Editora: Alfa-Omega
ISBN: 978-85-2950-042-3
Tradução: Leda Rita Cintra Ferraz
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 360
Sinopse: Ver Parte I
“Embora sendo uma forma de expressão da
essência, o fenômeno não coincide com ela, mas dela distingue-se e chega mesmo
a deformá-la. A deformação produz-se pelo fato de que a essência do objeto se
manifesta mediante a interação desse último com outros objetos que o rodeiam,
que têm influência sobre o fenômeno, introduzem certas modificações em seu
conteúdo e, exatamente por isso, o enriquecem. Em decorrência disso, o fenômeno
aparece como a síntese do que vem da essência, do que é condicionado por ela e
do que é introduzido do exterior, do que é condicionado pela ação da realidade
que rodeia o objeto, isto é, de outros objetos que lhe estão ligados. (...)
O fenômeno não pode nunca ser “como a
essência”, já que ele se distingue sempre dela e, de uma forma ou de outra, a
deforma. É por isso que a percepção dos fenômenos não nos fornece nunca um
conhecimento verdadeiro da essência.
Pelo fato de que o conteúdo do fenômeno é
definido não somente pela essência — conjunto dos aspectos e das ligações
necessários internos da coisa — mas igualmente pelas condições exteriores de
sua existência, por sua interação com outras coisas — e essas últimas estão em
constante mudança — o conteúdo dos fenômenos deve ser flutuante, cambiante,
enquanto que a essência representa alguma coisa de estável, que se conserva em
todas as mudanças. (...)
Embora sendo estável com relação ao fenômeno,
a essência também não permanece totalmente imutável. Ela se modifica, embora o
faça mais lentamente do que o fenômeno. Sua modificação é condicionada pelo
fato de que, no processo do desenvolvimento da formação material, certos
aspectos e ligações necessários começam a ser reforçados e a desempenhar um
grande papel, enquanto que outros são rejeitados para um segundo plano ou
desaparecem completamente.”
“Para extrair do fundamento todos os outros
aspectos e ligações necessários que caracterizam a essência do objeto estudado,
é necessário considerar o fundamento (o aspecto determinante, a relação) e a
própria formação material, em seu aparecimento e em seu desenvolvimento. Isso
supõe a evidenciação da fonte do desenvolvimento da força motora, que faz
avançar e condiciona sua passagem de um estágio do desenvolvimento a outro.
Essa fonte é a contradição, a unidade e a “luta” dos contrários. Assim, o
conhecimento choca-se, em seu desenvolvimento, com a necessidade de descobrir
as contradições, os aspectos e as tendências contrários próprios de todas as
coisas e fenômenos da realidade objetiva.
O que representam esses contrários e essa
contradição? Os chamados contrários, os aspectos cujos sentidos de
transformação são opostos e cuja interação constitui a contradição ou a “luta”
dos contrários. Por exemplo, os aspectos que constituem o singular e o geral
nas formações materiais particulares são contrários, pelo fato de que eles
possuem tendências diretamente opostas: o singular tem a tendência de não se
repetir, o geral repete-se sempre. O conteúdo e a forma também são contrários.
A mudança permanente, a flutuação são uma tendência do conteúdo; a
imutabilidade relativa, a estabilidade, uma tendência da forma.
Possuindo tendências opostas em seu
funcionamento, sua mudança, e seu desenvolvimento, os contrários excluem-se
reciprocamente e encontram-se em estado de luta permanente; entretanto, eles
não são divergentes e não se destroem mutuamente; existem juntos e não apenas
coexistem, mas estão ligados organicamente, interpenetram-se e supõem-se um ao
outro, o que equivale dizer que eles são unidos e representam a unidade dos
contrários.
Com efeito, o singular não existe em si
mesmo, independentemente do geral, mas unicamente em ligação orgânica, em
unidade com o geral; não há fenômeno, ou forma sem conteúdo; cada forma possui
um conteúdo, cada conteúdo, uma forma, portanto, o conteúdo e a forma existem
sempre em ligação indissolúvel.
A unidade dos contrários é, portanto, antes
de tudo, seu estabelecimento recíproco, isto é, os aspectos ou tendências
contrárias não podem existir uns sem os outros. Mas, paralelamente, a unidade
exprime igualmente uma certa coincidência dos contrários, nesses ou naqueles
momentos ou tendências. Pelo fato de que os contrários caracterizam uma única e
mesma formação, uma única e mesma essência, eles devem necessariamente ter
muitas coisas em comum, coincidir em toda uma série de propriedades essenciais
porque, em caso contrário, sua interação não poderia criar uma contradição
dialética viva, não poderia tornar-se o fundamento da existência do fenômeno
qualitativamente determinado correspondente. (...)
Os contrários, sendo aspectos diferentes de
uma única e mesma essência, não apenas excluem-se uns aos outros, mas também
coincidem entre si, e exprimem não apenas a diferença, mas também a identidade.
E é unicamente graças a uma certa coincidência de sua natureza, graças à
identidade que transparece pela sua diferença, que eles se interpenetram e
supõem-se uns aos outros, e que eles constituem uma contradição dialética.
Assim, a identidade dos contrários é um momento da contradição, que é tão
necessária, quanto sua diferença.
A equivalência dos contrários exprime o
estado de maturidade da contradição e caracteriza-se por uma exasperação da
luta de forças contrárias. “(...) Longe de excluir a luta, o equilíbrio das
forças a torna, ao contrário, particularmente aguda”3.
A identidade (coincidência) dos contrários
encontra sua expressão, a mais completa, no momento da passagem dos contrários
um no outro. Esse momento da luta dos contrários ganha uma importância
particular pelo fato de que ele designa a resolução da contradição e a passagem
do objeto a um novo estado qualitativo, o que quer dizer que ele é um ponto
nodal do desenvolvimento. Levando em conta a importância particular desse
momento, no desenvolvimento da contradição, dessa forma de manifestação da
identidade dos contrários, Lenin definia a dialética como a teoria da
identidade dos contrários, das leis da passagem de um no outro. “A dialética é a teoria da forma pela qual contrários podem ser e habitualmente são
(porque assim eles se tornam) idênticos
— condições nas quais eles são idênticos mudando-se um no outro — razões por
que o espírito humano não deve tomar esses contrários por mortos, fixos, mas
por vivos, condicionados, móveis, mudando-se um no outro”4.
Assim, a contradição é a unidade dos contrários
e a luta de contrários que se excluem e se supõem mutuamente.
Sendo um momento necessário da contradição, a
unidade e a luta dos contrários não ocupam, entretanto, a mesma posição. A
unidade dos contrários é sempre relativa, enquanto que a “luta” deles é
absoluta. O caráter relativo da unidade dos contrários exprime-se antes de tudo
no fato de que ela é temporária, aparece em certas condições apropriadas,
existe durante um certo tempo e, em decorrência do desenvolvimento da “luta”
dos contrários que a constituem, é destruída e substituída por uma nova unidade
que, sob a pressão da “luta” dos contrários que lhe são próprios, a um certo
estágio de desenvolvimento da contradição, encontra-se igualmente excluída e
substituída por uma outra, melhor adaptada às novas condições. Essa última,
depois de existir um certo tempo, é igualmente eliminada e substituída por uma
nova, e assim sucessivamente até o infinito.
Além de sua existência temporária, o caráter
relativo de cada unidade concreta manifesta-se igualmente na coincidência
incompleta dos contrários, na ausência de um acordo total no funcionamento e no
desenvolvimento desses últimos, assim como no caráter transitório de sua
equivalência.
O absoluto da “luta” dos contrários está no
fato de que ela está presente em todos os estágios da existência dessa ou
daquela unidade, de que é o elo que faz a ligação entre ela mesma e a outra,
que a substitui, e também no fato de que é precisamente baseados nela que se
produzem o aparecimento, a mudança, o desenvolvimento de toda a unidade
concreta e sua passagem para uma nova unidade.”
3
V. Lenin, Oeuvres, t. 9, p. 464.
4
V. Lenin, op. cit., t. 38, p. 107.
“Ao contrário do materialismo metafísico, o
materialismo dialético não somente reconhece a existência das contradições, mas
acredita que a contradição é uma condição universal da existência da matéria,
uma forma universal do ser. Segundo o materialismo dialético, qualquer que seja
a formação material considerada, quaisquer que sejam os domínios que
focalizamos, descobrimos necessariamente a presença de aspectos e de tendências
contrários, a unidade dos contrários, e a presença de contradições. Em
particular, para toda sociedade, a contradição entre a produção e o consumo é
um fato, para a sociedade de classes, há também a contradição entre as
diferentes classes; para o pensamento, há a interação da análise e da síntese;
para a atividade nervosa superior, há a excitação e a inibição, a irradiação e
a concentração dos estímulos. No organismo vivo desenvolvem-se permanentemente
processos contraditórios de absorção e de rejeição, de hereditariedade e de
mutações; na molécula, há processos de atração e de repulsão; no átomo, há a
interação dos elétrons e dos prótons, dos elétrons e dos pósitrons, dos prótons
e dos antiprótons; a própria partícula “elementar” representa igualmente a
unidade dos contrários e, em particular, o elétron é caracterizado como unidade
de onda e do corpúsculo, e assim também é o caso do fóton, unidade de energia
luminosa. Na mecânica, encontramos a ação e a retroação; na eletricidade, a
carga negativa e a positiva; no magnetismo, o polo Norte e o polo Sul; na
matemática, o mais e o menos etc. Logo, não há fenômenos em que não possamos
descobrir contradições, não há formação material ou ideal que não represente
uma unidade dos contrários.
Sendo uma forma universal da existência da matéria,
a contradição — unidade e luta dos aspectos contrários — é a lei fundamental da
realidade objetiva e do conhecimento, assim como uma das leis fundamentais da
dialética.”
“5. A CONTRADIÇÃO COMO ORIGEM DO MOVIMENTO E
DO DESENVOLVIMENTO
O reconhecimento da contradição, da unidade e
da luta contrários, enquanto condição universal da existência da matéria,
enquanto lei universal da realidade, permite ao materialismo dialético resolver
cientificamente a questão da origem do movimento e do desenvolvimento.
Os metafísicos, negando a existência objetiva
das contradições, fecharam para si mesmos o caminho de uma resolução mais ou
menos satisfatória do problema da origem do movimento, da força motriz da
matéria, e foram obrigados a se virar para a impulsão inicial como já o fizera
Newton, ou, então, recorreram a Deus, com o fizeram Aristóteles e Wetter,
filósofo idealista alemão contemporâneo ou, ainda, negaram a realidade do
movimento, classificando-o de aparente, como fez, em sua época, o filósofo grego
Zenon.
O materialismo dialético, ao contrário do
materialismo metafísico, considera as contradições, a luta dos aspectos e das
tendências próprios da formação material como a origem do movimento e do
desenvolvimento. A ideia da contradição como origem do movimento foi enunciada,
sob uma forma geral, pelo filósofo grego Heráclito e posteriormente
desenvolvida e generalizada por Hegel que a aplicou ao conhecimento. “A
contradição, escrevia Hegel, é o que realmente move o mundo e é ridículo dizer
que não podemos pensar a contradição”20. “A contradição... é a raiz
de todo movimento e de toda vitalidade”21.
Essa tese foi cientificamente criada e
desenvolvida, com uma base materialista, por Marx e Engels, depois por Lenin,
isto é, apenas pelo materialismo dialético. “O que constitui o movimento
dialético é a coexistência de dois lados contraditórios, sua luta e sua fusão
em uma nova categoria”22. O movimento, declara Engels, seguindo
Marx, faz-se “pela oposição dos contrários que, por seu conflito constante...
condicionam precisamente a vida da natureza”23. “O desenvolvimento,
diz Lenin, é a ‘luta’ dos contrários”24.
Com efeito, a contradição representa a
interação dos aspectos e das tendências contrárias. Essa interação condiciona sempre,
e ainda mais fortemente, quando ela se realiza entre os contrários, as mudanças
constantes nos aspectos ou entre os corpos em interação.
Por exemplo, a interação da produção e do
consumo, que são aspectos contrários da sociedade, condiciona uma mudança
incessante neles mesmos e nos domínios correspondentes da vida social. Com
efeito, pela produção de bens, os homens aperfeiçoam-se e suas necessidades
modificam-se. As novas necessidades que aparecem fixam novos, objetivos para a
produção. Para satisfazer essas necessidades, a produção desenvolve-se
necessariamente e os homens aperfeiçoam-se no decorrer de seu desenvolvimento.
Adquirem novas necessidades, que fixam a produção de novos objetivos e assim
sucessivamente. A produção em desenvolvimento acarreta o desenvolvimento das necessidades,
sua mudança, e as necessidades que se modificam trazem certas mudanças na
produção. À medida que se acumulam as mudanças na produção, à medida que se
aperfeiçoam as forças produtivas, estas últimas ultrapassam sensivelmente, em
seu desenvolvimento, as relações de produção, que começam, então, a refrear o
desenvolvimento das forças produtivas e acarretam suas mudanças que, por sua
vez, acarretam mudanças correspondentes nos órgãos do poder, na política, no
direito, na ética etc.
Tudo isso deixa evidente que a luta dos
contrários condiciona necessariamente mudanças correspondentes nos aspectos em
interação da formação material e naqueles que lhes estão ligados e, ao mesmo
tempo, condiciona seu desenvolvimento, sua passagem para um estado novo, qualitativamente
mais elevado, isto é, a luta dos contrários é a origem do movimento e do
desenvolvimento, a impulsão da vida.”
20
G. W. F. Hegel, Werke, Vollständige Ausgabe, v. 6, p. 242.
21
G. W. F. Hegel, Wissenschaft der Logik, in Sämtliche
Werke, v. 4, p. 546.
22
K. Marx, Misere de la philosophie,
Paris, Editions Sociales, 1961, p, 122.
23 F. Engels, La dialectique de la nature, p. 213.
24
V. Lenin, op. cit., t. 38, p. 344.
“A negação
dialética é a destruição da coisa condicionada por suas contradições internas,
no curso da qual o conteúdo positivo da formação negada é conservado e
desenvolve-se no interior da formação material mais perfeita, surgida em
decorrência dessa destruição. Por isso, não há absolutamente fundamento para
privar de autonomia uma negação dialética, como, por exemplo, a transformação,
no decorrer do desenvolvimento histórico, da propriedade privada escravagista
em propriedade feudal e da propriedade feudal em capitalista, porque ela contém
todos os indícios necessários da negação dialética. O processo da negação dialética
é condicionado aqui pelo desenvolvimento das contradições internas e é
acompanhado pela manutenção e pela repetição, em um estágio superior, do
conteúdo positivo do estágio inferior negado.”
“A possibilidade transforma-se em realidade
não em qualquer momento, mas somente nas condições determinadas, que são um
conjunto de fatores necessários à realização da possibilidade. Por exemplo, a
transformação da possibilidade da revolução socialista nos países capitalistas
em realidade não pode dar-se em qualquer momento, mas apenas nas condições
determinadas, ou seja, quando for criada no país uma tal situação que “a base”
não possa mais viver como anteriormente e a “cúpula” não possa mais governar à
maneira antiga, quando “a miséria agravar-se e a atividade das massas ganhar
uma maior intensidade”, quando “a classe operária tornar-se capaz ‘de conduzir
ações revolucionárias de massa’”, quando “ela possuir um partido, e puder
organizar e dirigir essas massas, a fim de derrubar as classes decadentes”13.
Se qualquer possibilidade só se transforma em
realidade quando existem condições determinadas, podemos, conhecendo essas ou
aquelas possibilidades, interferir no curso objetivo dos acontecimentos e,
criando artificialmente as condições requeridas, acelerar ou refrear sua
transformação em realidade.
Toda atividade prática dos homens baseia-se
exatamente nessa lei. Com efeito, todas as operações do trabalho nada mais são
do que ações que visam criar as condições necessárias para a realização dessas
ou daquelas possibilidades conhecidas, próprias aos objetos e aos fenômenos da
natureza, introduzidas nos processos de produção.”
13 V. Lenin, Oeuvres, t. 21, p. 216-7.
“XVI. DA RELAÇÃO DAS LEIS E DAS CATEGORIAS DA
DIALÉTICA
O que há de comum às leis e às categorias da
dialética é que tanto umas como as outras refletem as leis universais do ser,
ligações e os aspectos universais da realidade objetiva. A interpenetração dos
contrários, a passagem recíproca entre a qualidade e a quantidade, a repetição,
sobre uma nova base, do que já foi transposto, tanto os elementos refletidos
nas principais leis da dialética, quanto os que são tão universais como a
relação, além da causa e do efeito, do necessário e do contingente, da forma e
do conteúdo, exprimidos nas categorias correspondentes.
Ao mesmo tempo, as leis e as categorias
apresentam diferenças importantes que são concernentes, antes de tudo, ao
objeto do reflexo. As leis da dialética refletem as ligações e as relações
universais, enquanto que as categorias refletem, além disso, as propriedades e
os aspectos universais da realidade objetiva, o que faz com que o conteúdo das
categorias se revele mais rico do que o das leis. Por exemplo, a lei da
passagem das mudanças quantitativas reflete simplesmente a correlação da
quantidade e da qualidade; as categorias de qualidade e de quantidade,
incluindo essa lei, refletem igualmente os aspectos que constituem a qualidade
e a quantidade e a ligação de uma característica qualitativa ou quantitativa
com uma outra.
A diferença entre as leis e as categorias
concerne igualmente às formas do reflexo. As leis da dialética, assim como leis
de qualquer outra ciência, são juízos, enquanto que as categorias são uma forma
particular de conceitos.
Certos autores pensam que as categorias
refletem somente os aspectos, as propriedades, mas não refletem as correlações desses
aspectos entre si, que são, segundo esses autores, fixados pelas leis
correspondentes. Entretanto, a realidade está muito longe de ser assim. Esses
autores confundem o conteúdo das determinações dessas ou daquelas categorias
com o conteúdo das próprias categorias. As determinações das categorias não
contêm, efetivamente, leis da correlação dos aspectos ou dos momentos da realidade
que são refletidos por essas categorias. Elas fixam somente o específico e o
essencial, que permitem distinguir as categorias uma da outra e das outras. Mas
a determinação das categorias, como de qualquer outro conceito, não esgota, nem
pode esgotar, todo seu conteúdo. Ele é mais diversificado e mais rico do que as
propriedades e os traços englobados pela determinação. E encerra não somente os
aspectos, as propriedades correspondentes, mas igualmente a correlação entre
eles e os outros aspectos de formações materiais.
Em particular, o conteúdo da categoria de
quantidade está longe de ser esgotado pelo conjunto das propriedades que
traduzem o volume e as dimensões da coisa que figuram habitualmente nas
determinações dessa categoria. Ele encerra igualmente o fato de que a categoria
está organicamente ligada à qualidade, e de que em um estágio determinado de
sua mudança produz-se uma mudança de qualidade e que suas características
dependem das características qualitativas. Em outros termos, a categoria de
quantidade inclui em seu conteúdo, ao mesmo tempo, as propriedades que
caracterizam a qualidade e as leis da correlação da quantidade e da qualidade.
O mesmo ocorre com o que concerne à categoria
de qualidade, que tem por conteúdo não somente as propriedades que indicam o
que é a qualidade, mas ainda as propriedades que traduzem sua correlação com a
quantidade e, em particular, o fato de que suas diferenças sejam determinadas
pelas mudanças quantitativas, que ela modifica sob a influência das mudanças quantitativas
etc.
Podemos observar a mesma coisa na análise da
relação entre o conteúdo da lei da unidade e da “luta” dos contrários e o
conteúdo de uma categoria como a de “contradição”. A lei da unidade e da “luta”
dos contrários reflete e fixa o fato de que há luta entre os contrários
(contrários característicos dessa ou daquela formação material) que se excluem
e, ao mesmo tempo, estão unidos, e que essa luta, em última análise, leva à
solução da dita contradição e à passagem da coisa de um estado qualitativo a um
outro. A categoria de “contradição” contém todos esses momentos e ainda vários
outros, que entram no conteúdo da lei da unidade e da “luta” dos contrários. De
fato, a categoria de “contradição” fixa o fato de que a contradição é uma
interação entre aspectos opostos ou uma luta dos contrários. Além disso, a
categoria de “contradição” inclui igualmente a necessidade de distinguir as
contradições: interiores e exteriores, essenciais e não-essenciais,
fundamentais e não-fundamentais, principais e acessórias; e fixa também os
momentos concernentes a seu papel e à sua importância no desenvolvimento das
formações materiais e, em particular, o fato de que elas são a origem do
movimento e do desenvolvimento etc.
Assim, o conteúdo da categoria de “contradição”
é muito mais rico do que o da lei da unidade e da “luta” dos contrários.
Encontramos um fenômeno análogo examinando as
relações das outras categorias e das leis que lhes correspondem. Tomemos as
categorias de conteúdo e de forma e a lei que diz que o conteúdo determina a
forma. Essa lei diz unicamente que o conteúdo é determinante na relação
conteúdo-forma e que a forma aparece e muda em resposta ao aparecimento e à
mudança do conteúdo. No que diz respeito às categorias de conteúdo e de forma,
estas refletem, além desse, vários outros momentos. A categoria de conteúdo,
por exemplo, quando fixa o momento em que o conteúdo é determinante em relação
à forma, inclui a ideia de que o conteúdo é o conjunto dos aspectos e processos
internos do fenômeno ou da coisa, que ele muda continuamente, “corre” e, em seu
desenvolvimento, ultrapassa a forma, e que a forma que lhe corresponde
oferece-lhe grandes possibilidades de desenvolvimento etc.
As categorias incluem em seu conteúdo as leis
correspondentes: o fato de que a maioria das leis da dialética não se
manifestem na qualidade de objetos de estudo autônomos, mas sejam consideradas
como momentos determinados do conteúdo dessas ou daquelas categorias é uma
prova disso. Por exemplo, a lei de causalidade não é estudada como tal, em si
mesma, mas somente em ligação com as categorias de causa e efeito, somente como
momento de seu conteúdo. O mesmo acontece para a lei da correlação do necessário
e do contingente, estudada em ligação com a colocação em evidência do conteúdo
das categorias do necessário e do contingente. Também não são estudadas,
isoladamente, a lei da passagem recíproca do singular em geral e do geral em
singular; a lei segundo a qual a forma é determinada pelo conteúdo; a lei da
ação ativa da forma sobre o conteúdo. Essas leis são reproduzidas na
consciência somente como elementos constitutivos das categorias de singular e
de geral, de forma e de conteúdo.
É verdade que algumas leis da dialética se
apresentam a nós, não sob a forma de momentos do conteúdo dessas ou daquelas
categorias, mas como elas mesmas. Por exemplo, a lei da transformação das
mudanças quantitativas em mudanças qualitativas; lei da unidade e da “luta” dos
contrários; a lei da negação da negação. Essas leis são estudadas de maneira
autônoma, não porque seu conteúdo não entre no conteúdo das categorias
correspondentes, mas porque, ao contrário das outras leis da dialética, essas
são leis fundamentais que determinam as outras leis e que, de uma maneira ou de
outra, manifestam-se por meio delas. Assim, por exemplo, a lei da unidade e da “luta”
dos contrários determina algumas leis da correlação do singular e do geral, da
quantidade e da qualidade, da causa e do efeito, da forma e do conteúdo, do
necessário e do contingente, da possibilidade e da realidade etc. e, sob uma
forma ou sob outra, ela manifesta-se por meio delas. Com efeito, o singular e o
geral, a forma e o conteúdo, assim como o necessário e o contingente, a
possibilidade e a realidade etc. são contrários que, em certas condições,
mudam-se um no outro, tornando-se idênticos.
O mesmo acontece na lei da passagem das
mudanças quantitativas em mudanças qualitativas. Essa lei manifesta-se em
particular, de maneira determinada, na interação dos momentos ou aspectos,
refletidos por todas as categorias duplas. Por exemplo, a mudança da quantidade
do singular transforma-o necessariamente em geral (nova qualidade) e,
inversamente, uma mudança quantitativa determinada do geral condiciona sua
transformação em singular. Em decorrência do acúmulo das mudanças quantitativas
no conteúdo, haverá, cedo ou tarde, uma mudança da forma, que é acompanhada
pela passagem da formação material para um novo estado qualitativo. Finalmente,
um certo reforço desse ou daquele caráter contingente, correspondente às
condições de existência da formação material, leva a sua transformação em
necessário, que é, pelo caráter dado, um novo estado qualitativo etc.
Desde que essas leis da dialética são
fundamentais e determinam todas as outras ligações e relações universais, é
absolutamente normal e necessário distingui-las do conteúdo das categorias
correspondentes e dedicar-lhes mais atenção.”