediata de um armistício.
4) Publicaria imediatamente, para
informação de todo o povo, as nossas condições
de paz, as dos operários e dos camponeses: libertação de todas as colônias; libertação de todos os povos dependentes, oprimidos e
privados de plenos direitos. Declararia não esperar nada de bom dos governos
burgueses e proporia aos operários de todos os países que os derrubassem e
entregassem todo o poder de Estado aos sovietes de deputados operários.
5) Declararia que as dívidas de
bilhões contraídas pelos governos burgueses para travar esta criminosa guerra
de rapina podem ser pagas pelos próprios
senhores capitalistas e que os operários e camponeses não reconhecem essas dívidas. Pagar juros sobre esses empréstimos
significa pagar durante longos anos um tributo
aos capitalistas por eles terem amavelmente permitido aos operários que se
matassem uns aos outros para que os capitalistas pudessem dividir os espólios.
Operários e camponeses!,
diria o Soviete dos Deputados Operários, estais de acordo em pagar centenas de milhões de rublos por ano aos senhores capitalistas como
recompensa por uma guerra que foi travada pela partilha das colônias africanas,
da Turquia, etc.?
Por estas condições de
paz, o Soviete dos Deputados Operários, em minha opinião, estaria de acordo em travar uma guerra contra qualquer governo burguês e contra todos os governos burgueses do mundo,
porque seria uma guerra realmente justa, porque todos os operários e trabalhadores de todos os países contribuiriam
para o seu êxito.”
“Nas cartas precedentes, as tarefas do proletariado revolucionário da Rússia
no momento atual foram delineadas do seguinte modo: (1) saber chegar pela via
mais segura à etapa seguinte da revolução ou à segunda revolução, que (2) deve
transferir o poder de Estado das mãos do governo dos latifundiários e
capitalistas (dos Gutchkov, dos Lvov, dos Miliukov, dos Kerenski) para as mãos
dos operários e dos camponeses mais pobres. (3) Este último governo deve
organizar-se segundo o modelo dos sovietes de deputados operários e camponeses,
isto é, (4) deve demolir e eliminar completamente a velha máquina do Estado, o
exército, a polícia, a burocracia (funcionalismo), comum a todos os Estados burgueses, substituindo essa máquina (5) por uma
organização do povo armado que não seja apenas de massas, e sim universal. (6) Apenas tais governos, com “tal”
composição de classe (“ditadura democrática do proletariado e do campesinato”)
e pelos seus órgãos de governo (“milícia proletária”) estão em condições de resolver com êxito a principal tarefa do momento, uma tarefa extraordinariamente difícil
e absolutamente inadiável: alcançar a paz;
não uma paz imperialista sobre a partilha do butim pelos capitalistas e seus
governos, e sim uma paz realmente sólida e democrática, que não pode ser alcançada
sem a revolução proletária numa série de países. (7) Na Rússia, a vitória do
proletariado só será possível no
futuro mais próximo com a condição de que em seu primeiro passo os operários
sejam apoiados pela imensa maioria do campesinato em sua luta pelo confisco de
toda a propriedade latifundiária (e pela nacionalização de toda a terra). (8) Ligados a essa revolução camponesa e nela baseados
são possíveis e necessários outros passos do proletariado em aliança com a
parte mais pobre do campesinato, passos
que buscam o controle da produção e
da distribuição dos produtos mais importantes, a introdução do “trabalho
obrigatório geral”, etc. Esses passos são ditados, de modo absolutamente
inevitável, pelas condições que a guerra criou e que o pós-guerra tornará mais
agudas em muitos aspectos. Em seu conjunto e em seu desenvolvimento esses
passos seriam a transição para o
socialismo, que na Rússia é irrealizável diretamente, de um só golpe, sem
medidas transitórias, mas é plenamente realizável e urgentemente necessária
como resultado de medidas transitórias desse tipo. (9) A tarefa de organização
imediata e especial de sovietes de deputados operários no campo, isto é, sovietes de operários assalariados agrícolas, separados
dos sovietes dos outros deputados camponeses, apresenta-se como de extrema
urgência.
Tal é, em resumo, o
programa por nós delineado, baseado na consideração das forças de classe da
revolução russa e mundial e também na experiência de 1817 e 1905.”
Com linguagem simples apresentou um bom resumem do complicado cenario de inicio ao socialismo pelo manifesto comunista.
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