Editora:
Boitempo
ISBN: 978-85-7559-645-6
Tradução: Marian
Toldy e Teresa Toldy
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 240
“Quando a maioria da população perceber seu governo
como representante da economia internacional e dos interesses financeiros – uma
vez que ele não convence nem a si mesmo das promessas de convergência do
neoliberalismo –, ela terá de ser excluída das decisões políticas; assim começa
a marcha em direção ao capitalismo livre da democracia – ou melhor, ela segue
em seu ritmo.”
“Tudo o que é social acontece no tempo, evolui com
o tempo e torna-se mais semelhante a si próprio no tempo e com o tempo. Só
podemos compreender o que vemos hoje se soubermos como era ontem e qual o seu
rumo atual. Tudo quanto existe está sempre num processo de evolução.”
“Gostaria de propor uma narrativa histórica da
evolução capitalista desde os anos 1970 que estabelece uma ligação entre aquilo
que interpreto como uma revolta do capital contra a economia mista (mixed
economy) do período pós-guerra, a ampla popularidade dos mercados de
trabalho e de consumo em expansão após o fim dos breves anos 1970 e ainda a sequência
de fenômenos de crise econômica desde aquela época até hoje – uma sequência que
atingiu, atualmente, o seu ponto alto numa tripla crise: dos bancos, dos
orçamentos públicos e do crescimento econômico. Considero o “desencadeamento”10
do capitalismo global no último terço do século XX resultado da resistência dos
detentores do capital e daqueles que dele dispõem – da classe dos “dependentes
do lucro” – às múltiplas restrições que o capitalismo foi obrigado a aceitar
depois de 1945 para voltar a ser politicamente viável nas condições da
concorrência de sistemas. Penso que a explicação para este êxito, assim como para
o fato de a revitalização do sistema capitalista enquanto economia de mercado
ter sido possível – contra todas as expectativas – se deve, entre outras
coisas, a uma política estatal que comprou com dinheiro tempo ao sistema
capitalista, garantindo uma espécie de lealdade das massas ao projeto
neoliberal de sociedade enquanto sociedade de consumo de uma forma que a teoria
do capitalismo tardio pura e simplesmente não podia imaginar. Fez isso,
primeiro, através do inflacionamento da massa monetária; depois, através de um
endividamento público crescente; e, por fim, através da concessão generosa de crédito
às famílias. Contudo, passado algum tempo, estas estratégias esgotaram-se de
uma forma bastante familiar à teoria da crise neomarxista, começando a minar o
funcionamento da economia capitalista, que também depende do respeito e da
satisfação das expectativas capitalistas de um retorno justo (just return).
Tudo isso fez surgir – repetidamente e por fases – problemas de legitimação,
ainda que não em primeira linha junto das massas, mas sim do capital. Esses
problemas assumiram a forma de crises econômicas de reprodução e acumulação que,
por sua vez, puseram em perigo a legitimação do sistema junto das populações
com autoridade democrática. Este perigo só pode ser ultrapassado à custa de uma
maior liberalização da economia política e de uma imunização da política econômica
contra a pressão democrática de base, cujo objetivo é recuperar a confiança dos
“mercados” no sistema.
Retrospectivamente, a história da crise do
capitalismo tardio desde os anos 70 afigura-se como um desenvolvimento da
tensão, muito antiga e fundamental, entre o capitalismo e a democracia – como dissolução
progressiva de um casamento forçado, arranjado entre ambos depois da Segunda
Guerra Mundial. Ao transformarem-se em problemas de acumulação, os problemas de
legitimação do capitalismo democrático perante o capital exigiram como condição
para sua solução que a economia capitalista se libertasse cada vez mais da
intervenção democrática. Assim, o lugar de garantia de uma base popular para o
capitalismo moderno transferiu-se da política para o mercado, enquanto mecanismo
de geração dos motivos capitalistas fundamentais da ganância e do medo (greed
and fear)11, ao mesmo tempo que crescia a imunização da economia
contra a democracia enquanto democracia de massas.”
10:
Andrew Glyn, Capitalism Unleashed.
Finance Globalization and Welfare. Oxford, Oxford University Press,
2006.
11: A ganância e o medo, de acordo com a descrição
que o capitalismo financeiro faz de si mesmo na ciência das finanças,
constituem os geradores de comportamento decisivos nos mercados bolsistas e na economia
capitalista, em geral, Hersh Shefrin, Beyond
Greed and Fear: Understanding Behavioral Finance and the Psychology of
Investing (Oxford, Oxford University Press, 2002).
“Na Alemanha, a crise quase não se fez notar,
durante anos, devido a circunstâncias especiais, bastante casuais e – visto de
fora – exóticas13.”
13: A Alemanha, ao contrário dos bons conselhos de
todos os “sábios”, defendeu a sua base industrial, e nos anos 80 e 90 não
avançou lentamente para a tão louvada “sociedade de serviços” segundo o modelo
americano ou britânico. Por isso, após 2008, possuía produtos para exportar,
especialmente automóveis de luxo e máquinas de uma qualidade que mais ninguém
conseguia apresentar. A economia alemã se beneficiava das elevadas taxas de
crescimento na China e da distribuição cada vez mais desigual de rendimentos no
país em crise, os Estados Unidos. Ao mesmo tempo, a taxa de câmbio na zona do
euro era fixa e, fora dela era mais baixa do que seria a taxa de câmbio de uma
moeda exclusivamente alemã. A crise financeira e fiscal na Europa baixou ainda
mais a taxa de câmbio do euro.
“Existe, manifestamente, uma ligação estreita entre
as três crises: a crise bancária está ligada à crise do Estado através do dinheiro;
a crise bancária está ligada à crise da economia real através do crédito;
e as crises das finanças públicas estão ligadas à economia real através das despesas
e receitas públicas. As crises reforçam-se reciprocamente, sendo que a
dimensão, a ponderação e a interligação das três variam de país para país.
Existem, simultaneamente, múltiplas interações entre os países: bancos que vão à
falência podem arrastar consigo bancos noutros locais; a subida generalizada de
juros de dívida soberana, provocada pela insolvência de um país, pode arruinar
as finanças públicas de muitos outros países; conjunturas favoráveis e
recessões a nível nacional têm impacto internacional, etc.
No verão de 2012, a atual crise das democracias
capitalistas já durava havia mais de quatro anos. Ela se manifesta de formas
sempre surpreendentemente novas, surgindo em primeiro plano novos países, crises
e combinações de crises. Ninguém sabe o que vai acontecer a seguir; os temas
mudam todos os meses, por vezes todas as semanas, mas quase todos voltam em
algum momento. O campo de ação política está minado com um número interminável
de efeitos secundários imprevisíveis. Se há casos em que se pode falar de
complexidade, este é um deles. Faça o que fizer a política para resolver um problema,
ela cria outro – no curto ou no longo prazo. O que põe fim a uma crise agrava a
outra; a cada cabeça da Hidra que se corta, crescem duas novas cabeças. É
necessário abordar demasiados problemas em simultâneo; as soluções de curto
prazo impossibilitam soluções de longo prazo. Aliás, nem sequer se procuram
soluções de longo prazo, uma vez que os problemas de curto prazo exigem prioridade;
surgem buracos por todo o lado que só podem ser tapados abrindo novos buracos
noutro lado. Não houve nenhum momento posterior à Segunda Guerra Mundial em que
os governos reunidos do Ocidente capitalista tivessem transmitido uma imagem de
tal desnorteamento e em que tivesse sido possível pressentir tanto pânico puro
e simples por trás das fachadas de serenidade otimista e de um domínio da situação
que resulta da superação de perigos.”
“Na realidade, a história do capitalismo posterior
aos anos 70 do século XX, incluindo as sucessivas crises econômicas ocorridas
neste período, é a trajetória de evasão do capital à regulação social que lhe
foi imposta após 1945, mas que ele próprio nunca desejou. Na sua origem, estão as
revoltas dos trabalhadores por volta de 1968 e a confrontação dos empregadores
das sociedades industriais maduras com uma nova geração de trabalhadores que
consideravam como adquiridos as taxas de crescimento e o progresso social
permanente da fase da reconstrução e, em geral, as promessas políticas dos anos
de fundação do capitalismo democrático. O capitalismo nem podia nem queria
satisfazer para sempre estas reivindicações.
Nos anos subsequentes, as elites capitalistas e os
seus aliados políticos procuraram uma forma de escapar às obrigações sociais
que tiveram de assumir para manter a paz e que, em termos gerais, também tinham
conseguido cumprir durante a fase de reconstrução. (...) O processo de liberalização,
que inclui, simultaneamente, uma técnica de controle, uma desresponsabilização
do Estado e uma libertação do capital, não avançou senão vagarosamente,
sobretudo enquanto a recordação dos abalos de 1968 ainda esteve presente, e foi
acompanhado por múltiplas disfunções políticas e econômicas, até atingir seu
momentâneo ponto alto na crise atual do sistema financeiro mundial e das
finanças públicas.”
“Em outras palavras, o capitalismo pressupõe um
contrato social no qual as expectativas recíprocas do capital e do trabalho, de
dependentes do lucro e dependentes do salário estão estabelecidas de modo mais
ou menos explícito, sob a forma de uma constituição econômica formal ou
informal. O capitalismo – ao contrário daquilo que as teorias econômicas e as
ideologias querem fazer acreditar – não é um estado natural, mas sim uma ordem
social que, estando associada a determinado tempo, necessita ser formada e legitimada:
é concretizada sob formas que variam conforme o lugar e ao longo da história,
podendo, a princípio, ser sempre negociada de novo e estando permanentemente
ameaçada de ruptura. Aquilo que ficou conhecido na bibliografia anglófona como postwar settlement do capitalismo
democrático começou a desmoronar na década de 70. Tratava-se de um entendimento
social resultante da situação pós-guerra relativo aos fundamentos negociais de
uma evolução do capitalismo sob uma nova forma. O capitalismo após 1945 encontrava-se
numa situação defensiva em todo o mundo. Tinha de se esforçar em todos os países
do Ocidente, então em formação, para conseguir prolongar e renovar a sua
licença social45, face a uma classe trabalhadora fortalecida na
sequência da guerra e da concorrência de sistemas. Isto só foi possível graças
às fortes concessões, previstas e possibilitadas pela teoria de Keynes: no
médio prazo, sob a forma de uma política conjuntural e de planeamento estatal
para garantir o crescimento, o pleno emprego, o equilíbrio social e uma
proteção crescente da imprevisibilidade do mercado; no longo prazo, sob a forma
de um desaparecimento histórico progressivo do capitalismo num mundo de taxas
de juro e de margens de lucro em níveis permanentemente baixos. Foi só nessas
condições (portanto, a serviço e sob o primado de fins sociais politicamente
definidos) que, após o fim da economia da guerra, foi possível integrar uma economia
do lucro reanimada numa democracia liberal estabilizada, protegida contra
retrocessos fascistas e tentativas estalinistas. Foram essas as condições que
tornaram politicamente exequível a reintrodução do direito à propriedade e ao
exercício do poder de dirigir. A assim chamada, na discussão teórica de
Frankfurt, “fórmula da paz” foi mediada, tal como seu cumprimento foi
supervisionado, por um Estado intervencionista que impunha disciplina ao
mercado, planejava e redistribuía, tendo também de garantir os fundamentos para
o negócio do novo capitalismo, sob pena de perder sua própria legitimidade.”
45: Poderíamos falar também, de uma forma radicalizada, da necessidade
de uma renovação da licença capitalista de caça aos lucros.
“Os três métodos utilizados sucessivamente para
criar ilusões de crescimento e de prosperidade – inflação, endividamento
público e endividamento privado – só funcionaram durante algum tempo. Depois,
tiveram de ser abandonados, porque começaram a impedir o processo de
acumulação, em vez de promovê-lo79. Entretanto, a revolução
neoliberal seguiu o seu curso e determinou as condições das próximas tentativas
de reparação da fórmula da paz capitalista. (...)
Se nos lembrarmos da evolução do capitalismo do
pós-guerra desde o fim dos trente
glorieuses, poderemos ter uma ideia aproximada da próxima etapa. Cada uma
das três transições para um novo modo de criação de legitimidade foi
acompanhada por derrotas da população dependente dos salários que permitiram
levar por diante o processo de liberalização: o fim da inflação foi acompanhado
por um enfraquecimento secular dos sindicatos, com o fim da sua capacidade de
greve e o início de um desemprego estrutural de longa duração que persiste até
hoje; a consolidação das finanças públicas nos anos 1990 foi acompanhada por
cortes profundos em direitos sociais, com a privatização dos serviços públicos
e por diversas formas de comercialização dos serviços de interesse geral, tendo
sido os partidos políticos e os governos, enquanto garantidores da seguridade social,
substituídos pelas companhias de seguros privadas; e o fim do “capitalismo a
crédito”80 foi acompanhado por uma perda de poupanças e de
rendimentos de capital planejados cuja extensão não se consegue prever, nem sequer
aproximadamente, assim como pelo desemprego, o subemprego e outros cortes nas
prestações estatais, na sequência de uma nova vaga de consolidação dos
orçamentos públicos. Além disso, a arena do conflito de distribuição
político-econômico foi sendo transferida para cada vez mais longe do mundo das
experiências e das possibilidades de intervenção política das mulheres e dos
homens “da rua”: essa arena passou do conflito salarial anual na empresa para
eleições periódicas de parlamentos e governos; depois, para mercados privados
de créditos e de seguros; e, por fim, para uma diplomacia financeira internacional,
totalmente afastada da vida quotidiana, cujos objetos e estratégias constituem
um livro fechado a sete chaves para todos, à exceção dos diretamente envolvidos
– ou, talvez, até mesmo para eles.
Seguir o caminho dos últimos cerca de quarenta anos
levará a uma tentativa de libertação definitiva da economia capitalista e dos
seus mercados, não dos Estados – uma vez que os primeiros continuarão a ser
dependentes da proteção dos últimos em muitos aspetos –, mas da democracia,
enquanto democracia de massas, de acordo com a forma que esta assumia no regime
do capitalismo democrático. Hoje, os meios para dominar as crises de
legitimação através da criação de ilusões de crescimento parecem esgotados. Em
especial, a magia do dinheiro produzida nas últimas décadas com a ajuda de uma
indústria financeira desenfreada tornou-se, ao que parece, definitivamente
muito perigosa para que se possa voltar a tentar comprar tempo recorrendo a
ela. Se não surgir outro milagre de crescimento, o capitalismo do futuro se verá
obrigado a viver sem a fórmula de paz de um consumismo financiado a crédito. A
utopia da gestão atual da crise também consiste na conclusão –por meios
políticos – da já muito avançada despolitização da economia política, cimentada
em Estados nacionais reorganizados sob o controlo de uma diplomacia
governamental e financeira internacional isolada da participação democrática,
com uma população que, nos longos anos de uma reeducação hegemônica, teve de
aprender a considerar justos ou sem alternativa os resultados de distribuição
dos mercados entregues a si mesmos.”
79: A inflação, assim como o endividamento público
e privado, não têm necessariamente de levar a crises. O aumento nominal de
salários em antecipação a futuros aumentos de produtividade pode acelerar a
mesma; a dívida pública pode financiar investimentos no crescimento, o que
permite, simultaneamente, o pagamento e desvalorização da mesma; e o crédito
pode antecipar a prosperidade gerada em seguida. Em todos estes três casos, o
resultado depende da reação dos detentores do capital de investimento: a
inflação pode começar a acelerar e, depois, provocar medo de perdas
patrimoniais e, por conseguinte, fuga de capitais; o endividamento público pode
atingir um ponto em que o serviço da dívida se torna duvidoso; e o mesmo se
diga do endividamento privado. De qualquer modo, o que é decisivo é a “confiança”
dos investidores na “racionalidade” dos agentes – portanto, na capacidade
destes últimos para compreenderem a “psicologia” dos primeiros e as suas
expectativas de lucro.
80: Ralf
Dahrendorf, “Vom Sparkapitalismus zum Pumpkapitalismus”, Cicero Online. 23 jul. 2009
“A análise retrospectiva da evolução da crise fiscal
nos permite verificar que o salto mais dramático no endividamento, registrado
após a Segunda Guerra Mundial – portanto, o de 2008 e dos anos seguintes – não
tem manifestamente qualquer relação com uma inflação de reivindicações legitimadas
democraticamente pelos cidadãos eleitores. Se houve reivindicações acrescidas, elas
partiram dos grandes bancos em situação difícil. Esses conseguiram
apresentar-se como “too big to fail”
– como “relevantes para o sistema” – e, por isso, dignos de resgate, sobretudo
também com a ajuda de muitos e influentes agentes seus nos aparelhos dos
Estados.”
“Thomas Kochan, um dos principais investigadores do
mercado de trabalho dos Estados Unidos, considera que a evolução dos salários no
país desde o fim dos anos 1970 revela a existência de uma ruptura do contrato
social estadunidense e chama a atenção para o fato de, até aquela época, a
produtividade, os rendimentos dos agregados familiares e os salários por hora
terem aumentado ao mesmo ritmo (1945 = 100, 1975 = 200). Contudo, depois, a
produtividade continuou a aumentar em linha reta, situando-se em 400, em 2010,
enquanto os salários médios por hora se mantiveram ao nível de cerca de 200,
portanto, ao nível dos anos de 1975 a 1980. De fato, os rendimentos dos
agregados familiares subiram para cerca de 250, mas só porque os agregados
familiares trabalharam mais horas, devido ao aumento da participação das
mulheres no mercado de trabalho e ao prolongamento dos expedientes13.
Os números mostram que, considerando o aumento da produtividade, os agregados
familiares dos trabalhadores nos Estados Unidos não ganharam praticamente nada
desde os anos 80, apesar do aumento do volume e da intensidade de trabalho, das
maiores exigências de flexibilidade e de um agravamento constante das condições
de emprego.
A situação é completamente diferente no que diz
respeito aos rendimentos residuais dos detentores e gestores do grande capital.
No dia 26 de março de 2012, Steven Rattner escreveu no The New York Times que, no mínimo, 93% do crescimento do
produto nacional gerado no ano de 2010 – 288 bilhões de dólares – haviam sido
distribuídos por 1% dos contribuintes mais ricos, sendo que 37% do crescimento beneficiou
0,1% dos mais ricos, cujo rendimento aumentou, com isso, 22%. A situação do 1%
dos mais ricos também foi sempre “melhorando, em todas as fases do crescimento econômico
das últimas duas décadas”, devido às muitas reduções de impostos: “Na fase de
crescimento com o governo de Clinton, 45% do crescimento global dos rendimentos
beneficiaram 1% dos mais riscos; na era Bush, essa porcentagem aumentou para
65%; atualmente, situa-se em 93%”14. Segundo o mesmo jornal, em texto de 12 de junho, em
2010, o patrimônio líquido de uma família americana média, depois de deduzida a
inflação, após o colapso do mercado imobiliário, caiu para o nível de 1990.
Sejam quais forem os dados utilizados para
descrever a redistribuição da base para o topo, ocorrida nos Estados Unidos na
sequência da revolução neoliberal, e sem precedentes na história, os resultados
são sempre os mesmos.”
13: Thomas
A. Kochan, “A Jobs Compact for America’s Future”, Harvard Business Review„ mar. 2012, p. 64-73, e Resolving Human Capital Paradox. A Proposal for a Jobs Compact. Policy Paper (Kalamazoo,
2012).
14: Hacker e Pierson apresentam dados um pouco mais
antigos, mas igualmente espantosos. Jacob
Hacker e Paul Pierson, “Winner-Take-All Politics. Public Policy, Political
Organization, and the Precipitous Rise of Top Incomes in the United States”, Politics and Society, n. 38, 2010. p. 152-204,
e Winner-Take-All Politics. How
Washington Made the Rich Richer — and Turned Its Back on The Middle Class (Nova
York, Simon & Schuster, 2011).
“Ao contrário daquilo que se continua a afirmar, invocando
a teoria revisionista da democracia dos anos 196017, a diminuição da
participação nas eleições não significa que os cidadãos estejam satisfeitos com
a situação e, por isso, desistam de nela intervir. Tal como mostrou Armin Schäfer18,
os eleitores que participam menos nas eleições são aqueles que possuem rendimentos
baixos e que pertencem às camadas sociais mais baixas. A diminuição da
participação deles é a mais acentuada. Por conseguinte, registra-se em todas as
regiões uma forte correlação negativa entre a participação nas eleições e a
taxa regional de desemprego e de beneficiários da assistência social. A dispersão
da participação nas eleições entre bairros das grandes cidades alemãs tem aumentado
continuamente em todas as eleições desde os anos 1970, sendo, entretanto, tão
baixa em bairros desfavorecidos do ponto de vista socioeconômico (com uma
elevada porcentagem de imigrantes e de desempregados, rendimentos baixos, etc.)
que os partidos já desistiram praticamente de fazer campanha eleitoral nesses
locais19 – o que diminui ainda mais a participação da margem
inferior da sociedade nas eleições e desloca as plataformas eleitorais dos
partidos ainda mais “para o centro”.
Tudo indica que a diminuição da participação
eleitoral nas democracias capitalistas não se explica com a satisfação, mas sim
com a resignação: os perdedores da transição neoliberal já não veem o que
esperar de uma mudança de partido no governo. A política da falta de
alternativa – conhecida como TINA (There Is No Alternative) na “globalização”
há muito bateu no fundo da sociedade: as eleições deixaram de fazer diferença,
sobretudo aos olhos daqueles que necessitariam de diferenças políticas. Quanto
menos esperança eles depositam em eleições, tanto menos perturbações
resultantes de intervenção política têm de recear aqueles que se podem dar ao
luxo de depositar sua esperança nos mercados. A resignação política das camadas
desfavorecidas protege o capitalismo contra a democracia e estabiliza a transição
neoliberal que lhe dá origem.”
17:
Seyrnour Martin Lipset, Political Man. The Social Bases of Politics (Garden City,
The Johns Hopkins University Press, 1963 [1960]).
18: Armin
Schäfer, “Die Folgen sozialer Ungleichheit für die Demokratie in Westeuropa”,
cit., e Republican Liberty and Compulsory
Voting, MPIfG Discussion Paper 11/17 (Colônia, 2011).
19: Para uma apresentação jornalística desse
contexto, ver Michael Schlieben, “Die wählen sowieso nicht”, Zeit On-line, 13 maio 2012.
“Já ficou várias vezes demonstrado que o
neoliberalismo necessita de um Estado forte que trave as exigências sociais
e, em especial, sindicais de interferência no jogo livre das forças de mercado.
Andrew Gamble mostrou isso de forma convincente no livro The Free Economy
and the Strong State20,
no qual ele dá o exemplo do governo de Thatcher. Pelo contrário, o
neoliberalismo não é compatível com um Estado democrático, se
entendermos por democracia um regime que intervém, em nome dos seus cidadãos e
através do poder público, na distribuição dos bens econômicos resultante do
funcionamento do mercado.”
20: Basingstoke. Duke University Press, 1988.
“O capital sempre teve possibilidade de reagir com
crises às interferências sociais no mercado que lhes pareceram excessivas. As
crises surgem quando aqueles que controlam os meios de produção imprescindíveis
acreditam que existe perigo de acabarem por não ser remunerados de acordo com
as suas concepções de justiça de mercado. Nesses momentos, a sua “confiança”
desce abaixo do nível mínimo necessário para os investimentos. Os detentores de
capital podem deslocar seu capital para o estrangeiro ou depositá-lo algures na
economia monetária, retirando-o para sempre ou temporariamente do circuito econômico
de uma jurisdição política que deixou de ser digna de confiança – causando
desemprego e baixo crescimento. Hoje, nas condições dos mercados capitais
liberalizados, isto aplica-se mais do que nunca.”
“O caso estadunidense constitui uma prova
impressionante de que as causas da crise financeira dos Estados devem ser
procuradas pelo menos tanto do lado das receitas como do lado da despesa
pública. A exigência popular de redução dos impostos serviu aos estrategistas
da resistência organizada aos impostos para atingir o objetivo mais abrangente,
isto é, impedir o Estado de prosseguir com programas sociais igualmente
populares. Essa estratégia remonta a finais dos anos 1970 e registou os seus
primeiros êxitos – que perduram, aliás, até hoje – na Califórnia. O lema deste
movimento extremamente bem sucedido, promovido por uma das figuras mais
influentes até hoje da política americana, o ativista anti-impostos Grover
Norquist37, era e é “starving
the beast”: matar o monstro de fome! O fato de o porta-estandarte político
deste movimento na primeira década do novo século, George W. Bush, que herdou
do seu antecessor no cargo um excedente orçamental, não ter tido nada mais
importante para fazer do que transformar novamente este excedente num déficit
(recorde) através de uma redução drástica dos impostos para super-ricos –
iniciando, simultaneamente, duas guerras, que aumentaram ainda mais os buracos
orçamentais do lado da despesa –, mostra que o objetivo primário do movimento
não consistia num orçamento do Estado equilibrado, mas sobretudo num recuo do Estado
de acordo com a doutrina neoliberal.”
37:
Robert Kuttner, Revolt of the Haves. Tax
Rebellions and Hard Times (Nova York, Simon & Schuster, 1980); Isaac
William Martin, The Permanent Tax Revolt.
How the Property Tax Transformed American Politics (Stanford, Stanford
University Press, 2008); Daniel Tarschys, “The Scissors Crisis in Public Finance”,
Policy Sciences, n. 15, 1983, p.
205-24.
“A crise financeira do Estado não se deve ao fato
de a massa da população, induzida por um excesso de democracia, ter retirado
demasiado para si dos cofres públicos; pelo contrário, os maiores beneficiários
da economia capitalista pagaram bem pouco – aliás, cada vez menos – aos cofres
públicos. Se houve uma “inflação de reivindicações” que levou a um déficit
estrutural das finanças públicas, ela se registrou nas classes altas, cujos
rendimentos e patrimônio aumentaram rapidamente nos últimos vinte anos, sobretudo
também devido às reduções de impostos a seu favor, enquanto os salários e as
prestações sociais nos estratos mais baixos da sociedade estagnavam ou até diminuíam
– uma evolução que, tal como dito, foi dissimulada, ou, pelo menos, legitimada
temporariamente, através da inflação, do endividamento do Estado e do “capitalismo
a crédito”.”
Há alguns livros em que fico muito na dúvida sobre qual nota atribuir – e este foi um deles.
ResponderExcluirSe a avaliação do blog fosse matemática, de um a cinco, este teria ficado em 3,5 – no meio termo entre bom e muito bom.